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Capítulo XXVI – “Pleno Emprego” Como Objetivo

A “contribuição” de Keynes que seus discípulos mais insistem como válida e “permanente”, é a adesão ao “pleno emprego” como objetivo da atividade econômica ao invés da “produção máxima” dos economistas clássicos. Faremos aqui três perguntas principais sobre o “pleno emprego”. 1. É definível? 2. É atingível? 3. É desejável sempre e em qualquer condição?

1. É definível?

Vamos começar com a questão da definição. As pessoas comuns têm poucas dúvidas sobre isso. “Pleno emprego” significa que “todo mundo” tem um emprego. Significa “emprego para todas as pessoas, o tempo todo”. Essa concepção ingênua encontra dificuldades imediatas. No início de 1958, por exemplo, a população dos Estados Unidos era de cerca de 173 milhões. Mas havia apenas 62 milhões de pessoas empregadas. Portanto, havia 111 milhões de “desempregados”! No entanto, a estimativa oficial era de que havia naquele momento apenas 5 milhões de desempregados.

Para os estatísticos do governo, os “desempregados” consistem apenas daqueles que fazem parte da “força de trabalho” que não estão empregados. Mas como se determinou que 67.5 milhões faziam parte da força de trabalho e 105.5 milhões não? O Departamento de Censo dos EUA descreveu como se determina:

“Estimativas mensais da população em idade ativa (14 anos ou mais) mostrando o total de empregados e o total de desempregados. O número dos que não pertenciam à força de trabalho foi obtido de uma amostra cientificamente selecionada de cerca de 35.000 famílias entrevistadas em 330 áreas em todo o país”

Portanto, a estimativa de desempregados foi, em grande parte, baseada em uma amostra de apenas 1 em cada 1.400 domicílios no país.

Meu objetivo aqui, no entanto, não é enfatizar o provável erro dessas estimativas, mas chamar atenção para os padrões arbitrários e, em alguns casos, subjetivos, pelos quais o “desemprego” é oficialmente determinado.

A explicação do Departamento de Censo continua: “O total de desempregados inclui todos os desempregados que estavam procurando emprego”. Como é estimado o número dessas pessoas? Pelas respostas fornecidas nas entrevistas. O que constitui realisticamente procurar emprego? Os entrevistadores devem confiar em grande parte na veracidade das respostas. A força de trabalho nem sequer é uma porcentagem constante da população total (“não institucional”). Em julho de 1957, era de 60.6%, mas em dezembro apenas 58.1%.

Alguns paradoxos surgem. O relatório mensal de março de 1958, por exemplo, começou da seguinte forma: “O emprego aumentou 300.000 entre fevereiro e março, enquanto o desemprego permaneceu inalterado.” Como isso é possível? O leigo naturalmente esperaria que, se o emprego aumentasse 300.000 em março, o desemprego teria caído muito. A resposta dos estatísticos do governo é que a “força de trabalho” aumentou muito.

A “força de trabalho” aumenta, em parte, pelas estimativas do censo da população que atinge a idade ativa etc., mas também em parte pelas mudanças nas decisões das pessoas. Suponha que um homem tenha um bom emprego, com uma esposa em casa e um filho, e filha na faculdade. Ele perde o emprego, e não apenas ele, mas sua esposa, seu filho e sua filha começam a procurar emprego. Como uma pessoa perdeu o emprego, quatro estão agora “desempregadas”. Portanto, o “desemprego” aumenta mais rapidamente do que o emprego diminui.

Vamos agora às explicações do Departamento do Trabalho:

“A partir de janeiro de 1957, as pessoas demitidas com instruções definidas para retornar ao trabalho dentro de 30 dias após a demissão e as pessoas que aguardam para iniciar em novos empregos assalariados dentro dos 30 dias seguintes, são classificadas como desempregadas. Essas pessoas já haviam sido classificadas como empregadas. O total combinado dos grupos que mudaram de classificação foi em média 200.000 a 300.000 por mês nos últimos anos.”

Assim, os “desempregados” aumentaram cerca de um quarto de milhão simplesmente por uma mudança de definição!

Enfrentamos o mesmo tipo de problema e decisões arbitrárias quando o assunto são horas de trabalho. Obviamente, é impossível haver empregos para “todas as pessoas, o tempo todo”. Devemos reservar tempo para comer, dormir, descansar e para o lazer. Mas quanto tempo? É costume pensar em homens “parcialmente desocupados” quando são dispensados por dois dias úteis a cada semana. Mas, obviamente eles estariam tão desocupados quanto se trabalharem correspondentemente todos os dias por menos horas. Hoje, nos Estados Unidos, a semana de trabalho padrão é de quarenta horas, ou cinco dias de oito horas. Ela é mais curta do que costumava ser e, no futuro, pode ser mais curta ainda. Obviamente, a duração da semana de trabalho que constitui o “pleno emprego” também é uma questão de definição arbitrária e convencional.

