O ano de 2012 certamente já tem seu lugar garantido na história econômica brasileira: foi o ano em que o governo mais exacerbou suas intervenções na economia.
Sim, é verdade que a economia brasileira da década de 1980 e da primeira metade da década de 1990, com seus congelamentos de preços, monopólios estatais e hiperinflação, era muito mais estatizada e bem menos livre que a atual. Porém, mesmo naquela época, havia uma tendência de adoção de medidas de desestatização. Se, de um lado, o governo congelava preços e hiperinflacionava a moeda, de outro, ele reduzia tarifas de importação, extinguia reservas de mercado e privatizava estatais deficitárias. Se o governo se intrometia demais em alguns campos, em outros ele dava sinais de que iria se retirar.
Em 2012, só houve notícias ruins. O estado se agigantou em todos os setores da economia. Mesmo a única notícia aparentemente positiva — a redução do IPI dos automóveis — veio acompanhada 1) de um aumento sanguinário das tarifas de importação e do IPI para automóveis estrangeiros, fazendo com que seu a carga tributária total sobre eles chegue a soviéticos 340%; 2) da imposição de quotas para a importação de automóveis do México, 3) da proibição de demissões por parte das montadoras, e finalmente 4) da ideia ainda não descartada de que o governo iria supervisionar os balancetes das montadoras, estipulando um teto para suas margens de lucro.
Qual foi a consequência de tamanho protecionismo e intervencionismo no setor automotivo? Com a palavra, a própria beneficiada: “a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) calcula uma queda de 1,5% na produção neste ano ante 2011. Esta será a primeira queda na produção desde 2002.”
Ou seja, ocorreu exatamente o oposto do intencionado pelo governo, que era aumentar a produção e o emprego.
Com efeito, o mesmo fenômeno pôde ser observado em todo o setor industrial. Incontáveis medidas intervencionistas e protecionistas foram colocadas em prática, como os seguidos recordes de apreensão de bagagens em aeroportos, o aumento do PIS/COFINS sobre produtos importados, os sucessivos recordes de arrecadação com o imposto de importação contra ‘o importado barato‘, os desembolsos recordes do BNDES para as grandes empresas, a exigência de uma enorme fatia de conteúdo nacional para as produções industriais de todos os tipos, a proteção explícita aos setores têxtil, de calçados, de brinquedos, de artefatos de madeira, de palha, de cortiça, de vime e material trançado e transformados de plástico, além do aumento da taxa de importação sobre lâmpadas e sapatos chineses, pneus, batata, tijolos, vidros, vários tipos de máquinas, reatores para lâmpadas ou tubos de descarga, vagões de carga, disjuntores, cordas e cabos, móveis, triciclos, patinetes, bonecos, trens elétricos, quebra-cabeças, produtos lácteos (leite integral, leite parcialmente desnatado e queijo muçarela) e pêssegos (sério!).
Adicionalmente, o câmbio em 2012 foi substancialmente desvalorizado em relação a 2011 (de R$1,60/US$ para R$2,10/US$).
Gráfico 1: taxa de câmbio real/dólar; Fonte: Banco Central
Pela lógica dos intervencionistas, tamanha desvalorização cambial em conjunto com toda aquela cornucópia de medidas protecionistas deveria ter colocado a indústria em estado de extrema pujança. E o que houve? Tanto aprodução industrial quanto o emprego na indústria caíram em relação ao ano passado.
Óbvio: desvalorizar a moeda e encarecer importações serve apenas para reduzir o poder de compra da população, que agora terá de gastar mais dinheiro com produtos de menor qualidade, e consequentemente terá menos dinheiro para gastar em outros bens e serviços. Isso é um ataque direto ao padrão de vida. Uma população com menos poder de compra não ativa indústria nenhuma.
O que vimos em 2012 foi mais um exemplo da arrogância fatal de burocratas e planejadores que juram saber exatamente como os indivíduos irão reagir em decorrência de suas intervenções no mercado. Para eles, empreendedores e consumidores padecem do condicionamento clássico do cão de Pavlov: estão sempre prontos a agir estritamente de acordo com estímulos recebidos do governo. Porém, quando o plano dá errado e tudo sai exatamente ao contrário do planejado, em vez de humildemente reconhecerem o erro e reverterem suas intervenções, eles simplesmente dizem, com toda a arrogância, que o que fizeram foi certo mas insuficiente, de modo que mais estímulos se fazem necessários.
