Friday, November 22, 2024
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VI — Como a Moeda Fiduciária é Possível? – ou, A Involução do Dinheiro e Crédito

Moeda fiduciária é o nome de um meio de troca que não é uma commodity comercial, nem bem de consumo ou capital, nem título a um dessas commodities. É irredimível papel-moeda. Em contraste, moeda commodity se refere a um meio de troca que é ou uma commodity comercial ou um título a ele.

Não há dúvida de que a moeda fiduciária é possível. Sua possibilidade teórica foi reconhecida há muito temo, e desde 1971, quando os últimos resquícios de um padrão-ouro (commodity) internacional foram abolidos, todas as moedas têm sido na verdade nada mais do que irredimíveis pedaços de papel.

A questão a ser abordada neste texto é a de como a moeda fiduciária é possível. Mais especificamente, pode a moeda fiduciária surgir como resultado natural das interações entre indivíduos guiados pelo autointeresse? Ou ainda: é possível introduzi-la sem violar princípios da justiça ou da eficiência econômica?

Argumentarei que a resposta para a última questão deve ser negativa, e que a moeda fiduciária nunca poderá surgir “inocentemente” ou “imaculadamente”. Os argumentos que sustentarão essa tese serão amplamente construtivos e sistemáticos. No entanto, dado que a tese tem sido frequentemente questionada, ao longo do caminho vários contra-argumentos proeminentes serão criticados. Especificamente, os argumentos dos monetaristas, especialmente Irving Fisher e Milton Friedman, e de alguns “free bankers” austríacos, especialmente Lawrence White e George Selgin, sobre a defesa ética e/ou econômica da moeda fiduciária total ou parcial serão refutados.

 

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A ORIGEM DA MOEDA

O homem participa de uma economia de trocas (em vez de permanecer em isolamento autossuficiente) na medida em que prefere ter mais bens em vez de menos e é capaz de reconhecer a maior produtividade de um sistema com divisão do trabalho. Essa inteligência mínima e o autointeresse são suficientes para explicar o surgimento de uma – e, em última instância, uma só – moeda commodity e uma – e, em última instância, uma só, em escala global – economia monetária. Como compradores e vendedores de bens no mercado, ao se deparar restritos a situações de dupla coincidência de demandas (A quer o que B tem e B quer o que A tem), cada pessoa pode expandir seu próprio mercado e então lucrar mais com as vantagens da ampla divisão do trabalho se estiver disposta a aceitar em troca não só bens diretamente úteis, mas também bens com um maior grau de negociabilidade do que os entregues. Pois mesmo que eles não tenham nenhum uso direto para um agente, ter bens relativamente mais negociáveis implica por definição que esses bens poderão ser, por sua vez, mais facilmente revendidos por outros bens diretamente úteis em trocas posteriores, e disso se segue que o seu dono ficou mais próximo de alcançar o objetivo final, inatingível através de trocas diretas.

Motivados somente pelo autointeresse e baseados na observação de que bens diretamente trocados têm diferentes graus de negociabilidade, alguns indivíduos começam a demandar certos bens não devido a sua utilidade direta, mas para empregá-los como meio de troca. Ao adicionar um novo componente à demanda pré-existente (escambo) por esses bens, sua negociabilidade aumenta ainda mais. Baseados na percepção desse fato, outros agentes no mercado passarão cada vez mais a escolher os mesmos bens para seus inventários de meios de troca, dado que é de seus próprios interesses usar as commodities que já são empregadas por outros como meio de troca. Inicialmente, uma variedade de bens pode ser demandada como um meio de troca comum. No entanto, uma vez que um bem é demandado como meio de troca – ao invés de para fins de consumo ou produção – para facilitar compras futuras de produtos diretamente úteis (i.e., para propiciar compras mais baratas) e simultaneamente expandir o mercado de um vendedor de bens e serviços diretamente úteis (i.e., propiciar vendas mais lucrativas), quanto mais amplamente uma commodity for usada como meio de troca, melhor vai desempenhar sua função. Porque cada agente no mercado naturalmente prefere a aquisição de meios de troca mais negociáveis e, fatalmente, universalmente negociáveis do que menos ou não universalmente negociáveis,

haveria uma inevitável tendência a que os bens usados como meios de troca que fossem menos negociáveis fossem rejeitados um a um até que uma única commodity remanesceria, a qual seria universalmente empregada como meio de troca; em uma palavra, o dinheiro.

Com isso, e historicamente com o estabelecimento do padrão-ouro internacional durante o século XIX (até 1914), o fim desejado pela demanda de qualquer agente do mercado por um meio de troca é plenamente alcançado. Com os preços de todos os bens de consumo e de capital expressos nos termos de uma única commodity, a oferta e demanda pode funcionar em uma escala global, sem restrições de dupla coincidência. Por causa de sua aceitabilidade universal, a contabilidade nos termos dessa moeda expressa da maneira mais completa e precisa possível os custos de oportunidade de qualquer produtor. Ao mesmo tempo, havendo somente uma moeda universal em uso – ao invés de várias com aceitabilidade limitada – os gastos (de bens diretamente úteis) dos agentes do mercado em títulos de meios de troca de uso exclusivamente indireto é otimamente economizado; e com a economia de gastos em bens de uso indireto, a riqueza real (riqueza na forma de capital de produtores ou bens de consumo) é também otimizada.

De acordo com uma antiga tradição – espanhola-francesa-austríaca-americana – em teoria monetária, a função original do dinheiro – surgida da existência de incerteza – é a de servir como meio de troca. O dinheiro deve surgir como uma moeda commodity porque algo só pode ser demandado como um meio de troca se há uma demanda pré-existente no escambo (na verdade, deve ter sido uma commodity altamente negociável no escambo), e a concorrência entre moedas qua meios de troca inevitavelmente leva a uma tendência convergindo em uma única moeda – a commodity de mais fácil revenda e aceitabilidade.

Em face disso, várias noções populares de teorias monetárias imediatamente se revelam incorretas ou falaciosas.

O que dizer sobre a ideia de uma moeda com reserva em commodities?  Um pacote (cesta) de bens ou títulos pode ser moeda? Não, porque um pacote de diferentes bens é, por definição, menos vendável que o mais facilmente vendável bem entre seus vários componentes, portanto uma cesta de commodities é especialmente inadequada para desempenhar a função de meio de trocas (portanto, não é mero acidente que não haja nenhum exemplo histórico desse tipo de dinheiro).

E sobre a ideia – friedmaniana – de “moedas nacionais” flutuando livremente ou “zonas ótimas de moeda”? Devem ser consideradas absurdas, exceto como um passo intermediário no desenvolvimento de uma moeda internacional. A rigor, um sistema monetário com moedas rivais com taxas de câmbio flutuando livremente ainda é um sistema de escambo parcial, assolado pelo problema da necessidade de dupla coincidência de demanda para viabilizar trocas. A existência duradoura desse tipo de sistema é incompatível com a própria função do dinheiro: facilitar trocas (ao invés de dificultá-las) e expandir o mercado de um agente (ao invés de restringi-lo). Não há zonas – locais, regionais, nacionais ou multinacionais – “ótimas” de moeda assim como não há “zonas ótimas de comércio”. Em vez disso, enquanto se preferir mais riqueza a menos e estando-se sob condições de incerteza, a única zona “ótima” de comércio é o mercado global, assim como a moeda “ótima” é uma moeda única e a única zona “ótima” da moeda é todo o planeta.