Vamos ver se podemos obter alguma ajuda dos economistas acadêmicos e, antes de tudo, é claro, de Keynes.

Na Teoria Geral, Keynes nos dá duas definições, das quais nenhuma parece ter relação com a outra. Na página 15, ele fornece uma definição confusa de desemprego “involuntário” que, como tentei demonstrar (p. 30), é inválida. A partir disso, ele postula situações circunstanciais na ausência do desemprego “involuntário”:

“A situação que descreveremos como ‘pleno’ emprego, tanto o desemprego ‘friccional’ quanto o ‘voluntário’ são consistentes com a definição de ‘pleno’ emprego” (p. 16)

Em outras palavras, o “pleno” emprego é uma situação em que pode haver desemprego “friccional” e “voluntário”! O pleno emprego não é total.

Vamos começar de novo, desta vez com a definição na página 303:

“Temos pleno emprego quando a produção eleva-se a um nível em que o retorno marginal de uma unidade representativa dos fatores de produção cai para o valor mínimo em que uma quantidade dos fatores suficientes para produzi-la está disponível.”

Confesso que acho difícil entender esse jaguadarte, mas suponho que isso implique que algum tipo de equilíbrio seja alcançado. A pessoa é tentada a perguntar irreverentemente: isso significa que o tio Oscar tem um emprego?

Vamos nos atentar em A. C. Pigou. O professor Pigou está ciente de algumas dificuldades que encontramos ao tentar definir o desemprego:

“Um homem só está desempregado quando não está empregado e deseja estar empregado. Além disso, a noção de desejar estar empregado deve ser interpretada de acordo com os fatos estabelecidos, considerando (1) horas de trabalho por dia, (2) salário e (3) o estado de saúde da pessoa”[1]

Essa definição revela que muitos elementos subjetivos e arbitrários entram no conceito de “desemprego”. Mas veremos que existem muito mais dificuldades do que as encontradas na definição de Pigou.

Após considerável discussão, Pigou conclui que

“a quantidade de desemprego prevalecente a qualquer momento é igual ao número de possíveis assalariados menos a quantidade de empregos demandados mais o número de vagas não preenchidas”[2]

É importante notar que não apenas o “número de possíveis assalariados” é uma quantidade subjetiva ao invés de objetiva, mas que também a “quantidade de empregos demandados” e “o número de vagas não preenchidas” também são amplamente subjetivas, pois dependem da mudança de intenção dos empregadores. Se eu intencionasse empregar alguém para aparar meu gramado por um determinado preço por hora, haveria uma “vaga disponível (não preenchida)” nessa faixa de preço, mas se os jardineiros profissionais disponíveis exigissem mais, eu poderia decidir cortar meu próprio gramado ou deixá-lo crescer.

Este princípio se aplica a toda a indústria. A existência de “vagas não preenchidas” em uma determinada empresa pode depender não apenas da faixa salarial em que as vagas podem ser preenchidas, mas também da obtenção de funcionários com certas qualidades especiais.

Em outro lugar, Pigou escreve:

“Muitas vezes, é feito um contraste entre situações em que há mais pessoas disponíveis para empregos do que empregos disponíveis para pessoas e situações em que há mais empregos do que pessoas. Na primeira situação, temos menos que o pleno emprego, ou seja, desemprego; na segunda, mais do que o pleno emprego, que está sobre preenchido ou, mais brevemente, uma sobretaxa de emprego”[3]

Tudo isso parece extremamente simples. Mas a dificuldade da quantificação estatística, de decidir exatamente qual é a relação numérica de “homens disponíveis” para “empregos disponíveis”, é precisamente a dificuldade de definir não apenas o que se entende por “homens disponíveis”, mas o que se entende por um “emprego”, principalmente quando está como “não preenchido”.

Vamos agora consultar Sir William Beveridge. Em “Full Employment in a Free Society”, ele define pleno emprego nas páginas iniciais como

“havendo sempre mais vagas de emprego do que pessoas desempregadas. O mercado de trabalho deve sempre ser um mercado de vendedores e não um mercado de compradores.”

