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Assim como fizeram os maiores e mais inovadores economistas, Ludwig von Mises analisou intensa e repetidamente o problema da condição lógica das proposições econômicas, i.e., como chegamos a conhecê-las e como as validamos. Na verdade, dentre todos aqueles que consideram que esse cuidado é indispensável para se obter um progresso sistemático na ciência econômica, ninguém supera Mises. Pois qualquer confusão relativa à resposta dessas questões fundamentais da operação intelectual de alguém teria que naturalmente levar a um desastre intelectual, i.e., a doutrinas econômicas falsas. Consequentemente, três livros de Mises são inteiramente dedicados ao esclarecimento dos fundamentos lógicos da ciência econômica: seu preliminar Epistemological Problems of Economics, publicado na Alemanha em 1933; seu Theory and History, de 1957; e seu Ultimate Foundations of Economic Science de 1962, o último livro de Mises, que foi lançado quando ele já tinha ultrapassado seus oitenta anos de idade. E seus trabalhos no campo específico da ciência econômica também invariavelmente expõem a importância que Mises atribui à análise dos problemas epistemológicos. Mais especificamente, Ação Humana, sua obra-prima, em suas inigualáveis primeiras cem páginas, lida exclusivamente com esses problemas, e as outras 800 páginas do livro estão repletas de considerações epistemológicas.
Desse modo, totalmente alinhado à tradição de Mises, os fundamentos da ciência econômica também são o assunto deste capítulo. Eu estabeleci para mim mesmo um objetivo composto de duas etapas. Primeiro quero explicar a solução proposta por Mises para o problema das fundamentações definitivas da ciência econômica, i.e., sua ideia de uma teoria pura da ação, ou praxeologia, como ele mesmo designa. E em segundo lugar, quero demonstrar por que a solução de Mises é muito mais do que apenas um insight incontestável sobre a natureza da ciência econômica e das proposições econômicas.
Ele fornece um insight que também torna possível a compreensão da fundamentação sobre a qual a epistemologia, em última análise, se baseia. Na verdade, conforme sugere o título do capítulo, quero mostrar que é a praxeologia que deve ser considerada o próprio fundamento da epistemologia, e, consequentemente, que Mises, além de seus grandes feitos como economista, também contribuiu com insights pioneiros relativos à justificação de toda tarefa da filosofia racionalista.[1]
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Deixe-me começar com a solução de Mises. Qual é a condição lógica de uma típica proposição econômica como a lei da utilidade marginal (de que sempre que a oferta de um bem, cujas unidades são consideradas de utilidade homogênea por uma pessoa, aumenta em uma unidade, o valor agregado a esta unidade deve diminuir pois ela só pode ser usada como um meio para se alcançar um objetivo que é considerado menos valioso do que o último objetivo alcançado anteriormente por uma unidade desse bem); ou da teoria quantitativa da moeda (de que sempre que a quantidade de moeda é aumentada, enquanto a demanda por moeda para ser mantida em encaixe permanece a mesma, o poder de compra da moeda irá diminuir)?
Ao formular sua resposta, Mises enfrentou um duplo desafio. Por um lado, havia a resposta oferecida pelos empiristas modernos. A Viena que Ludwig von Mises conhecia era na verdade um dos núcleos pioneiros do movimento empirista: um movimento que se encontrava na iminência de estabelecer-se como a filosofia acadêmica dominante no mundo ocidental, uma predominância que duraria por muitas décadas e que mesmo nos dias de hoje exerce grande influência na imagem que uma esmagadora maioria de economistas faz de sua própria disciplina.[2]
O empirismo considera a natureza e as ciências naturais seus modelos. De acordo com o empirismo, os exemplos de proposições econômicas mencionados acima possuem a mesma condição lógica das leis da natureza: bem como as leis da natureza, elas expressam relações hipotéticas entre dois ou mais eventos, basicamente na forma de declarações do tipo se/então. E, bem como as hipóteses das ciências naturais, as proposições da ciência econômica requerem contínuos testes vis-à-vis experiência. Uma proposição referente à relação entre eventos econômicos jamais pode ser absolutamente validada de uma vez por todas. Em vez disso, ela está eternamente sujeita ao resultado de possíveis experiências futuras. Estas experiências podem confirmar a hipótese. Mas isso não provaria que a hipótese é verdadeira, já que a proposição econômica teria usado termos gerais (na terminologia filosófica: universais) em sua descrição dos eventos relatados, e, portanto, se aplicaria a um número indefinido de casos ou exemplos, desse modo sempre deixando margem para que futuras experiências as refutem. Tudo que uma confirmação provaria é que ainda não foi revelado que a hipótese é falsa. Por outro lado, a experiência pode refutar a hipótese. Isso certamente provaria que alguma coisa estava errada com a hipótese da maneira como ela foi elaborada. Mas isso não provaria que as relações hipotetizadas entre os eventos descritos jamais poderiam ser encontradas. Isso apenas mostraria que, levando em conta e controlando durante as observações apenas o que até então tenha sido realmente levado em conta e controlado, a relação ainda não foi revelada. No entanto, não pode ser descartado que ela poderia ser revelada tão logo alguma outra circunstância venha a ser controlada.
A postura que essa filosofia incentiva e que de fato se tornou característica da maioria dos economistas contemporâneos e de seus modos de conduzir suas tarefas é de ceticismo: o lema é “não se pode ter certeza de que nada seja impossível no campo dos fenômenos econômicos”. Mais precisamente, uma vez que o empirismo considera que os fenômenos econômicos são dados objetivos, estendendo-se no espaço e sujeitos a medições quantificáveis – numa analogia perfeita com os fenômenos das ciências naturais –, o ceticismo peculiar dos economistas empiristas pode ser descrito como o de um engenheiro social que não dará certeza de nada.[3]
O outro desafio veio por parte da escola historicista. Na verdade, durante o período que Mises morou na Áustria e na Suíça, a filosofia historicista era a ideologia dominante das universidades de língua alemã e de suas elites acadêmicas. Com a ascensão do empirismo, essa proeminência se reduziu consideravelmente. Porém, mais ou menos na última década o historicismo ganhou força novamente no mundo acadêmico ocidental. Hoje ele nos acompanha em toda parte sob nomes como hermenêutica, retórica, desconstrucionismo e anarquismo epistemológico.[4]
Para o historicismo, e isto é ainda mais fácil de ser notado em suas versões contemporâneas, o modelo não é a natureza, e sim um texto literário. Os fenômenos econômicos, segundo a doutrina historicista, não são magnitudes objetivas que possam ser medidas. Ao invés disso, elas são expressões e interpretações subjetivas desenrolando-se na história para serem compreendidas e interpretadas pelo economista do mesmo modo que um texto literário desenrola-se diante de seus leitores e é interpretado por eles. Sendo criações subjetivas, a sequência de seus eventos não segue nenhuma lei objetiva. Tanto em textos literários quanto na sequência de expressões e interpretações históricas, nada é regido por relações constantes. Logicamente, certos textos literários realmente existem, do mesmo modo que certas sequências de eventos históricos também existem. Mas isso de maneira alguma quer dizer que nada deveria ter acontecido da maneira que aconteceu. Simplesmente aconteceu. Do mesmo modo que alguém sempre pode inventar histórias literárias diferentes, a história e a sequência de eventos históricos também poderiam ter acontecido de uma maneira completamente diferente. Além disso, segundo o historicismo, sendo ainda mais visível em suas versões hermenêuticas modernas, a formação dessas expressões humanas e suas interpretações sempre relacionadas por acaso também não são regidas por nenhuma lei objetiva. Na produção literária qualquer coisa pode ser expressada ou interpretada; e, seguindo a mesma linha, eventos históricos e econômicos podem ser qualquer coisa que alguém expresse ou interprete que eles sejam, e, portanto, suas descrições feitas pelo historiador e economista podem ser qualquer coisa que ele expresse ou interprete que esses eventos passados subjetivos tenham sido.
