Thursday, November 21, 2024
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A economia da discriminação

discriminacaoNo último mês de maio, o candidato ao senado por Kentucky, Rand Paul, falou que ele não poderia apoiar toda a Lei dos Direitos Civis, porque ela interfere nos direitos de propriedade privada de empresários.[1] Desde então, especialistas têm discutido discriminação no mercado, mas muitos deles são ignorantes nos ensinamentos de economia nesse assunto. Como Gary Becker primeiro explicou sistematicamente,[2] o livre mercado contém punições automáticas para as práticas odiosas que a maioria das pessoas tem em mente quando deploram a “discriminação”. Ironicamente, são os poderosos governos que historicamente cometem as piores injustiças contra as minorias impopulares.

Antes de explorar a economia da discriminação, primeiro precisamos distinguir o termo de vários outros relacionados. Por exemplo, racismo, intolerância e preconceito se referem às crenças de alguém; eles são um fenômeno mental. Em contraste, discriminação se refere a uma ação. Os dois frequentemente andam lado a lado. Por exemplo, um empregador intolerante pode ter preconceito contra muçulmanos e então ele os discrimina quando contrata funcionários para a sua empresa.

A maioria dos americanos acha que há um caso prima facie para tornar ilegal alguns tipos de discriminação no mercado, mas não querem criminalizar o racismo ou o preconceito em si. A maioria das pessoas não tem problemas em impor penas legais a ações externas que agridem minorias, mas, ao mesmo tempo, reconheceriam a natureza orwelliana de realmente punir pessoas por terem pensamentos proibidos.

O que as pessoas têm em mente quando se opõem à “discriminação”

Nós podemos ir adiante com a análise: na verdade a maioria das pessoas não se opõe a todas as formas de discriminação no mercado.

Um exemplo familiar é o número desproporcional de jogadores negros na NBA. Dificilmente alguém acreditaria seriamente que os donos dos times profissionais de basquetebol são sistematicamente tendenciosos contra brancos e asiáticos. A mera existência de um resultado desigual não é prova do tipo de discriminação à qual a maioria das pessoas se opõe. Contanto que a “sub-representação” de um grupo particular possa ser correlacionada com outros fatores – de tal forma que a adesão da pessoa ao grupo não é a causa da sub-representação – o resultado não se qualifica como o tipo de discriminação que a maioria das pessoas quer criminalizar.

Em alguns casos, contudo, empregadores realmente discriminam baseados em características externas que definem adesão a um grupo e ainda assim a maioria das pessoas daria de ombros e até mesmo veria esses exemplos como benignos. Por exemplo, astros de cinema e músicos pop, especialmente mulheres, tendem a ser magros e de muito boa aparência. Exatamente como pessoas brancas e asiáticos tendem a ser sub-representados na NBA, nós podemos dizer que obesos são sub-representados em Hollywood. Ainda assim, ao contrário da situação da NBA, onde há outros fatores atuantes que são apenas meramente correlacionados com a cor da pele – no caso de Hollywood nós temos uma causalidade direta: diretores de elenco rejeitariam atrizes e atores obesos para muitos papéis simplesmente por causa de sua obesidade, mesmo se eles tivessem sólidas habilidades de atuação.

Para enfatizar esse ponto, considere um exemplo ainda mais sofisticado. O filme As Horas precisava de alguém para representar Virginia Woolf. Nicole Kidman fez o papel. Mas suponha que Dustin Hoffman tivesse tentado uma audição para ele. Embora ele possa representar uma mulher – como ele provou em Tootsie – o diretor obviamente teria rejeitado Hoffman para o papel porque ele é um homem. Em outras palavras, Hoffman teria uma vaga de emprego negada por causa de seu sexo, um caso claro de discriminação.