Mas isso está obviamente definindo o pleno emprego como a sobretaxa de emprego. (Aliás, o requisito de Sir William de que sempre deve haver mais vagas de emprego do que pessoas desempregadas implica que o trabalho seja sempre mal pago. Pois, essa condição só poderia existir se o produto marginal do trabalho fosse superior ao salário e o trabalho, mesmo que na condição de “pleno emprego”, recebesse menos do que sua renda potencial total).

Uma das discussões mais realistas sobre as dificuldades do conceito de pleno emprego é a de Edwin G. Nourse, ex-chefe do Conselho Econômico do Presidente. Comentando a declaração da política no American Employment Act (Ato de Emprego Americano) de 1946, ele escreveu:

“A frase ‘os capazes, dispostos e procurando emprego’ não define uma força de trabalho cuja utilização ideal o governo federal possa, em boa consciência econômica, comprometer-se a ‘utilizar todos os seus planos, funções e recursos’. Na ausência de critérios objetivos, a palavra ‘capaz’ se torna praticamente sem sentido. Se uma determinada pessoa é, no sentido comercial ou industrial, capaz de trabalhar é uma questão definitivamente relativa. Capaz de trabalhar de forma constante ou apenas intermitentemente? Nos tipos de trabalho para os quais existe demanda atualmente, apenas com outras habilidades, ou sem nenhuma habilidade, aptidão ou capacidade de aprendizado em particular? Capaz de trabalhar conforme determinado por um atestado médico ou pelo relatório de um supervisor? Sob condições normais da loja ou escritório, ou apenas com instalações ou tratamentos especiais? Igualmente ambíguo é o termo complementar ‘disposto’. Foi inserido como uma confirmação para aqueles que temiam que o camelo do autoritarismo enfiasse o nariz na tenda do livre empreendimento. Porém, isso significa estar disposto a trabalhar em empregos disponíveis ou apenas no emprego de seus sonhos? Disposto a trabalhar dentro de um cronograma determinado pelas necessidades dos empregadores ou pela conveniência dos trabalhadores? A procura é, necessariamente, o critério adotado pelo Departamento de Censo para fornecer uma estimativa mensal do desemprego involuntário. Mas ‘querendo’ seria um termo mais adequado para o nosso propósito, visto que é comum na experiência daqueles que lidam com desempregados, encontrar poucas pessoas querendo trabalhar, mesmo que precisem desesperadamente, mas que não estão procurando ativamente um emprego porque se convenceram de que a procura é inútil.

O fato é que o tamanho da força de trabalho é estatisticamente determinado apenas dentro dos limites de definições bastante categóricas”[4]

Portanto, quando falarmos em pleno emprego, faríamos bem em não usar o termo como os fanáticos keynesianos e não tentar obter uma precisão matemática inatingível, mas usá-lo de uma maneira flexível e com bom senso, significando apenas a ausência de desemprego substancial ou anormal.

Se for contestado que essa não é, de fato, uma definição de pleno emprego (e certamente não é), então sugiro que o termo possa ser totalmente abandonado e o termo taxa de emprego ideal seja usado em seu lugar. Isso teria, entre outras vantagens, a de lembrar ao usuário e ao público que o emprego é mais um meio que um fim, e que seu tamanho ideal é relativo a outras condições ou objetivos.

2. É atingível?

O pleno emprego é atingível? Nesta questão, mesmo aqueles que defendem esse objetivo começam a titubear. Alvin Hansen, em sua definição de pleno emprego em “Economic Policy and Full Employment”, declara que:

“Em uma economia tão grande como a dos Estados Unidos, é provável que no ‘pleno emprego’, haja a qualquer momento entre 2 e 3 milhões de desempregados temporários”[5] (Cerca de 4,5% da força de trabalho civil de 1945 a 1947).

Paul Douglas, comentando sobre o uso de uma margem de 3% por Beveridge para o desemprego sazonal e de transição, declarou que esse critério seria “fatal” nos Estados Unidos:

“Usar o déficit orçamentário para reduzir o desemprego abaixo de 6% é muito perigoso. Isso tenderá a causar muito mais dano pela inflação do que benefícios pela absorção daqueles que estão desempregados por causas sazonais e transitórias”[6]

3. É incondicionalmente desejável?

Vimos que quando o “pleno emprego” é seriamente discutido, acaba sendo menor que o pleno emprego. E a conveniência do “pleno emprego a qualquer custo”[7] é severamente questionada.

