InícioArtigosAbaixo o farol baixo (e tudo o que ele significa)

Abaixo o farol baixo (e tudo o que ele significa)

obrigatoriedade farol baixo multaSanta Teresa D’Avila dizia que mesmo a menor das coisas, quando feitas por amor a Deus, tem um valor inestimável. O contrário também é verdadeiro. Pequenos atos motivados por intenções imundas implicam em um grande mal.

É o caso da recente norma legislativa que obriga os motoristas a ligar o farol baixo de seus carros à luz do dia.

Se comparada a outras agressões que o governo nos impinge, como patrocinar terroristas, demolir paróquias Católicas, impor uma moeda falsa de curso forçado e desarmar pais de família, a obrigatoriedade do farol baixo parece algo de somenos importância. Contudo, é na tolerância com estas pequenas pravidades que repousa o poder do estado de praticar as mais temíveis barbáries.

Além disso, a concretização de norma legislativa como esta indica a  prevalência de uma linha de pensamento pervertida que lhe é causa. Trata-se da ideia de que a sociedade se divide em dois grupos: governados parvos, incapazes de gerir suas vidas, e governantes sobre-humanos que podem e devem microgerenciar cada aspecto da existência do primeiro grupo.

A premissa de que a humanidade é passiva e dependente de legisladores externos, detentores de toda a previdência e responsabilidade, é anticivilizatória. Quando assumida, ela faz com que os indivíduos percam a ligação que existe entre eles próprios e a eficiência de suas ações. Esta conexão é alicerce do senso de responsabilidade individual, que então desmorona. Em sua obra Economic Harmonies, de 1850, o grande economista Frédéric Bastiat afirma que “’é impossível não reconhecer na responsabilidade a mola-mestra do progresso social”. Um de seus estudiosos atuais, Jan Klos, é oportuno ao identificar a responsabilidade como um meio de auto-aperfeiçoamento. O estado, ao assumir coercivamente as rédeas da ordem social, atravanca o desenvolvimento da humanidade.

O governo possui duas motivações para obrigar os condutores a ligar o farol baixo em plena luz do dia e nenhuma delas inclui a nossa segurança.

A primeira é óbvia: a arrecadação direta através da indústria da multa. Diariamente, 3 mil pessoas são multadas por infringirem essa regulação. Tendo em vista os valores estipulados para as multas, calcula-se que o montante criminosamente retirado das produtivas mãos privadas para enriquecer parasitas estatais chegue a 146 milhões de reais anuais. Some-se a isto a verba destinada à manutenção do aparato de enforcement desta norma legislativa. (É pertinente citar também que a medida impõe ao motorista gastos adicionais de manutenção, pois a vida útil do farol cai de 4 para 2 anos. Devido a este aumento artificial da demanda, sobem os níveis de preço de todos os insumos da cadeia produtiva dos faróis, acarretando um encarecimento do custo de vida.)

A segunda motivação governamental é um estratagema político que explora o viés legalista incutido na mentalidade da população por décadas de positivismo jurídico. As pessoas foram acometidas por um comodismo legislatório que as impede de buscar soluções sociais através de mecanismos privados. Engenhosidade e moralidade são substituídas pelo afã de proibir ou obrigar via imposição governamental. Valendo-se disto, os políticos aumentam o escopo e a magnitude das regulações sobre a vida das pessoas e são elogiados por serem parlamentares ativos.

Durante as eleições, os políticos vangloriam-se de ter tido um grande número de projetos aprovados e recebem votos por isso, quando deveriam receber ordens de prisão.

De fato, a opinião pública aprova a legislação do farol baixo, demonstrando assim quatro grandes males que assolam a população, principalmente nos regimes democráticos.

O primeiro é a Síndrome de Estocolmo, descrita pelo criminólogo Nils Bejerot, um distúrbio psicológico no qual a vítima passa a ter simpatia pelo seu algoz após um tempo suficientemente longo de intimidação e opressão.

O segundo é a servidão voluntária descrita por Étienne de la Boétie, pensador francês que constatou magistralmente que “é o povo que se sujeita, que se corta a garganta, que, podendo escolher entre ser subjugado ou ser livre, abandona a liberdade e toma o jugo, que consente no mal, ou antes, o persegue”.

O terceiro é o pecado descrito na Bíblia Sagrada em I Samuel 8, que relata a ocasião na qual os israelitas rejeitaram a Deus e clamaram por um governante. O profeta Jeremias já alertava que o cativeiro babilônico resultou da rejeição da Lei de Deus como fonte da ordem social. Insistimos no erro até hoje e estamos cativos do estado-babá.

