Como pode alguém, encontrando-se cercado por uma crescente maré de maldade, não lutar até suas últimas forças contra ela? Neste século, fomos submersos por uma inundação do mal, na forma de coletivismo, socialismo, igualitarismo e niilismo. Sempre foi muito óbvio para mim que temos uma imperiosa obrigação moral de lutar contra esse mal – para o nosso próprio bem, dos nossos entes queridos, nossa prosperidade, nossos amigos, nossos vizinhos e nosso país.
Então sempre foi um mistério para mim como as pessoas que enxergaram e identificaram este mal – e, deste modo, foram convocadas a combate-lo – abandonam esta luta, aos poucos ou de uma vez. Como pode alguém enxergar a verdade, entender seu premente dever, e, então, simplesmente desistir e até mesmo ir além e trair a causa e seus camaradas? E mesmo assim, nos dois movimentos e suas variantes das quais eu fui parte integrante, libertário e conservador, isto acontece o tempo todo.
Afinal, conservadorismo e libertarianismo são movimentos “radicais”, ou seja, eles se opõem radical e fortemente as atuais tendências de estatismo e imoralidade. Então como pode alguém que se juntou a um movimento desses –seja como ideólogo, ativista ou financiador – simplesmente abandonar a luta? Recentemente perguntei a um perspicaz amigo meu como fulano pôde ter desistido da luta? Ele respondeu que “ele é o tipo de pessoa que deseja uma vida tranquila, que só quer se sentar na frente da TV e não quer ouvir falar de nenhum problema”. Mas neste caso, disse eu angustiado, “por que então estas pessoas se tornaram ‘radicais’? Por que elas orgulhosamente se proclamam ‘conservadores’ ou ‘libertários’?” Infelizmente não obtive nenhuma resposta.
Às vezes pessoas desistem da luta pois, dizem elas, trata-se de uma causa perdida. Perdemos, elas dizem. A derrota é inevitável. O grande economista Joseph Schumpeter escreveu em 1942 que o socialismo é inevitável, que o capitalismo está condenado não por suas falhas, mas pelo seu próprio sucesso, o qual deu origem a um grupo de intelectuais invejosos e malignos que iria subverter e destruir o capitalismo por dentro. Os críticos acusaram Schumpeter de pregar o derrotismo aos defensores do capitalismo. Schumpeter respondeu que se alguém disser que um barco vai inevitavelmente afundar, isto é a mesma coisa que dizer: não faça o melhor que pode para salvar o barco?
Da mesma maneira, assuma por um minuto que a luta contra o mal estatista seja uma causa perdida: por que isto implica em abandonar a batalha? Em primeiro lugar, por pior que as coisas estejam, o inevitável pode ser ao menos adiado. Por que isto não vale a pena? Não é melhor perder daqui trinta anos do que perder agora? Em segundo lugar, na pior das hipóteses, é bem divertido provocar e irritar o inimigo, dar o troco no monstro. Por si só isto já vale a pena. Não se deve considerar que o processo de luta contra o inimigo seja um tormento sério e melancólico. Ao contrário, é altamente inspirador e revigorante ir a guerra contra um oceano de problemas ao invés de se render passivamente, e ao se opor, talvez o vença, senão ao menos não se entregar de graça.
E finalmente, caramba!, se você luta contra o inimigo você pode vencer! Pense nos bravos que lutaram contra o comunismo na Polônia e na União Soviética e que nunca desistiram, que enfrentaram adversidades aparentemente impossíveis de serem superadas, e então, bingo, um dia o comunismo sucumbiu. Com certeza as chances de vencer são bem maiores se você lutar do que se você simplesmente desistir.
