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Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário

12. O SETOR PÚBLICO, III: POLÍCIA, LEI E OS TRIBUNAIS


PROTEÇÃO POLICIAL
O mercado e a iniciativa privada de fato existem, e por isto a maior parte das pessoas pode visualizar sem maiores problemas um mercado livre na maioria dos bens e serviços. Provavelmente a área mais difícil, no entanto, de se visualizar esta abolição das operações governamentais está nos serviços de proteção: a polícia, os tribunais etc.—a área que envolve a defesa da pessoa e da propriedade contra qualquer ataque ou invasão. Como seria possível que a livre iniciativa e o mercado livre fornecessem estes serviços? Como seria possível, num livre mercado, proporcionar uma polícia, sistemas legais, serviços judiciais, aplicação da lei, prisões? Já vimos como boa parte da proteção policial, pelo menos, poderia ser fornecida pelos diversos proprietários das ruas e das áreas de terra. Porém agora precisamos examinar toda esta questão de uma maneira sistemática.

Em primeiro lugar, existe uma falácia comum, sustentada até mesmo pela maioria dos defensores do laissez-faire, de que o governo deve fornecer “proteção policial”, como se a proteção policial fosse uma entidade única e absoluta, uma quantidade fixa de algo que o governo fornece a todos. A realidade, no entanto, é que não existe uma mercadoria absoluta chamada “proteção policial”, mais do que existe uma mercadoria única absoluta chamada “comida” ou “abrigo”. É verdade que todos pagam impostos por uma aparente quantidade fixa de proteção, porém isto é um mito. Na realidade, existe uma quantidade quase infinita de graus de todos os tipos de proteção. Para alguma determinada pessoa ou empresa, a polícia pode fornecer qualquer coisa, variando de um policial que patrulha as ruas uma vez durante a noite, dois policiais patrulhando constantemente cada quarteirão, carros de patrulha em constante deslocamento, até um ou mais guarda-costas pessoais trabalhando 24 horas por dia. Além disso, existem muitas outras decisões que a polícia deve tomar, cuja complexidade se torna evidente assim que olhamos por trás do véu do mito da “proteção absoluta”. Como deveria a polícia alocar seus fundos que são, obviamente, limitados, da mesma maneira que são limitados os fundos de todos os outros indivíduos, organizações e agências? Quanto a polícia deve investir em equipamentos eletrônicos? Equipamentos para a identificação de impressões digitais? Quanto deve ser alocado para detetives, e quanto para policiais uniformizados? Carros de patrulha ou policiais a pé etc.?

O ponto é que o governo não tem uma maneira racional de alocar estes recursos. O governo sabe apenas que ele tem um orçamento limitado. A maneira com a qual ele aloca estes fundos, portanto, está sujeita a todo o jogo da política, desperdício de tempo e ineficiência burocrática, sem qualquer coisa que indique se o departamento de polícia está servindo os seus consumidores de uma maneira que corresponde aos seus desejos ou se o está fazendo de maneira eficiente. A situação seria diferente se os serviços policiais fossem fornecidos dentro de um mercado livre e competitivo. Neste caso, os consumidores pagariam pelo grau de proteção que desejassem adquirir. Os consumidores que querem ver um policial apenas de vez em quando pagariam muito menos que aqueles que querem um patrulhamento contínuo, e muito menos que aqueles que exigem um serviço de guarda-costas 24 horas por dia. No mercado livre, a proteção seria fornecida de maneira proporcional, e na forma que o consumidor desejar pagar por ela. Isto asseguraria um esforço pela eficiência, como sempre ocorre no mercado, através da compulsão por obter lucros e evitar perdas, mantendo assim os custos baixos e atendendo às demandas mais urgentes dos consumidores. Qualquer empresa policial que fosse altamente ineficiente logo iria à falência e sumiria do mercado.

Um grande problema enfrentado constantemente por uma força policial governamental é: quais leisrealmente devem ser aplicadas? Os departamentos de polícia, na teoria, recebem a ordem absoluta de “aplicar todas as leis”, mas na prática um orçamento limitado lhes força a alocar seu pessoal e seus equipamentos para os crimes mais urgentes. O dito absoluto, no entanto, lhes persegue, trabalhando contra esta alocação racional de recursos. No mercado livre, o que seria aplicado seria aquilo que os clientes estivessem dispostos a pagar. Suponhamos, por exemplo, que o senhor Jones tenha uma joia preciosa, que ele acredita ter sido roubada. Ele pode pedir, e pagar, por uma proteção de 24 horas por dia da polícia, com o número de policiais que ele puder obter da companhia de polícia. Ele pode, por outro lado, ter também uma rua privada em sua propriedade pela qual ele não deseja que outras pessoas passem—mas ele pode não ligarmuito se alguém acabar utilizando-a. Neste caso, ele não gastará quaisquer recursos da polícia com a proteção daquela rua. Como no mercado em geral, cabe ao consumidor decidir—e como todos nós somos consumidores, isto significa que cada pessoa decide, individualmente, quanto e que tipo de proteção ela quer e pela qual está disposta a pagar.

Tudo o que dissemos sobre a polícia dos proprietários de terra se aplica à polícia privada em geral. A polícia do mercado livre não apenas seria eficiente, mas teria um forte incentivo para ser cortês e evitar utilizar-se de brutalidade tanto contra seus clientes quanto contra os amigos e clientes de seus clientes. Um Central Park privatizado seria protegido de maneira eficiente, visando maximizar a renda obtida pelo parque, no lugar de ter um toque de recolher proibitivo imposto sobre os clientes inocentes—e que pagam por isso. A aplicação do mercado livre na polícia recompensaria a proteção policial eficiente e cortês aos clientes e penalizaria qualquer um que se desviasse destes padrões. Não haveria mais a separação atual entre serviço e pagamento, inerente a todas as operações governamentais, uma separação que faz com que a polícia, como todas as agências governamentais, adquira sua receita dos pagadores de impostos de maneira coercitiva, e não voluntária e competitivamente de seus clientes.

Na realidade, à medida que a polícia governamental tem se tornado cada vez menos eficiente, os consumidores tem apelado cada vez mais às formas privadas de proteção. Já mencionamos grupos de proteção a vizinhanças e quarteirões. Existem também seguranças privados, companhias de seguro, detetives privados, e equipamentos cada vez mais sofisticados, como cofres, fechaduras, câmeras de circuito interno e alarmes contra invasores. A Comissão Presidencial sobre a Aplicação da Lei e a Secretaria da Justiça estimaram, em 1969, que a polícia governamental custava US$2,8 bilhões por ano ao público americano, enquanto este gastava US$1,35 bilhões em serviços de proteção privada e outros US$200 milhões em equipamentos, de modo que os gastos com a proteção privada chegavam a mais da metade das despesas com a polícia governamental. Estas cifras deveriam fazer refletir aqueles indivíduos crédulos que acreditam que a proteção policial seja, de alguma forma, através de algum direito ou poder místico, um atributo necessário e permanente da soberania de um estado.[1]

Todo leitor de romances policiais sabe que os detetives privados das empresas de seguros são muito mais eficientes do que a polícia para recuperar propriedades roubadas. Não só a empresa de seguros tem a motivação econômica de servir ao seu cliente—e, por consequência, tentar evitar pagar o seguro em si—mas o seu principal foco é muito diferente daquele da polícia. A polícia, em sua defesa de uma mítica “sociedade”, está interessada primeiramente em prender e punir o criminoso; recuperar o item roubado da vítima é algo estritamente secundário. Para a empresa de seguros e seus detetives, por outro lado, a preocupação primordial é a recuperação do que foi roubado, e a captura e punição do criminoso são secundárias ao propósito primordial de auxiliar aquele que foi vítima de um crime. Aqui, novamente, vemos a diferença entre uma empresa privada motivada a servir o cliente-vítima de um crime e a polícia pública, que não experimenta esta compulsão econômica.

Não podemos fazer projeções a respeito de um mercado que existe apenas como uma hipótese, porém é razoável crer que o serviço policial numa sociedade libertária seria fornecido pelos proprietários de terra ou pelas empresas de seguro. Uma vez que estas empresas teriam de pagar seguro às vítimas do crime, é altamente provável que elas proveriam o serviço policial como uma forma de manter o crime em níveis baixos e, assim, evitar os seus gastos com o pagamento de seguros. Certamente é provável, em todo caso, que o serviço policial seria pago através de recompensas mensais, sendo esta agência policial—pertencente ou não a uma companhia de seguros—convocada sempre que fosse necessitada.