A postura que a filosofia historicista suscita é a do relativismo. Seu lema é “tudo é possível”. Sem ser limitada por nenhuma lei objetiva, pois a história e a ciência econômica historicista-hermeneuta, juntamente com a crítica literária, são questões de estética. E consequentemente seu resultado toma a forma de averiguações a respeito do que alguém sente em relação ao que acha que foi experimentado por outra pessoa – uma forma literária que só estamos acostumados a ver em campos como os da sociologia e das ciências políticas.[5]
Acredito que intuitivamente seja possível perceber que há alguma coisa muito errada tanto na filosofia empirista quanto na historicista. Suas considerações epistemológicas sequer parecem se conformar com os modelos propostos por elas mesmas: a natureza por um lado e os textos literários por outro. E de qualquer modo, com relação a proposições econômicas tais como a lei da utilidade marginal ou a teoria quantitativa da moeda, suas considerações parecem completamente absurdas. Certamente, ninguém considera que a lei da utilidade marginal seja uma lei hipotética, eternamente sujeita a ter sua validação confirmando ou contradizendo experiências que apareçam por aí. E é algo totalmente ridículo imaginar que o fenômeno referido na lei seja de magnitudes quantificáveis. Ainda pior é a interpretação historicista. É absurdo achar que a relação entre os eventos referidos na teoria quantitativa da moeda possa ser desfeita se alguém assim desejar. E igualmente absurda é a ideia de que conceitos como moeda, demanda por moeda e poder de compra são formados sem nenhuma restrição objetiva e se referem apenas a criações subjetivas volúveis. Ao invés disso, por oposição à doutrina empirista, os dois exemplos de proposições econômicas aparentam ser logicamente verdadeiros e se referir a eventos que são subjetivos na natureza. E ao contrário do que afirma o historicismo, pareceria que o que eles declaram seria impossível de ser desfeito em toda a história e conteria distinções conceituais que, enquanto se referem a eventos subjetivos, seriam no entanto objetivamente restritos e incorporariam conhecimento universalmente válido.
Como a maioria dos mais proeminentes economistas antes dele, Mises também compartilhava dessas intuições.[6] Todavia, na busca das fundamentações da ciência econômica, Mises vai além da intuição. Ele enfrenta o desafio proposto pelo empirismo e pelo historicismo de reconstruir sistematicamente as bases pelas quais essas intuições possam ser entendidas como corretas e justificadas. Ele não pretende com isso colaborar com o surgimento de uma nova disciplina econômica. Porém, ao explicar o que até então era apenas entendido intuitivamente, Mises vai muito além do que qualquer coisa que já tinha sido feita antes. Ao reconstruir as fundamentações racionais das intuições dos economistas, ele nos garante o caminho apropriado para qualquer desenvolvimento futuro na ciência econômica e nos protege de erros intelectuais sistemáticos.
Logo no início de sua reconstrução Mises nota que o empirismo e o historicismo são doutrinas autocontraditórias.[7] A ideia empirista de que todos os eventos, naturais ou econômicos, são relacionados apenas hipoteticamente é negada pela própria mensagem dessa proposição empirista básica: pois se esta própria proposição fosse apenas hipoteticamente considerada verdadeira, i.e., uma proposição hipoteticamente verdadeira relativa a proposições hipoteticamente verdadeiras, ela sequer poderia ser considerada um pronunciamento epistemológico. Porque desse modo ela não forneceria nenhuma justificação para a alegação de que as proposições econômicas não são, e nem podem ser, categoricamente, ou a priori, verdadeiras, da maneira que nossa intuição nos diz que elas são. No entanto, se assumíssemos que a própria premissa básica empirista fosse categoricamente verdadeira, i.e., se assumíssemos que podemos dizer alguma coisa verdadeira a priori sobre a maneira que os eventos são relacionados, então isso iria contradizer a própria tese de que o conhecimento empírico deve ser invariavelmente um conhecimento hipotético, criando assim condições para que uma disciplina como a ciência econômica reivindique produzir conhecimento empírico válido a priori. Além disso, a tese empirista de que os fenômenos econômicos devem ser concebidos como magnitudes observáveis e mensuráveis – análogos aos das ciências naturais – torna-se inconcludente igualmente devido às suas próprias implicações: pois, obviamente, o empirismo pretende nos fornecer um conhecimento empírico significativo quando ele nos diz que nossos conceitos econômicos são baseados em observações. Não obstante, os próprios conceitos de observação e medição, os quais os empiristas devem empregar ao reivindicar suas afirmações, obviamente não são derivados de experiências que fazem uso de observações, no sentido em que galinhas e ovos ou maças e peras são. Não se pode observar alguém fazendo uma observação ou uma medição. Em lugar disso, deve-se primeiro entender o que são observações e medições para aí sim ser capaz de interpretar certos fenômenos observáveis como um ato de observação ou de medição. Desse modo, contrariando sua própria doutrina, o empirismo é obrigado a admitir que existe conhecimento empírico baseado em entendimento – assim como, em conformidade com nossas intuições, as proposições econômicas reivindicam ser baseadas em entendimento – em vez de em observações.[8]
E as autocontradições do historicismo são tão evidentes quanto. Pois se, como afirma o historicismo, os eventos históricos e econômicos – os quais ele entende como sequências de eventos subjetivamente compreendidos ao invés de eventos observáveis – não são governados por nenhuma relação constante e intemporal, então esta própria proposição também não pode reivindicar dizer alguma coisa constantemente verdadeira sobre historia e economia. Ao contrário, ela seria uma proposição com um valor veritativo, por assim dizer, efêmero: ela pode ser verdadeira agora, se assim desejarmos, porém pode ser falsa num próximo momento, caso não desejarmos mais, com ninguém nunca sabendo o que desejaremos. No entanto, se fosse essa a condição da premissa historicista básica, ela obviamente também não poderia ser considerada uma epistemologia. O historicismo não teria nos fornecido nenhuma justificativa de por que deveríamos acreditar nele. Porém, se a proposição básica do historicismo fosse considerada invariavelmente verdadeira, então essa proposição a respeito da natureza constante de fenômenos históricos e econômicos iria contradizer sua própria doutrina que rejeita qualquer tipo de constantes. Além disso, a afirmação dos historicistas – e mais ainda a de seus sucessores modernos, os hermeneutas – de que os eventos históricos e econômicos não passam de criações subjetivas, não limitadas por nenhum fator objetivo, é demonstrada falsa pelo próprio enunciado que a forma. Pois evidentemente um historicista deve assumir que essa afirmação seja verdadeira e significativa; ele deve presumir dizer algo específico sobre alguma coisa, ao invés de apenas pronunciar sons sem sentido como abracadabra. Não obstante, se for isso, então claramente deve-se assumir que sua afirmação é limitada por algo fora do âmbito das criações arbitrárias subjetivas. Obviamente, posso dizer aquilo que o historicista diz em inglês, alemão ou chinês, ou em qualquer outro idioma que eu queira, contanto que expressões e interpretações históricas e econômicas possam ser consideradas meras criações subjetivas. Mas qualquer coisa que eu diga, qualquer que seja o idioma, deve-se assumir que seja limitado por algum significado proposicional implícito em minha declaração, que é o mesmo para todos os idiomas, e sua existência é completamente independente de qualquer forma linguística peculiar que possa ser expressada. E ao contrário da crença historicista, a existência desse limitante não quer dizer que seja possível fazer uso dele como se desejar. Em vez disso, ele é objetivo naquilo que podemos entender que seja a pressuposição logicamente necessária para se dizer qualquer coisa com algum significado, em oposição a apenas produzir sons sem sentido. O historicista não poderia alegar dizer nada se não fosse pelo fato de que suas expressões e interpretações estão realmente limitadas por leis de lógica como a própria pressuposição de declarações significativas como esta.[9]
Com essa refutação do empirismo e do historicismo, observa Mises, as afirmações da filosofia racionalista são restabelecidas com sucesso, e fica justificada a possibilidade de declarações verdadeiras a priori, como parecem ser as da ciência econômica. Na verdade, Mises literalmente considera que suas próprias investigações epistemológicas são a continuação da obra da filosofia racionalista ocidental. Com Leibniz e Kant, ele se coloca contra a tradição de Locke e Hume.[10] Ele fica ao lado de Leibniz quando replica o famoso pronunciamento de Locke de que “não existe nada no intelecto que não tenha estado antes nos sentidos” com o seu igualmente famoso “exceto o próprio intelecto”. E ele reconhece que sua tarefa como um filósofo da ciência econômica é absolutamente análoga à de Kant como um filósofo da razão pura, i.e., da epistemologia. Assim como Kant, Mises pretende demonstrar a existência de proposições sintéticas verdadeiras a priori, ou proposições cujos valores veritativos possam ser estabelecidos definitivamente, mesmo que para se chegar a isso os meios da lógica formal sejam insuficientes e as observações sejam desnecessárias.