E sobre a ideia, central para o pensamento monetarista desde Irving Fisher, de que a moeda é uma “medida de valor”? E a noção de “estabilização” monetária? Não passam de um emaranhado de confusões e falsidade. Primeiramente, ao passo que há um motivo para agentes demandarem meios de troca, não há motivo para demandarem uma medida de valor, nem há nisso objetivo ou necessidade. A ação e a troca são expressões de preferência – cada pessoa valoriza mais o que adquire do que aquilo de que se desfaz – e não de identidade ou equivalência. Ninguém nunca precisa medir valor. É fácil explicar por que agentes usam números cardinais – contam, constroem instrumentos de medição – para medir espaço, peso, massa e tempo: em um mundo de determinação quantitativa, onde meios podem produzir efeitos limitados, contar e medir são pré-requisitos para agir com sucesso. Mas que necessidade técnica ou econômica poderia haver em medir valor?

Em segundo lugar, colocando essas questões de lado por enquanto e supondo que o dinheiro realmente mede valor (de tal maneira que o preço pago por um bem representa uma medida cardinal de seu valor) da mesma maneira que uma régua mede o espaço, outro problema insuperável surge. Vem à tona a pergunta: “qual é o valor dessa medida de valor?” Certamente deve ter valor assim como uma régua deve ter valor, do contrário ninguém se interessaria em tê-los. E, no entanto, seria obviamente absurdo dizer que o valor de uma unidade de dinheiro – um dólar – seria “um”. Um o quê? Essa resposta seria tão sem sentido quanto dizer que o valor de uma régua de um metro[1] seria “um metro”. O valor de uma medida cardinal não pode ser expresso nos termos da própria medida. Em vez disso, seu valor deve ser expresso em termos ordinais: é melhor ter à disposição números e medidas cardinais do que somente medidas ordinais. Assim como – devido à existência de meios de troca – é melhor recorrer a números cardinais na contabilidade do que ter de que depender somente de métodos ordinais de contabilidade, como ocorreria em uma economia de escambo. Mas é impossível expressar em termos cardinais quão mais valiosos são os primeiros (i.e., números cardinais) em relação aos segundos (i.e., métodos ordinais). Somente julgamentos ordinais são possíveis. É precisamente nesse sentido, portanto, que números ordinais – rankings, preferências – devem ser reputados mais fundamentais que os cardinais e o valor deve ser considerado como uma magnitude irredutivelmente subjetiva e não quantificável.

Ademais, se a função do dinheiro fosse realmente servir de medida de valor, há de se questionar por que a demanda por isso sistematicamente excederia uma por pessoa. A demanda por réguas, escalas e relógios, por exemplo, só excede um por pessoa por causa de diferenças de localização (praticidade) ou a possibilidade de quebrarem ou falharem. Fora isso, ninguém, em nenhum dado momento ou lugar, quereria ter mais do que um instrumento de medição da mesma qualidade, porque um único instrumento é capaz de dar conta de todos os possíveis serviços de medição. Um segundo instrumento do mesmo tipo seria inútil.

Em terceiro lugar, de qualquer maneira, seja lá qual for o characteristicum specificum da moeda, a moeda é um bem. Se é um bem, submete-se à lei da utilidade marginal, e essa lei contradiz qualquer noção de bem estável, de valor constante. A lei é consequência da proposição segundo a qual todo agente, em qualquer dado momento, age de acordo com sua escala subjetiva de preferências e escolhe fazer o que – estando certo ou errado – acredita que o satisfará mais ao invés de menos, e que ao fazer isso ele deve empregar como meio unidades quantitativamente limitadas de bens qualitativamente distintos e, por conseguinte, deve ser capaz de reconhecer adições e subtrações de unidades aos seus meios disponíveis[2]. A partir dessa proposição incontestavelmente verdadeira, segue-se que um agente sempre prefere uma maior oferta de bens a uma menor (ele valoriza mais uma unidade maior de um bem do que uma menor do mesmo bem) e que qualquer unidade adicional à oferta de um bem – de qualquer tamanho de unidade que o agente considere relevante – será menos valorizada que uma unidade já possuída, porque só pode ser empregada  para remover um desconforto considerado menos urgente do que os desconfortos até então já aliviados por unidades de mesmo tamanho. Em outras palavras, a utilidade marginal de uma unidade de dado tamanho de um bem diminui ou aumenta conforme a oferta de unidades aumenta ou diminui. Cada mudança na oferta de um bem, portanto, leva a uma mudança na utilidade marginal desse bem. Qualquer mudança na oferta de A, na medida em que é percebida pelo agente X, faz com que X reavalie A. X agora atribui a A uma classificação diferente em sua escala de valores. Logo, a busca por um bem estável, de valor constante, é obviamente ilusória desde o princípio, tal qual a busca por um quadrado redondo, pois toda ação envolve uma troca, e toda troca altera a oferta de determinado bem. Ou resulta puramente na diminuição da oferta de um bem (como é o caso do mero consumo), ou na diminuição na oferta de um bem e o aumento na de outro (como nos casos de produção ou trocas interpessoais). De qualquer maneira, na medida em que a oferta muda no curso de qualquer ação, mudam também os valores dos bens envolvidos. Agir é propositalmente alterar o valor dos bens. Logo, um bem de valor estável – seja dinheiro, seja qualquer outra coisa – deve ser considerado uma impossibilidade construtiva ou praxeológica.

Por fim, quanto à ideia de uma moeda – um dólar – de poder de compra constante, há sempre o problema fundamental de que o poder de compra da moeda não pode ser mensurado e que a elaboração de qualquer índice de preços é cientificamente arbitrária. (Quais bens devem ser incluídos? Qual peso relativo deve ser atribuído a cada um deles? E quanto ao problema de que agentes individuais valorizam as mesmas coisas de maneiras diferentes e se importam com diferentes cestas de commodity, ou que o mesmo indivíduo valoriza a mesma cesta de maneira diferente conforme o tempo? O que se deve fazer sobre a variação na qualidade de bens ou com bens totalmente novos?) Ademais, o que há de tão bom em ter um poder de compra “estável” (seja lá como for definido esse termo) afinal? Certamente, uma moeda “estável” é preferível a uma moeda “inflacionária”. Porém, certamente uma moeda cujo poder de compra por unidade aumentasse – uma moeda “deflacionária” – é preferível a uma “estável”.

E quanto à tese segundo a qual, na ausência de qualquer restrição legal, a moeda – dinheiro não remunerado por juros – seria totalmente substituída por títulos remunerados? Tal deslocamento é concebível somente em uma situação de equilíbrio, na qual não há incerteza e, portanto, ninguém poderia obter nenhuma satisfação em estar preparado para contingências futuras, pois pressupõe-se que não existem. Porém, sob a onipresente condição humana de incerteza, ainda que todas as barreiras de entrada legais fossem removidas, a demanda por dinheiro não remunerado por juros – em contraste à demanda por ações ou títulos de dívida – necessariamente se manteria, pois quaisquer que sejam as naturezas específicas desses títulos, são títulos a bens de produção, caso contrário não podem produzir juros. Mesmo assim, até o fator de produção de mais fácil conversão deve ser menos vendável do que o mais vendável de seus produtos finais, e portanto até o título mais líquido nunca poderá desempenhar o mesmo serviço de preparar seu dono para contingências futuras como o faz um o produto final, não remunerado por juros, mais negociável: o dinheiro. Tudo isso poderia ser diferente caso se assumisse – como Wallace o faz tacitamente, em conformidade com suas predisposições igualitárias da Escola de Chicago – que todos os bens são igualmente negociáveis. Então, por definição, não há diferença entre a negociabilidade do dinheiro e de títulos. No entanto, isso significa que todos os bens devem ser considerados idênticos, e se esse fosse o caso, não existiria divisão do trabalho, nem mercado.