Isto fornece aquela que deveria ser a primeira resposta simples para uma pergunta típica dos pesadelos das pessoas que ouvem falar pela primeira vez sobre a ideia de uma polícia totalmente privada: “ora, isto significa que se você for atacado ou roubado você terá que correr até um policial e começar a negociar sobre quanto custará para ele lhe defender.” Basta uma reflexão momentânea para que se perceba que nenhum serviço fornecido pelo mercado livre funciona deste jeito. Obviamente, a pessoa que quer ser protegida pela Agência A ou pela Companhia de Seguros B terá de pagar mensalidades regulares, em vez de esperar ser atacada para então pagar pela proteção. “Mas suponhamos que ocorra uma emergência, e um policial da Companhia A veja alguém sendo assaltado; ele deverá parar para perguntar à vítima se ela comprou o plano de seguros da sua companhia?” Em primeiro lugar, este tipo de crime de rua estará, como foi comentado anteriormente, sob a jurisdição da polícia contratada por quem quer que seja o proprietário da rua em questão. Mas, no caso improvável de um bairro onde não haja esta polícia das ruas, e um policial da Companhia A veja alguém sendo atacado? Ele correrá para defender a vítima? Isto, obviamente, cabe à Companhia A, porém dificilmente é concebível que as empresas policiais privadas não cultivem a boa vontade estabelecendo uma política de oferecer auxílio gratuito às vítimas de situações emergenciais, e depois talvez pedir para esta vítima que foi salva da situação de perigo por uma doação voluntária. No caso de um proprietário de uma casa que esteja sendo assaltada ou atacada, ele, obviamente, chamará a companhia de polícia de sua escolha. Ele chamará a Companhia de Polícia A, no lugar da “polícia” que ele chama hoje em dia.

A concorrência garante a eficiência, preços baixos e uma alta qualidade, e não há motivos para se presumir, a priori, como muitos fazem, que há uma espécie de mandato divino que ordena que exista apenas umaagência policial numa determinada área geográfica. Os economistas muitas vezes alegaram que a produção de determinados bens ou serviços são um “monopólio natural”, e que, portanto a existência de mais de uma agência privada não perduraria numa área específica. Talvez, embora apenas um mercado totalmente livre possa resolver a questão de uma vez por todas. Apenas o mercado pode decidir quais e quantas empresas, e de que tamanho e qualidade, poderiam sobreviver num ambiente de concorrência ativa. Porém não existe motivo para se afirmar de antemão que a proteção policial é um “monopólio natural”. Afinal, as empresas de seguro não o são; e se podemos ter as companhias de seguro Metropolitan, Equitable, Prudential etc., coexistindo lado a lado, por que não poderíamos ter as companhias de proteção policial Metropolitan, Equitable e Prudential? Gustave de Molinari, o economista francês do século XIX, adepto do livre mercado, foi a primeira pessoa na história a contemplar e defender um mercado livre para a proteção policial.[2]Molinari estimava que no futuro existiriam diversas agências policias privadas, agindo lado a lado nas cidades, e talvez uma agência privada em cada área rural. Talvez—mas devemos nos dar conta de que a tecnologia moderna tornou muito mais fácil o estabelecimento de filiais de grandes firmas urbanas até mesmo nas áreas rurais mais remotas. Uma pessoa que vive numa pequena vila no Wyoming, logo, poderia utilizar os serviços de uma empresa de proteção local, ou poderia usar os serviços da filial mais próxima da Companhia de Proteção Metropolitana.

“Mas como uma pessoa pobre teria condições de pagar por uma proteção privada, em vez de obter uma proteção gratuita, como ela tem atualmente?” Existem diversas respostas a esta pergunta, uma das críticas mais comuns à ideia de uma proteção policial totalmente privada. Uma delas é: que este problema se aplica, obviamente, a qualquer mercadoria ou serviço na sociedade libertária, não apenas à polícia. Mas a proteção não é necessária? Talvez, mas também o são todos os tipos de alimentos, roupas, abrigo etc. Seguramente estes itens são tão vitais, ou talvez mais, que a proteção policial, e ainda assim ninguém afirma que,portanto, o governo deva nacionalizar a comida, a distribuição de roupas, de abrigos etc., e fornecer estes itens gratuitamente na base de um monopólio compulsório. As pessoas muito pobres receberiam a ajuda, em geral, da caridade privada, como vimos em nosso capítulo sobre o bem-estar social. Além disso, no caso específico da polícia, sem dúvida existiriam maneiras através das quais a proteção policial poderia ser fornecida aos indigentes—seja através da boa vontade das próprias companhias policiais (como hospitais e médicos fazem hoje em dia) ou através de sociedades especiais de “auxílio policial”, que fariam um trabalho semelhante ao das sociedades de “auxílio legal” hoje em dia. (As sociedades de auxílio legal fornecem voluntariamente aconselhamento jurídico à pessoas de poucas condições financeiras que tenham problemas com as autoridades.)

Existem importantes considerações adicionais. Como vimos, o serviço policial não é “gratuito”; ele é pago pelo contribuinte com seus impostos, e o pagador de impostos muitas vezes é ele mesmo o próprio pobre. Ele pode muito bem estar pagando atualmente mais em impostos para a polícia do que pagaria para as empresas policiais privadas, muito mais eficientes. Além disso, as companhias policiais teriam acesso a um mercado imenso; com as economias fornecidas por um mercado de tão grande escala, a proteção policial seguramente seria muito mais barata. Nenhuma empresa policial abriria mão de uma grande parcela de seu mercado devido a seus altos preços, e o custo da proteção não seria mais caro do que, digamos, o custo dos seguros hoje em dia. (Na realidade, ele tenderia a ser muito mais barato que os seguros atuais, porque a indústria dos seguros está altamente regulamentada pelo governo para eliminar a concorrência de baixo custo).

Existe um pesadelo final que a maioria das pessoas que contempla as agências privadas de proteção considera decisivo em sua rejeição do conceito. Não haveria um conflito entre essas agências? Não surgiria daí uma “anarquia”, com eternos conflitos entre as forças policiais à medida que uma pessoa chama a “sua” enquanto seu rival chama a “dela”?

Existem diversos níveis de resposta para esta pergunta crucial. Em primeiro lugar, uma vez que não haveria um estado supervisionando tudo, nem um governo único central ou local, seríamos ao menos poupados do terror das guerras entre estados, com sua pletora de armas pesadas, de destruição em massa e, agora, nucleares. À medida que olhamos para o passado ao longo da história, não fica dolorosamente claro que o número de pessoas mortas em brigas de gangues ou conflitos isolados ocorridos em bairros ou vizinhanças não é nada comparado à devastação total massificada promovida pelas guerras travadas entre estados? Existem bons motivos para isso. Para evitar o sentimentalismo peguemos dois países hipotéticos: a “Ruritânia” e a “Valdávia”. Se tanto a Ruritânia quanto a Valdávia se tornassem sociedades libertárias, sem governos e com inúmeros indivíduos, empresas e agências policiais, os únicos conflitos que poderiam eclodir seriam locais, e as armas utilizadas teriam necessariamente um escopo limitado em seu poder de devastação. Suponhamos que numa cidade da Ruritânia duas agências policiais entrem em conflito e comecem um tiroteio. Por pior que fosse este conflito, eles jamais usariam bombardeios em massa, armas nucleares ou químicos, já que eles próprios sofreriam as consequências do holocausto subsequente. É a divisão de regiões territoriais em monopólios únicos governamentais que leva à destruição em massa—pois aí sim, se o governo monopolista único da Valdávia enfrentar seu antigo rival, o governo da Ruritânia, cada um se utilizará de armas de destruição em massa, e até mesmo nucleares, já que será o “outro indivíduo” e o “outro país” que será atingido. Além disso, nos dias de hoje, em que cada pessoa é súdita de um governo monopolista, para os olhos de todos os outros governos ela se torna irremediavelmente identificada com o “seu” governo. O cidadão da França passa a ser identificado com o “seu” governo, e, portanto, se outro governo atacar a França, ele atacará seus cidadãos juntamente com o governo da França. No entanto, se a Companhia A entrar em conflito com a Companhia B, o máximo que pode acontecer é que os respectivos clientes de cada companhia sejam envolvidos na batalha—porém mais ninguém. Deve ficar evidente, portanto, que até mesmo se o pior vier a ocorrer, e o mundo libertário de fato se tornasse um mundo de “anarquia”, ele ainda assim seria um mundo muito melhor que o atual, em que estamos à mercê de nações-estados “anárquicos” e descontrolados, cada qual dotado de um monopólio assustador de armas de destruição em massa. Não podemos nunca nos esquecer de que estamos todos vivendo, e sempre vivemos, num mundo de “anarquia internacional”, num mundo de nações-estados coercitivas que não prestam contas a qualquer governo mundial, e que não há qualquer perspectiva de que esta situação venha a mudar.