Minha crítica ao empirismo e ao historicismo confirmou a reivindicação geral racionalista. Ela demonstrou que nós realmente possuímos um conhecimento que não é derivado da observação e ainda é limitado por leis objetivas. Na verdade, nossa refutação do empirismo e do historicismo é dotada desse conhecimento sintético a priori. Porém, de que maneira seria possível cumprir a importante tarefa de mostrar que as proposições da ciência econômica – tais como a lei da utilidade marginal e a teoria quantitativa da moeda – podem ser consideradas um conhecimento desse tipo? Para cumprir essa missão, observa Mises em conformidade com a rigidez formulada tradicionalmente pelos filósofos racionalistas, as proposições econômicas devem obedecer a dois pré-requisitos: primeiro, deve ser possível demonstrar que elas não são derivadas de evidências baseadas em observações, pois essas evidências só podem revelar as coisas ao acaso; elas não contêm nada que possa indicar porque as coisas devem ser como elas são. Ao invés disso, deve-se demonstrar que as proposições econômicas são baseadas na cognição refletiva, em nosso entendimento de nós mesmos como seres inteligentes. E segundo, esse entendimento refletivo deve capitular certas proposições como axiomas materiais autoevidentes. Não no sentido de que esses axiomas teriam que ser autoevidentes no sentido psicológico, ou seja, que eles teriam que ser percebidos imediatamente ou que suas veracidades dependessem de um sentimento psicológico de convicção. Pelo contrário, assim como Kant antes dele, Mises deu extrema importância ao fato de que é geralmente muito mais trabalhoso descobrir esses axiomas do que descobrir algumas verdades através de observações como a de que as folhas das árvores são verdes ou a de que eu tenha 1,89 metros de altura.[11] Em vez disso, o que fazem deles axiomas materiais autoevidentes é o fato de que ninguém pode negar suas validades sem se autocontradizer, porque ao tentar negá-los já se estaria pressupondo sua validade.
Mises observa que ambos os pré-requisitos são obedecidos por aquilo que ele denomina como axioma da ação, i.e., a proposição de que os homens agem, de que eles manifestam um comportamento proposital.[12] Obviamente, esse axioma não é derivado de observações – existem apenas movimentos corporais para serem observados e não “ações” – mas originam-se a partir do entendimento refletivo. E este entendimento é na verdade um entendimento de proposição autoevidente. Pois sua veracidade não pode ser negada, já que a própria negação teria que ser considerada uma ação. Mas isso não seria apenas uma trivialidade? E o que a ciência econômica tem a ver com isso? Logicamente, já havia sido admitido que conceitos econômicos como preços, custos, produção, moeda, crédito etc. estavam relacionados com o fato de que havia pessoas agindo. Mas dizer que toda a ciência econômica está baseada nesse tipo de proposições triviais e que pode ser reconstruída a partir delas é algo que certamente não é óbvio. Uma das maiores realizações de Mises foi ter demonstrado exatamente isso: que há insights implícitos nesses axiomas de ação triviais no sentido psicológico que não eram autoevidentes psicologicamente; e que são esses insights que fornecem a fundamentação para os teoremas da ciência econômica como proposições sintéticas verdadeiras a priori.
Com certeza não é psicologicamente evidente que um agente busca um objetivo em toda ação; e que, qualquer que seja esse objetivo, o fato de que ele foi buscado por um agente revela que ele deve ter valorizado esse objetivo relativamente mais do que a qualquer outro que ele tenha considerado no momento em que começou a agir. Não é evidente que, para atingir seu objetivo mais altamente valorizado, um agente deve interferir ou decidir não interferir – o que, logicamente, também é uma interferência proposital – algum momento antes a fim de produzir um resultado posterior; nem é óbvio que essa interferência implica o uso de alguns meios escassos – no mínimo o corpo do agente, o lugar onde ele esteja e o tempo consumido pela ação. Não é autoevidente que, por conseguinte, esses meios também devam ter valor para um agente – um valor derivado do valor do objetivo – porque o agente deve considerar a necessidade de usá-los para efetivamente atingir o objetivo; e que tais ações só podem ser executadas em uma sequência, sempre envolvendo uma escolha, i.e., adotando um curso de ação que em algum dado momento assegure os resultados mais altamente valorizados para o agente e excluindo ao mesmo tempo a busca de outros objetivos menos valorizados. Não é automaticamente evidente que, como uma consequência de ter escolhido e dado preferência a um objetivo em lugar de outro – de não ser capaz de realizar todos os objetivos simultaneamente –, toda e qualquer ação implica custos, i.e., abrir mão do valor agregado ao objetivo alternativo mais valorizado que não pode ser realizado ou cuja realização deve ser adiada, porque os meios necessários para alcançá-lo estão comprometidos na produção de outro objetivo ainda mais valorizado. E, finalmente, não é evidente que, no seu ponto de partida, todo objetivo de uma ação deve ser considerado mais valoroso para o agente do que seus custos e ser apto a proporcionar um lucro, i.e., um resultado cujo valor é maior do que o valor da oportunidade antecedente, e, ainda, que toda ação também invariavelmente corre o risco de resultar em um prejuízo se um agente descobrir, em retrospecto, que ao contrário de suas expectativas o resultado que foi alcançado na prática na verdade possui um valor menor do que o valor que a alternativa abdicada teria proporcionado.
Todas essas categorias que sabemos tratar do próprio âmago da ciência econômica – valores, fins, meios, escolha, preferência, custo, lucro e prejuízo – estão implícitas no axioma da ação. Como o próprio axioma, elas não são derivadas da observação. Ao invés disso, o fato de sermos capazes de interpretar as observações em termos de categorias como essas requer que já tenhamos a consciência de o que significa agir. Alguém que não seja um agente jamais poderia compreendê-las, pois elas não são “dados”, prontos para serem observados, mas a experiência que faz uso de observações é moldada nesses termos do jeito que é interpretada por um agente. E ao passo que elas e suas inter-relações não estavam claramente implícitas no axioma da ação, uma vez que ficou explícito que elas estavam implícitas e de que maneira o estavam, ninguém tem mais nenhuma dificuldade em reconhecer que elas são verdadeiras a priori, no mesmo sentido que o próprio axioma. Pois qualquer tentativa de refutar a validade do que Mises restabeleceu como implícito no próprio conceito de ação teria que visar um objetivo, necessitar de meios, excluir outros cursos de ação, incorrer em custos, sujeitar o agente à possibilidade de atingir ou não o objetivo desejado e resultar assim em um lucro ou em um prejuízo. Desse modo, é inequivocamente impossível questionar ou refutar a validade dos insights de Mises. Na verdade, uma situação na qual as categorias de ação deixassem de possuir uma existência real jamais poderia ser observada ou relatada, uma vez que fazer uma observação e falar são ações.
Todas as proposições econômicas verdadeiras, e é exatamente isso de que trata a praxeologia e no que consiste o grande insight de Mises, podem ser deduzidas por meio da lógica formal a partir desse conhecimento material incontestavelmente verdadeiro relativo ao significado de ação e suas categorias. Mais especificamente, todos os teoremas econômicos verdadeiros consistem de (a) um entendimento do significado de ação, (b) uma situação ou alteração de situação – que é considerada dada ou identificada como dada – e descrita em termos dessas categorias de ação, e (c) uma dedução lógica das consequências – novamente em termos dessas categorias – que devem ocorrer para um agente a partir dessa situação ou alteração de situação. A lei da utilidade marginal, por exemplo[13], resulta de nosso conhecimento indiscutível do fato de que todo agente invariavelmente prefere o que o satisfaz mais àquilo que o satisfaz menos, somado-se à suposição de que ele se depara com um aumento na oferta de um bem (um meio escasso) cujas unidades ele considera possuir uma utilidade homogênea, em uma unidade. Disso se segue com necessidade lógica que essa unidade adicional só pode ser utilizada como um meio para a remoção de um desconforto que é considerado menos urgente do que o objetivo menos valorizado já alcançado anteriormente por uma unidade desse bem. Contanto que não haja nenhum erro no processo de dedução, as conclusões que podem ser obtidas pela teorização econômica, que não diferem no caso da lei da utilidade marginal ou no caso de qualquer outra proposição econômica, devem ser válidas a priori. A validade dessas proposições podem ter suas origens investigadas até se chegar em última análise ao indisputável axioma da ação. Fazer como os empiristas, afirmando que essas proposições requerem testes empíricos contínuos para serem confirmadas, é um absurdo e um sinal de uma completa confusão mental. É tão absurdo e confuso quanto dizer o que diz o historicismo, que a ciência econômica não tem nada a dizer sobre relações constantes e invariáveis e que ela somente lida com eventos que ocorrem por acaso ao longo da história. Dizer isso significa provar que tal declaração é falsa, pois querer dizer qualquer coisa que faça sentido já pressupõe ação e um conhecimento do significado das categorias da ação.
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Tal explicação da resposta que Mises deu ao desafio de encontrar as fundamentações da ciência econômica é suficiente para satisfazer nossos propósitos aqui. Voltemo-nos agora ao meu segundo objetivo: a explanação de por que e como a praxeologia também fornece os fundamentos para a epistemologia. Mises estava ciente disso e estava convencido da grande importância que seu insight tinha para a filosofia racionalista. No entanto, Mises não tratou essa questão de uma forma sistemática. Existem apenas algumas poucas observação relativas a esse problema, espalhadas ao longo de seu gigantesco acervo de escritos. Por essa razão, a partir deste ponto devo tentar desbravar novos caminhos.