 

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DA MOEDA COMMODITY À MOEDA FIDUCIÁRIA

A INVOLUÇÃO DO DINHEIRO

Se o dinheiro deve surgir como moeda commodity, como pode se tornar uma moeda fiduciária? Isso ocorre através do desenvolvimento de substitutos ao dinheiro (papel-moeda correspondente à moeda commodity) – mas de maneira fraudulenta e ao custo de ineficiências econômicas.

Sob o padrão de uma moeda commodity como o padrão-ouro até 1914, o dinheiro “circulava”, por um lado, na forma de barras padronizadas de lingote e moedas de ouro de várias denominações, cujas trocas eram regidas por um câmbio fixado essencialmente conforme o peso e a pureza. Por outro lado, para economizar no custo de depósito (conservação em segurança[3]) e transação (retirada[4]), em um desenvolvimento semelhante ao que deu origem a títulos de propriedade transferíveis – incluindo certificados de ações – como meio para facilitar a troca espacial e temporal de bens que não são dinheiro, ao lado do próprio dinheiro[5], também os certificados de ouro – títulos de propriedades que correspondiam a uma quantidade específica de ouro depositada em instituições específicas (bancos) – serviam como meios de troca. Essa coexistência do próprio dinheiro (ouro) e substitutos ao dinheiro (títulos ao dinheiro) não afeta a oferta total de dinheiro – pois a cada certificado posto em circulação, uma quantidade equivalente de ouro é tirada de circulação (depositada) –, nem a renda interpessoal ou a distribuição de riqueza. Ainda assim, sem dúvidas a coexistência de dinheiro e substitutos ao dinheiro e a possibilidade de possuir dinheiro em qualquer uma das formas em variadas combinações delas constituem uma conveniência adicional para agentes individuais no mercado. É assim que um pedaço de papel intrinsecamente sem valor pode obter poder de compra. Se, e na medida em que, representam um título incondicional a dinheiro, e se, e na medida em que, não há dúvidas quanto a sua validade, e podem ser convertidas a qualquer momento, cédulas de papel compram e vendem como se fossem dinheiro genuíno – são trocados por dinheiro pelo valor nominal. Uma vez que adquirem poder de compra e em seguida são destituídos de seu atributo de títulos a dinheiro (se de alguma maneira suspender-se a possibilidade de conversão), podem continuar funcionando como dinheiro. Como escreve Mises:

Antes que um bem econômico comece a funcionar como dinheiro, já deve possuir valor de troca baseado em outra causa que não sua função monetária. Mas dinheiro que já funciona como tal pode manter seu valor ainda que a fonte original de seu valor de troca tenha deixado de existir.

No entanto, indivíduos guiados pelo autointeresse desejariam destituir as cédulas de dinheiro de seu atributo de títulos a dinheiro? Eles desejariam suspender a possibilidade de conversão e adotar pedaços de papel intrinsecamente sem valor como dinheiro? Patronos do papel-moeda como Milton Friedman alegam que esse é o caso, e tipicamente citam um motivo relacionado a poupança como a razão para a substituição da moeda commodity pela fiduciária: o padrão-ouro envolve desperdício social, uma vez que requer a mineração e a cunhagem do ouro. Recursos consideráveis devem ser direcionados para a produção de dinheiro. Em vez do ouro, com um papel-moeda essencialmente sem custos, esse desperdício desapareceria, e os recursos seriam liberados para a produção de bens de consumo e de capital que seriam diretamente úteis. Portanto, é a superior eficiência econômica da moeda fiduciária que explica o abandono universal da moeda commodity no mundo atual. Mas esse argumento procede? Alguma poupança inócua realmente resultou no triunfo da moeda fiduciária? É ao menos concebível que poderia ter sido assim? Indivíduos conduzidos pelo autointeresse realmente desejariam poupar assim, como os patronos do papel-moeda presumem?

Um olhar um pouco mais cuidadoso revela que isso é impossível, e que a instituição da moeda fiduciária pressupõe um motivo diferente – não inócuo, mas sinistro: imagine uma economia monetária com (pelo menos) um banco e dinheiro próprio (“moeda manual” no jargão moderno), bem como substitutos ao dinheiro (“moeda escritural”[6]) em circulação. Se os agentes no mercado realmente quiserem poupar no custo de recursos da moeda commodity (com o objetivo final de desmonetizar o ouro e monetizar papel), esperar-se-ia que primeiramente – como uma aproximação a esse objetivo – deixariam de usar qualquer moeda manual (ouro). Todas as transações seriam realizadas com moeda escritural (papel), e todo a moeda manual seria depositada em bancos e portanto totalmente retirada de circulação (caso contrário, enquanto dinheiro genuíno ainda estivesse em circulação, os indivíduos utilizando moedas de ouro estariam demonstrando inequivocamente – através de suas próprias ações – que não queriam poupar os custos de recursos relacionados).

No entanto, é possível que substitutos ao dinheiro possam em algum momento superar e tomar o lugar do dinheiro genuíno como meio de troca? Até mesmo muitos dos teóricos defensores da moeda “sólida” hesitaram pouco em admitir essa possibilidade. A ideia é que substitutos ao dinheiro são substitutos e tem uma desvantagem permanente e decisiva quando comparados ao próprio dinheiro. Cédulas de papel (títulos a dinheiro) são equivalentemente conversíveis somente na medida em que uma taxa de depósito é paga à instituição que deposita. Fornecer serviços de conservação e retirada é um empreendimento custoso, e uma taxa de depósito é o preço pago pelo dinheiro guardado em segurança. Se cédulas de papel forem apresentadas para conversão após a data até a qual as taxas de conservação foram pagas pelo depositário original ou anterior, a instituição de depósito deverá impor uma taxa de conversão, e, portanto, tais notas seriam trocadas com um desconto subtraído do dinheiro genuíno. A desvantagem dos substitutos ao dinheiro é que eles devem ser continuamente redepositados e reemitidos para manter-se como dinheiro – i.e., manter sua negociabilidade em equivalência – e, portanto, funcionam como dinheiro somente temporária e intermitentemente. Somente o próprio dinheiro (moedas de ouro) é permanentemente capaz de desempenhar a função de meio de troca. Assim, longe de se dizer que a moeda escritural pode tomar o lugar da moeda manual, deve-se esperar que o uso de substitutos ao dinheiro seja sempre severamente limitado – restrito essencialmente a transações de grandes somas de dinheiro e de negociações entre comerciantes habituais – enquanto a massa da população usaria o dinheiro próprio para a maior parte de suas compras ou vendas, assim demonstrando sua preferência por não querer poupar da maneira imaginada por Friedman.