Um mundo libertário, portanto, ainda que anárquico, não sofreria com as guerras brutais, as devastações em massa, as bombas atômicas que nosso mundo repleto de estados vem sofrendo há séculos. Mesmo que as policiais locais entrassem em conflitos permanentes, não haveria mais Dresdens, mais Hiroshimas.

Mas há muito mais a ser dito. Nunca devemos admitir que esta “anarquia” local teria possibilidade de ocorrer. Devemos separar a questão dos conflitos entre as forças policiais em partes distintas e diferentes: discordâncias honestas, e a tentativa de uma ou mais forças policiais se tornarem “foras da lei” e extorquirem fundos ou imporem seu domínio através da coerção. Assumamos, por um momento, que as forças policiais seriam honestas, e que seriam motivadas apenas por disputas honestas de opinião; deixemos de lado por um tempo o problema da polícia fora da lei. Seguramente, um dos aspectos mais importantes do serviço de proteção que a polícia pode oferecer a seus respectivos clientes é a proteção discreta. Cada consumidor, cada um que comprar esta proteção policial, desejará acima de tudo que esta proteção seja eficiente e discreta, sem conflitos ou distúrbios. Todas as agências policiais teriam plena consciência deste fato vital. Presumir que cada polícia iria entrar continuamente em conflitos e batalhas contra a outra é absurdo, pois ignora o impacto devastador que esta “anarquia” caótica teria sobre a atividade econômica de todas as companhias policiais. Falando francamente, estas guerras e conflitos seriam péssimos—péssimos demais—para os negócios. Logo, no mercado livre, as agências policiais fariam o possível para que não houvesse conflitos entre elas, e que todas as disputas de opiniões fossem resolvidas em tribunais privados, decididas por juízes ou mediadores privados.

Para ser mais específico: em primeiro lugar, como dissemos, os conflitos seriam mínimos, porque o proprietário da rua teria seus guardas, o dono da loja os seus, o proprietário de terras os seus, e o proprietário da casa teria sua própria empresa policial. Realisticamente, no mundo cotidiano haveria pouco espaço para conflitos diretos entre as agências policiais. Mas suponhamos, como por vezes ocorre, que dois vizinhos deem início a uma briga, e cada um acuse o outro de ter começado a agressão ou a violência, e cada um chame sua própria companhia policial, caso ambos utilizem os serviços de empresas diferentes. O que aconteceria então? Mais uma vez, seria infrutífero e autodestrutivo, tanto econômica quanto fisicamente para as duas empresas policiais começar a resolver a questão na base de um tiroteio. No lugar disso, cada uma das companhias policiais, visando permanecer em funcionamento, apresentaria como uma parte vital de seus serviços a utilização de mediadores ou tribunais privados para decidir quem está errado.

OS TRIBUNAIS

Suponhamos, então, que o juiz ou mediador decida que Smith estava errado na disputa, e que ele foi o responsável pela agressão contra Jones. Se Smith aceitar o veredito, então, quaisquer que sejam os danos ou punições impostas a ele, não haverá problema para a teoria libertária. Mas e se ele não o aceitar? Ou, suponhamos outro exemplo: Jones é assaltado. Ele solicita à sua companhia policial que faça o trabalho de investigação para tentar identificar o criminoso. A companhia conclui que um certo Brown é o criminoso. Então o que acontece? Se Brown reconhecer sua culpa, novamente não haverá qualquer problema e terá sequência a punição judicial, centrada em fazer com que o criminoso faça uma restituição à sua vítima. Porém, mais uma vez, o que acontece se Brown negar sua culpa?

Estes casos saem do campo da proteção policial e passam para outra área vital da proteção: o serviço judicial, isto é, a provisão, de acordo com os procedimentos aceitos em comum acordo, de um método de julgamento no qual se possa melhor determinar quem cometeu o crime, ou quem rompeu determinado contrato, ou cometeu qualquer tipo de crime ou disputa. Muitas pessoas, até mesmo aquelas que reconhecem que o mercado livre não é capaz de fornecer um serviço privado competitivo de polícia, rejeitam a ideia de tribunais totalmente privados. Como diabos poderiam os tribunais ser privados? Como os tribunais poderiam empregar a força num mundo sem governos? Não surgiriam então eternos conflitos e “anarquia”?

Em primeiro lugar, os tribunais monopolistas do governo estão sujeitos aos mesmos problemas e ineficiências graves, e ao mesmo desprezo pelo consumidor, que qualquer outra operação governamental. Todos nós sabemos que os juízes, por exemplo, não são escolhidos de acordo com sua sabedoria, probidade ou eficiência no serviço prestado ao consumidor; são raposas políticas escolhidas através do processo político. Além disso, os tribunais são monopólios; se, por exemplo, os tribunais de determinada cidade se tornarem corruptos, venais, opressivos ou ineficientes, o cidadão não tem atualmente qualquer recurso à sua disposição. O cidadão injuriado de Deep Falls, Wyoming, deve ser governado pelo tribunal local de Wyoming, sem ter qualquer outra opção. Numa sociedade libertária existiriam diversos tribunais, diversos juízes para os quais ele poderia recorrer. Novamente, não há motivo para se esperar um “monopólio natural” da sabedoria judicial. O cidadão de Deep Falls poderia, por exemplo, apelar para o ramo local da Companhia Judicial Prudential.

Como seriam financiados os tribunais numa sociedade livre? Existem muitas possibilidades. Talvez cada indivíduo contribuísse para um serviço de tribunais, pagando uma quantia mensal, e então apelando àquele tribunal caso ele tenha necessidade. Ou, uma vez que os tribunais provavelmente serão utilizados com muito menos frequência que os policiais, ele poderia pagar uma taxa sempre que optar em utilizar o tribunal, e aquele indivíduo que for condenado por um crime ou pelo rompimento de um contrato recompensaria futuramente esta vítima ou querelante. Ou, numa terceira possibilidade, os tribunais poderiam ser contratados pelas próprias agências policiais para solucionar disputas, ou poderia até mesmo existir empresas “verticalmente integradas” que forneceriam tanto serviços policiais quanto judiciais: a Companhia Judicial Prudential poderia ter uma divisão policial e outra judicial. Apenas o mercado será capaz de decidir qual destes métodos será mais apropriado.

Deveríamos todos estar mais habituados com o uso crescente da arbitragem ou mediação privada, até mesmo em nossa sociedade atual. Os tribunais do governo se tornaram tão sobrecarregados, ineficientes e dispendiosos que cada vez mais as partes envolvidas estão recorrendo a mediadores privados como uma forma mais barata e menos demorada de resolver suas disputas. Nos últimos anos, a mediação privada tem se tornado uma profissão crescente e altamente bem-sucedida. Além do mais, por ser uma ocupação voluntária, as regras da mediação podem ser decididas rapidamente pelas próprias partes envolvidas, sem a necessidade de uma estrutura legal complexa e enfadonha que deve ser aplicada a todos os cidadãos. A mediação, logo, permite que os julgamentos sejam realizados por pessoas que tenham conhecimentos específicos na atividade ou ocupação envolvida no caso. Atualmente, A Associação Americana de Arbitragem (American Arbitration Association), cujo lema é “O Aperto de Mão é Mais Poderoso que o Punho”, tem 25 escritórios regionais espalhados por todo o país, com 23.000 mediadores. Em 1969, a Associação realizou mais de 22.000 mediações. Além disso, as companhias de seguros resolvem mais de 50.000 disputas por ano através da arbitragem voluntária. Também existe um uso cada vez maior e eficaz de mediadores privados no caso de disputas envolvendo acidentes automobilísticos.

Pode-se argumentar que, embora executem uma proporção cada vez maior de funções judiciais, as decisões tomadas pelos mediadores privados ainda são sancionadas pelos tribunais, de modo que uma vez que ambas as partes envolvidas concordem com um mediador, sua decisão possa assumir a forma de lei. Isto é verdade, porém não era este o caso antes de 1920, e a profissão de mediador cresceu tão rapidamente de 1900 a 1920 do que desde então. Na realidade, o movimento moderno de arbitragem começou a assumir força total na Inglaterra durante o período da Guerra Civil Americana, quando os mercadores começaram a usar cada vez mais os “tribunais privados” oferecidos por mediadores voluntários, mesmo que suas decisões não tivessem valor legal. Por volta de 1900 a arbitragem voluntária começou a se firmar nos Estados Unidos. Na realidade, já na Inglaterra medieval, toda a estrutura da lei mercantil, administrada de maneira desastrada e ineficiente pelos tribunais do governo, foi desenvolvida nos tribunais privados dos mercadores. Os tribunais mercantis eram operados exclusivamente por mediadores voluntários, e suas decisões não tinham valor legal. Como, então, elas obtiveram êxito?