Darei início à minha explanação introduzindo um segundo axioma a priori e esclarecendo sua relação com o axioma da ação. Este entendimento é a chave para solucionar nosso problema. O segundo axioma é conhecido por “a priori da argumentação”, que diz que os humanos são capazes de incorrer em uma argumentação e, portanto, conhecem os significados de verdade e validade.[14] Assim como no caso do axioma da ação, esse conhecimento não é derivado de observações: tudo que há para ser observado é um comportamento verbal e é necessária uma cognição refletiva prévia para interpretar esse comportamento como argumentos significativos. E a validade desse axioma, do mesmo modo que a validade do axioma da ação, é irrefutável. É impossível alguém negar que é capaz de argumentar, pois a negação em si já seria um argumento. Na verdade, uma pessoa não seria nem capaz de dizer em pensamento “eu não tenho a capacidade de argumentar” para si mesma sem desse modo se autocontradizer. Uma pessoa não é capaz de argumentar que ela não é capaz de argumentar. E ninguém pode dizer que não sabe o que significa fazer a reivindicação da verdade ou validade de uma alegação sem reivindicar implicitamente que a negação desta proposição seja verdadeira.
Não é difícil perceber que os dois axiomas a priori – da ação e da argumentação – estão intimamente ligados. Por um lado, as ações são mais fundamentais que as argumentações, e é devido à sua existência que a ideia de validade pode surgir, ao passo que a argumentação é só uma subclasse de ação. Por outro, argumentação se faz necessária para reconhecer esses fatos concernentes à ação e à argumentação e suas ligações mútuas. E, portanto, nesse sentido, a argumentação deve ser considerada mais fundamental que a ação: sem argumentação não seria possível dizer que se sabe algo sobre a ação. Mas a própria argumentação revela que ela mesma pressupõe ação, porque reivindicações de validade só podem ser explicitamente discutidas no curso de uma argumentação se os indivíduos envolvidos já souberem o que significa agir e tiverem conhecimento implícito na ação. Assim, tanto o significado de ação em geral quanto o da argumentação em particular devem ser considerados como cordas entrelaçadas logicamente necessárias ao conhecimento a priori.
Esta investigação acerca da inter-relação entre o a priori da ação e o a priori da argumentação sugere o seguinte: tradicionalmente, a tarefa da epistemologia tem sido considerada a de formular o que pode ser entendido como verdadeiro a priori e também o que pode ser entendido a priori não ser a matéria do conhecimento a priori. Reconhecer, como acabamos de fazer, que reivindicações de conhecimento são feitas e decididas ao longo de uma argumentação – e que isso é inegável – torna possível restabelecer com maior precisão a tarefa da epistemologia como sendo a de formular aquelas proposições que são indiscutíveis argumentativamente, uma vez que suas validades já estão implícitas no próprio fato de se incorrer em uma argumentação e, portanto, não podem ser negadas argumentativamente; e também a tarefa de delimitar o alcance desse conhecimento a priori, separando-o do campo das proposições cujas validades não possam ser estabelecidas dessa maneira, mas necessitam de informações contingentes adicionais para serem validadas, ou que simplesmente não podem ser validadas e por isso não passam de meras afirmações metafísicas (no sentido pejorativo do termo metafísico).
Mas o que está implícito no próprio ato de argumentar? É a resposta a essa questão que é fornecida pela nossa investigação acerca das complexas interconexões entre o a priori da argumentação e o da ação: de um modo bem geral, não se pode negar argumentativamente que a argumentação pressupõe uma ação e que argumentos (e o conhecimento incorporado neles) pertencem aos agentes. E, mais especificamente, não é possível negar que o próprio conhecimento é uma categoria de ação; que a estrutura do conhecimento deve ser constrita pela função peculiar que o conhecimento desempenha no âmbito das categorias de ação; e que a existência desses limitantes estruturais nunca pode ser refutada por qualquer tipo de conhecimento.
É nesse sentido que deve-se considerar que os insights contidos na praxeologia fornecem os fundamentos da epistemologia. O conhecimento pertence a uma categoria bem diferente daquelas que expliquei anteriormente – das de meios e fins. Tanto os fins que perseguimos com afinco através de nossas ações quanto os meios que utilizamos para tentar alcançá-los são valores escassos. Os valores que são atribuídos aos nossos objetivos são condicionados ao consumo e são exterminados e destruídos no consumo, e portanto devem ser novamente produzidos ad infinitum. E os meios utilizados também devem ser economizados. No entanto, o mesmo não procede em relação ao conhecimento – independentemente de alguém considerá-lo um meio ou um fim em si mesmo. Logicamente, o uso de meios escassos se faz necessário para se adquirir conhecimento – pelo menos o tempo e o próprio corpo. Porém, assim que o conhecimento é adquirido, ele deixa de ser escasso. Ele não pode ser consumido e os serviços que ele pode prestar como um meio não se exaurem. Uma vez adquirido, ele é um recurso inesgotável e incorpora um valor eterno, contanto que não seja simplesmente esquecido.[15] No entanto, o conhecimento não é um bem livre no mesmo sentido que o ar, em condições normais, é. Em vez disso, ele é uma categoria da ação. Ele não é apenas um ingrediente mental usado em toda e qualquer ação. Mas, o que é mais importante, bem diferente do ar, o conhecimento está sujeito a um processo de verificação, o que significa dizer que ele precisa provar que realiza uma função positiva para um agente dentro das limitações constantes da estrutura categórica das ações. É tarefa da epistemologia esclarecer quais são essas limitações e, desta forma, o que é possível se saber sobre a estrutura do conhecimento como tal.
Mesmo que o reconhecimento das limitações praxeológicas sobre a estrutura do conhecimento não seja por si só instantaneamente considerado de grande importância, ele sem dúvida possui algumas implicações extremamente importantes. Primeiramente, sob a luz desse insight, uma dificuldade recorrente da filosofia racionalista é superada. Uma crítica comum ao racionalismo da tradição Leibniz-Kant sempre foi a de que ele aparentemente implica algum tipo de idealismo. Ao entender que as proposições verdadeiras a priori não podem ser derivadas de observações, o racionalismo responde à questão de como o conhecimento a priori pode ser obtido através da adoção do modelo de uma mente ativa, em contraste com o modelo empirista de uma passiva, da mente como um espelho na tradição de Locke e Hume. De acordo com a filosofia racionalista, as proposições verdadeiras a priori estavam fundamentadas na operação dos princípios do pensamento, que não poderiam ser concebidos operando de outra forma; elas estavam baseadas nas categorias de uma mente ativa. Nesse momento, como os empiristas faziam questão de mostrar, a crítica óbvia a essa posição é que, se fosse esse o caso, não seria possível explicar por que tais categorias mentais deveriam se conformar com a realidade. Além disso, seríamos obrigados a aceitar a absurda suposição idealística de que a realidade teria que ser considerada uma criação da mente, para assim poder afirmar que o conhecimento a priori poderia incorporar alguma informação sobre a estrutura da realidade. E, evidentemente, uma declaração como essa parece ser justificada quando nos deparamos com declarações programáticas dos filósofos racionalistas como a seguinte declaração de Kant: “Até o presente momento foi assumido que nosso conhecimento tinha que se conformar com a realidade”, ao invés do que deveria ser assumido “que a realidade observável deveria se conformar com nossa mente”.[16]
A resposta a essa acusação é fornecida através do reconhecimento do fato de que o conhecimento é limitado estruturalmente pelo seu papel no sistema das categorias de ação. Pois assim que isso é entendido, todas as sugestões idealísticas da filosofia racionalista desaparecem, e no lugar delas uma epistemologia que reivindica que proposições verdadeiras a priori existem passa a ser uma epistemologia realista. Entendido como sendo limitado por categorias de ação, o abismo aparentemente intransponível entre o mental de um lado e o real, o mundo físico exterior, do outro lado, é superado. Limitado dessa forma, o conhecimento a priori deve ser algo tão mental quanto uma reflexão da estrutura da realidade, uma vez que é somente através de ações que a mente entra em contato com a realidade, por assim dizer. O ato de agir é um ajuste guiado cognitivamente de um corpo físico na realidade física. E assim não pode haver nenhuma dúvida quanto a que o conhecimento a priori, concebido como um insight sobre os limitantes estruturais impostos ao conhecimento qua conhecimento dos agentes, deve de fato corresponder à natureza das coisas. O caráter realista desse conhecimento estaria evidente por si só não apenas pelo fato de que ninguém poderia conceber que fosse de outra maneira, mas pelo fato de que ninguém poderia revogar sua verdade.