Ademais, ainda que se assumisse, apenas para argumentar, que só a moeda escritural esteja em circulação enquanto todo o dinheiro genuíno esteja depositado em um banco, as dificuldades dos proponentes da moeda fiduciária não acabam. Certamente, da maneira como veem a questão é simples: toda moeda commodity fica ociosa em um banco. Não seria mais eficiente se todo esse ouro ocioso fosse utilizado para fins de consumo ou produção – para odontologia ou joalheria – enquanto a função de meio de troca fosse assumida por algo menos custoso – na verdade, praticamente sem custos – como a moeda fiduciária? De modo algum.

Primeiramente, a desmonetização do ouro imaginada certamente não pode significar que o banco assume a propriedade de todo o estoque de dinheiro, enquanto o público fica com as cédulas. Ninguém além do dono do banco concordaria com isso! Ninguém desejaria esse tipo de poupança. Na verdade, isso sequer seria algum tipo de poupança, mas uma expropriação do público pelo banco, e para sua exclusiva vantagem. Ninguém pode seriamente desejar ser expropriado por outra parte. (E, no entanto, a expropriação da moeda commodity de propriedade privada através de governos e seus bancos centrais é o único método pelo qual a moeda commodity já foi substituída pela moeda fiduciária). Em vez disso, cada depositante desejaria manter a propriedade de seus depósitos e ter seu ouro de volta.

Assim, porém, um problema insuperável surge: não importa quem – se bancos ou o público – seja o dono das cédulas agora, elas não são nada mais do que papel irredimível. Anteriormente, o custo associado à produção desse papel não era o de impressão de cédulas de papel, mas principalmente o de atrair depositantes de ouro através do fornecimento de serviços de conservação e retirada. Agora, com papel irredimível, não há mais nada de valor a ser conservado. O custo de produção do dinheiro torna-se quase nulo, há somente o custo de impressão. Mas, agora, como o público ou os bancos farão com que outros aceitem o papel? Serviria como meio de compra e venda de bens conforme as taxas de câmbio previamente fixadas? Obviamente não. Pelo menos, não enquanto inexistir barreira de entrada legal no mercado de produção de cédulas; pois em uma situação de livre entrada, se o preço pago por cédulas de papel excedesse o custo de sua produção, a produção seria imediatamente expandida até que o preço do dinheiro se aproximasse a seu custo de produção. O resultado seria a hiperinflação. Ninguém mais aceitaria o papel-moeda, e ocorreria uma fuga para valores reais. A economia monetária entraria em colapso completo e a sociedade retrocederia a uma economia de escambo primitiva e altamente ineficiente. Do escambo, então, mais uma vez uma nova moeda commodity (provavelmente ouro) surgiria (e os produtores de cédulas, mais uma vez, para obter aceitação de suas cédulas, começariam a lastreá-las com esse commodity). Que excelente maneira de se fazer poupança!

Se a intenção é substituir a moeda commodity pela moeda fiduciária, então, mais um requisito é necessário: a liberdade de entrada no mercado de produção de cédulas deve ser restrita, e um monopólio de dinheiro deve ser estabelecido. Um único produtor de papel-moeda também é capaz de causar hiperinflação e um colapso econômico. No entanto, na medida em que é legalmente protegido da concorrência, um monopolista pode tranquilamente restringir a produção das cédulas e assim garantir que ainda tenham poder de compra. Ele então, presumivelmente, assumiria a função de trocar cédulas antigas em equivalência por novas, além de novamente fornecer serviços de conservação e retirada ao aceitar depósitos de cédulas em troca da expedição de substitutos à cédula – contas correntes e cheques – mediante o pagamento de uma taxa de depósito.

Tendo em vista esse cenário, surgem várias questões. Anteriormente, com a moeda commodity, todas as pessoas poderiam entrar no mercado de mineração do ouro e cunhagem de moedas livremente – em conformidade com a presunção de agentes autointeressados que pretendem maximizar usa riqueza. Em contraste, para que exista o “dividendo da moeda fiduciária” de Friedman, a concorrência no mercado de produção de dinheiro teria que ser proibida e um monopólio estabelecido. Porém, como pode a existência de um monopólio legal ser conciliado com a presunção do autointeresse? É concebível que agentes autointeressados concordariam em estabelecer um monopólio de moeda fiduciária da mesma maneira que naturalmente podem decidir participar da divisão do trabalho e usar uma única commodity como meio de troca? Se a resposta for não, isso não demonstra que o custo associado com esse monopólio deve ser considerado mais alto do que a suposta poupança de recursos?

Levantar essas questões é o mesmo que respondê-las. Monopólios e a busca do interesse próprio são incompatíveis. Certamente, as razões pelas quais alguém desejaria se tornar um monopolista do dinheiro existe. Afinal, não tendo o dever de guardar, conservar e possibilitar a retirada de uma commodity preciosa, os custos de produção diminuem dramaticamente e o monopolista poderia lucrar ainda mais. Uma vez que é legalmente protegido de toda potencial concorrência, esse lucro de monopólio seria imediatamente “capitalizado” (refletido permanentemente em uma valorização positiva de seus ativos), e, além dos valores inflados de seus ativos, a ele seria garantida uma taxa de retorno normal em forma de juros. No entanto, dizer que esse arranjo seria vantajoso para o monopolista não significa que o seria para todas as outras pessoas, nem que, portanto, poderia surgir naturalmente. Na verdade, qualquer um só desejaria isso se ele mesmo fosse o monopolista, logo nunca poderia haver concordância na seleção de um monopolista específico. A condição de monopolista só pode ser atingida se forçada contra a vontade de todos os não monopolistas excluídos. Por definição, um monopólio cria a distinção entre duas classes de indivíduos com diferentes qualidades legais: entre aqueles indivíduos privilegiados que têm permissão para produzir dinheiro e os subordinados que, para a exclusiva vantagem daqueles, são proibidos de fazer o mesmo. Esse instituto não pode ser mantido voluntariamente como os institutos da divisão do trabalho e da moeda commodity. Não é, como são esses outros, o resultado “natural” de interações mutuamente vantajosas, mas de um ato unilateralmente vantajoso de expropriação. Assim, em vez de ter sua existência contínua garantida por apoio voluntário e cooperação, um monopólio requer a ameaça de violência física.

Ademais, a incompatibilidade do autointeresse com o monopólio não se exaure no momento em que ele é estabelecido, mas continua existindo enquanto operar o monopólio. Ele sempre operará de maneira ineficiente e à custa dos não monopolistas excluídos. Primeiramente, em um regime de livre concorrência (livre entrada), todo produtor está sob constante pressão para produzir – seja lá o que for – pelo mínimo custo possível, pois se não o fizer, ele corre o risco de ser superado competitivamente por novos entrantes que produzem o bem em questão por custos mais baixos. Em contraste, um monopolista, protegido da concorrência, não está sob essa pressão. Na verdade, dado que o custo da produção de dinheiro inclui o salário do próprio monopolista, bem como suas recompensas não pecuniárias, o interesse “natural” do monopolista é aumentar seus custos. Logo, deve se esperar que, muito brevemente, se não já desde o começo, o custo de um papel-moeda produzido em monopólio exceda àquele associado a uma moeda commodity produzida em concorrência.