Nos movimentos conservador e libertário foram duas as principais formas de desistência, de abandono da causa. A forma mais comum e mais patentemente óbvia é uma que todos nós estamos bem familiarizados: se vender. O jovem libertário ou conservador chega em Washington – em algum think-tank, ou no Congresso, ou num cargo administrativo – ansioso e pronto para a batalha, para diminuir o estado a serviço de sua estimada causa radical. E então alguma coisa acontece: às vezes gradualmente, às vezes com uma impressionante rapidez. Você comparece a alguns coquetéis, você descobre que o inimigo parece ser muito agradável, você começa a se envolver com a marginalia do Beltway de Washington, e logo você está dando a maior importância a alguma comissão ordinária de alguma votação, ou a algum insignificante corte de imposto ou emenda, e eventualmente você está disposto a abandonar totalmente a batalha em troca de um bom trabalho, ou por um pomposo cargo no governo. E ao longo deste processo de se vender, você descobre que a coisa que mais te incomoda não é o inimigo estatista, mas os criadores de caso por ai que não param de tagarelar sobre princípios e até mesmo te atacam por ter traído a causa. E logo você e O Inimigo se tornam indistinguíveis.
Todos nós conhecemos bem este roteiro de se vender e é fácil e correto ficar indignado com esta traição moral a uma causa que é justa, a batalha contra o mal, e aos seus antes estimados camaradas. Mas existe outra forma de se entregar que não é tão evidente e é mais insidiosa – e eu não me refiro a simples perda de forças e entusiasmo. Nesta forma, que tem ocorrido muito no movimento libertário e também em setores do conservadorismo, o militante decide que a causa é perdida e desiste abandonando resolutamente este mundo corrupto e podre, se refugiando em alguma comunidade própria, pura e nobre. Para os randianos, é o “Vale de Galt”, do romance de Rand A Revolta de Atlas. Outros libertários seguem tentando formar alguma comunidade underground, para “capturar” uma pequena cidade, para ir “underground” na floresta, ou até construir um novo país libertário em uma ilha, nas montanhas ou onde quer que seja. Conservadores têm seu próprio jeito de isolamento. Em cada caso, surge o apelo de abandonar o mundo perverso, e de formar uma pequena comunidade alternativa em algum refúgio isolado. Algum tempo atrás eu rotulei este posicionamento de “retirismo”. Poderiam chamar esta estratégia de “neo-Amish”, exceto pelo fato de que os Amish são fazendeiros produtivos, e temo que estes grupos jamais chegariam neste estágio.
O raciocínio do retirismo sempre vem acompanhado de uma Moral Superior, e também de termos pseudo-psicológicos. Estes “puristas”, por exemplo, dizem que eles – ao contrário de nós, combatentes incautos – estão “vivendo a liberdade”, que eles estão enfatizando “o positivo” ao invés do “negativo”, que eles estão “vivenciando a liberdade” e vivendo uma “vida libertária pura”, enquanto que nós, pobres almas, ainda estamos vivendo no corrupto e contaminado mundo real. Há anos tenho respondido para estes grupos de retiristas que o mundo real, no final das contas, é bom; que nós libertários podemos ser anti-estado, mas que não somos categoricamente anti-sociedade ou contrários ao mundo real, por mais contaminado que ele possa estar. Propomos continuar a luta para salvar os valores e princípios e as pessoas queridas, mesmo que o campo de batalha fique lamacento. Além disso, eu citaria o grande libertário Randoulph Bourne, que proclamou que nós somos patriotas americanos, não no sentido de patriotas adeptos ao estado, mas ao país, a nação, a nossas gloriosas tradições e cultura que estão sob vil ataque.
Nossa atitude deveria ser, nas famosas palavras de Dos Passos, apesar dele as ter dito como um marxista, “tudo bem, somos duas nações”. Os “EUA” como existem hoje são duas nações; uma é a nação deles, a nação do inimigo corrupto, da capital Washington deles, do sistema de educação pública de lavagem cerebral deles, das burocracias deles, da mídia deles; e a outra é a nossa nação, muito maior, a maioria, a nação muito mais nobre que representa os EUA mais antigo e mais verdadeiro. Nós somos a nação que irá vencer, que irá retomar os EUA, não importa quanto tempo isto leve. É na verdade um grave pecado abandonar esta nação e este EUA necessitado de vitórias.
