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O descaso como forma de revisionismo

Nesse momento todos vocês já devem ter recebido uma enxurrada de notícias sobre o incêndio que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro e sentimos a necessidade de falar sobre o assunto, pois a tragédia tem tudo a ver com os motivos pelos quais decidimos fazer esse festival e até é uma forma de dar uma resposta à algumas pessoas que já nos perguntaram se haverá o próximo festival e quando será.

Primeiro é um pesar saber que um acervo inestimável não só para o país mas para a humanidade foi perdido. O museu inaugurado em 1818 por D. João VI para estimular o conhecimento científico na mais nova sede do império português e localizado desde 1892 no Parque da Quinta da Boa Vista no Bairro Imperial de São Cristóvão (antiga residência da família real), contava com um acervo diversificado e raríssimo de história natural e antropologia. Tinha acervos de arqueologia, paleontologia, zoologia, botânica, etnologia, obras de arte e a própria arquitetura de estilo neoclássico do edifício que foi projetada por 5 arquitetos em períodos diferentes, além dos interiores decorados com diversas ornamentações e pinturas. Pinturas de grandes artistas nacionais como Pedro Américo e Almeida Júnior, uma coleção de arqueologia egípcia de valor incalculável, o crânio fóssil feminino mais antigo descoberto no continente americano, esqueletos completos de dinossauros, peças raríssimas de civilizações antigas do continente americano e africano além das histórias contidas naquele lugar: a vinda da família real com todos os seus valores, conhecimentos e riquezas, o caso amoroso de D. Pedro com a Marquesa de Santos, a assinatura da independência, a primeira assembleia constituinte, a criação de D. Pedro II e fim da Monarquia no Brasil, tudo isso aconteceu naquele edifício.

Tudo foi queimado por um descaso revisionista estatal. É importante salientar isso. Hoje é fácil encontrar culpados, podemos culpar até nós mesmos que muitas vezes, ou por desinteresse, ou pela vontade de cuspir na história em nome da revolta contra aqueles que escravizaram e roubaram a população. Porém o problema da história é que ela não tem apenas um ou dois lados, ela tem diversos lados e um dos piores erros que podemos cometer é analisar a história de centenas de anos atrás, com os mesmos valores morais de hoje.

É fácil culpar os portugueses por terem invadido o Brasil e terem assassinado os índios, difícil é entender que na maioria dos casos o que houve foi miscigenação e que mais da metade da população brasileira carrega nos seus genes DNA indígena. É fácil culpar a família real por permitir e ter escravos, difícil é admitir que a escravidão era moralmente aceita até pelos pretos e que alguns também tinham escravos. É fácil dizer que o Império era opressor, difícil é admitir que D. Pedro I com José Bonifácio e depois D. Pedro II trouxeram muitos valores liberais para a política e a economia. É fácil colocar em D. João VI uma imagem de pateta, burro e glutão que fedia a frango assado, difícil é assumir que ele foi acima de tudo um visionário que abriu por aqui a primeira universidade, a primeira biblioteca, o primeiro museu e foi o principal responsável pela sobrevivência da família real e consequentemente do império português enquanto todos os outros impérios caiam diante de Napoleão Bonaparte e anos depois, após voltar para Portugal, garantiu à sua família o comando não de um, mas de dois imensos reinos. É difícil assumir que apesar dos problemas que hoje vemos em face da nossa moral e conhecimento acumulado de séculos de aprendizado, que o período do império no Brasil foi um dos períodos de maior desenvolvimento cultural e econômico já vistos em comparação com o que existia antes por aqui.

E o problema é justamente que o aprendizado acumulado de séculos, a análise dos erros e acertos diante de todas as visões históricas possíveis que por fim culminam na nossa moral, vem sendo negada e aos poucos queimada no passar das décadas. É de importância primordial saber da onde viemos, para entender quem somos e a partir daí traçar o rumo correto para onde iremos. Esse é o cerne do pensamento conservador, tão atacado erroneamente de ser retrógrado e preconceituoso: corrigir o que existe de ruim, manter o que existe de bom e assim termos uma estrutura mais sólida para o futuro. É como reformar uma casa onde tira-se o cupim e a madeira podre, arruma-se as janelas quebradas, pinta-se as paredes, substitui-se telhas quebradas, troca-se algumas peças avariadas com intuito de deixar aquilo que é bom, sempre novo e conservado. Não é o que temos visto no Brasil, onde vemos em todos os aspectos, desde a relação das pessoas no cotidiano até a cultura, vida acadêmica, política, artes, imprensa uma tentativa de destruir tudo que existe para substituir por algo duvidoso, baseado em ideias que algumas vezes representam o nada e muitas vezes representam experiências frustradas, as vezes até genocidas, no intuito de criar algo que privilegia apenas certas elites minoritárias e políticas em busca de poder em detrimento da qualidade de vida da maioria, portanto algo feio e sem sentido.

Porém podemos apontar o dedo sem medo de errar nos movimentos, partidos e políticos de esquerda que são responsáveis ou corresponsáveis, não só pela destruição do museu, mas pela destruição, estado de desamparo, pobreza e desespero dos brasileiros. É fácil perceber pois toda vez que alguma tragédia ou crise acontece, esses são os primeiros a querer capitalizar politicamente em cima dos problemas que eles mesmos criaram. E nessa tentativa sorrateira, atacam noções básicas do senso comum como religião, propriedade, costumes. Oras, não foi o PT e o PSDB os partidos que mais governaram o Brasil na nova república? Não foram seus políticos que administraram e delegaram funções em todos os braços do estado que continuamente vem crescendo ano após ano?