Ainda há implicações mais específicas envolvidas no reconhecimento dos fundamentos praxeológicos da epistemologia – além da implicação geral de que, ao substituir o modelo da mente de um agente através de meios de um corpo físico pelo modelo tradicional racionalista de uma mente ativa, o conhecimento a priori imediatamente se torna conhecimento realístico (na verdade tão realístico que pode ser entendido como literalmente impossível de não ser feito). Mais especificamente, sob a luz desse insight, aqueles infelizmente poucos filósofos racionalistas que – contrários ao Zeitgeist empirista – teimosamente sustentam em diversas frentes filosóficas que proposições verdadeiras a priori sobre o mundo real são possíveis ganham um apoio decisivo.[17] Além disso, sob a luz do reconhecimento dos limitantes praxeológicos sobre a estrutura do conhecimento, esses diversos esforços racionalistas passam a ser sistematicamente integrados em um corpo unificado da filosofia racionalista.
Ao se entender explicitamente o conhecimento conforme mostrado na argumentação como uma categoria peculiar de ação, imediatamente fica claro porque a constante alegação racionalista de que as leis da lógica – começando pelas mais fundamentais, i.e., da lógica proposicional e das conjunções lógicas (“e”, “ou”, “se-então”) e quantificadores (“existe”, “todos”, “alguns”) – são proposições verdadeiras a priori sobre a realidade e não meras estipulações verbais relativas às regras de transformação de sinais arbitrariamente escolhidos, como os empiristas-formalistas teriam dito, está de fato correta. Elas são tanto leis do pensamento quanto leis da realidade, porque são leis que são fundamentalmente baseadas nas ações e não poderiam ser revogadas por nenhum agente. Em toda e qualquer ação, um agente identifica algumas situações específicas e as categorias de uma maneira, em vez de outra, para ser capaz de fazer uma escolha. É isso que em última análise explica até a estrutura das proposições mais elementares (como “Sócrates é um homem”) compostas por um nome apropriado, ou alguma expressão identificadora para a nomeação ou identificação de algo, e um predicado para afirmar ou negar alguma propriedade específica do objeto nomeado ou identificado; e é isso que explica os alicerces da lógica: as leis de identidade e contradição. E é essa característica universal da ação e escolha que também explica nosso entendimento das categorias “existe”, “todos” e, por implicação, “alguns”, assim como “e”, “ou”, “se-então” e “não”.[18] Logicamente, pode-se dizer que algo pode ser “A” e “não A” ao mesmo tempo, ou que “e” signifique isto ao invés de alguma outra coisa. Mas não se pode revogar a lei da contradição; e não se pode desfazer o significado real de “e”. Pois simplesmente em virtude de agir com um corpo físico num espaço físico, invariavelmente confirmamos a lei da contradição e invariavelmente demonstramos nosso conhecimento construtivo verdadeiro do significado de “e” e “ou”.
Semelhantemente, a razão fundamental pela qual a aritmética é uma disciplina a priori e ainda empírica, como os racionalistas sempre a conceberam, agora também se torna discernível. A ortodoxia empirista-formalista prevalecente considera a aritmética a manipulação de símbolos definidos arbitrariamente de acordo com regras de transformação estipuladas arbitrariamente, e, portanto, completamente destituída de qualquer significado empírico. Para essa visão, que evidentemente considera a aritmética uma grande brincadeira, por mais apurada que ela possa ser, a aplicabilidade bem-sucedida da aritmética na física é um constrangimento intelectual. Na verdade, os empiristas-formalistas teriam que dizer simplesmente que esse fato é um milagre. No entanto, fica claro que isso não é um milagre assim que o caráter praxeológico ou – usando a terminologia do filósofo-matemático racionalista mais notável, Paul Lorenzen e sua escola – o caráter operativo ou construtivista da aritmética é compreendido. A aritmética e sua qualidade de disciplina intelectual sintética a priori baseia-se em nosso entendimento da repetição, da repetição da ação. Mais precisamente, ela depende de nosso entendimento do significado de “faça isso e faça isso de novo a partir do resultado atual”. E portanto a aritmética lida com coisas reais: com unidades construídas ou construtivamente identificadas de alguma coisa. Ela demonstra quais relações são válidas entre essas unidades devido ao fato de que elas são construídas de acordo com a regra da repetição. Como Paul Lorenzen demonstrou em detalhes, hoje em dia nem tudo que é apresentado como sendo matemática pode ser construtivamente fundamentado – e essas partes deveriam então logicamente ser reconhecidas pelo que elas são: jogos simbólicos epistemologicamente inúteis. Mas todas as ferramentas matemáticas que são atualmente utilizadas pela física, i.e., as ferramentas da análise clássica, podem ser deduzidas construtivamente. Não se trata de simbolismos empiricamente vazios, e sim de proposições verdadeiras sobre a realidade. Aplicam-se a todas as coisas, contanto que consistam de uma ou mais unidades distintas, e contanto que essas unidades sejam construídas ou identificadas como unidades através de um processo de “faça isso de novo, construa ou identifique outra unidade repetindo a operação anterior”.[19] Novamente, pode-se dizer, logicamente, que 2 mais 2 de vez em quando é 4, mas algumas vezes é 2 ou 5 unidades, e na realidade observável, para leões mais cabritos ou para coelhos, isso até pode ser verdade[20], porém na realidade da ação, ao identificar e construir essas unidades em operações repetitivas, o fato de que 2 mais 2 não pode ser nada além de 4 não poderia ser refutado jamais.
Além disso, a antiga alegação racionalista de que a geometria, ou melhor, a geometria euclidiana é a priori e ainda incorpora conhecimento empírico sobre o espaço também ganha suporte, como resultado de nosso insight sobre os limitantes praxeológicos do conhecimento. Desde a descoberta das geometrias não euclidianas e particularmente desde a teoria relativista da gravidade de Einstein, a postura prevalecente referente à geometria é novamente empirista e formalista. Ela considera a geometria ou como parte da física a posteriori empírica ou como formalismos empiricamente sem significado. Todavia, considerar a geometria um mero jogo, ou que ela esteja eternamente sujeita a ser testada empiricamente, parece ser irreconciliável com os fatos de que a geometria euclidiana é a base da engenharia e da construção e de que ninguém nessas áreas nem remotamente considere que essas proposições sejam apenas hipoteticamente verdadeiras.[21] Reconhecer que o conhecimento é limitado praxeologicamente explica por que a visão empirista-formalista é incorreta e por que o sucesso empírico da geometria euclidiana não é um mero acidente do acaso. O conhecimento espacial também está incluído no significado de ação. Ação é o uso de um corpo físico no espaço. Sem ação não poderia existir nenhum conhecimento de relações espaciais e nenhuma mensuração. Mensuração é relacionar algo a uma escala. Sem escalas, não existe nenhuma mensuração; logo não existe mensuração que poderia refutar a escala. Evidentemente, a escala suprema deve ser fornecida pelas normas que fundamentam a construção de movimentos corporais no espaço e a construção de instrumentos de mensuração por meio do corpo de alguém de acordo com os princípios de construções espaciais incorporadas a ela. Novamente, como Paul Lorenzen particularmente explicou, não é nada mais nada menos do que a reconstrução das normas ideais que fundamentam nossa construção dessas formas básicas homogêneas como pontos, linhas, planos e distâncias, que estão de uma maneira mais ou menos perfeita, porém sempre aperfeiçoável, incorporadas ou concretizadas até mesmo em nossos instrumentos de mensuração espacial mais primitivos, como a régua. Naturalmente, essas implicações normativas e normas não podem ser refutadas pelo resultado de nenhuma mensuração empírica. Pelo contrário, suas validades cognitivas são confirmadas pelo fato de que são elas que tornam mensurações físicas possíveis. Qualquer mensuração real deve pressupor de antemão a validade das normas que orientam a construção das escalas de mensuração. É nesse sentido que a geometria é uma ciência a priori; e que simultaneamente ela deva ser considerada uma disciplina empiricamente significativa, porque ela não só é a própria pré-condição para toda descrição empírica espacial, ela é também a pré-condição para toda orientação ativa no espaço.[22]
Em vista do reconhecimento do caráter praxeológico do conhecimento, esses insights relativos à natureza da lógica, da aritmética e da geometria ficam integradas e incorporadas em um sistema de dualismo epistemológico.[23] A justificação definitiva da posição dualista, i.e., a reivindicação de que existem dois campos de pesquisa intelectual que a priori podem ser entendidos como dois campos que exigem métodos de tratamento e análise categoricamente distintos, também se apoia na natureza praxeológica do conhecimento. Isso explica por que devemos fazer a distinção entre um campo de objetos que é categorizado de uma maneira causal e um campo que, em contraste, é categorizado teleologicamente.