A resposta é que os mercadores, na Idade Média e até 1920, baseavam-se unicamente no ostracismo e nos boicotes a outros mercadores da região. Em outras palavras, se um mercador se recusasse a acatar a decisão de uma arbitragem ou ignorasse esta decisão, os outros mercadores publicavam este fato no mercado local, e recusavam-se a continuar negociando com este mercador recalcitrante, o que fazia com que ele acatasse rapidamente a tal decisão. Woolridge menciona um exemplo medieval:

Os mercadores faziam seus tribunais funcionarem simplesmente concordando em respeitar suas decisões. O mercador que quebrasse este acordo não seria enviado à prisão, seguramente, porém não mais continuaria a ser um mercador, pois as complicações impostas por seus colegas de trabalho, e o poder que eles exerciam sobre suas mercadorias, acabavam por ter um poder mais efetivo do que a coerção física. Vejamos por exemplo o caso de John de Homing, que ganhava a vida vendendo peixes por atacado. Quando John vendeu um lote de arenques alegando que aquela quantia correspondia a três barris, mas cujo conteúdo, segundo seus colegas descobriram, estava na realidade misturado com “esgana-gatas e arenques podres”, ele foi punido por seu ato através do ostracismo econômico.[3]

Nos tempos modernos, o ostracismo se tornou ainda mais eficaz, e passou a trazer consigo o agravante de que qualquer um que ignorasse a decisão de um mediador jamais poderia contratar para si os serviços de outros mediadores. O industrialista Owen D. Young, diretor da General Electric, concluiu que a censura moral de outros empresários era uma sanção muito mais eficaz do que a aplicação da lei. Hoje em dia, a tecnologia moderna, na forma de computadores e classificação de crédito, tornaram este ostracismo em escala nacional ainda mais eficaz do que ele já foi no passado.

No entanto, ainda que a mediação puramente voluntária possa ser suficiente para disputas comerciais, o que dizer de atividades acintosamente criminosas: o ladrão, o estuprador, o assaltante de bancos? Nestes casos, somos obrigados a admitir que o ostracismo provavelmente não seria suficiente—ainda que ele possa fazer com que os proprietários privados das ruas deixem de permitir a circulação destes criminosos em suas áreas. Para os casos criminais, portanto, os tribunais e uma aplicação da lei torna-se necessária.

Como, então, operariam os tribunais na sociedade libertária? Em especial, como eles poderiam pôr em prática suas decisões? Além do mais, em todas as suas operações, eles deveriam observar a regra crítica libertária de que nenhuma força física pode ser utilizada contra qualquer indivíduo que não tenha sido condenado por um crime—do contrário, aqueles que utilizarem esta força, sejam eles membros da polícia ou dos tribunais, estarão eles próprios correndo o risco de serem condenados como agressores se este indivíduo contra o qual utilizaram de força física for provado inocente do crime pelo qual foi acusado. Ao contrário dos sistemas estatistas, nenhum policial ou juiz tem imunidade especial para utilizar a coerção além do que é lícito a qualquer outro membro da sociedade.

Peguemos então o caso que mencionamos anteriormente. O senhor Jones foi assaltado, e a agência de detetives contratada por ele concluiu que um tal Brown cometeu o crime, e Brown se recusa a admitir sua culpa. O que fazer, então? Em primeiro lugar, devemos reconhecer que não existe atualmente qualquer governo ou tribunal mundial  responsável por aplicar seus decretos; no entanto, embora vivamos neste estado de “anarquia internacional”, praticamente não existem problemas envolvendo disputas entre cidadãos privados de dois países. Suponhamos que agora mesmo, por exemplo, um cidadão do Uruguai afirme ter sido enganado por um cidadão da Argentina. Para qual tribunal ele deve se dirigir? Ele vai para o seu próprio, isto é, o tribunal da vítima ou do querelante. O caso tem sua sequência no tribunal uruguaio, e a decisão é honrada pelo tribunal argentino. O mesmo acontece se um americano achar que foi enganado por um canadense, e assim por diante. Na Europa, após o Império Romano, quando as tribos germânicas viviam lado a lado e ocupavam as mesmas regiões, se um visigodo acreditasse que havia sido prejudicado por um franco, ele levava o caso ao seu próprio tribunal, e a decisão era geralmente aceita pelos francos. Dirigir-se ao tribunal do querelante também é o procedimento libertário racional, uma vez que a vítima ou querelante é quem foi prejudicada, e é ela que, naturalmente, leva o caso ao seu respectivo tribunal. Portanto, em nosso caso, Jones levaria o caso à Companhia de Tribunais Prudential para acusar Brown de roubo.

É possível, claro, que Brown também seja um cliente da Prudential; neste caso, não haverá qualquer problema. A decisão da empresa abrangerá ambas as partes, e terá efeito legal. Porém uma estipulação importante é a de que nenhuma intimação coercitiva poderá ser usada contra Brown, uma vez que ele deve ser considerado inocente até ser condenado. Brown, no entanto, receberá uma intimação voluntária, um aviso de que ele está sendo julgado por determinada acusação, convidando-o ou o seu representante legal a aparecer no tribunal na data estipulada. Se ele não aparecer, será julgado in absentia, o que obviamente lhe será prejudicial, uma vez que sua versão do caso não será exposta no tribunal. Se Brown for declarado culpado, então o tribunal e seus oficiais de justiça deverão utilizar a força física para prender Brown e impor a ele qualquer punição que tenha sido decidida—uma punição que, obviamente, tem que ter como foco principal a restituição à vítima.

E se, no entanto, Brown não reconhecer a autoridade da Prudential? E se ele for um cliente da Companhia de Tribunais Metropolitan? Aqui o caso se torna mais difícil. O que acontecerá então? Primeiro, a vítima, Jones, leva seu caso até o tribunal da Prudential. Se Brown for considerado inocente, isto põe um fim à controvérsia. Suponhamos, entretanto, que o réu Brown seja considerado culpado. Se ele não fizer nada, o julgamento do tribunal é imposto sobre ele. Suponhamos, no entanto, que Brown leve então o caso à Companhia de Tribunais Metropolitan, alegando ineficiência ou venalidade por parte da Prudential. O caso então será ouvido pela Metropolitan. Se a Metropolitan também considerar Brown culpado, isto também porá um fim à controvérsia e a Prudential poderá impor prontamente sua punição sobre Brown. Se, no entanto, a Metropolitan considerar Brown inocente da acusação, o que acontecerá? Os representantes dos dois tribunais, juntamente com seus oficiais de justiça armados, trocarão tiros nas ruas?

Mais uma vez, isto claramente seria um comportamento irracional e autodestrutivo por parte dos tribunais. Uma parte essencial do serviço judicial que eles prestam a seus clientes é a provisão de decisões justas, objetivas e pacíficas—a melhor e mais objetiva maneira de se chegar à verdade de quem realmente cometeu o crime. Chegar a uma decisão e então permitir uma troca de tiros caótica dificilmente poderia ser considerado um serviço judicial valioso pelos contratantes destas empresas. Logo, uma parte essencial de qualquer serviço de tribunal a seus clientes seria um procedimento de apelação. Em suma, cada tribunal concordaria em realizar um julgamento de apelação, tal como seria decidido por um mediador voluntário a quem tanto a Metropolitan quanto a Prudential recorreriam. Este juiz de apelação tomaria então sua decisão, e o resultado deste terceiro julgamento seria considerado definitivo para o condenado. O tribunal da Prudential então passaria à fase de aplicação da lei.

Um tribunal de apelação! Mas isto não significaria estabelecer novamente um governo monopolista compulsório? Não, porque não há nada no sistema que exija que uma determinada pessoa ou tribunal funcione como o tribunal de apelação. Resumindo, nos Estados Unidos, atualmente, a Suprema Corte é considerada como sendo o tribunal de apelação final, portanto os juízes da Suprema Corte tornam-se os árbitros finais, independente dos desejos tanto do querelante como do réu. Por outro lado, na sociedade libertária, os diversos tribunais privados concorrentes poderiam recorrer a qualquer juiz de apelação que considerarem justo, especialista no assunto e objetivo. Nenhum juiz ou grupo de juízes de apelação seria impingido à sociedade através da coerção.

