Introdução

Ao redigir o que lê, leitor, tomei por alicerce fundamental a razão lógica pura. Argumentando favoravelmente à taxação governamental como forma única de paz, o estatista mediano não recorre às suas ideias mais inegáveis, mas ao paradigma ideológico do estado, pois, se o fizesse, isto é, se, antes de militar em prol da abrangência crescente das operações estatais, averiguasse mesmo rasamente a lógica e as pressuposições ocultamente imanentes ao seu raciocínio, de pronto inferiria a ilegitimidade do estado. Ora, se perguntasse ao referido estatista mediano se é minimamente legítima a expropriação, ele seguramente responderia dizendo: “Quê? Há motivos plausíveis à realização de tal pergunta? Não! Jamais será legítima! Em realidade, é absoluta e inequivocamente ilegítima”, porém se solicitasse ao mesmo a sua opinião íntima acerca da taxação governamental, ele, com certeza, diria: “A taxação governamental deve estar num nível razoável, de forma a não ser demasiadamente predatória aos bolsos dos indivíduos comuns, antes, no entanto, deverá servir aos interesses do estado, do povo, em suma”, o que implica que o estatista em foco presume ser legítima a taxação, já que a legitima introspectivamente à sua função supostamente pública. Nesta ocasião, se dispusesse-me à continuação do pequeno questionário perguntando ao ruminante em questão a maneira pela qual define a palavra “roubo”, ele muito certamente contraviria versando: “Ora, defino conforme o correto conceito: roubo nada é senão a subtração forçada da propriedade [posse] alheia sem o consentimento do proprietário, cuja invulnerabilidade fingida é, em geral, castigada severissimamente pelo agente roubador. Ademais, a finalidade do roubo é completamente desimportante à sua definição”. Sem dúvida, se o interrogasse de novo pedindo-lhe despretensiosamente a sua definição pessoal de “imposto”, ele frisaria com segurança absolutamente nada além de o seguinte: “Ora, o imposto é nada além de a captação tributária/coativa [subtração forçada] das propriedades [posses] do cidadão [proprietário], pelo emprego do poder fiscalizatório do estado [compulsão institucional]. Além do mais, se o primeiro o sonegar [se tentar preservar a posse da propriedade legitimamente adquirida] será penalizado pelo último [coibido via coerção], indiferentemente aos fins atribuídos ao imposto [tributos] pelos líderes do poder central”. Se, assim, finalizasse tal interrogatório perguntando se imposto é roubo ao estatista de que se fala, o mesmo, de modo explicitamente contraditório, diria: “Não! Não! Não”. Todavia, se o ruminante em estudo decidisse cessar temporariamente o seu automatismo fraseológico tão-só para verificar as próprias definições, não lhe escaparia tão desembaraçadamente a conclusão de que imposto é roubo, posto que os elementos identitários conceitualmente mais substantivos ao roubo também se acham no imposto fundamentalmente: força compulsiva, violência, ameaça, não consentimento.

Sim. E negá-lo implicaria distorcer os conceitos e ferir mortalmente a natureza das inferências sintéticas.

Concluir que imposto é roubo não é banal, visto que possui implicações muito sérias. Afinal, se imposto é roubo, logicamente, o estado jamais poderá auferir a legitimidade enquanto operar tributariamente, porém somente enquanto fazer-se viável de forma puramente mercadológica, i. e., sendo custeado pelo recebimento do dinheiro advindo do pagamento fidedignamente consensual das suas taxas, sem o emprego de compulsão. O estado, para auferir a legitimidade, não poderá ser impositivo, quer dizer, não poderá punir a sonegação das suas taxas, da mesma forma que um vendedor de cachaça que visa sustentar-se legitimamente não poderá penalizar os cachaceiros mais próximos por não terem adquirido as suas cachaças estocadas aprisionando-os duradouramente. O estado, também, para auferir a legitimidade, não poderá suportar programas distributivistas, da mesma forma que um mendigo não deixará de atuar ilegitimamente ao extorquir um milionário simplesmente por ser miserável – alguns, perante tal exemplo, com certeza afirmarão que a opinião pública pende favoravelmente à causa do referido mendigo, mas, apesar de isso ser verdadeiro, a “opinião pública” não pode delinear discriminadamente a maneira pela a justiça deve fazer-se valer aos indivíduos especificamente segundo os seus estados econômicos próprios, tão-só por presumir poder fazê-lo, da mesma forma que a humanidade jamais pôde deixar de estar submetida à lei da gravidade tão-só por acreditar podê-lo ignorando-a conscientemente. O estado, para auferir a legitimidade, não poderá penalizar a comercialização voluntária de narcóticos apenas por serem extremamente viciantes, da mesma forma que um homem não poderá não ilegitimamente invadir com agressividade o cômodo mais íntimo do seu amigo de maneira a impedi-lo de assistir filmes pornográficos apenas por serem compreensivelmente viciantes, da mesma forma que uma mulher que visa agir legitimamente não poderá expropriar os doces viciantes da sua amiga em razão de os mesmos provocarem infecções diabéticas no mais tardar dos seus efeitos mais prejudiciais. O estado, para auferir a legitimidade, também, não poderá despojar os seus governados dos seus meios de defesa mais primordiais (armas) a fim de alegadamente os livrar dos riscos intrínsecos à posse das mesmas (acidentes ou uso não razoável), da mesma forma que uma pessoa não poderá em legitimidade apossar-se coercitivamente do automóvel do seu vizinho com a finalidade de salvaguardá-lo da possibilidade de atropelar uma gestante ou de acidentar-se evitavelmente por alcoolismo, da mesma forma que um indivíduo não poderá impedir outrem de empreender por considerar o seu projeto empresarial arriscado ou muito pouco viável financeiramente.

O estado, para ser legítimo, portanto, deve destituir-se de tudo o que lhe é substantivo, isto é, deve tornar-se nada mais que uma empresa fornecedora de serviços jurídicos e policias. A instauração, portanto, de uma sociedade inteiramente legítima começa pelo término da tributação (do estado, em suma). Tal sociedade, destarte, durará enquanto durar o que os teóricos do libertarianismo chamam “anarquia”, uma ordem inerentemente legítima, justo ao fato de ser plenamente destituída de extorsões, inclusive das estatais. Logo, querer uma sociedade legítima é querer uma sociedade anárquica, sinteticamente. Entretanto, em função de a tal anarquia se achar muito para além dos paradigmas mais corpulentos contemporaneamente, o sintetismo apriorístico kantiano é rejeitado, em prol do conforto doce do que é intoleravelmente incomodado pela chance de mostrar-se infundado, pela chance de mostrar-se irracional, a qual, irremediavelmente, compele o que não quer sentir-se disparatado a obstruir a razão (a capacidade de descobrir) a fim de não correr o risco de desvelar os seus desserviços ingênuos.

Ao que quer, porém, ser mais que um mero ser bípede carnoso, é indispensável racionar objetivamente, em renúncia à evasão irracional. Por isso, será satisfatório que o leitor lide racionalmente com suas conclusões em suas formas nuas para que extraia efetivamente a substância da questão aqui tratada.

Adicionalmente, em auxílio ao amor ao saber do leitor, será posta no final deste trabalho [Apêndice II] uma série de leituras fortemente recomendáveis ao que deseja apreender o anarcocapitalismo mais profundamente, pois o presente trabalho é, por assim dizer, somente a ponta do iceberg.

 

Bruno S. S.
Bruno S. S.
é estudante de economia, autodidata em filosofia e ciência política.
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