Ao longo de minha argumentação sobre a praxeologia eu já indiquei resumidamente que a causalidade é uma categoria da ação. A ideia de causalidade, de que existem causas eficientes intemporais constantes que permitem que alguém projete observações passadas relativas à relação de eventos no futuro, é uma coisa que (conforme observa o empirismo a partir de Hume) não possui nenhuma base de observação. Uma pessoa não pode observar o elo de ligação entre observações. Mesmo se alguém pudesse, essa observação não provaria ser uma conexão intemporal. Ao invés disso, o princípio de causalidade deve ser entendido como implícito em nosso entendimento de ação enquanto uma interferência com o mundo observável, levada a cabo com a intenção de alterar o curso “natural” dos eventos a fim de produzir um estado de coisas diferente e preferível, i.e., de fazer com que aconteçam coisas que não aconteceriam de outra forma, e assim pressupõe a noção de eventos que são relacionados entre si através de causas eficientes intemporais. Um agente pode cometer erros relativos às suas suposições particulares sobre qual interferência prévia tenha produzido qual resultado posterior. Porém, bem-sucedida ou não, toda ação, alterada ou inalterada devido a seu sucesso ou insucesso anterior, pressupõe que existem eventos constantemente conectados como tais, mesmo que nenhuma causa em particular para qualquer evento específico possa ser previamente conhecida por algum agente. Sem essa suposição seria impossível categorizar duas ou mais experiências observáveis que se refutassem ou se confirmassem ao invés de interpretá-las como eventos logicamente incomensuráveis. Apenas porque já se assume a existência de causas eficientes intemporais como tais que é possível encontrar ocorrências particulares de confirmação ou refutação de evidências observáveis, ou que é possível existir um agente capaz de aprender alguma coisa a partir de experiências passadas ao classificar suas ações como bem-sucedidas e confirmando algum conhecimento anterior, ou malsucedidas e refutando-o. É simplesmente através do ato de agir e de fazer distinção entre sucessos e fracassos que a validade a priori do princípio da causalidade é estabelecida; mesmo se tentassem, ninguém conseguiria refutar sua validade.[24]
Entendendo a causalidade dessa forma, como uma pressuposição necessária da ação, também fica imediatamente implícito que seu campo de aplicabilidade deve ser delimitado a priori ao da categoria da teleologia. Na verdade, as duas categorias são estritamente exclusivas e complementares. Uma ação pressupõe uma realidade observável causalmente estruturada, porém a realidade da ação, a qual podemos entender que não requer essa estrutura, não é estruturada causalmente. Ao invés disso, é uma realidade que deve ser categorizada teleologicamente, como comportamento significativo direcionado para um propósito. Na verdade, a ideia de que existem duas áreas de fenômenos categoricamente diferentes não pode ser revogada e nem negada, uma vez que essas tentativas teriam que pressupor eventos relacionados causalmente enquanto ações que ocorrem dentro da realidade observável, bem como a existência de fenômenos relacionados intencionalmente (ao invés de causalmente) a fim de interpretar esses eventos observáveis com o propósito de eles refutarem algo. Nem um monismo causal e nem um teleológico poderiam ser justificados sem incorrer em uma clara contradição: expressar fisicamente qualquer uma das posições e reivindicar, ao fazê-lo, estar dizendo algo significativo na verdade já fica justificada uma complementaridade indiscutível de ambas, um campo de fenômenos causais e teleológicos.[25]
Tudo aquilo que não é uma ação deve ser necessariamente categorizado causalmente. Não se pode saber nada a priori sobre esse campo de fenômenos, exceto que ele é estruturado causalmente – e que ele é estruturado de acordo com as categorias da lógica de proposições, da aritmética e da geometria.[26] Tudo o mais que se pode saber sobre o campo dos fenômenos deve ser derivado a partir de observações contingentes e assim representam conhecimento a posteriori. Particularmente, todo conhecimento relativo a dois ou mais eventos observáveis específicos, sendo causalmente relacionados ou não, é um conhecimento a posteriori. Obviamente, o campo dos fenômenos descrito dessa maneira coincide (mais ou menos) com o que é comumente considerado ser o campo das ciências naturais empíricas.
Em contrapartida, tudo que é uma ação deve ser categorizado teleologicamente. Este campo de fenômenos é limitado pelas leis da lógica e também da aritmética. Porém não é limitado pelas leis da geometria enquanto incorporadas em nossos instrumentos de medição da extensão espacial de objetos, porque não existem ações à parte de interpretações subjetivas de coisas observáveis; portanto elas devem ser identificadas pelo entendimento refletivo em vez de por mensurações espaciais. E as ações também não são eventos conectados causalmente, mas eventos que são conectados significativamente dentro de uma estrutura categórica de meios e fins.
Não é possível saber a priori quais são ou serão os valores, escolhas e custos específicos de um agente. Isso iria cair totalmente na alçada do conhecimento empírico a posteriori. Na verdade, que ação específica um agente irá empreender dependeria de seu conhecimento relativo à realidade observável e/ou à realidade das ações de outros agentes. E seria notoriamente impossível conceber essas classes de conhecimento como possíveis de serem previstos baseando-se em causas eficientes intemporais. Um agente pensante não pode prever qual será seu conhecimento futuro antes que ele tenha realmente adquirido este conhecimento, e ele demonstra, ao simplesmente fazer distinção entre as previsões bem e malsucedidas, que ele deve se considerar capaz de aprender com experiências desconhecidas de maneiras até então desconhecidas. Portanto, o conhecimento relativo ao curso específico de ações é exclusivamente a posteriori. E uma vez que este conhecimento teria que incluir o conhecimento do próprio agente – como um componente necessário a toda ação da qual toda mudança pode influenciar uma ação específica sendo escolhida –, o conhecimento teleológico também deve necessariamente ser reconstrutivo, ou conhecimento histórico. Ele forneceria apenas explicações ex post que não teriam nenhuma influência sistemática na previsão de ações futuras, porque, em princípio, estados futuros de conhecimento jamais poderiam ser previstos tendo por base causas empíricas eficientes constantes. Obviamente, essa descrição de um ramo da ciência da ação a posteriori e reconstrutiva se conforma com a descrição usual de disciplinas como a história e a sociologia.[27]
O que sabemos que é verdadeiro a priori relativo ao campo da ação, e o que teria então que restringir qualquer explicação histórica ou sociológica é isto: em primeiro lugar, qualquer dessas explicações, que teriam essencialmente que reconstruir o conhecimento de um agente, teria que ser invariavelmente uma reconstrução em termos de conhecimento de fins e meios, de escolhas e custos, de lucros e prejuízos e assim por diante. E em segundo, já que é evidente que essas são categorias da praxeologia como concebida por Mises, todas essas explicações também devem ser restringidas pelas leis da praxeologia. E uma vez que essas leis são, conforme expliquei, leis a priori, elas também devem operar como limitantes lógicos sobre todo futuro curso de ação. Elas são válidas independentemente de qualquer estado de conhecimento que um agente possa ter adquirido, simplesmente devido ao fato de que, qualquer que seja este estado, ele deve ser descrito em termos de categorias de ação. E, como se referem a ações como tais, as leis da praxeologia devem ser então da mesma duração que todo conhecimento preditivo que possa existir no campo da ciência da ação. Na verdade, ignorando por um momento que o status de ciência a priori da geometria foi fundamentalmente baseado em nosso entendimento da ação e na medida em que a praxeologia teria que ser considerada a disciplina cognitiva mais fundamental, o adequado papel peculiar da praxeologia dentro do sistema completo da epistemologia pode ser entendido como algo análogo ao da geometria. A praxeologia é para o campo de ação o que a geometria euclidiana é para o campo das observações (das não ações). Do mesmo modo que a geometria incorporada em nossos instrumentos de medição limita a estrutura espacial da realidade observável, a praxeologia limita a gama das coisas que podem ser experimentadas no campo das ações.[28]
— 4 —
Estabelecendo assim o lugar apropriado da praxeologia, eu fecho o círculo da descrição do sistema da filosofia racionalista sendo fundamentalmente baseada no axioma da ação. Meu objetivo aqui foi o de reafirmar a reivindicação de Mises de que a ciência econômica é praxeologia; que os argumentos a favor da praxeologia são incontestáveis; e que as interpretações empiristas ou historicistas-hermeneutas da ciência econômica são doutrinas autocontraditórias. E foi meu objetivo demonstrar que o insight misesiano sobre a natureza da praxeologia fornece também a própria fundação sobre a qual a filosofia racionalista tradicional pode ser reconstruída e sistematicamente integrada.