Como seriam financiados estes juízes de apelação? Existem diversas maneiras possíveis, porém a mais provável é a de que eles seriam pagos pelos diversos tribunais originais do caso, que cobrariam de seus clientes os serviços de apelação na forma de mensalidades ou taxas.

Suponhamos, porém, que Brown insista em ainda outro juiz de apelação, e mais outro? Não poderia ele assim escapar do julgamento, apelando ad infinitum? Obviamente, em qualquer sociedade os procedimentos legais não podem continuar indefinidamente; deve haver algum ponto de corte, e como só existem duas partes envolvidas em qualquer crime ou disputa—o querelante e o réu—parece extremamente sensato para qualquer código legal declarar que uma decisão obtida por dois tribunais quaisquer deverá ser vinculante. Isto servirá para abranger a situação em que tanto o tribunal do querelante e o do réu cheguem à mesma decisão, bem como outra situação em que um tribunal de apelação decida a respeito de uma discórdia entre os dois tribunais originais.

 

A LEI E OS TRIBUNAIS

Agora parece claro que deverá existir um código legal na sociedade libertária. Como? Como poderá haver um código legal, um sistema de leis sem um governo que o promulgue, um sistema de juízes indicados, ou uma legislatura que vote os seus estatutos? Para começar, seria um código legal algo consistente com os princípios libertários?

Para responder primeiro a esta última questão, é preciso deixar claro que um código legal é necessário para estabelecer diretrizes precisas para os tribunais privados. Se, por exemplo, o Tribunal A decidir que todos os ruivos são inerentemente maus e devem ser punidos, é claro que uma decisão como esta representa o exato oposto do conceito libertário, e tal lei constituiria uma invasão dos direitos dos ruivos. Logo, qualquer decisão semelhante seria ilegal nos termos do princípio libertário, e não poderia ser aprovada ou defendida pelo resto da sociedade. Torna-se então necessário ter um código legal que seja aceito em termos gerais, e que os tribunais se comprometeriam a respeitar. O código legal simplesmente insistiria no princípio libertário de que nenhuma agressão deve ser cometida contra pessoa ou propriedade, definiria os direitos de propriedade de acordo com o princípio libertário, estabeleceria as regras de evidência (tais como são aplicadas atualmente) para se decidir quem é o culpado em qualquer disputa, e determinaria as punições máximas para cada crime específico. Dentro da estrutura deste código, cada tribunal teria a liberdade de competir para ter os procedimentos mais eficientes, e o mercado então decidiria se os juízes, júris etc., são os métodos mais eficientes de se fornecer os serviços judiciais.

Seriam possíveis códigos legais tão estáveis e consistentes, com apenas juízes concorrendo entre si para desenvolvê-los e aplicá-los, e sem qualquer governo ou legislatura? Não apenas eles são possíveis, mas ao longo dos anos as melhores e mais bem-sucedidas partes de nosso sistema legal foram desenvolvidas exatamente desta maneira. As legislaturas, assim como os reis, vêm agindo de maneira volúvel, invasiva e inconsistente. Elas introduziram apenas anomalias e despotismo no sistema legal. Na realidade, o governo não está mais qualificado para desenvolver e aplicar leis do que ele está para fornecer qualquer outro serviço; e, assim como a religião foi separada do estado, e a economia pode ser separada do estado, também o podem ser quaisquer outras funções do estado, incluindo a polícia, os tribunais e a própria lei!

Como foi indicado anteriormente, por exemplo, todo o sistema de leis mercantil não foi desenvolvido pelo estado ou em tribunais do estado, mas em tribunais privados dos mercadores. Foi apenas muito mais tarde que o governo se apropriou do direito mercantil, depois que ele havia sido desenvolvido nos tribunais mercantis. O mesmo ocorreu com a lei do almirantado (direito marítimo), que abrange toda a estrutura das leis que envolviam o mar, navegações, salvamentos etc. Aqui, novamente, o estado não estava interessado, e sua jurisdição não se aplicava ao alto mar; logo, os próprios marinheiros assumiram a tarefa de não só aplicar, como estabelecer toda a estrutura do direito marítimo em seus próprios tribunais privados. Novamente, foi apenas mais tarde que o governo se apropriou do direito marítimo para utilizá-lo em seus próprios tribunais.

Finalmente, o principal corpo de leis do direito anglo-saxão, o justamente celebrado direito comum (common law), foi desenvolvido ao longo dos séculos através de juízes que competiam entre si, aplicando princípios consagrados pelo tempo e não os decretos inconstantes do estado. Estes princípios não foram decididos de maneira arbitrária por algum rei ou legislatura; eles foram crescendo ao longo dos séculos através da aplicação de princípios racionais—e, muitas vezes, libertários—aos casos que os precederam. A ideia de se seguir um precedente foi desenvolvida, portanto, não como uma forma de se prestar um serviço cego ao passado, mas porque todos os juízes do passado haviam tomado suas decisões aplicando os princípios aceitos de maneira geral do direito comum a cada caso e problema específico. Pois era algo universalmente aceito que o juiz não fazia a lei (como frequentemente ele o faz nos dias de hoje); a tarefa do juiz, sua perícia, estava em descobrir a lei nos princípios aceitos do direito comum, e então aplicar aquela lei a casos específicos ou a novas condições tecnológicas ou institucionais. A glória do desenvolvimento do direito comum ao longo dos séculos é testemunha do sucesso destes juízes.

Os juízes do direito comum, além do mais, funcionavam muito mais como mediadores privados, como especialistas nas leis a quem as partes privadas envolvidas se dirigiam com suas disputas. Não havia uma “suprema corte” imposta de maneira arbitrária, cuja decisão seria definitiva, nem tampouco uma decisão precedente era considerada como automaticamente vinculante, embora fosse honrada. Assim, o jurista italiano libertário Bruno Leoni escreveu:

os tribunais judiciais não podiam aprovar facilmente regras arbitrárias na Inglaterra, pois jamais estavam em posição de fazê-lo diretamente, isto é, à maneira usual, repentina, ampla e imperiosa dos legisladores. Além do mais, havia tantos tribunais de justiça na Inglaterra, e tinham tanta inveja um do outro, que mesmo o princípio famoso do precedente de compromisso não era abertamente reconhecido por eles, até relativamente pouco tempo. Além disso, jamais podiam decidir algo que não tivesse sido previamente trazido a eles por pessoas privadas. Finalmente, poucas pessoas costumavam ir aos tribunais para lhes pedir regras que decidissem seus casos.[4]

E, a respeito da ausência de “tribunais superiores”:

não se pode negar que as leis dos advogados ou a lei do judiciário possam tender a adquirir as características–inclusive as indesejáveis–da legislação, sempre que juristas ou juízes forem designados a decidir sobre um caso. (…) No presente, o mecanismo do Judiciário, em certos países com “tribunais supremos” estabelecidos, resulta na imposição das visões pessoais dos membros desses tribunais–ou de uma maioria deles–sobre todas as outras pessoas envolvidas, sempre que há uma grande discordância entre a opinião dos primeiros e as convicções das últimas. Mas (…) essa possibilidade, longe de estar necessariamente implícita na natureza das leis dos advogados ou da lei judiciária, é mais um desvio desta.[5]

Além destas aberrações, a imposição das visões pessoais dos juízes eram mantidas a um nível mínimo: (a) através do fato de que os juízes só podiam tomar decisões quando os cidadãos privados levavam os casos a eles; (b) a decisão de cada juiz se aplicava apenas ao caso específico; e (c) porque as  decisões dos juízes e advogados do direito comum sempre consideravam os precedentes dos séculos anteriores. Além do mais, como Leoni aponta, ao contrário das legislaturas ou do executivo, onde maiorias dominantes ou grupos de pressão passam por cima das minorias, os juízes, em virtude da própria posição que ocupam, são obrigados a ouvir e pesar os argumentos das duas partes envolvidas em cada disputa. “As partes são iguais para o juiz, no sentido de que são livres para produzir argumentos e evidências. Não constituem um grupo no qual minorias dissidentes dão lugar a maiorias triunfantes.” E Leoni aponta a analogia entre este processo e a economia de livre mercado: “É claro que os argumentos podem ser mais fortes ou mais fracos, da mesma forma que podem ser mais fortes ou mais fracos, no mercado, os compradores e os vendedores; mas o fato de que todas as partes podem produzi-los é comparável ao fato de que todo mundo pode competir individualmente com todo mundo, no mercado, a fim de comprar ou vender.”[6]

