Este ano marca o 250º aniversário de Johann Wolfgang von Goethe. A maioria dos europeus sabe que ele foi o maior de todos os escritores e poetas alemães e um dos gigantes da literatura mundial. O que é menos conhecido é que ele também foi um liberal clássico completo, argumentando que o livre comércio e o livre intercâmbio cultural são as chaves para o bem-estar nacional autêntico e a integração internacional pacífica. Ele também argumentou e lutou contra a expansão, centralização e unificação do governo pela razão de que essas tendências só podem retardar a prosperidade e o verdadeiro desenvolvimento cultural. Por causa de sua relevância para a construção da Europa hoje em curso, eu gostaria de nomear Goethe como o europeu do milênio.
Nascido em 1749, na cidade imperial livre de Frankfurt am Main, em uma família de classe média alta, Goethe estudou Direito em Leipzig e Estrasburgo. No entanto, enquanto cursando seu doutorado e praticando a advocacia, ele partiu para uma carreira de sucesso espetacular como poeta, dramaturgo, romancista, compositor, artista e crítico de arquitetura, arte, literatura e música. Ele também foi um cientista natural e um estudante de anatomia, botânica, morfologia e ótica. Para os dias de hoje, ele define o significado de gênio, com uma obra de vida que engloba mais de 60 volumes, incluindo, além de sua obra-prima Fausto, tais escritos como Goetz von Berlichingen, Os Sofrimentos do Jovem Werther, Torquato Tasso, Egmont, Iphigenia in Tauris, Clavigo, Stella, Hermann e Dorothea, O aprendizado de Wilhelm Meister, As Viagens de Wilhelm Meister, Elegias Romanas, Divã Ocidental-Oriental, Afinidades Eletivas, Viagens Italianas, Metamorfose das Plantas, e Teoria das Cores.
Em 1775, a convite do duque Carl August de Saxe-Weimar, Goethe visitou Weimar e passou a residir lá até sua morte, em 1832, uma estadia que foi interrompida por viagens frequentes e prolongadas por toda a Alemanha, Suíça, Itália e França. Foi certamente durante essas viagens que ele desenvolveu sua posição política liberal.
Desde o Tratado de Westphalia de 1648 até as Guerras Napoleônicas, a Alemanha era constituída por 234 “países”, 51 cidades livres, e cerca de 1.500 casas senhoriais de cavalaria independentes. Dentro dessa multiplicidade de unidades políticas independentes, apenas a Áustria contava como uma grande potência, e só Prússia, Baviera, Saxônia e Hanover poderiam ser considerados os principais atores políticos. Saxe-Weimar era uma das menores unidades e das mais pobres, abrangendo apenas algumas dezenas de aldeias e pequenas cidades.
O Congresso de Viena de 1815, que se seguiu à derrota de Napoleão, viu o número de territórios políticos alemães independentes reduzido a 39. Devido à relação familiar entre a família reinante de Saxe-Weimar com a dinastia Romanoff da Rússia, Saxe-Weimar cresceu cerca de um terço do seu tamanho original e se tornou o Grão-Ducado de Saxe-Weimar-Eisenach. Ainda assim, ele continuou sendo um dos países menores, mais pobres e politicamente menos significativos da Alemanha.
Sua capital, Weimar, era uma pequena cidade, com menos de 6.000 habitantes, quando Goethe se mudou para lá, e até mesmo no momento de sua morte, em 1832, ele só tinha chegado aos 10.000. Goethe tinha chegado a Weimar como o protegido de Carlos Augusto, e ele e o Duque cavalgaram, caçaram e celebraram juntos.
A mando de Carlos Augusto, Goethe recebeu o título honorífico aristocrático “von” pelo imperador Joseph II. Em vários momentos, os deveres de Goethe como membro do Conselho Privado envolveram a supervisão do exército forte de 600 membros (ele reduziu seu tamanho para 293), a construção de suas estradas e minas, a gestão das suas finanças (ele reduziu impostos), o funcionamento do teatro da corte, e a supervisão da vizinha Universidade de Jena, que na época incluía entre seus professores Hegel, Fichte, Schelling, Schiller, Humboldt, e os irmãos Schlegel.
Já aclamado por toda a Alemanha, quando ele se estabeleceu em Weimar, a fama de Goethe cresceu imensamente nos anos seguintes. Tanto em suas viagens ou em Weimar, quase todos procuravam a sua companhia, incluindo figuras como Ludwig van Beethoven, a Imperatriz Maria Ludovica da Áustria, e Napoleão. De fato, na última década da vida de Goethe, ele e Weimar tornaram-se sinônimo de cultura alemã, e Weimar e a residência de Goethe tornaram-se objetos de peregrinações pelos membros da German Bildungsbuergertum (a burguesia culta).