O filósofo racionalista pensaria que isso implica que ele deveria levar em consideração a praxeologia. Pois é exatamente o insight sobre os limitantes praxeológicos da estrutura do conhecimento que fornece o elo que faltava na sua defesa intelectual contra o ceticismo e o relativismo. Eu afirmo que para o economista da tradição misesiana isso significa que ele deveria reconhecer de forma explícita seu lugar ao lado da vasta tradição do racionalismo ocidental e que ele deveria aprender a incorporar os insights fornecidos por esta tradição para elaborar um argumento ainda mais impressionante e profundo a favor da praxeologia e da economia austríaca do que o elaborado pelo próprio Mises.
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NOTAS
[1] Sobre isso veja também meu Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung. Untersuchungen zur Grundlegung von Soziologic und ?konomie; idem, “Is Research Based on Causal Scientific Principles Possible in the Social Sciences?”, capítulo 7); idem, “In Defense of Extreme Rationalism“, Review of Austrian Economics 3 (1988).
[2] Sobre o Círculo de Viena veja V. Kraft, Der Wiener Kreis (Vienna: Springer, 1968); para interpretações empiristas-positivistas da ciência econômica veja obras características como Terence W Hutchison, The Significance and Basic Postulates of Economic Theory [Hutchison, um adepto da variante popperiana do empirismo, desde então ficou muito menos esperançoso com relação à possibilidade de uma ciência econômica baseada em Popper – veja, por exemplo, seu Knowledge and Ignorance in Economics –, embora ele ainda não enxergue nenhuma outra alternativa a não ser apegar-se à falseabilidade de Popper, seja como for]; Milton Friedman, “The Methodology of Positive Economics”, em idem, Essays in Positive Economics; Mark Blaug, The Methodology of Economics; uma descrição positivista feita por um participante dos Seminários Privados de Mises em Viena é E. Kaufmann, Methodology of the Social Sciences; a predominância do empirismo na economia está documentada pelo fato de que provavelmente não existe um único livro-texto que não classifique a ciência econômica explicitamente como – e de que outra forma seria? – uma ciência empírica (a posteriori).
[3] Sobre as consequências relativísticas do positivismo-empirista veja também Hoppe, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo, capítulo 6; idem, “The Intellectual Cover for Socialism”.
[4] Veja Ludwig von Mises, The Historical Setting of the Austrian School of Economics (Auburn, Ala.:Ludwig von Mises Institute, 1984); idem, Erinnerungen (Stuttgart: Gustav Fischer, 1978); idem Theory and History , capítulo 10; Murray N. Rothbard, Ludwig von Mises: Scholar, Creator Hero (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1988); para uma pesquisa crucial das ideias historicistas veja também Karl Popper, The Poverty of Historicism; para um representante de uma versão mais antiga de uma interpretação historicista da economia veja Werner Sombart, Die drei National?konomien (Munich: Duncker & Humblot, 1930); para a moderna guinada hermeneuta, Donald McCloskey, The Rhetoric of Economics (Madison: University of Wisconsin Press, 1985); Ludwig Lachmann, “From Mises to Shackle: An Essay on Austrian Economics and the Kaleidic Socicty”, Journal of Economic Literature (1976).
[5] Sobre o relativismo extremo do historicismo-hermeneuticismo veja Hoppe“In Defense of Extreme Rationalism”, Review of Austrian Economics 3 (1988); Murray N. Rothbard, “The Hermeneutical Invasion of Philosophy and Economics” Review of Austrian Economics (1988); Henry Veatch, “Deconstruction in Philosophy: Has Rorty Made it the Denouement of Contemporary Analytical Philosophy”, Review of Metaphysics(1985); Jonathan Barnes, “A Kind of Integrity”, Austrian Economics Newsletter (Summer 1987); David Gordon, Hermeneutics vs. Austrian Economics (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, Occasional Paper Series, 1987). Para uma crítica brilhante da sociologia contemporânea veja St. Andreski, Social Science as Sorcery (New York: St. Martin’s Press, 1973).
[6] Com relação às visões epistemológicas de predecessores como J. B. Say, Nassau W. Senior, J. E. Caimes, John Stuart Mill, Carl Menger e Friedrich von Wieser veja Ludwig von Mises, Epistemological Problems of Economics, p. 17-23; também Murray N. Rothbard, “Praxeology: The Methodology of Austrian Economics”, em Edwin Dolan, ed., The Foundations of Modern Austrian Economics (Kansas City: Sheed and Ward, 1976).
[7] Em complemento às obras de Mises citadas no início deste capítulo e a literatura mencionada na nota 40, veja Murray N. Rothbard, Individualism and the Philosophy of the Social Sciences (San Francisco: Cato Institute, 1979); para uma crítica filosófica esplêndida da economia empirista veja Hollis and Nell, Rational Economic Man; como uma defesa geral particularmente valiosa do racionalismo contrapondo o empirismo e o relativismo – no entanto sem fazer referência à ciência econômica – veja Blanshard, Reason and Analysis; Kambartel, Erfahrung und Struktur.
[8] Para uma defesa elaborada do dualismo epistemológico veja também Apel, Transformation der Philosophie, 2 vols. e Habermas, Zur Logik der Sozialwissenschaften.
[9] Sobre isso especificamente veja Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”, Review of Austrian Economics 3 (1988).
[10] Veja Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science, p. 12.
[11] Veja Kant, Kritik der reinen Vernunft, p. 45; Mises Human Action, p. 38.
[12] Sobre o seguinte veja em particular Mises, Human Action, capítulo 4; Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1962), capítulo 1.
[13] Sobre a lei da utilidade marginal veja Mises, Human Action, p. 119-27 e Rothbard, Man, Economy, and State, p. 268-71.
[14] Mises diz:
O conhecimento é uma ferramenta da ação. Sua função é orientar o homem em como proceder em seu esforço para remover um desconforto. . . . A categoria da ação é a categoria fundamental do conhecimento humano. Ela envolve todas as categorias da lógica e a categoria da regularidade e da causalidade. Ela envolve a categoria do tempo e a do valor. . . . Ao agir, a mente do indivíduo se compreende diferente de seu ambiente, o mundo exterior, e tenta estudar este ambiente a fim de influenciar o curso dos eventos que ocorrem nele” (The Ultimate Foundation of Economic Science, pp. 35-36).
Ou:
O raciocínio e o pensamento a priori, por um lado, e a ação humana, por outro, são manifestações da mente. . . . Razão e ação são congenéricas e homogêneas; são dois aspectos do mesmo fenômeno.” (ibid., p.42).
No entanto, ele abandona o problema mais ou menos neste ponto e conclui que “não é propósito da praxeologia investigar a relação entre pensar e agir” (Ação Humana, p. 39).
[15] Sobre o a priori da argumentação veja também K. 0. Apel, Transformation der Philosophie, vol. 2.
[16] Immanuel Kant, Kritik der reinen vernunft, p. 25. Se essa interpretação da epistemologia de Kant é na verdade correta ou não, é, logicamente, uma questão bem diferente. No entanto, esclarecer esse problema não é a presente preocupação. Para uma interpretação ativista ou construtivista da filosofia de Kant, veja E. Kambartel, Erfahrung und Struktur, capítulo 3; também Hoppe, Handeln und Erkennen (Bern: Lang, 1976).
[17] Além dos trabalhos mencionados na nota 46, veja também Brand Blanshard, The Nature of Thought (London: Allen and Unwin, 1921); M. Cohen, Reason and Nature (New York: Harcourt, Brace, 1931); idem, Preface to Logic (New York: Holt, 1944); A. Pap, Semantics and Necessary Truth (New Haven: Yale University Press, 1958); S. Kripke, “Naming and Necessity”, em D. Davidson e G. Harman, eds., Semantics of Natural Language (New York: Reidel, 1972); H. Dingler, Die Ergreifung des Wirklichen (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1969); idem, Aufbau der exakten Fundamentalwissenschaft (Munich: Eidos, 1964); W. Kamlah e P. Lorenzen, Logische deutik Propädeutik Mannheim: (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1968); P. Lorenzen, Methodisches Denken (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1968); idem, Normative Logic and Ethics (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1969); K. 0. Apel, Transformation der Philosophie.
[18] Em relação à interpretação racionalista da lógica veja Blanshard, Reason and Analysis, capítulos 6, 10; P. Lorenzen, Einführung in die operative Logik und Mathematik (Frankfurt/M.: Akademische Verlagsgesellschaft, 1970); K. Lorenz, Elements der Sprachkritik (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1970); idem, “Die dialogische Rechtfertigung der effektiven Logik”, em: F. Kambartel e J. Mittelstrass, eds., Zum normativen Fundament der Wissenschaft (Frankfurt/M.: Athenäum, 1973).