O professor Leoni descobriu que, na área do direito privado, os juízes da Roma Antiga operavam da mesma maneira que os tribunais do direito comum inglês:

O jurista romano era uma espécie de cientista: os objetos de sua pesquisa eram as soluções para os casos que os cidadãos submetiam a ele para estudo, da mesma forma como os industriais hoje, submetem a um físico ou a um engenheiro um problema técnico relativo a suas fábricas ou a sua produção. Consequentemente, o direito privado romano era algo a ser descrito ou descoberto, não algo a ser promulgado—um mundo de coisas que estava ali, como parte da herança comum a todos os cidadãos romanos. Ninguém promulgara aquela lei; ninguém podia mudá-la por um exercício qualquer de sua vontade pessoal. (…) Esse é o conceito de longo prazo ou, se preferirmos, o conceito romano da efetividade da lei.[7]

Finalmente, o professor Leoni foi capaz de utilizar seu conhecimento a respeito das operações do direito antigo e do direito comum para responder à questão vital: numa sociedade libertária, “quem irá indicar os juízes (…) permitindo-lhes desempenhar a função de definição da lei?” Sua resposta é: as próprias pessoas, as pessoas que se dirigirão aos juízes com a maior reputação de conhecimento e sabedoria na aplicação dos princípios básicos legais comuns da sociedade:

Na verdade, é secundário estabelecer de antemão quem irá indicar os juízes, pois em certo sentido, todos poderiam fazê-lo, como acontece em certa medida quando as pessoas recorrem a árbitros privados para ajustarem suas próprias querelas. (…) Pois a indicação dos juízes não é um problema assim tão especial como seria, por exemplo, o de “indicar” físicos ou médicos, ou outro tipo de pessoas formadas e experientes. A emergência de bons profissionais em qualquer sociedade é apenas aparentemente devida a indicações oficiais. É com efeito baseada em um consenso difundido por parte dos clientes, colegas e do público em geral—um consenso sem o qual nenhuma indicação é realmente efetiva. É claro que as pessoas podem se enganar quanto ao verdadeiro valor, mas essas dificuldades são inevitáveis em qualquer tipo de escolha.[8]

É claro que na futura sociedade libertária o código legal básico não se basearia apenas no costume cego, boa parte do qual poderia muito bem ser antilibertário. O código teria que ser estabelecido com base no princípio libertário reconhecido, da não agressão contra a pessoa e a propriedade de outrem; em suma, com base na razão, e não na mera tradição, por mais racionais que sejam seus traços gerais. Como temos um corpo de princípios do direito comum para nos basear, no entanto, a tarefa de utilizar a razão para corrigir e ajustar o direito comum seria muito mais fácil do que tentar construir do nada um novo corpo de princípios legais sistemáticos.

O exemplo histórico mais notável de uma sociedade que adotou leis e tribunais libertários, no entanto, foi negligenciado pelos historiadores até muito recentemente. E esta também era uma sociedade na qual não só os tribunais e as leis eram amplamente libertários, mas também funcionavam dentro de uma sociedade puramente libertária e desprovida de estado. Esta sociedade era a antiga Irlanda—uma Irlanda que continuou neste caminho libertário por cerca de mil anos até sua conquista brutal pelos ingleses no século XVII. E, ao contrário de muitas tribos primitivas que funcionavam de maneira semelhante (como os ibos da África Ocidental, e muitas tribos europeias), a Irlanda pré-conquista não era uma sociedade “primitiva” em qualquer sentido da palavra: era uma sociedade altamente complexa que foi, por séculos, a mais avançada, a mais erudita, e mais civilizada de toda a Europa Ocidental.

Por mil anos, portanto, a antiga Irlanda céltica não tinha um estado ou qualquer coisa que se assemelhasse a isso. Como escreveu a principal autoridade sobre o antigo direito irlandês: “Não havia legislatura, não havia oficiais de justiça, não havia polícia, não havia uma aplicação pública da justiça. (…) Não havia qualquer traço de uma justiça administrada pelo estado.”[9]

Como, então, se assegurava a justiça? A unidade política básica da Irlanda antiga era o tuath. Todos os “homens livres” que eram proprietários de terra, todos os profissionais, e todos os artesãos, tinham direito a se tornarem membros de um tuath. Cada membro de um tuath compunha uma assembleia anual que decidia todas as políticas públicas, declarava guerra ou fazia a paz com os outros tuatha, e elegia ou depunha seus “reis”. Um ponto importante é que, ao contrário de outras tribos primitivas, ninguém estava limitado ou obrigado a pertencer a um determinado tuath, seja devido a questões de parentesco ou localização geográfica. Cada um dos membros estava livre, e frequentemente o fazia, para abandonar um tuath e se juntar a um tuath concorrente. Muitas vezes, dois ou mais tuatha decidiam se fundir numa unidade única, mais eficiente. Como declarou o professor Peden, “o tuath é, portanto, um grupo de pessoas unidas voluntariamente para propósitos socialmente benéficos, e a soma total das propriedades territoriais de seus membros constituía sua dimensão territorial.”[10] Resumindo, eles não tinham o estado moderno, com sua pretensão de soberania sobre uma determinada (e geralmente em expansão) área territorial, dissociada dos direitos de propriedade territorial de seus súditos; pelo contrário, os tuatha eram associações voluntárias formadas apenas pelas propriedades territoriais de seus membros voluntários. Historicamente, cerca de 80 a 100 tuatha chegaram a coexistir em toda a Irlanda.

Mas e o que dizer deste “rei” eleito? Seria ele uma forma constituída de governante do estado? O rei funcionava principalmente como uma espécie de sumo sacerdote religioso, presidindo os rituais de culto dotuath, que, além de sua função social e política, funcionavam como uma organização religiosa voluntária. Como entre estes sacerdotes pagãos, pré-cristãos, a função de rei era hereditária, esta prática foi mantida durante o período cristão. O rei era eleito pelo tuath a partir de um grupo familiar real (o derbfine), que era encarregado desta função sacerdotal hereditária. Politicamente, no entanto, o rei tinha funções estritamente limitadas: ele era o líder militar do tuath, e conduzia as assembleias do tuath. Porém ele somente podia realizar negociações de paz ou guerra como um agente das assembleias; e ele não era, em nenhum sentido da palavra, um soberano, tampouco tinha qualquer direito de administrar a justiça sobre os membros do tuath. Ele não podia legislar, e quando ele próprio era parte envolvida numa questão legal, ele era obrigado a submeter seu caso a um mediador judicial independente.

Mais uma vez: como, então, eram desenvolvidas as leis e mantinha-se a justiça? Em primeiro lugar, a própria lei era baseada num corpo de costumes antigos e imemoriais, passados na forma oral e, posteriormente, escrita, por uma classe de juristas profissionais conhecidos como brehons. Os brehons não eram de maneira alguma funcionários públicos ou governamentais; eram simplesmente escolhidos pelas partes envolvidas em disputas com base em sua reputação por sabedoria, conhecimento das leis consuetudinárias e pela integridade de suas decisões. Como afirma o professor Peden:

os juristas profissionais eram consultados pelas partes envolvidas em disputas para oferecer conselhos acerca de que lei seria aplicável em cada caso específico, e estes mesmos homens muitas vezes atuavam como mediadores entre estas partes. Eles continuavam sendo durante todo o tempo pessoas privadas, e não funcionários públicos; suas funções dependiam de seu conhecimento das leis e da integridade de suas reputações judiciais.[11]

Além do mais, os brehons não tinham qualquer ligação com um tuatha específico ou com seus reis. Eram completamente privados, seu escopo era nacional, e eram utilizados para resolver disputas em toda a Irlanda. Ademais, e este é um ponto crucial, ao contrário do sistema de advogados privados da Roma Antiga, o brehon era tudo o que havia disponível; não existiam outros juízes, nem juízes “públicos” de qualquer tipo, na Irlanda antiga.

Eram os brehons que dominavam as leis, e que acrescentavam a elas comentários e desenvolviam a partir delas formas de aplicá-las às condições variáveis. Além disso, não havia um monopólio de juristas brehon, em qualquer sentido do termo; em vez disso, existiam diversas escolas de jurisprudência, que competiam entre si pelos costumes do povo irlandês.