O quarto mal é acreditar que governos dizem a verdade ao alegar que estão visando a nossa proteção. Esta ingenuidade decorre de um profundo desconhecimento a respeito da natureza maligna do estado e de seus incentivos, combinado ao viés do pensamento desejoso (wishful thinking): as pessoas se sentem confortáveis ao imaginar que uma entidade tão subjugadora quanto o estado esteja, eventualmente, preocupada com o bem-estar dos cidadãos. Esta fantasia, como nos lembra o analista político Christopher Booker, tende a se retroalimentar conforme a realidade frustra as expectativas, pois as pessoas tendem a evitar o choque da desilusão e do desamparo.

A realidade é que o governo mentiu ao dizer que a norma legislativa que obriga ao uso diurno do farol intenta nossa segurança.  Se isso fosse verdade,  por que tantas inovações em segurança automotiva são proibidas? Faróis de xenon acessórios para off-road foram banidos no Brasil em 2011. Faróis direcionais inteligentes estão proibidos em vários países. Nos EUA, a burocracia de Washington impede a instalação de retrovisores asféricos que eliminam o ponto cego do motorista. Poder-se-ia mencionar ainda as odiosas restrições dos níveis de blindagem balística, mas o fato que anseio por destacar, e que torna a medida do governo ainda mais grotesca, é que ligar os faróis baixos durante o dia pode aumentar o risco de acidentes.

Os efeitos periclitantes do uso diurno indiscriminado dos faróis baixos são semelhantes (e talvez piores) aos observados com o DRL (daytime running lamp), os faróis de rodagem diurna, obrigatórios em alguns países.  Estes dispositivos foram implantados pela primeira vez na década de 1960 como uma estratégia de publicidade da Greyhound Bus Company, uma empresa de transportes terrestres. Não tardou para que estudos apontassem a inutilidade do equipamento.

A Suécia, na sua psicose regulatória típica do socialismo escandinavo, foi o primeiro país a impor, em 1977, a obrigatoriedade do DRL, baseando-se em pesquisas patrocinadas pelo próprio governo!

Já um trabalho científico sério realizado pela seguradora privada Highway Loss Data Institute demonstrou que o DRL aumenta o número de acidentes devido ao ofuscamento causado no retrovisor interno ou em motoristas que trafegam no sentido contrário.

Outros fatores que possivelmente contribuem para a elevação do risco, e que estão presentes tanto no uso do DRL quanto no farol baixo diurno, incluem:

  1. prejuízo do realce das luzes direcionais.
  2. redução da conspicuidade de motocicletas, bicicletas, pedestres e veículos no acostamento.
  3. redução da conspicuidade de veículos de emergência e viaturas policiais.
  4. desorientação em relação aos códigos espontâneos baseados no piscar dos faróis (aquela linguagem tácita que os motoristas usam para comunicar ultrapassagem segura por exemplo, cuja consolidação não envolveu um planejador central sequer, e que por isso funciona tão bem).
  5. o stress do motorista diante da possibilidade de ter sido multado nos trechos no quais havia esquecido os faróis desligados.

Durante o dia, a cor dos automóveis é um fator mais relevante que o acionamento dos faróis baixos. Contra o horizonte cinzento é mais fácil enxergar um veículo rosa-choque que um veículo cinza (algo que as marinhas de guerra sabem muito bem). Mas é melhor não dar ideia aos burocratas ou eles resolvem me obrigar a usar um carro rosa.

O uso de faróis em período diurno, contudo, pode ser útil e até indispensável em situações como neblina, chuva intensa, tempo nublado, com nuvens escuras, e durante a alvorada ou o crepúsculo. Nestas condições, estudos científicos demonstram que o uso de faróis reduz acidentes.

Mas o uso adequado dos equipamentos de segurança automotiva não deve ser regulado pelo estado. O comportamento seguro nas estradas depende de três fatores que são prejudicados ou deturpados por imposições governamentais.

1) Bom Senso: A complexidade e variedade das situações não pode ser abarcada por normas positivadas. A sensatez sempre será o fator preponderante e deve ser aprimorada.

Da mesma forma que o código penal causa a alienação moral do homem, as regulações técnicas geram alienação da sensatez. Por comodismo e por economia de gastos informacionais, as pessoas tendem a abrir mão de uma análise individual mais profunda da prudência de determinada ação, substituindo-a pelo cumprimento cego das normas estatais. Esta falta de critério tem como efeito colateral o abster-se de medidas de segurança em casos não previstos pela legislação.