Lionel Robbins[8], citando a definição de pleno emprego de Beveridge como “sempre tendo mais vagas do que pessoas desempregadas”, destaca que:

“Uma situação na qual, com os salários atuais, a demanda por trabalho é continuamente maior que a oferta, tem de ser uma situação na qual, na ausência de restrições especiais, o nível dos salários e, consequentemente, o nível dos preços, tendem a subir continuamente”

Ele continua ressaltando que mesmo em uma política de pleno emprego que tentasse garantir a mera a igualdade entre empregos e candidatos, teria que garantir aos sindicatos que “independentemente dos salários que conseguissem obter, não se permitiria que o desemprego emergisse”. O professor Robbins conclui que o pleno emprego Beveridgiano

“tende à inflação, redução de adaptabilidade, desequilíbrio externo e uma redução drástica da liberdade individual”

Edwin Nourse, no artigo que citei anteriormente, declara que:

“O pleno emprego ideal seria aquele que promove a maximização contínua da produção e do poder de compra real das pessoas”

Contudo, essa definição reconhece que o pleno emprego é desejável, não como um fim em si, mas apenas como um meio para fins muito mais amplos. Até a “maximização da produção” deve ser entendida, não no sentido de meramente acumular coisas físicas, mas no sentido de maximizar a satisfação do consumidor. Isso inclui também, por exemplo, a “produção” (ou “consumo”?) de mais lazer à custa de coisas (físicas) menos desejadas.

Se não estamos falando de meios inevitáveis, mas de fins desejados, devemos reconhecer que o objetivo econômico da humanidade não é aumentar o trabalho, mas diminuí-lo. Espero ser perdoado por citar o que escrevi em outro lugar:

“O objetivo econômico de qualquer nação, como de qualquer indivíduo, é obter o maior resultado com o menor esforço. Todo o progresso econômico da humanidade consistiu em obter mais produção com o mesmo trabalho. É por esta razão que os homens começaram a colocar fardos nas costas das mulas em vez de carregá-los por conta própria; que eles inventaram a roda, a carroça, a ferrovia e o caminhão. É por essa razão que os homens usaram sua criatividade para inventar cem mil coisas que economizam trabalho.

Tudo isso é tão elementar que qualquer um sentiria vergonha em afirmar tal coisa, se isso não fosse constantemente ignorado por aqueles que cunham e circulam os novos slogans. Traduzido em termos nacionais, esse princípio significa que nosso objetivo real é maximizar a produção. Ao fazer isso, o pleno emprego, ou seja, a ausência de ociosidade involuntária, se torna um subproduto necessário. Porém, a produção é o fim e o emprego é apenas um meio. Não podemos ter continuamente a produção máxima sem o pleno emprego. Mas podemos facilmente ter o pleno emprego sem a produção máxima.

As tribos primitivas estão nuas, miseravelmente alimentadas e abrigadas, mas não sofrem com o desemprego. A China e a Índia são incomparavelmente mais pobres do que nós, mas o principal problema do qual sofrem são os métodos de produção primitivos (que são a causa e consequência da falta de capital) e não o desemprego. Nada é mais fácil de conseguir do que o pleno emprego, quando este é separado do objetivo da produção máxima e tomado como um fim em si mesmo. Hitler obteve o pleno emprego através de um enorme programa de armamento. A guerra forneceu pleno emprego para todas as nações envolvidas. O trabalho escravo na Rússia era pleno emprego. Prisioneiros e gangues na cadeia têm pleno emprego. A coerção sempre pode oferecer o pleno emprego.

O progresso da civilização significou a diminuição do emprego, não o seu aumento. Devido a nos tornamos cada vez mais ricos como nação é que conseguimos, virtualmente, eliminar o trabalho infantil, tirar a necessidade de trabalhar de muitos idosos e tornar desnecessário que milhões de mulheres aceitassem empregos”[9]

__________________________________

Notas

[1] The Theory of Unemployment, (Londres: Macmillan, 1933), p. 3.

[2] Ibid., p. 10.

[3] A. C. Pigou, Essays in Economics, (Londres: Macmillan, 1952), p. 108.

[4]Ideal and Working Concepts of Full Employment”, American Economic Review, maio, 1957, p. 100.

[5] Loc. cit., p. 19n.

[6] Economy in the National Government, (1952), p. 253.

[7] Ver Jacob Viner, Quarterly Journal of Economics, agosto de 1950.

[8] The Economist in the Twentieth Century (Londres: Macmillan, 1956), “Full Employment as an Objective”

[9] Economics in One Lesson (Nova Iorque: Harper, 1946), pp. 68-70.

Henry Hazlitt
Henry Hazlitt
Henry Hazlitt foi um dos membros fundadores do Mises Institute. Ele foi um filósofo libertário, economista e jornalista do The Wall Street Journal, The New York Times, Newsweek e The American Mercury, entre outras publicações. Ele é mais conhecido pelo seu livro Economia em uma Única Lição.
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