Ademais, é possível prever que o preço do papel-moeda fornecido em monopólio vai aumentar progressivamente, e o poder de compra por unidade de moeda e sua qualidade irão continuamente diminuir. Protegido de novos entrantes, todo monopolista é tentado a subir preços e reduzir a qualidade. Mas, no caso de monopolistas da moeda, isso é particularmente verdadeiro. Enquanto outros monopolistas devem considerar a possibilidade de que aumentos no preço (ou queda de qualidade) podem levar a uma diminuição de receita, em razão de uma demanda elástica por seus produtos, um monopolista da moeda pode estar seguro de que a demanda por seu produto em específico – um meio comum de troca – será altamente inelástico. Realmente, a não ser em um caso de hiperinflação, no qual a demanda por dinheiro desaparece totalmente, um monopolista da moeda está quase sempre em uma posição onde pode presumir que sua receita vai aumentar mesmo que ele aumente o preço do dinheiro (reduz seu poder de compra). Munido do direito exclusivo para a produção de dinheiro e presumindo seu autointeresse, deve-se esperar que o banco monopolista passe a aumentar progressivamente a oferta de dinheiro, pois, embora um aumento na oferta de dinheiro não aumente a riqueza da sociedade – i.e., a quantidade existente de bens de consumo e de capital diretamente úteis – mas somente causa inflação (diminui o poder de compra do dinheiro), com cada cédula adicional posta em circulação o monopolista pode aumentar sua renda real (à custa da renda do público). Ele pode imprimir cédulas praticamente sem custos e então usá-las para comprar ativos reais (bens de consumo ou de capital) ou para o pagamento de dívidas reais. A riqueza real do público será reduzida – em geral, terão menos bens e mais dinheiro de menor poder de compra. Por outro lado, a riqueza real do monopolista aumentará – ele terá mais bens (e sempre terá quanto dinheiro quiser). Quem, nessa situação, exceto anjos, não passaria a aumentar progressivamente a oferta de dinheiro e, por conseguinte, causar uma contínua depreciação da moeda?

Talvez seja esclarecedor um contraste entre a teoria da moeda fiduciária exposta acima e o ponto de vista de Milton Friedman, o maior defensor moderno da moeda fiduciária.

Embora o jovem Friedman não tenha se atentado de maneira sistemática à questão da origem da moeda, o Friedman mais velho reconhece que, como fato histórico, todas as moedas surgiram como moedas commodity (e todos os substitutos ao dinheiro como crédito a um depósito de moeda commodity), e ele é, com razão, cético à proposta de moedas fiduciárias emitidas em concorrência do Friedrich A. Hayek mais velho. No entanto, induzido a erro por sua metodologia positivista, Friedman falha em entender que o dinheiro (bem como os substitutos ao dinheiro) não pode surgir de outra maneira e por isso a proposta de Hayek deve falhar.

Em contraste com o ponto de vista exposto aqui, ao longo de sua carreira, Friedman afirma que uma moeda commodity seria “naturalmente” substituída por um regime – mais eficiente e poupador de recursos – de moeda fiduciária. Incrivelmente, porém, ele não fornece nenhum suporte argumentativo a essa tese, ignora todos os problemas teóricos, e qualquer argumento ou observação empírica que cita contradiz suas próprias alegações. Não há, em primeiro lugar, nenhum indicativo de que Friedman esteja ciente das limitações fundamentais da substituição do dinheiro manual pelo escritural. Porém, se não é possível que a moeda manual saia de circulação, então como, a não ser através de um ato de expropriação, pode ser eliminado o elo entre papel e moeda commodity? O uso contínuo da moeda manual em circulação demonstra que ela não é considerada como um tipo inferior de dinheiro; e o fato de que expropriação é necessária para tornar o dinheiro desvinculado a commodities demonstra que a moeda fiduciária não é um fenômeno natural!

O interessante é que, depois de desviar do problema de ter que explicar como a suspensão da conversão (de papel em commodity) pode ser considerada natural ou eficiente, Friedman corretamente reconhece que, pelos motivos expostos acima, a moeda fiduciária não pode ser fornecida em ambiente competitivo; na verdade, requer um monopólio. Ele segue a partir dessa constatação, afirmando que “a produção de moeda fiduciária é, tal como sempre foi, um monopólio natural”. No entanto, do fato de que a moeda fiduciária requer um monopólio não sucede que haja qualquer aspecto “natural” nesse monopólio, e Friedman não fornece nenhum argumento para explicar como um monopólio pode ser considerado o resultado natural das interações de indivíduos autointeressados. Ademais, o Friedman mais jovem, em específico, parece quase desconhecer a economia política clássica e seus argumentos antimonopolistas: o axioma segundo o qual, se a alguém for concedido um privilégio, ele fará uso disso, e, por conseguinte, a conclusão de que todo produtor monopolista será ineficiente (em termos de custos e também de preço e qualidade). À luz desses argumentos, deve-se considerar incrivelmente ingênuo da parte de Friedman, em primeiro lugar, a defesa do estabelecimento de um monopólio estatal da moeda e, em segundo, a esperança de que o monopolista não use seu poder e opere com os custos mais baixos possíveis e inflacione apenas suavemente a oferta de dinheiro (a uma taxa de 3-5% ao ano). Isso presumiria que, no momento em que se transformasse em um monopolista, ocorreria uma transformação fundamental na natureza autointeressada da raça humana.

Depois de adquirir ampla experiência em seu próprio mundo ideal de moedas puramente fiduciárias, como veio a ocorrer depois de 1971, e recordando seu próprio argumento, de 40 anos antes, em prol da moeda fiduciária monopolista pela poupança de recursos, não é surpreendente que o Friedman mais velho reconheça que suas previsões se revelaram gritantemente falsas. Ele percebe que, desde a abolição dos últimos remanescentes do padrão-ouro, tendências inflacionárias aumentaram dramaticamente em uma escala mundial; a previsibilidade de mudanças futuras de preços diminuiu bruscamente; o mercado de títulos de longo-prazo (como títulos de dívida[7]) tem desaparecido em larga escala; o número de investimentos e consultores de “crédito com garantia em imóvel[8]”, bem como os recursos atrelados a esses negócios aumentaram drasticamente; fundos de mercado monetário e o mercado de especulação monetária se desenvolveram e absorveram quantidades significativas de recursos reais que, não fosse o aumento da inflação e da imprevisibilidade, sequer existiriam ou ao menos nunca teriam assumido a importância que têm hoje; e, por último, aparentemente até o custo em recursos dedicados à produção de ouro acumulado em reservas privadas como proteção contra inflação aumentou. Mas que conclusão Friedman tira dessas evidências empíricas? De acordo com sua própria metodologia positivista segundo a qual a ciência é uma previsão, e previsões erradas falseiam uma teoria, era de se esperar que Friedman finalmente descartasse sua teoria como irremediavelmente errada e defendesse um retorno à moeda commodity. Isso não ocorreu. Em vez disso, em uma incrível demonstração de contínua ignorância (ou arrogância), ele enfaticamente conclui que nenhuma dessas evidências deve ser interpretada como “um clamor pelo retorno do padrão-ouro. Pelo contrário, não considero o retorno ao padrão-ouro nem desejável, nem factível”. Agora, assim como antes, ele mantém a posição de que o apelo ao padrão-ouro é meramente “irracional, emocional”, e que somente a moeda fiduciária é “tecnicamente eficiente”. De acordo com Friedman, o que precisa ser feito para superar os óbvios defeitos do atual regime de moeda fiduciária é encontrar

uma âncora que proporcione previsibilidade a longo prazo dos preços, um substituto para a convertibilidade em commodity ou, alternativamente, algum dispositivo que torne desnecessária a previsibilidade. Muitas âncoras e dispositivos diferentes foram sugeridos, desde regras de crescimento monetário até padrões tabelados para a separação entre o meio de troca e a unidade de contabilidade. Até o momento, não se atingiu o consenso sobre isso.