Como um exemplo diferente, suponha que Will Smith tivesse tentado o papel do jovem Obi-Wan Kenobi em Star Wars, Episódio I, um papel que de fato foi para Ewan McGregor. Will Smith provavelmente teria sido rejeitado para o emprego porque ele é negro. Alec Guinness já havia representado o Kenobi mais velho na trilogia original e os produtores não iriam querer uma distração desnecessária com o lançamento do filme ansiosamente aguardado ao provocar uma discussão nacional sobre raça no cinema.

Apesar de alguns puristas poderem alegar que mesmo os exemplos acima são discriminações injustas, a maioria dos americanos iria dispensá-las como inofensivas. Além disso, a maioria dos americanos não se importa se os empregados cumprimentando clientes em restaurantes ou trabalhando em lojas de roupas da moda tendem a ser bem melhor aparentados do que os empregados trabalhando nas cozinhas dos restaurantes ou limpando os banheiros do shopping. Novamente, esse resultado não é uma coincidência: os empregados interagindo com os clientes são selecionados, em parte, por causa de suas aparências.

Aqueles que apoiam leis contra discriminação de empregadores podem zombar dos exemplos acima como bobos, mas é importante analisar cuidadosamente por que eles não ocorrem à pessoa comum como exemplos de injustiça social. Uma vez que colocamos nosso dedo exatamente no que torna alguns tipos de discriminação condenáveis – e ostensivamente dignas de punição criminal – nós veremos que o livre mercado já tem punições embutidas para eles.

A razão principal pela qual esses exemplos não ocorrem à maioria das pessoas como formas ilegítimas de discriminação é que a preferência por uma atriz (para interpretar Virginia Woolf), ou ator branco (para representar o jovem Ben Kenobi), ou uma mulher atraente (para ser a recepcionista à frente do restaurante), estavam todos relacionados ao desempenho no trabalho. Em outras palavras, o diretor de Star Wars não “tinha nada contra negros”; sua decisão de não colocar Will Smith como Obi-Wan Kenobi “porque ele era negro” simplesmente refletiria o fato óbvio de que público acharia que isso seria uma distração. Do ponto de vista do diretor, colocar Will Smith como Obi-Wan teria diminuído a qualidade do produto final.

Da mesma forma, o dono de uma loja de roupas da moda no shopping tenderá a contratar empregados atraentes que se vestem bem porque é mais provável que eles vendam mais. A maioria das pessoas entendem que isso é uma simples decisão de negócios e não tem nada contra o dono da loja.

Nossa análise nos leva a concluir que as pessoas que se opõem à “discriminação” na verdade têm em mente empregados que tratam alguns candidatos a emprego de forma diferente baseados em características irrelevantes. Por exemplo, se uma agência de contabilidade não contratou um contador certificado porque ele era negro, então a maioria das pessoas diria que isso definitivamente se qualifica como discriminação “ruim” e que deveria ser punida por lei. A diferença entre este caso e nosso sofisticado exemplo de Will Smith tentando o papel de Obi-Wan é que não há uma boa razão para uma pessoa negra não ser um bom contador. Se o empregador pensa dessa forma, então ele está agindo com preconceito ou estereótipo infundados e esse é exatamente o tipo de prática que leis anti-discriminação são criadas para eliminar.

O livre mercado pune precisamente a discriminação “ruim”

A seção anterior expôs exatamente o que (muitas) pessoas têm em mente quando falam que o governo deveria punir discriminação no trabalho. Especificamente, nós vimos que se um empregador mantém opiniões negativas a respeito de um candidato a emprego por causa de sua participação em algum grupo e que essa participação não tem intrinsecamente nada a ver com o desempenho no trabalho, então negar ao candidato o emprego constitui uma discriminação “ruim”.

Entretanto, em um livre mercado, é precisamente esse tipo de discriminação que é rápida e automaticamente penalizada. Se um empregador discrimina um candidato a emprego baseado em fatores que são realmente irrelevantes ao desempenho no trabalho, então o empregador necessariamente incorre numa penalidade financeira. Ainda melhor, a penalidade é diretamente proporcional ao quanto a decisão do empregador foi baseada em preconceito, ao invés de mérito.