Curiosamente, nas últimas recessões brasileiras, em 2003 e em 2009, o governo não saiu baixando pacotes e nem recorreu a medidas intervencionistas mais proeminentes. Em 2003, ele seguiu a cartilha clássica: elevou juros e congelou os gastos. Adicionalmente, não tentou controlar preços e nem privilegiar nenhuma indústria. Também não recorreu ao protecionismo. Por não ter atrapalhado e nem ter gerado incertezas, a economia se recuperou em um ano. Em 2009, embora tenha havido um pouco mais intervenção do que em 2003, o governo não interveio no câmbio e nem recorreu a políticas protecionistas. Principalmente, ele permitiu que preços e salários se ajustassem para baixo. Isso, novamente, permitiu uma rápida recuperação.
O atual governo Dilma, o qual reinstituiu a figura do czar da economia — Guido Mantega é, ao mesmo tempo, Ministro da Fazenda, presidente do Banco Central, ministro do Planejamento e ministro do Desenvolvimento — já é, sem rivais, o mais intervencionista desde a criação do real. Ela conseguiu a façanha de fazer seu antecessor parecer um moderado.
E não há muitos indícios de que isso será revertido no curto prazo. Uma das possíveis próximas tragédias desse intervencionismo já está se desenhando no setor elétrico. Aguardemos.
A estagnação econômica
A principal debilidade da economia brasileira é que ela não se baseia em poupança e nem em investimento, mas sim no fomento ao consumismo puro e simples. Para o iluminado que comanda a Fazenda, se você estourar o seu cartão de crédito e depois pedir empréstimo no banco para cobrir o rombo em sua fatura e voltar a consumir ainda mais, você está estimulando a economia.
Todo o modelo de crescimento se baseia na expansão do crédito. E tal modelo possui óbvias limitações. A mais visível delas é o aumento do endividamento. Se o governo estimula as pessoas a se endividarem para consumir, não é de se espantar que cheguemos a um momento em que tanto o nível de endividamento quanto os gastos das famílias com o serviço de suas dívidas (pagar juros e amortização) seja intolerável. De acordo com as últimas estatísticas, o endividamento das famílias (linha azul) é de quase 45% da renda nacional, e os gastos das famílias para cumprirem o serviço de suas dívidas (linha vermelha) é de 22,5% de sua renda.
Gráfico 2: endividamento das famílias e gastos com serviço da dívida; Fonte: Banco Central
A título de comparação, como é possível ver no gráfico deste artigo, esta mesma variável (linha vermelha) para os americanos é de 11%.
Em um cenário destes, resta óbvio que adicionais estímulos ao consumo não apenas são ineficazes em termos de crescimento econômico, como também são extremamente perigosos.
E esse endividamento explica boa parte da atual estagnação econômica.
Explicando a mecânica da estagnação
Para entender a estagnação, é necessário analisar o que está acontecendo com aquela variável que representa a metade de toda e qualquer transação econômica: o dinheiro. Dado que o dinheiro é o elo entre todas as atividades econômicas, qualquer alteração na quantidade de dinheiro — e, principalmente, na taxa de crescimento da quantidade de dinheiro — irá inevitavelmente provocar movimentos generalizados em uma economia. Todo e qualquer ciclo econômico é causado por variações na quantidade de dinheiro na economia.
Portanto, para entender os ciclos de expansão e recessão de uma economia, para entender por que há períodos de crescimento econômico seguidos de períodos de estagnação/recessão, é necessário estudarmos as variações no meio geral de troca, que é o dinheiro.
No atual sistema monetário e bancário, o Banco Central controla a base monetária do país. Porém, a quantidade de dinheiro produzida pelo Banco Central é insignificante se comparada à quantidade de dinheiro eletrônico que o sistema bancário cria por meio da expansão do crédito através de seu sistema de reservas fracionadas. Sempre que uma empresa ou um indivíduo qualquer vão a um banco e pedem um empréstimo, o banco cria do nada dinheiro eletrônico na conta-corrente deste tomador de empréstimo. O dinheiro não foi retirado de nenhuma outra conta. Ele simplesmente foi criado ex nihilo. O bancário apertou algumas teclas no computador e dígitos eletrônicos surgiram na conta-corrente do mutuário. É assim que o dinheiro entra na economia no sistema monetário atual e é assim que a quantidade de dinheiro em uma economia aumenta. (Todo este processo foi explicado em detalhes neste artigo, de modo que, pelo bem da brevidade, ele não será repetido aqui).