Assim sendo, é possível que o cidadão ligue o farol baixo em uma boa auto-estrada ensolarada para cumprir as normas, mas não ligue a lanterna de neblina traseira em meio às brumas de uma rodovia perigosa e íngreme porque o estado não o obrigou. E se não é obrigatório – raciocina o incauto – é perfeitamente seguro.

A positivação do bom senso é uma ameaça maior que qualquer carreta sem freio.

 

2) Aferição técnica das melhores práticas de segurança: Quais os melhores tipos de faróis para cada situação? Como as rodovias devem ser geridas e quais normas devem vigorar nelas? Nossa razão limitada nunca terá respostas exatas para estas perguntas. A melhor aproximação que a sociedade pode obter só pode aflorar da prática em um mercado livre e desimpedido e de um sistema de precificação eficiente capaz de internalizar os riscos reais e a aversão ao risco dos agentes.

Para tanto, é mister que as estradas sejam privatizadas e que os equipamentos de segurança dos carros sejam alocados conforme as interações livres entre motoristas, montadoras, fabricantes de acessórios e seguradoras. As regulações estatais distorcem os incentivos para que surjam inovações de mercado, técnicas e contratuais, no setor. Como disse o economista James M. Buchanan, “a ordem é definida durante o processo de seu surgimento”, conforme os agentes aperfeiçoam seus conhecimentos tácitos, corrigem erros e empreendem. A ordem duradoura não pode emergir por imposição de uma entidade artificial alheia ao processo.

 

3)  Alinhamento de Incentivos: As pessoas costumam se preocupar com a sua própria segurança e com a de terceiros, de forma que não morrer e não matar um inocente sejam incentivos capazes de evitar parcialmente a condução imprudente. A frequência assustadora de sinistros, por outro lado, demonstra que medo de acidentes e moralidade não são suficientes. Punições, cuja finalidade primeira é fazer justiça, também possuem um papel crítico na redução de acidentes através dos efeitos dissuasórios.

Uma norma legislativa como a obrigatoriedade do farol baixo diurno, que pune uma ação sem correlação com uma periclitação concreta, distorce a doutrina jurídica.. Perde-se o foco nos direitos naturais do indivíduo e o respeito pelas normas necessárias à proteção destes. As punições passam a ser aplicadas em reação à infração de normas positivadas e não à violação real dos direitos de alguém.

A penalidade deveria ser consonante com os danos causados ou ameaça concreta destes. Quando regulações supérfluas são estabelecidas, há tendência de reduzir a punição merecida, tendo em vista o dano causado, às sanções determinadas pelo código de trânsito. E se, porventura, a vítima cometeu alguma infração, este fato ainda serve de atenuante para o crime real cometido pelo causador do acidente.

 

A aberração moral da obrigatoriedade do farol baixo, como vimos, vai além de ser uma agressão contra o direito natural dos motoristas. Ela expande o escopo regulatório do governo e distorce os mecanismos privados de produção de segurança automotiva. Apoiar semelhante descalabro é abdicar da ordem natural, do bom senso e da auto-correção do mercado, depositando-se toda confiança em burocratas ignorantes e mal-intencionados e em seus desmandos inflexíveis.

“É melhor buscar refúgio no Senhor do que confiar nos homens” – Salmos  118:8

Paulo Kogos
Paulo Kogos
é um praxeologista anarcocapitalista conservador de extrema-direita e católico romano. Economista e aspirante-a-oficial da reserva, estuda filosofia no Mosteiro de São Bento. É ativista libertário, armamentista e separatista. Defende a volta das Cruzadas e é dono do canal Ocidente em Fúria no YouTube.
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4 COMENTÁRIOS

  1. Eu acho que o seu Paulo Kogos , deve ter lido muito ” Pietro Ubaldi ” Erudição ésterea , blá blá blá ….
    De qualquer sorte , saber encher linguiça requer agilidade !!!
    Com todo o respeito Paulinho ,
    Forte abraço prá ti !!

  2. “E se, porventura, a vítima cometeu alguma infração, este fato ainda serve de atenuante para o crime real cometido pelo causador do acidente.”

    Bem lembrado, Paulo.

    Fico imaginando um ofensor que invadiu a contramão e bateu se livrando da punição ao provar que o carro da vítima estava com o farol apagado.

  3. Muito bom, é raro ver um verdadeiro conservador hoje em dia..O que vejo são apenas “neocons” defensores de parasitas.. Essa aí vai mais uma pra conta dos “politizados”

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