Como eram aplicadas as decisões dos brehons? Através de um sistema elaborado e desenvolvido voluntariamente de “seguros”, ou garantias. Os homens eram unidos através de uma série de relações de garantia, pela qual se asseguravam de que prejuízos e danos seriam compensados, que a justiça seria aplicada e as decisões dos brehons seriam respeitadas. Em resumo, os próprios brehons não se envolviam na fase de aplicação das decisões, que cabiam aos indivíduos privados unidos por essas garantias. Existiam diversos tipos de garantia. Por exemplo, numa delas o indivíduo colocava como garantia a sua própria propriedade como pagamento de uma dívida, e então se juntava ao querelante na cobrança desta dívida caso aquele que a assumiu se recusasse a pagar. Neste caso, o indivíduo endividado deveria pagar duas vezes: uma para o seu credor original, e outra como compensação para a terra que havia sido colocada como garantia. E este sistema era aplicado a todo tipo de ofensas, agressões e ataques, bem como contratos comerciais; em suma, era aplicado a todos os casos daquilo que chamamos hoje em dia de direito “civil” e “criminal”. Todos os criminosos eram considerados “devedores”, que deviam restituição e compensação às suas vítimas, que passavam a se tornar seus “credores”. A vítima reuniria consigo todos com quem tinha um vínculo de garantia e aprisionava o criminoso, ou proclamava publicamente seu caso e exigia que o réu se submetesse ao julgamento de sua disputa com os brehons. O criminoso poderia então enviar aqueles indivíduos com quem ele tinha um vínculo de garantia para negociar um acordo, ou concordar em submeter a disputa aos brehons. Se ele não o fizesse, era considerado um “fora da lei” por toda a comunidade; não mais podia apresentar qualquer queixa aos tribunais, e passava a ser objeto de opróbrio por parte de toda a comunidade.[12]

Ocorreram “guerras” ocasionais, claro, durante os mil anos da Irlanda céltica, porém elas não passaram de rixas menores, desprezíveis quando comparadas às guerras devastadoras que assolavam o resto da Europa. Como apontou o professor Peden,

sem o aparato coercitivo do estado, que pode, através da taxação e da conscrição, mobilizar uma grande quantidade de armas e soldados, os irlandeses não tinham a capacidade de sustentar uma força militar de grande escala no campo de batalha durante um grande período de tempo. As guerras irlandesas (…) eram rixas lamentáveis e saques de gado pelos padrões europeus.[13]

Desta forma, indicamos que é perfeitamente possível, tanto na teoria quanto historicamente, ter uma polícia eficiente e tribunais, juízes competentes e instruídos, e um corpo de leis sistemáticas e socialmente aceitáveis—sem que nenhuma destas coisas seja fornecida por um governo coercitivo. O governo—ao alegar para si um monopólio de proteção sobre uma determinada área geográfica, e extrair seus recursos à força—pode ser separado de todo o campo da proteção. O governo não é mais necessário para prover um serviço de proteção vital do que ele é necessário para fornecer qualquer outra coisa. E não enfatizamos um fato crucial a respeito do governo: o de que seu monopólio compulsório sobre as armas de coerção fez com que ele, ao longo dos séculos, cometesse uma quantidade infinitamente maior de atos sanguinários e impusesse uma tirania e uma opressão infinitamente maiores do que qualquer agência privada e descentralizada poderia possivelmente fazer. Se olharmos para o livro negro dos assassinatos em massa, exploração e tirania imposta à sociedade pelos governos ao longo dos séculos, não precisamos relutar em abandonar o estado Leviatã e… dar uma chance à liberdade.

 

PROTETORES CRIMINOSOS

Deixamos por último este problema: e se a polícia, os juízes ou os tribunais forem venais e parciais—e se suas decisões forem tendenciosas, por exemplo, favorecendo clientes especialmente ricos? Mostramos como um sistema legal e judicial libertário pode funcionar no mercado puramente livre, presumindo diferenças sinceras de opinião—mas e se uma ou mais destas polícias ou tribunais se tornarem, na prática, criminosos? O que fazer?

Em primeiro lugar, os libertários não se esquivam desta questão. Ao contrário de outros utopistas, como os marxistas ou os anarquistas de esquerda (anarcocomunistas ou anarcossindicalistas), os libertários não imaginam que a chegada da sociedade puramente livre de seus sonhos também trará consigo um novo e magicamente transformado Homem Libertário. Não imaginamos que o leão passará a se deitar com a ovelha, ou que ninguém terá intenções criminosas ou fraudulentas para com seu vizinho. Quanto “melhores” forem as pessoas, é claro, melhor será o funcionamento de qualquer sistema social, em especial pela menor quantidade de trabalho que qualquer polícia ou tribunal terá de fazer. Porém nenhuma presunção deste gênero é feita pelos libertários. O que afirmamos é que, dado um determinado grau de “bondade” ou “maldade” entre os homens, a sociedade puramente libertária será ao mesmo tempo a mais moral, a mais eficiente, a menos criminosa e a que garantirá mais segurança à pessoa e à propriedade.

Consideremos primeiro o problema do juiz ou do tribunal corrupto ou parcial. O que dizer do tribunal que favorece seu próprio cliente rico quando este estiver em problemas? Em primeiro lugar, qualquer favoritismo deste gênero será altamente improvável, levando-se em conta as recompensas e sanções da economia de livre mercado. A própria vida do tribunal, o próprio ganha-pão do juiz, dependerá da reputação de sua integridade, de sua justiça, de sua objetividade, e da maneira com a qual ele busca a verdade em todos os casos. Esta é a sua “marca registrada”. Se qualquer rumor a respeito de sua venalidade for espalhado, ele imediatamente perderá clientes e seus tribunais não mais terão consumidores; pois até mesmo aqueles clientes que têm alguma inclinação criminosa dificilmente patrocinariam um tribunal cujas decisões não são mais levadas a sério pelo resto da sociedade, ou cujos próprios membros podem acabar sendo presos por se envolver em esquemas desonestos e fraudulentos. Se, por exemplo, Joe Zilch for acusado de um crime ou de não cumprir um contrato, e ele for a um “tribunal” comandado por seu cunhado, ninguém, muito menos outros tribunais honestos, levarão a sério a decisão deste “tribunal”. Ele deixará de ser considerado um “tribunal” aos olhos de qualquer um, com a exceção de Joe Zilch e sua família.

Comparemos este mecanismo autocorretivo próprio do sistema com os tribunais do governo dos dias de hoje. Os juízes são indicados ou eleitos por longos mandatos, por vezes vitalícios, e recebem um poder monopolista de tomar decisões em sua determinada área. É quase impossível, exceto em casos graves de corrupção, fazer qualquer coisa contra decisões venais tomadas pelos juízes. Seu poder de tomar e aplicar suas decisões continua, sem qualquer impedimento, ano após ano. Seus salários continuam a ser pagos, fornecidos mediante coerção pelo pagador de impostos indefeso. Na sociedade totalmente livre, no entanto, qualquer suspeita que paire sobre um juiz ou um tribunal fará com que seus clientes os abandonem e suas “decisões” passem a ser ignoradas. Este é um sistema muito mais eficiente de se fazer com que os juízes continuem a ser honestos do que o mecanismo do governo.

Além do mais, a tentação pela corrupção e pela parcialidade seria muito menor por outro motivo: as empresas que operam num mercado livre não ganham seu sustento dos clientes ricos, mas de um mercado massificado de consumidores. A Macy’s obtém sua renda da massa da população, não de alguns poucos consumidores ricos. O mesmo se dá com a Metropolitan Life Insurance, hoje em dia, e o mesmo ocorreria com qualquer sistema de tribunais “Metropolitan” amanhã. Seria de fato uma insanidade para os tribunais arriscar perder a maior parte de seus consumidores para obter os favores de alguns poucos clientes ricos. Porém comparemos com o sistema atual, no qual os juízes, assim como todos os outros políticos, podem ter dívidas de gratidão com contribuintes ricos que financiaram as campanhas de seus partidos políticos.

Existe um mito de que o “Sistema Americano” fornece um conjunto soberbo de “freios e contrapesos” (checks and balances), no qual os poderes executivo, legislativo e judiciário se controlam e se equilibram entre si, de modo que o poder não possa se acumular indevidamente nas mãos de um determinado grupo. Porém o sistema de “freios e contrapesos” americano é, em grande parte, uma fraude; pois cada uma destas instituições é um monopólio coercitivo em sua área, e todos eles fazem parte de um só governo, chefiado por um partido político em um determinado momento.