Considere um exemplo numérico. Suponha que o dono de um restaurante precise de um novo assistente de garçom, um trabalho que paga 8 dólares por hora. Um candidato é claramente qualificado e tem experiência anterior. O dono reconhece que ao contratar o jovem, o seu volume de clientes irá aumentar de tal forma que sua receita, tirando outras despesas, irá aumentar em 10 dólares por hora. Em outras palavras, contratar esse estranho irá adicionar 2 dólares por hora ao lucro líquido do restaurante.

Entretanto, a esposa do dono do restaurante reclama que seu sobrinho preguiçoso está desempregado novamente. Ela pede a seu marido para contratá-lo como assistente de garçom. O dono reconhece que o sobrinho não irá limpar mesas tão rapidamente quanto o outro candidato e é mais provável que deixe pratos caírem. Resumindo, contratar o sobrinho pelo mesmo salário irá adicionar apenas 50 centavos por hora ao lucro líquido do restaurante.

Em um livre mercado, o dono tem o direito legal de contratar quem ele quiser. Afinal, é o seu restaurante e os salários que ele paga são (inicialmente) sua propriedade. Mas se ele permitir que o nepotismo influencie sua decisão na contratação, ele sofre uma multa implícita de 1,50 dólar por hora. Ele ganha menos dinheiro se tomar decisões de contratação baseado em fatores tais como relações familiares, que não têm nada a ver com o trabalho.

Mudemos o exemplo. Suponha que, em vez de procurar por um novo assistente de garçom, o dono tenha que encontrar um novo chef, uma posição que paga 80 mil dólares por ano. Ele entrevista um candidato qualificado com anos de experiência e acha que o homem pode adicionar 85 mil dólares em receita ao longo de um ano. Em contraste, se o dono contratasse o sobrinho de sua esposa como chef, suas receitas aumentariam em apenas 10 mil dólares por ano. Nesse caso, uma decisão nepotista custaria ao dono 75 mil dólares por ano em receitas prévias.

Nós vemos que em um livre mercado empregadores sofrem penas financeiras automáticas quando eles participam de práticas discriminatórias que se qualificam como “injustas” na mentalidade popular. É verdade que o empregador ainda é livre para discriminar, mesmo no sentido pejorativo, mas eles são “multados” em direta proporção à severidade de sua arbitrariedade. Como David R. Henderson aponta, críticos do livre mercado têm de decidir de duas, uma: vamos condenar empresários como impiedosos na busca do lucro, que sacrificam todo o resto para lucrar? Ou vamos condená-los como intolerantes que não contratam os melhores candidatos para uma vaga de trabalho? Os críticos devem se decidir, porque essas queixas são mutuamente exclusivas.[3] Note que a pena para uma má discriminação não previne essa discriminação: ela apenas a desencoraja. Empregadores que estão dispostos a pagar a pena ainda podem discriminar. Entretanto, eles estão perdendo parte do mercado para empregadores que não discriminam.

E se os clientes são intolerantes?

Um crítico pode responder que em uma sociedade suficientemente intolerante, donos de negócios não seriam penalizados por práticas discriminatórias. Por exemplo, suponha que um grande número de consumidores brancos em uma certa cidade prefiram comer em restaurantes que contratem apenas funcionários brancos e atendam apenas clientes brancos. Imagine que suas preferências são tão fortes que esses consumidores racistas estão dispostos a pagar preços mais altos pela “mesma” comida, contanto que nenhuma pessoa negra esteja no restaurante com eles.

Nesse caso, a verdade é que o dono de pelo menos um restaurante na nossa hipotética cidade não sofreria penas financeiras por instituir segregação em sua propriedade privada. O princípio seria análogo aos atuais restaurantes luxuosos que exigem que todos os homens no recinto – incluindo clientes – vistam terno e gravata. Isso também é “discriminação”, e para que isso funcione, um número suficiente de clientes devem estar dispostos a pagar pela política de excluir potenciais clientes que não se vestem formalmente para o jantar. Eu não estou alegando que as preferências inerentes dos consumidores – para o ambiente somente com brancos em um caso versus um ambiente somente com pessoas trajando terno e gravata – são moralmente equivalentes. Pelo contrário, eu estou analizando objetivamente o “pior cenário” para mostrar como as forças do mercado funcionam.