 

— 3 —

DO DEPÓSITO E EMPRÉSTIMO ÀS RESERVAS FRACIONÁRIAS

A INVOLUÇÃO DO CRÉDITO

Bancos desempenham duas tarefas estritamente separadas, das quais somente uma foi considerada até agora. Por um lado, servem como instituição de depósito, oferecendo serviços de conservação e retirada. Aceitam depósitos de dinheiro (commodity) e emitem títulos a dinheiro (recibos de depósito, substitutos do dinheiro) para seus depositantes, redimíveis por seu valor nominal ou sob demanda. A cada título a dinheiro por eles emitido, possuem eles uma quantidade equivalente de dinheiro genuíno em mãos, pronta para retirada (bancos de reserva 100%). Não se pagam juros sobre os depósitos. Pelo contrário, depositantes pagam uma taxa para o banco pelos serviços de conservação e retirada. Sob condições de livre concorrência – livre entrada no mercado bancário – a taxa de depósito, que constitui a renda do banco e sua fonte de possível lucro, tende a ser mínima; e os lucros – ou melhor, o retorno de juros – obtidos na atividade bancária tende a ser o mesmo que em qualquer outro ramo.

Por outro lado, originalmente separado institucionalmente da instituição de depósitos, bancos também servem como intermediários entre poupantes e investidores – como bancos de empréstimos. Nesta função, eles primeiro oferecem e entram em contratos a prazo com poupadores. Os poupadores emprestam dinheiro ao banco por um período específico – mais curto ou mais longo – de tempo em troca da obrigação contratual do banco de prover pagamento futuro mais alguns juros. Do ponto de vista dos poupantes, eles trocam dinheiro presente pela promessa de dinheiro futuro: o retorno em juros constituindo sua recompensa por desempenhar a função de aguardante do futuro. Tendo portanto adquirido propriedade temporária das economias de um poupante, o banco então recoloca o mesmo dinheiro para os investidores (incluindo si mesmo) em troca da obrigação dos últimos de pagamento futuro e juros. A diferença nos juros – a diferença entre os juros pagos para os poupantes e o cobrado daqueles dos mutuários – representa o preço por intermediar entre pipantes e investidores, e, constitui a receita do banco de empréstimo. Quanto ao depósito bancário e taxas de depósito, em condições competitivas, os custos da intermediação também tendem a ser custos mínimos, e os lucros do banco de empréstimos tendem a ser os mesmos que podem ser obtidos em outros lugares.

Nenhuma das atividades de depósito e empréstimo bancário como caracterizadas aqui envolve um aumento na oferta de dinheiro, redistribuição de riqueza ou distribuição unilateral de renda. Para cada nota de depósito emitida, uma quantidade equivalente de dinheiro é tirada de circulação (somente a forma do dinheiro muda, não sua quantidade), e, no curso dos empréstimos, a mesma soma de dinheiro simplesmente troca de mãos repetidamente. Todas as trocas – entre depositantes e instituições depositárias, bem como entre poupadores, bancos intermediadores e investidores – são mutualmente vantajosas.

Em contraste, a atividade bancária de reservas fracionárias envolve uma confusão deliberada entre a função de depósito e empréstimo. Ela pressupõe um aumento na oferta de dinheiro, e leva a uma redistribuição unilateral de renda em favor do banco, assim como a ineficiências econômicas na forma de ciclos de expansão e recessão.

A confusão das duas funções da atividade bancária surge a partir do fato de que, sob bancos de reservas fracionárias, ou os depositantes estão recebendo juros (ao invés de terem que pagar uma taxa), e/ou aos poupadores está sendo garantido o direito de retirada instantânea (ao invés de terem que esperar a data futura combinada para o resgate do dinheiro). Tecnicamente, a possibilidade de um banco agir dessa maneira surge do fato de que os correntistas[9] (detentores de títulos a dinheiro redimíveis sob demanda, instantaneamente, a preço nominal) tipicamente não exercem seu direito simultaneamente, de maneira a todos chegarem ao banco querendo retirar seu dinheiro ao mesmo tempo. Assim, um banco de depósito tipicamente deterá reservas (de dinheiro real) excedendo as retiradas diárias. Torna-se, então, factível que um banco empreste essas reservas “em excesso”, assim gerando ao banco um lucro em juros (o qual os bancos podem repassar aos seus depositantes na forma de contas de depósito remuneradas com juros).

Proponentes das reservas fracionárias normalmente alegam que essa prática de deter menos que 100% das reservas representa somente uma “economia” inócua de dinheiro, e gostam de destacar que não só o banco, mas também os depositantes (que recebem juros) e poupadores (que podem retirar seu dinheiro instantaneamente) se beneficiam dessa prática. Na verdade, o sistema de reservas fracionárias sofre de duas falhas fatais inter-relacionadas, e é tudo menos inócuo e benéfico a todos. Em primeiro lugar, deve-se notar que qualquer quantidade que não 100% de reserva envolve o que poderíamos chamar de impossibilidade legal, pois, ao empregar suas reservas de excesso para a concessão de crédito, o banco transfere a propriedade temporária para um tomador de empréstimos, enquanto os depositantes, que ainda têm direito a retirada imediata, continuam detendo a propriedade do mesmo dinheiro. No entanto, é impossível que o depositário e o tomador de empréstimo tenham direito ao controle exclusivo dos mesmos recursos. Duas pessoas não podem ser “donos exclusivos” da mesma coisa ao mesmo tempo. Assim, qualquer banco que simule o contrário – ao presumir responsabilidades pela demanda para além das reservas reais – deve ter sua atividade considerada fraudulenta.  Suas obrigações contratuais não podem ser cumpridas. Desde o início, o banco deve ser considerado inerentemente falido – como se revela pelo fato de que não poderia, ao contrário de sua própria presunção, sobreviver a uma corrida bancária.

Em segundo lugar, ao emprestar suas reservas excedentes, o banco aumenta a oferta de dinheiro, indiferentemente de se os tomadores recebem essas reservas na forma de dinheiro real ou depósitos à ordem (cheques). Se o empréstimo é na forma de dinheiro genuíno, então a quantidade de dinheiro real em circulação aumenta sem que uma quantidade equivalente seja retirada de circulação. De qualquer maneira, haverá mais dinheiro agora do que antes, levando a uma redução no poder de compra do dinheiro (inflação) e, por conseguinte, a uma redistribuição de renda real em favor do banco e seus tomadores de empréstimo e à custa do público e demais clientes do banco. O banco recebe juros adicionais enquanto não faz nenhuma contribuição adicional para a riqueza real do público (como seria o caso se o retorno em juros fosse resultado da diminuição nos gastos do banco, i.e., poupanças); e os tomadores adquirem ativos reais, não monetários, com seus fundos, assim reduzindo a riqueza real do resto do público no valor gasto.