Mas estaríamos então enfatizando “o negativo”? Em certo sentido sim, mas o que mais destacaríamos quando nossos valores, nossos princípios, nossos próprios seres estão sob ataque de um adversário insaciável? Porém, primeiro temos que entender que no próprio ato de acentuar o negativo também estamos enfatizando o positivo. Por que lutamos contra – e sim, até odiamos – o mal? Somente porque amamos o bem, e nossa ênfase no “negativo” é apenas o outro lado da moeda, a consequência lógica, de nossa devoção ao bem, aos princípios e valores positivos que prezamos. Não há razão para não podermos enfatizar e espalhar nossos valores positivos ao mesmo tempo que lutamos contra nossos inimigos. Na verdade os dois andam juntos.
Entre os conservadores e alguns libertários às vezes estes retiristas se estabelecem na floresta ou em alguma caverna, cercando-se de um suprimento de um ano de pêssego em lata e armas e munição, determinados a proteger os pêssegos e a caverna de uma explosão nuclear ou de um exército comunista. Nada disso aconteceu; e até mesmo as latas de pêssego devem estar estragando agora. O retiro foi em vão. Mas agora, em 1993, o perigo oposto espreita: a saber, grupos retiristas enfrentam a terrível ameaça de serem massacrados sofrendo na mão das impávidas forças do Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo e sua busca incessante por espingardas um milímetro mais curtas do que manda alguma regulamentação, ou por algum possível abuso de menor. O retirismo começa a parecer com uma via expressa para o desastre.
Logicamente, em última análise, nenhum desses retiros – geralmente anunciados com muita pompa como um caminho para a pureza, se não para a vitória – valeram mais que um dólar furado; eles são uma simples justificação, um meio termo, para o abandono completo da causa, e para o sumiço do palco da história. O que há de mais fascinante e crucial é que estes dois caminhos – mesmo que pareçam ser diametralmente opostos – acabam inexoravelmente no mesmo lugar. Os vendidos abandonam a causa e traem seus camaradas por dinheiro e status; os retiristas, autenticamente abominando os vendidos, concluem que o mundo real é impuro e se retiram dele; em ambos os casos, seja em nome do “pragmatismo” ou em nome da “pureza”, a causa, a luta contra o mal no mundo real, é abandonada. Claramente há uma grande diferença moral nos dois caminhos. O vendido é moralmente mal; o retirista, em contraste, é – dizendo com educação – extremamente equivocado. É perda de tempo tentar convencer um vendido; os retiristas têm que entender que lutar contra o mal não é trair a causa, muito pelo contrário; e que eles não devem abandonar o mundo real.
O retirista não liga para poder e opressão, gosta de relaxar e mostrar que não liga para opressão material quando a alma interior está livre. Sim, claro, é bom ter liberdade para a alma interior. Conheço os velhos clichês sobre como a mente é livre e como o prisioneiro é livre no fundo de seu coração. Porém, pode me chamar de materialista baixo se quiser, mas eu acredito, e eu acho que todos os libertários e conservadores acreditam sinceramente, que o homem merece mais do que isso, que nós não temos que nos contentar com a liberdade interior do prisioneiro numa cela, que entonemos o bom e velho coro de “Liberdade e Propriedade”, que exijamos liberdade em nosso mundo real externo de dimensão e espaço. Eu acredito que é disso que se trata a luta.
Coloquemos dessa forma: não temos que deixar nossas vidas, nossas propriedades, nosso EUA, o mundo real, para os bárbaros. Nunca. Vamos agir no espírito daquele magnífico poema que James Russel Lowell criou para a bela melodia Welsh:
Uma vez para cada homem e nação
Chega o momento de decidir,
Na contenda entre a verdade e a falsidade,
Para o lado do bem ou do mal;
Alguma grande causa, o novo Messias de Deus,
Oferecendo a cada um a floração ou o flagelo,
E a escolha vale para a eternidade
Entre aquela escuridão e aquela luz.
Embora a causa do mal prospere,
Ainda é a verdade sozinha forte;
Embora sua parcela seja o cadafalso,
E sobre o trono seja indevido,
Ainda que aquele cadafalso incline o futuro,
E por trás do sombrio desconhecido,
Deus se ergue firme em meio as sombras
Mantendo os olhos sobre os Seus.
Artigo original aqui.
Tradução de Fernando Chiocca.