Mas é também verdade que isso vem de antes. Por exemplo, é difícil para muitos assumir que o revisionismo e o descaso com o passado do Brasil começaram com a proclamação da república, movimento golpista e sem apoio popular, a República Federativa do Brasil começou em cima de uma estrutura frágil. Para disfarçar a falta de apoio e popularidade, a República Velha se esforçava em destruir, maquiar os símbolos da monarquia e mudar fatos históricos, não à toa os períodos de democracia logo eram substituídos por ditaduras do Estado Novo e a Ditadura Militar. Movimentos coletivistas tem essa tendência no intuito de criar um novo zeitgeist por cima dos destroços do passado e socialistas são mestres nisso, no passado usando diretamente a força, hoje manipulando a história e trazendo descaso. A esquerda brasileira naturalmente opera dessa forma, usando as falhas já conhecidas da democracia moribunda, atacando e dominando as instituições civis e independentes para transformar tudo em um estado grande, burocrático comandado e usufruído por poucos.

Já são fartas as notícias sobre a gestão do museu que estava sob comando da UFRJ, que conta na sua reitoria com quadros filiados a partidos como PSOL, PCdoB e PCB. Também já sabe-se sobre o estado de deterioração que é denunciado desde de 2004 e da recusa da UFRJ de receber aportes de instituições privadas sob o pretexto de perder o controle de um patrimônio que é público. Se esse país fosse um lugar sério, já estariam todos presos.

Eu poderia repetir aqui todos os números, estatísticas e casos que levaram o museu a ser destruído, retrato do que virou o Brasil, mas creio que a maioria aqui já teve conhecimento, não apenas desse caso mas de inúmeros outros, inclusive de edifícios geridos pela própria UFRJ. Para quem quiser saber mais, colocarei links de vídeos com dados bem elucidativos no fim desse texto.

Porém o resultado não poderia ser outro: boa parte da verba que a UFRJ recebe do governo federal foi gasta com pagamento de uma folha extensa de funcionários parasitários, viagens, eventos, projetos de importância menor e manutenção da politicagem e poder de quem comanda a universidade. Enquanto isso, parte relevante da memória de um povo desmoronava até ser totalmente queimada. Esse quadro de incompetência repete-se em todas as instituições públicas do Brasil.

Nas universidades hoje prega-se contra lucro, contra a propriedade, contra a iniciativa privada, contra o mercado, o empreendedorismo, o capitalismo, geração de riqueza e tudo aquilo que faz um povo prosperar de maneira ética e não agressiva. Prega-se o roubo, a eliminação do diferente, ideias segregacionistas e eugenistas, formas de arte e expressão baseadas em valores frágeis e principalmente o revisionismo histórico para provar seu ponto. Ditadores e assassinos tornam-se heróis da liberdade, cultua-se abstração em detrimento da forma, a destruição como método de construção. E quando em consequência da transmissão desses valores distorcidos a população emburrece, os doentes morrem, o trabalhadores perdem seus empregos e instituições caem, o conveniente é culpar algo como o teto de gastos, por mais que a área de ensino, cultura e arte estejam na mão dessas mesmas pessoas sofrendo cortes por décadas e programas internacionais de avaliação de ensino mostrem que o brasileiro médio piora seu nível intelectual ano a ano.

A destruição do Museu Nacional foi só mais uma cereja no bolo. Nós, libertários que somos e enxergamos o estado como um câncer que cresce através de roubo e morte, já sabemos e falamos muito a respeito.

Nós sabemos que a arte financiada pelo estado serve apenas ao estado e seus agregados. Essa arte não é relevante, não traz valores, não tem sentido, não tem técnica, não tem tradição, não tem repertório, não desafia, não contesta e consequentemente não atrai o interesse das pessoas. Por isso, obviamente, é financiada pelo estado, caso contrário não haveria tal necessidade. A arte, a cultura e o ensino produzidos por aqui é a nova Voz do Brasil, aquela coisa enfadonha, que ninguém quer, mas as rádios são obrigadas a transmitir, todo mundo é obrigado a ouvir e todos sabem que está mentindo. Com o tempo e a falta de diversidade, concorrência e novas ideias, a arte estatal é a única coisa que as pessoas conhecerão.

A organização do Festival Libertário é feita de pessoas comuns, que acordam cedo, que trabalham o dia inteiro e que de noite estão cansadas, porém nós estamos ainda mais cansados de ter que ver, ouvir, presenciar e financiar aquilo que odiamos e por isso já estamos planejando não apenas a segunda edição, mas várias outras novidades que visam tirar a hegemonia das artes e da cultura da mão daqueles que durante anos fizeram questão destruí-la em prol de sua verdade única, absoluta e feia. E tudo feito com recursos próprias de maneira bela e moral.

Arthur Vila Iglesias
Arthur Vila Iglesias
é organiyador do Festival Libertário. (www.facebook.com/festivallibertario)
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