Ademais, uma vez que o banco não gasta as reservas excedentes só consigo mesmo, mas empresta externamente com juros, invariavelmente um ciclo econômico é iniciado. A quantidade de crédito oferecida é maior que antes. Como consequência, o preço do crédito – os juros cobrados por empréstimos – vai cair para um nível menor do que seria do contrário. A um preço mais baixo, mais crédito será obtido. Uma vez que dinheiro não gera mais dinheiro, para que possam pagar os juros e ainda lucrar, os tomadores de empréstimo vão converter seus fundos emprestados em investimentos. Ou seja, vão ter que adquirir ou alugar fatores de produção – terra, trabalho, e possivelmente bens de capital (fatores de produção previamente produzidos) – capazes de render um output futuro de bens cujo valor (preço) exceda o input. Assim, com um volume de crédito expandido, mais recursos disponíveis no presente serão vinculados na produção de bens futuros (ao invés de serem usados para o consumo presente) do que seriam do contrário; e para completar os projetos de investimento agora em curso, mais tempo será necessário do que seria caso só houvesse os projetos que começaram sem a expansão do crédito. Todos os bens futuros que seriam criados sem a expansão mais os adicionados com a expansão devem ser produzidos.

No entanto, em distinto contraste com a situação na qual a taxa de juros cai por causa da queda na taxa de preferência temporal (o grau em que bens presentes são preferíveis a bens futuros) e, portanto, tendo o público de fato poupado mais para tornar disponíveis mais bens presentes para os investidores em troca da promessa de um retorno em bens futuros, no caso sob análise não houve mudança na preferência temporal e na poupança. O público não poupou mais, e por conseguinte a quantidade adicional de crédito disponibilizada pelo banco não se trata de crédito commodity (crédito lastreado em bens que o público se absteve de consumir), mas crédito fiduciário ou de circulação (crédito literalmente criado do nada – sem nenhum sacrifício correspondente na forma de bens não consumidos, por parte do emissor do crédito). Se o crédito adicional fosse crédito commodity, um volume expandido de investimentos seria lastreado. Haveria uma oferta de bens presentes grande o suficiente para ser dedicada à produção de bens futuros, para que todos – os antigos e os recém-iniciados – projetos de investimento pudessem ser completados com sucesso e fosse atingido um nível mais alto de consumo futuro. Se a expansão no crédito é devida à disponibilização de crédito de circulação, no entanto, o volume de investimentos que se seguirá deve se provar superestimado. Enganados por uma taxa de juros mais baixa, os investidores agirão como se a poupança tivesse aumentado. Eles retirarão mais recursos disponíveis no presente para projetos de investimento do que estariam lastreados nas poupanças reais, para serem convertidos em bens de capital futuros. Por consequência, os preços de bens de capital aumentarão inicialmente, em relação aos de bens de consumo; mas, assim que a taxa de preferência temporal subjacente do público começar a se reajustar, surgirá uma escassez de bens de consumo. Assim, a taxa de juros se reajustará, aumentando, e agora são os preços dos bens de consumo que aumentarão em relação aos de capital, exigindo a liquidação de parte do investimento, que se revela como um insustentável mau investimento[10]. O boom anterior se tornará uma recessão, reduzindo o padrão de vida abaixo do nível que, do contrário, poderia ser alcançado.

Entre os recentes proponentes do sistema bancário de reservas fracionárias, os casos de Lawrence White e George Selgin merecem alguns comentários críticos, especialmente porque ambos são críticos do monetarismo de Friedman e remontam, ao contrário, à tradição austríaca, e em particular à teoria monetária misesiana. Seu ideal monetário é o de uma moeda commodity universal como o padrão-ouro internacional e, baseado nisso, um sistema de bancos em concorrência que, segundo eles, praticarão reservas fracionárias e disponibilizarão crédito fiduciário – e deve-se permitir que o façam por razões de justiça e de eficiência econômica.

Quanto à questão da justiça, White e Selgin oferecem apenas um argumento destinado a mostrar o caráter supostamente não fraudulento das reservas fracionárias: que a proibição de tal prática envolveria uma violação do princípio da liberdade contratual, impedindo que “os bancos e seus clientes fizessem qualquer tipo de acordo contratual mutuamente aceitáveis.”25 No entanto, esse é certamente um argumento tolo. Em primeiro lugar, por uma questão histórica, os bancos de reservas fracionárias nunca informaram seus depositantes de que parte dos seus depósitos serão emprestados e, portanto, não estarão disponíveis para resgate a qualquer momento. (Mesmo que o banco pague juros sobre contas de depósito e, portanto, implique que o banco deva emprestar os depósitos, isso não quer dizer que nenhum dos depositantes estarão conscientes deste fato. Dessa forma, é seguro dizer que poucos saberão, mesmo entre aqueles que não são incultos em economia. Os bancos de reservas fracionárias também não informaram seus mutuários que parte ou todos os o crédito concedido a eles foi criado do nada e estava sujeito a ser recuperado a qualquer momento. Como poderiamos chamar a essa prática outra coisa senão fraude e peculato!

Em segundo lugar, e mais decisivamente, acreditar que reservas fracionárias devem ser protegidas pelo princípio da liberdade contratual constitui uma total confusão do próprio significado desse princípio. Liberdade contratual não significa que todo contrato mutuamente vantajoso deve ser permitido. Claramente, se A e B acordam contratualmente que vão assaltar C, isso não está em concordância com o princípio. Liberdade contratual, na verdade, significa que A e B devem ter o direito de dispor em contrato qualquer coisa que envolva suas próprias propriedades, mas o arranjo de reservas fracionárias envolve dispor contratualmente das propriedades de terceiros. Quando quer que o banco empreste suas reservas “excedentes”, esse contrato bilateral afeta a propriedade de terceiros de três maneiras. Primeiro, ao aumentar a oferta de dinheiro, o poder de compra de todos os que têm dinheiro diminui; segundo, todos os depositantes são prejudicados porque a chance de recuperarem seus próprios fundos diminui; terceiro, todos os outros tomadores de empréstimo – no caso, de crédito commodity – são prejudicados pois a injeção de crédito fiduciário enfraquece a segurança de toda a estrutura de crédito e aumenta o risco de uma falha de negócios para cada investidor em crédito commodity.

Para superar essas objeções às alegações de que reservas fracionárias estão de acordo com o princípio da liberdade contratual, White e Selgin, como último recurso, retrocedem para uma posição em que os bancos poderiam incluir uma “cláusula opcional” às suas cédulas, informando os depositantes de que a qualquer momento o banco pode suspender ou rejeitar a retirada, e comunicando aos tomadores de empréstimo que seu empréstimo pode ser cobrado a qualquer momento. Embora essa prática realmente isente a acusação de fraude, ela está sujeita a outra crítica fundamental, pois essas cédulas não seriam mais dinheiro, e sim um tipo peculiar de bilhete de loteria. A função do dinheiro é servir como o bem mais amplamente aceito e facilmente negociável, para tornar viáveis para quem o tenha compras instantâneas de bens de consumo ou de capital que sejam direta ou indiretamente úteis em datas futuras ainda desconhecidas; logo, para que qualquer coisa sirva de dinheiro e possa ser instantaneamente negociável em um dado momento futuro, deve garantir um absoluto e incondicional direito de propriedade a seu dono. Em marcado contraste, o dono de uma cédula com cláusula opcional não possui um direito incondicional de propriedade. Na verdade, assim como aqueles que têm “bilhetes de estacionamento de reservas fracionárias” (na situação em que mais bilhetes são vendidos do que o número de vagas disponíveis, e lotes são alocados a partir de quem chega primeiro), ele só tem direito a participar do sorteio de certos prêmios, no caso consistindo da propriedade ou aluguel temporário de serviços de bens específicos de acordo com regras específicas. Mas, como são direitos de sorteio – e não títulos incondicionais de propriedade – eles só possuem valor temporariamente condicionado até o momento do sorteio, e se tornam inúteis depois que os prêmios são alocados aos donos de bilhetes; logo, seriam especialmente incapazes para servir como meio de troca.