Em relação ao caráter proposicional da linguagem e da experiência, em particular, veja W. Kamlah e P. Lorenzen, Logische Propädeutik, capítulo 1; P. Lorenzen, Normative Logic and Ethics, capítulo 1. Lorenzen diz:
Eu intitulo um uso como uma convenção se eu conheço outro uso que eu possa aceitar no lugar. No entanto, eu não conheço outro comportamento que eu possa colocar no lugar do uso de sentenças elementares. Se eu não aceitasse nomes e predicadores apropriados, eu simplesmente não saberia como falar de modo algum. . . . Todo nome apropriado é uma convenção. . . . Porém, usar nomes apropriados não é de forma alguma uma convenção: é um padrão único de comportamento linguístico. Portanto, vou chamá-lo de ‘lógico’. O mesmo vale para os predicadores. Todo predicador é uma convenção. Isso é comprovado pela existência de mais de uma língua natural. Mas todas as línguas usam predicadores (ibid., p. 16).
Veja também J. Mittelstrass, “Die Wiederkehr des Gleichen”, Ratio (1966).
Em relação à lei da identidade e da contradição, em particular, veja B. Blanshard, Reason and Analysis, p. 276ff, 423ff.
Sobre uma avaliação crítica da lógica de 3 ou mais valores como formalismos simbólicos sem significado ou como pressupondo logicamente um entendimento da lógica bivalente tradicional veja W. Stegmüler,Hauptströmungen der Gegenwartsphilosophie vol. 2 (Stuttgart: Kröner, 1975), p. 182-91; B. Blanshard, Reason and Analysis, p. 269-75. Com relação, por exemplo, à lógica de vários valores, proposta por F. Waismann, Blanshard aponta:
Podemos apenas concordar com o Dr. Waismann – e com Hegel – em que as distinções preto-e-branco da lógica formal são um tanto quanto inadequadas para o pensamento vivo. Porém, por que deveríamos ser como o Dr. Waismann e dizer que ao adotarmos uma lógica mais diferenciada estaríamos adotando um sistema alternativo que seria incompatível com a lógica preto-e-branco? O que ele realmente fez foi reconhecer uma série de classificações dentro do velho significado da palavra “não”. Não temos dúvida de que essas classificações existem, e na verdade até muitas outras que ele poderia distinguir. Mas um refinamento da antiga lógica não significa abandoná-la. Continua sendo verdade que a cor que eu vi ontem era um determinado tom de amarelo ou não, mesmo que o “não” possa abranger uma multidão de aproximações, e mesmo que eu jamais possa vir a saber qual era o tom que eu vi (ibid., p. 273-74).
[19] Sobre a interpretação racionalista da aritmética veja Blanshard, Reason and Analysis, p. 427-31; sobre a fundamentação construtivista da aritmética, em particular, veja Lorenzen, Einführung in die operative Logik and Mathematik; idem, Methodisches Denken, capítulo 6, 7; idem, Normative Logic and Ethics, capítulo 4; sobre a fundamentação construtivista da análise clássica veja P. Lorenzen, Differential und Integral. Eine konstruktive Einführung in die klassische Analysis (Frankfurt/M.: Akademische Verlagsgesellschaft, 1965); para uma brilhante crítica geral do formalismo matemático veja Kambartel, Erfahrung und Struktur, capítulo 6, esp. p. 236-42; sobre a irrelevância do famoso teorema de Gödel para uma aritmética fundamentada construtivamente veja P. Lorenzen, Metamathematik (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1962); também Ch. Thiel, “Das Begründungsproblem der Mathematik und die Philosophie”, em F. Kambartel e J. Mittelstrass, eds., Zum normativen Fundament der Wissenschaft, esp. p. 99-101. A prova de K. Gödel – que, como uma prova, por acaso dá suporte ao invés de questionar a reivindicação racionalista sobre a possibilidade do conhecimento a priori – apenas demonstra que o primeiro programa formalista Hilbert não poderia ser levado adiante, porque para demonstrar a consistência de algumas teorias axiomáticas seria preciso possuir uma metateoria com meios ainda mais consistentes do que os formalizados na própria teoria-objetiva. Curiosamente, as dificuldades do programa formalista levaram o antigo Hilbert, muitos anos antes da prova de Gödel de 1931, a reconhecer a necessidade de se reintroduzir uma interpretação substantiva da matemática à La Kant, o que daria a esses axiomas uma fundamentação e justificação que era totalmente independente de qualquer prova de consistência formal. Veja Kambartel, Erfahrung und Struktur, p. 185-87.
[20] Exemplos desse tipo são usados por Karl Popper para “refutar” a ideia racionalista de que regras de aritmética são leis da realidade. Veja Karl Popper, Conjectures and Refutation (London: Routledge and Kegan Paul, 1969), p. 211.
[21] Sobre isso veja também Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science, p. 12-14.
[22] Sobre o caráter apriorístico da geometria euclidiana veja Lorenzen, Methodisches Denhen, capítulos 8 e 9; idem, Normative Logic and Ethics, capítulo 5; H. Dingler, Die Grundlagen der Geometrie (Stuttgart: Enke, 1933); sobre a geometria euclidiana como uma pressuposição necessária às medições objetivas (i.e., intersubjetivamente comunicáveis) e em particular de qualquer verificação empírica de geometrias não euclidianas (afinal, as lentes do telescópio que é usado para confirmar a teoria de Einstein relativa à estrutura não euclidiana do espaço físico devem ser construídas de acordo com os princípios euclidianos) veja Kambartel, Erfahrung und Struktur, p. 132-33; P. Janich, Die Protophysik der Zeit (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1969), p. 45-50; idem, “Eindeutigkeit, Konsistenz und methodische Ordnung”, em F. Kambartel e J. Mittelstrass, eds., Zum normativen Fundament der Wissenschaft.
Seguindo a orientação de Hugo Dingler, Paul Lorenzen e outros membros da então chamada escola Erlangen desenvolveram um sistema de protofísica, que contém todas as pressuposições apriorísticas da física empírica, incluindo, além da geometria, também a cronometria e a hitometria (i.e., a mecânica clássica sem gravitação, ou a mecânica “racional”).
A geometria, a cronometria e a hitometria são teorias a priori que tornam “possíveis” medicações empíricas do espaço, do tempo e da matéria. Elas têm de ser estabelecidas antes que se possa iniciar a física, no sentido moderno dos campos de forças. Portanto, eu deveria apreciar a oportunidade de me referir a essas disciplinas por um nome comum: protofísica (Lorenzen, Normative Logic and Ethics, p. 60).
[23] A respeito da natureza fundamental do dualismo epistemológico veja também Mises, Theory and History , p. 1-2.
[24] Sobre o caráter apriorístico da categoria da causalidade veja Mises, Human Action, capítulo 1; Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung idem, “Is Research Based on Causal Scientic Principles Possible in the Social Sciences?”; sobre o princípio da causalidade ser uma pressuposição necessária em particular também do princípio da indeterminação da física quântica e o erro fundamental envolvido na interpretação do princípio de Heisenberg como invalidando o princípio da causalidade veja Kambartel, Erfahrung und Struktur, p. 138-40; também Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”, Review of Austrian Economics 3 (1988) nota 36. Na verdade, é exatamente o fato praxeológico indiscutível que separa atos de medição só pode ser executado sequencialmente o que explica a própria possibilidade de previsões irredutivelmente probabilísticas-ao invés de determinísticas-como são características da física quântica; e no entanto, para realizar qualquer experimento no campo da mecânica quântica, e em particular para repetir dois ou mais experimentos e afirmar que seja assim, a validade do princípio da causalidade já deve evidentemente estar pressuposta.
[25] Sobre a complementaridade necessária das categorias da causalidade e da teleologia veja Mises, Human Action, p. 25; idem, The Ultimate Foundation of Economic Science, p. 6-8; Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung idem, “Is Research Based on Causal Scientific Principi Social Sciences?”; também G. v. Wright, Norm and Action (London: Routledge e Kegan Paul, 1963); idem, Explanation and Understanding (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1971); K. 0. Apel, Die Erklären: Verstehen Kontroverse in transzendental-pragmatischcr Sicht;(Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1979).
[26] Ainda mais especificamente: ele é estruturado de acordo com as categorias da lógica, da aritmética e da proto-física (incluindo a geometria). Veja a nota 62 acima.
[27] Sobre a lógica da história e da sociologia serem disciplinas reconstrutivas veja também os trabalhos de Mises mencionados no começo deste capítulo. Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung, capítulo 2.
[28] Sobre a distinção categórica da teoria e da história e da sociologia praxeológicas e os limitantes lógicos que a praxeologia impõe nas pesquisas históricas e sociológicas, bem como nas previsões sociais e econômicas veja Mises, Human Action, p. 51-59,117-18; Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”, Review of Ausele trian Economics 3 (1988).