Embora toda a concessão de crédito represente criação de dinheiro, existe também a operação inversa, que é a destruição deste dinheiro que entrou na economia. Por exemplo, quando um banco quer aumentar seu capital, ele vende um papel. A pessoa ou empresa que comprar este papel irá transferir dinheiro da sua conta-corrente para este banco. O banco pegará este dinheiro (totalmente eletrônico) e irá contabilizá-lo como ‘reservas bancárias’, que é um ativo em seu balancete. Ao final do processo, houve uma redução da quantidade de dinheiro na economia e um aumento das reservas bancárias, que é um dinheiro que não está na economia. Exatamente o mesmo procedimento ocorre quando um banco vende dólares em sua carteira para algum cliente ou mesmo quando ele toma empréstimos junto a corretoras, distribuidoras, sociedades de arrendamento mercantil e fundos de investimento financeiro.
Fiz essa digressão técnica apenas para explicar por que a quantidade de dinheiro na economia não é idêntica à quantidade de crédito criada pelo setor bancário. Embora bancos criem dinheiro concedendo crédito, eles também destroem dinheiro quando vendem algum papel para se recapitalizar.
Entendido isso, o gráfico a seguir mostra a evolução da quantidade total de dinheiro na economia. Trata-se de papel-moeda em posse de indivíduos e empresas, mais o total de dinheiro eletrônico em conta-corrente, em poupança, em depósitos a prazo e em outros depósitos no sistema bancário. Em suma, o gráfico mostra todo o dinheiro que foi criado via concessão de crédito, e já descontado de todo o dinheiro que foi retirado da economia. Trata-se de um bom indicador para saber se o ritmo da concessão de crédito está maior, igual ou menor do que o ritmo da retirada de dinheiro da economia, o que, por sua vez, indicaria uma maior cautela dos bancos.
(Infelizmente as duas variáveis não são fornecidas já somadas, de modo que tal operação aritmética será feita no segundo gráfico).
Gráfico 3: papel-moeda em poder do público mais depósitos em conta-corrente (moeda) mais depósitos em poupança, depósitos a prazo e outros depósitos em bancos (quase-moeda); Fonte: Banco Central
Abaixo, a soma das duas variáveis acima, desde janeiro de 2009, ano da última recessão. Observe que a partir de meados de 2009, começa a haver uma aceleração do crescimento da quantidade de moeda na economia. Tal aceleração se intensifica em 2010. Essa foi a época do crescimento econômico forte, porém artificial. Em 2011, começa a haver uma desaceleração. Em 2012, o crescimento monetário praticamente se estanca no segundo semestre.
Gráfico 4: crescimento da quantidade total de moeda na economia; Fonte: Banco Central
No Brasil, desde 2009, os indivíduos intensificaram seu endividamento (ver gráfico 2) para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas. Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo levadas tanto pela redução artificial dos juros criada pela expansão monetária do Banco Central (o que fez com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos.
No entanto, tão logo o endividamento foi aumentando, a demanda por mais empréstimos foi se arrefecendo e o modelo de expansão do crédito foi se esgotando. Consequentemente, a taxa de crescimento da quantidade de dinheiro na economia brasileira começou a desacelerar. Isso fez com que os projetos das empresas, das indústrias e dos indivíduos se comprovassem irrealizáveis. No caso dos indivíduos, esta redução na taxa de crescimento da oferta monetária fez com que suas rendas não aumentassem como haviam previsto ainda no ápice do boom econômico, o que tornou suas dívidas difíceis de serem quitadas. No caso das empresas, tal redução faz com que suas receitas futuras não fossem as previstas (vide o caso das indústrias e, mais recentemente, da Gol e de empresas do setor imobiliário), ao mesmo tempo em que seus custos (com mão-de-obra e bens de capital) seguiram crescendo em decorrência da inflação passada.
Vale ressaltar que não são reduções forçadas nos juros que irão resolver esse problema. Reduções nos juros estimulam consumismo, mas não estimulam mais poupança, que é justamente do que endividados necessitam.
Caso não haja reversão da tendência acima, o ano de 2013 promete dificuldades.
Para mais detalhes e mais dados sobre o mecanismo de expansão do crédito no Brasil e seu efeito direito sobre vários indicadores da economia brasileira, sugere-se este artigo.
O maior problema do Brasil para o longo prazo
Enquanto a imprensa se ocupa em alardear os previsíveis e desimportantes números do PIB (para entender por que o PIB nada diz de concreto ver aqui, aqui, aqui e aqui), fatores realmente importantes e decisivos estão sendo ignorados.