No caso do restaurante segregado no livre mercado, a pena agora não é sobre o empregador, mas sobre os clientes discriminadores. Por hipótese, a única forma do dono evitar perdas financeiras de práticas discriminatórias é se os seus clientes, por sua vez, estejam dispostos a pagar preços mais altos. Isso significa que os brancos preconceituosos na nossa comunidade hipotética estão pagando mais para comer fora (em restaurantes com apenas brancos) do que seus vizinhos indiferentes à cor, que estão felizes em frequentar restaurantes com empregados e clientes negros. Novamente, o livre mercado não proíbe as pessoas – independente se empregados ou consumidores – de agir baseados em seus preconceitos, mas os faz pagar por isso.

Seria o governo a solução?

Aqueles que apoiam leis contra a discriminação podem rejeitar os argumentos acima como hipotéticos e arriscados. Eles podem pensar que há tantos preconceituosos na sociedade que as penas financeiras de um livre mercado ainda permitiriam discriminação sistemática e injusta. Em lugar de confiarem no motivo do lucro para acabar com a prática, portanto, eles querem que o governo garanta neutralidade nas decisões de negócios.

Essa visão de mundo se baseia em uma contradição básica: se a sociedade está repleta de racistas e sexistas onde minorias e mulheres não têm a menor chance no livre mercado, então por que eles iriam empoderar um governo eleito por regra da maioria? No mercado, pelo menos, o empregador preconceituoso encara penas imediatas e personalizadas quando age de acordo com suas ideias. Mas quando ele vota em políticos que instituem políticas discriminatórias, os danos são passados a milhões de outras pessoas.

Isso não é meramente hipotético. Os mais chocantes abusos de minorias e mulheres na história ocorreram sob regimes de governos tirânicos. Não importa o quão anti-semita os empresários em uma comunidade possam ser, eles nunca teriam instituído as políticas raciais dos nazistas, porque essas políticas teriam sido muito desvantajosas.

É importante mencionar também que no caso das lanchonetes segregadas – o problema central da controvérsia envolvendo Rand Paul – não era uma consequência pura do livre mercado. Lembre-se que elas não eram chamadas “as melhores práticas” de Jim Crow, mas as leis de Jim Crow (N. T.: as leis de Jim Crow são como ficaram conhecidas as leis de segregação no sul dos EUA). Nós nunca poderemos saber com certeza como as políticas raciais dos negócios do sul teriam sido nos anos 1950 em um genuíno ambiente laissez-faire. O que nós sabemos de fato é que os donos de negócios discriminatórios teriam sentido de forma mais aguda os custos de suas políticas sem os mandados do governo aplicando-as em toda a indústria.

Conclusão

A típica discussão sobre discriminação toma como certo que a prática é odiosa e deve ser penalizada. Ainda assim, uma inspeção mais profunda revela que a maioria das pessoas não tem problema com a discriminação que serve às suas preferências. Quando nós especificamos precisamente o que queremos dizer por discriminação “ruim”, nós descobrimos que o livre mercado oferece penas automáticas e imediatas em proporção à severidade da prática.

 

——————————————————

Notas

[1] Por exemplo, veja Krissah Thompson e Dan Balz, “Rand Paul comments about civil rights stir controversy“. The Washington Post, May 21, 2010.

[2] Gary Becker, The Economics of Discrimination. (Chicago: University of Chicago Press, 1957).

[3] Veja David R. Henderson, “How Free Markets Break Down Discrimination“. The Freeman, Vol. 58, Issue 3, April 2008.

 

 

Tradução Daniel Chaves Claudino | Artigo original aqui.

Robert P. Murphy
Robert P. Murphy
Robert P. Murphy é Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market É também dono do blog Free Advice.
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