Foi durante esta última fase de sua vida, quando Goethe, em uma conversa gravada por um de seus devotos, Johann Peter Eckermann, comentou sobre a relação entre o particularismo político da Alemanha (Kleinstaaterei) e cultura. Na época em que essas observações foram feitas, em 23 de outubro de 1828, a Alemanha tinha se tornado cada vez mais afetada por sentimentos democráticos e nacionalistas, como resultado da Revolução Francesa e da era napoleônica subseqüente. A maioria dos liberais alemães se tornou democratas e defensores de um Estado-nação alemão unificado.
Como um liberal clássico, Goethe, com sabedoria e com notável presciência, permaneceu em grande parte isolado em firme oposição a esta transformação do credo liberal. Na sua opinião, a democracia era incompatível com a liberdade. “Legisladores e revolucionários que prometem igualdade e liberdade ao mesmo tempo”, escreveu ele em seu Maximen und Reflexionen, “ou são psicopatas ou saltimbancos”. Centralização política, como Goethe explicou em sua conversa com Eckermann, levaria à destruição da cultura:
Eu não temo que a Alemanha não vá estar unida; nossas excelentes ruas e futuras estradas de ferro vão fazer o seu próprio futuro. A Alemanha está unida em seu patriotismo e em oposição aos inimigos externos. Ela é unida, porque o Taler alemão e Groschen têm o mesmo valor em todo o Império, e porque a minha mala pode passar por todos os trinta e seis estados sem ser aberta. Ela está unida, pois os documentos de viagem municipais de um residente de Weimar são aceitos em todos os lugares em pé de igualdade com os passaportes dos cidadãos dos seus vizinhos estrangeiros poderosos. No que diz respeito aos estados alemães, já não há qualquer conversa sobre terras nacionais e estrangeiras. Além disso, a Alemanha está unida nas áreas de pesos e medidas, no comércio e na migração, e em uma centena de coisas semelhantes que eu não posso nem desejo mencionar.
“Está enganado, no entanto, aquele que pensa que a unidade da Alemanha deve ser expressa na forma de uma grande capital, e que esta grande cidade pode beneficiar as massas, da mesma forma que ela pode beneficiar o desenvolvimento de alguns indivíduos particulares”, acrescentou.
Que bom seria se os burocratas atuais de Bruxelas entendessem isso! O mercado único da UE deu a 15 Estados-Membros as fronteiras abertas – para pessoas, bens e capitais – que Goethe elogiou em 1828. O livre comércio e a migração são uma realidade. Mas o que não é necessário é uma “grande capital” ou um estado federal para regulamentar, ou complicar ainda mais, a vida.
Goethe reconheceu que o talento do povo está com o povo, e não com os burocratas. Ele disse a Eckermann que “o que torna a Alemanha relevante é a sua cultura popular admirável, que penetrou em todas as partes do Império de maneira uniforme. E não é das diversas residências principescas de onde esta cultura floresce e que são suas portadoras e curadoras? Suponha que durante séculos apenas as duas capitais Viena e Berlim tivessem existido na Alemanha, ou mesmo apenas uma delas. Então eu me pergunto o que teria acontecido com a cultura alemã e a prosperidade generalizada que anda de mãos dadas com a cultura”.
“Pense em cidades como Dresden, Munique, Stuttgart, Kassel, Braunschweig, Hannover, e outras semelhantes; pense sobre a energia que essas cidades representam; pense no efeito que têm sobre as províncias vizinhas, e pergunte a si mesmo, se tudo isso existiria se tais cidades não tivessem sido as residências de príncipes por um longo tempo”.
“Frankfurt, Bremen, Hamburgo e Lübeck são grandes e brilhantes, e seu impacto sobre a prosperidade da Alemanha é incalculável. Contudo, elas permaneceriam o que são, se viessem a perder a sua independência e fossem incorporadas como cidades do interior dentro de um grande Império Alemão? Tenho razões para duvidar disso”.
Por mais que os alemães reverenciem Goethe como um herói nacional, eles não atenderam o seu conselho neste século, nem mesmo no final da Guerra Fria. Tampouco a maioria das pessoas na Europa prestou atenção as suas advertências sobre os perigos da centralização política. Pertinente hoje como quando foram escritas, as ideias de Goethe sobre as bases sociais e políticas da cultura ainda exigem nossa atenção.