Quanto à segunda disputa: sobre a eficiência econômica das reservas fracionárias, deve-se notar que White, apesar de indubitavelmente conhecer o argumento austríaco-misesiano segundo o qual qualquer injeção de crédito fiduciário deve resultar em um ciclo de boom e recessão, sequer menciona o problema dos ciclos econômicos. Somente Selgin trata desse problema. Porém, em sua tentativa de mostrar que reservas fracionárias não causam ciclos econômicos, Selgin mergulha de cabeça no fundamental erro keynesiano de confundir a demanda por dinheiro (determinada pela utilidade do dinheiro) com a poupança (determinada pela preferência temporal).

De acordo com Selgin, “conservar dinheiro escritural[11] é realizar poupança voluntária”; e, em conformidade, “um aumento na demanda por dinheiro fundamenta um aumento nos empréstimos bancários e investimentos”, pois

[s]empre que um banco expande seus passivos no processo de fazer novos empréstimos e investimentos, são os detentores dos passivos quem são os principais emprestadores de crédito e o que eles emprestam são os recursos reais que poderiam adquirir se, em vez de guardar dinheiro, o gastassem.[12]

Baseado nessa visão segundo a qual conservar dinheiro representa poupança e um aumento na demanda por dinheiro representa um aumento na poupança, Selgin então critica o argumento de Mises de que qualquer emissão de meios fiduciários, ao baixar a taxa de juros a um nível mais baixo que o “natural”, deve causar ciclos econômicos, considerando “confuso” esse argumento. “Nenhuma consequência ruim resulta da emissão de meios fiduciários em reposta a uma maior demanda por saldos de dinheiro escritural.”

Mas é Selgin quem está confuso. Em primeiro lugar, é falso dizer que a conservação de dinheiro (o ato de não gastá-lo) é equivalente a poupança. Alguém poderia dizer – e isso seria igualmente errado – que o não gasto do dinheiro é equivalente a não poupá-lo. Na verdade, poupar é não consumir, e a demanda por dinheiro nada tem a ver com poupar ou não poupar. A demanda por dinheiro é a indisposição para comprar ou alugar bens, o que inclui bens de consumo (bens presentes) e bens de capital (bens futuros). Não gastar dinheiro é não adquirir nem bens de consumo nem de investimento. Ao contrário do que diz Selgin, então, a situação é a seguinte: indivíduos podem empregar seus ativos monetários de três maneiras. Podem gastar em bens de consumo; podem gastar em investimentos; podem mantê-los na forma de dinheiro. Não há outra alternativa. Embora a todo momento as pessoas devam tomar decisões levando em conta três margens, invariavelmente o resultado é determinado por dois fatores distintos e praxeologicamente independentes. A proporção entre consumo/investimento (a decisão do quanto gastar dinheiro em consumo e quanto em investimento) é determinada pela preferência temporal de uma pessoa (o grau em que prefere consumo presente em vez de consumo futuro). Por outro lado, a fonte de sua demanda por dinheiro é a utilidade atribuída a ele (a satisfação pessoal que se extrai do fato do dinheiro viabilizar compras imediatas de bens de consumo direta ou indiretamente úteis, ou bens de capital em datas futuras e incertas).

Assim, se a demanda por dinheiro aumenta enquanto o estoque total de dinheiro[13] está dado, essa demanda adicional só pode ser satisfeita com a diminuição do preço dos bens. O poder de compra do dinheiro vai aumentar, o valor real do saldo de dinheiro individual vai crescer, e, com um maior poder de compra por unidade de dinheiro, a demanda e oferta de dinheiro vai se equilibrar novamente. O preço relativo do dinheiro versus bens terá mudado. Mas, a não ser que se considere que a preferência temporal mudou ao mesmo tempo, o consumo real e o investimento real seguirão como antes: a demanda adicional por dinheiro é satisfeita ao se reduzir o consumo nominal e o gasto com investimentos em conformidade com a mesma proporção consumo/investimento anterior, abaixando os preços tanto de bens de consumo quanto de capital, além de manter o consumo e investimento real exatamente no mesmo nível anterior. Se, no entanto, considerarmos que a preferência temporal mudou concomitantemente com o aumento da demanda por dinheiro, então tudo é possível. Realmente, se os gastos fossem reduzidos a exclusivamente bens de investimento, um aumento na demanda por dinheiro seria acompanhado de um aumento na taxa de juros e redução na poupança e investimento. No entanto, isso, ou o resultado contrário e igualmente plausível, não seria devido a uma mudança na demanda por dinheiro, mas exclusivamente a uma mudança (um crescimento ou diminuição) no momento da preferência temporal. De qualquer maneira, se o sistema bancário seguisse o conselho de Selgin e acomodasse um aumento da demanda por crédito emitindo crédito fiduciário, a taxa social de preferência temporal seria falseada, o que resultaria em investimento excessivo, e um ciclo de boom e recessão começaria, o que torna economicamente ineficiente a prática de reservas fracionárias, além de fraudulenta.

A proposta de White e Selgin de um sistema de reservas fracionárias fundado em moeda commodity – na verdade moeda parcialmente fiduciária – não é nem justo (por isso o termo “free banking” não é apropriado), nem produz estabilidade econômica. Não há nenhuma melhora fundamental em comparação à realidade monetarista de moedas puramente fiduciárias emitidas em monopólio. Na verdade, em certo aspecto a proposta de Friedman de uma moeda puramente fiduciária contém uma análise mais realista e correta do que a de White e Selgin, pois Friedman reconhece “o que se chamava de ‘instabilidade inerente’ do sistema de reservas fracionárias”, e ele entende que essa instabilidade inerente de um sistema competitivo de bancos praticando reservas fracionárias vai, mais cedo ou mais tarde, sucumbir em uma “crise de liquidez” e então levar ao regime que defende – a moeda puramente fiduciária fornecida pelo governo – inevitavelmente.

Somente um sistema com uma moeda commodity universal (ouro), bancos concorrendo e também uma reserva de 100% dos depósitos com uma rigorosa separação funcional entre as atividades bancárias de empréstimo e depósito constitui um sistema monetário justo que pode garantir a estabilidade econômica e se apresentar como uma resposta genuína ao atual fiasco monetarista.

 

_____________________________

NOTAS

[1]        N. T.: no original, “yardstick”

[2]        N. T.: no original, “supply of means”.

[3] N.T.: “safekeeping”, no original.

[4] N.T.: “clearing”, no original

[5] N.T.: no original, “money proper”

[6] N.T.: no original “outside, inside money”

[7] N.T.: no original “consols”

[8] N.T.: no original “hard money”

[9] N.T.: no original “holders of demand deposits”

[10] N.T.: no original “malinvestment”

[11] N.T.: no original “inside money”

[12] Selgin, The Theory of Free Banking, p. 55

[13] N.T.: no original “social stock of money”

Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e A Economia e a Ética da Propriedade Privada.
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