Por exemplo, a destruição do poder de compra da moeda em conjunto com as proibitivas tarifas de importação. Temos hoje uma moeda continuamente inflacionada e desvalorizada em relação às outras moedas, o que encarece sobremaneira as importações de bens de capital e bens de consumo. Além de a unidade monetária comprar cada vez menos, o governo ainda impõe tarifas de importação para encarecer ainda mais as compras do exterior. Ou seja, ao mesmo tempo em que encarece as coisas aqui dentro, o governo proíbe a população de comprar barato do exterior.
A consequência desse fechamento das fronteiras? Coube ao Financial Times nos mostrar. O gráfico abaixo ilustra a produtividade de alguns países em relação aos EUA.
Gráfico 5: produtividade da mão-de-obra em de vários países em relação à mão-de-obra americana
Observe que a produtividade dos trabalhadores brasileiros não apenas está em queda livre, como é a única que vem caindo década após década. Um trabalhador brasileiro médio tem apenas 20% da produtividade de um americano. No ano de 1980 (atenção, ano; e não década), ele tinha 30% da produtividade. (Deve-se levar em conta que toda a década de 1970 foi de estagflação para os EUA, sendo aquela a sua década perdida; daí o salto brasileiro observado entre 1970 e 1980. Já em 1990, após a década perdida de 1980 para o Brasil, as coisas voltaram a ser como antes).
Por que essa queda contínua? Meu palpite: porque além de termos uma mão-de-obra pouco instruída, as tarifas protecionistas impostas pelo governo encareceram ainda mais a importação de bens de capital, justamente o que poderia aumentar nossa produtividade no curto prazo. Alexandre Schwartsman comentou isso recentemente:
Desde o terceiro trimestre de 2011 os preços em dólares dos bens de capital importados recuaram 1%, mas a depreciação da moeda, 24% no período, implicou uma elevação de 23% no preço em reais destes bens (19% descontada a inflação).
Esta não é, provavelmente, a única causa da queda do investimento, mas é difícil comprar a ideia que um aumento desta magnitude no preço dos bens de capital não representa um impacto negativo na decisão de investir…
Com uma mão-de-obra mal instruída e pouco produtiva, dificultar o acesso a bens de capital seria a última coisa que qualquer ser racional defenderia. Mas estamos falando do governo, que opera em outra dimensão de inteligência.
O padrão de vida de um país é determinado pela abundância de bens e serviços. Quanto maior a quantidade de bens e serviços ofertados, e quanto maior a diversidade dessa oferta, maior será o padrão de vida da população. Por exemplo, quanto maior a oferta de alimentos, quanto maior a variedade de restaurantes e de supermercados, de serviços de saúde e de educação, de bens como vestuário, materiais de construção, eletroeletrônicos e livros, de pontos comerciais, de shoppings, de cinemas etc., maior tende a ser a qualidade de vida da população.
Porém, a quantidade e a diversidade não bastam. A facilidade de acesso a estes bens e serviços — no caso, quão caros eles são — também é essencial. Por isso, é de suprema importância termos uma moeda forte.
No Brasil, além de a qualidade dos serviços no geral ser ruim, a quantidade e a variedade de bens de consumo é muito baixa, pois além de o governo dificultar ao máximo as importações, nossa desvalorizada moeda não tem poder de compra em relação às principais moedas do mundo. E não bastasse a pouca oferta e a pequena variedade de bens e serviços, o acesso a eles é caro, justamente porque o governo destrói continuamente o poder de compra da moeda.
Portanto, eis a realidade atual do Brasil: qualidade da mão-de-obra em queda livre, quantidade e variedade de bens e serviços bastante insatisfatória, e acesso a eles cada vez mais caro. Em vez de facilitar a aquisição de bens de capital, o que poderia remediar a questão da baixa produtividade e da qualidade dos bens e serviços, o governo dificulta o acesso, tanto por meio de tarifas quanto por desvalorizações cambiais. E, para piorar, não há absolutamente nenhuma tendência de melhora na qualidade da mão-de-obra. Esse é o nosso padrão de vida
Mais ainda: a julgar pelas políticas adotadas pelo atual governo no que tange a protecionismo, câmbio e inflação, não há nenhuma indicação de que isso irá mudar no futuro próximo.
Isso sim será definitivo para o futuro do país — e não o acréscimo de meros dígitos artificiais ao PIB.