Além do mais, existem, na melhor das hipóteses, apenas dois partidos, um próximo do outro no que diz respeito a ideologia e os indivíduos que os compõem, muitas vezes agindo em conluio, e as atividades cotidianas reais do governo acabam sendo realizadas por uma burocracia de funcionários públicos que não podem ser removidos de seus cargos pelos eleitores. Comparemos estes míticos freios e contrapesos aosverdadeiros freios e contrapesos proporcionados pela economia de mercado livre! O que faz com que a A&P continue sendo honesta é a concorrência, real e potencial, da Safeway, Pioneer, e de outros tantos negócios do mesmo ramo. O que faz com que eles continuem a operar de maneira honesta é a capacidade dos consumidores de interromper o patrocínio que eles lhes dão. O que manteria honestos os juízes e os tribunais do mercado livre seria a possibilidade real de simplesmente virar a esquina ou atravessar a rua e procurar outro juiz ou tribunal caso paire alguma suspeita sobre um deles. O que lhes manteria honestos seria a possibilidade real dos seus consumidores obrigarem-nos a fechar seus negócios. Estes são osverdadeiros e ativos freios e contrapesos oferecidos pela economia de livre mercado e pela sociedade livre.

A mesma análise se aplica à possibilidade de uma força de polícia privada se tornar criminosa, dela utilizar seus poderes coercitivos para extorquir, montar “esquemas mafiosos de proteção” para obter dinheiro de suas vítimas etc. É claro que isto pode acontecer. Porém, ao contrário da sociedade atual, os freios e contrapesos estariam imediatamente disponíveis; haveria outras forças policiais que poderiam utilizar suas armas para se unir e derrubar os agressores que estão extorquindo sua clientela. Se os membros da Metropolitan Police Force se tornarem bandidos e passarem a recorrer à extorsão, o resto da sociedade terá a opção de recorrer à Prudential, Equitable etc., forças policiais que poderiam então se unir para combater aquelas que se transformaram em criminosos. E isto contrasta claramente com o estado. Se um grupo de criminosos assumir o controle do aparato estatal, com o seu monopólio de armas coercitivas, não há nada nem ninguém atualmente que possa pará-los—com a exceção do processo imensamente difícil de uma revolução. Numa sociedade libertária não haveria a necessidade de uma revolução maciça para interromper a pilhagem cometida por estados-criminosos; bastaria recorrer rapidamente às forças policiais honestas que poriam um fim e dariam cabo da força policial que se tornou criminosa.

E, na realidade, o que é o estado, de qualquer maneira, senão uma forma organizada de bandidagem? O que é o imposto, senão assalto numa escala gigante e descontrolada? O que é a guerra, senão assassinatos em massa cometidos numa escala impossível de ser cometida por forças policiais privadas? O que é o alistamento militar obrigatório, senão a escravidão em massa? Alguém consegue imaginar uma força policial privada conseguindo obter sucesso ao cometer apenas uma pequena fração do que os estados conseguem fazer, e costumeiramente fazem, ano após ano, século após século?

Existe outra consideração vital que tornaria quase impossível para uma força policial criminosa cometer qualquer coisa semelhante à bandidagem que os governos modernos praticam. Um dos fatores cruciais que permitem aos governos praticar os atos monstruosos que cometem com tanta frequência é o senso delegitimidade por parte do público estupefato. O cidadão médio pode não gostar das políticas e das exações do governo—pode até mesmo ter fortes objeções contra elas. Porém ele foi imbuído da ideia—cuidadosamente doutrinada ao longo de séculos de propaganda governamental—de que o governo é seu soberano legítimo, e que seria perverso ou insano se recusar a obedecer a seus ditames. É este senso de legitimidade que os intelectuais do estado nutriram ao longo dos tempos, auxiliados e estimulados por todos os adornos da legitimidade: bandeiras, rituais, cerimônias, prêmios, constituições etc. Uma gangue de bandidos—mesmo se todas as forças policiais se unissem e formassem uma imensa gangue—jamais poderia obter tamanha legitimidade. O público os consideraria apenas bandidos; suas extorsões e tributos jamais seriam considerados “impostos”, legítimos, porém onerosos, a serem pagos automaticamente. O público rapidamente resistiria a estas exigências ilegítimas e os bandidos acabariam por ser derrubados do poder. Quando o público tiver experimentado as alegrias, a prosperidade, a liberdade e a eficiência de uma sociedade libertária, livre do estado, será praticamente impossível que um estado volte a se firmar sobre ela novamente. Uma vez que a liberdade tenha sido apreciada em sua plenitude, não será uma tarefa fácil forçar as pessoas a abrir mão dela.

Porém suponhamos—apenas suponhamos—que, apesar destas dificuldades e obstáculos, apesar deste amor por esta liberdade recém-descoberta, apesar dos freios e contrapesos inerentes ao mercado livre, suponhamos assim mesmo que o estado consiga se restabelecer. O que acontecerá então? Bem, então, tudo o que terá acontecido é que voltaríamos a ter um estado novamente. Não estaríamos pior do que estamos agora, com nosso estado atual. E, nas palavras de um filósofo libertário, “pelo menos o mundo terá tido um feriado glorioso”. A sonora promessa de Karl Marx se aplica muito mais a uma sociedade libertária que ao comunismo: ao tentar a liberdade, ao abolir o estado, não temos nada a perder, e tudo a ganhar.

 

DEFESA NACIONAL

Chegamos agora àquele que costuma ser o argumento final contra a posição libertária. Todo libertário já escutou um ouvinte tolerante, porém crítico, dizer: “tudo bem, eu vejo como este sistema pode ser aplicado com sucesso à polícia e aos tribunais locais. Mas como uma sociedade libertária poderia nos defender dos russos?”

Existem, é claro, diversas suposições duvidosas implícitas nessa questão. Existe a suposição de que os russos de fato pretendem invadir militarmente os Estados Unidos, uma suposição duvidosa, na melhor das hipóteses. Existe a suposição de que tal desejo ainda existiria mesmo depois de os Estados Unidos terem se tornado uma sociedade puramente libertária. Esta noção ignora a lição da história de que as guerras são resultado de conflitos entre nações-estado, cada uma delas armadas até os dentes, cada uma delas terrivelmente receosas de um ataque por parte da outra. Uma versão libertária dos Estados Unidos, no entanto, claramente não representaria uma ameaça a ninguém, não porque não teríamos armas, mas porque não mais estaríamos nos dedicando a cometer agressões a quem quer que seja, ou contra qualquer país. Não sendo mais uma nação-estado, o que por si só é algo ameaçador, há pouca chance de que qualquer país queira nos invadir. Um dos grandes males das nações-estado é o fato de que cada estado é capaz de identificar todos os seus súditos com si mesmo; logo, em qualquer guerra entre estados, os civis inocentes, os súditos de cada país, estão sujeitos à agressão do estado inimigo. Numa sociedade libertária, porém, não haveria esta identificação, e, por consequência, pouca chance de uma guerra devastadora como essa. Suponhamos, por exemplo, que a nossa Metropolitan Police Force, agora criminosa, inicie uma agressão não só contra os americanos, mas também contra os mexicanos. Se o México tivesse um governo, este governo mexicano claramente saberia perfeitamente que os americanos em geral não estão envolvidos com os crimes da Metropolitan, e não tem qualquer relação simbiótica com ela. Se a polícia mexicana iniciasse uma expedição punitiva para combater as tropas da Metropolitan, eles não estariam em guerra contra os americanos em geral—como ocorreria se eles o fizessem atualmente. Na realidade, é bem provável que outras forças americanas se juntassem aos mexicanos para derrubar os agressores. Logo, a ideia de uma guerra entre estados contra um país ou uma área geográfica libertária muito provavelmente desapareceria.

Existe, além do mais, um erro filosófico grave quando se faz este tipo de pergunta a respeito dos russos. Quando contemplamos qualquer tipo de sistema novo, não importa qual ele seja, devemos primeiro decidir se queremos vê-lo implementado. Para decidir se queremos o libertarianismo ou o comunismo, o anarquismo de esquerda, a teocracia, ou qualquer outro sistema, devemos primeiro imaginá-lo como tendo sido já estabelecido, e então considerar se o sistema funcionaria, se poderia continuar existindo, e quão eficiente ele seria. Mostramos, creio, que um sistema libertário, uma vez instituído, poderia funcionar, ser viável, e de uma vez só mais eficiente, próspero, moral e livre do que qualquer outro sistema social. Mas não dissemos nada a respeito de como passar do sistema presente ao ideal; pois estas são duas questões totalmente separadas: a questão de qual é a nossa meta ideal, e a questão estratégica e tática de como se passar do sistema presente para esta meta. A questão russa mistura estes dois níveis de discurso. Ela, por algum motivo, não presume que o libertarianismo tenha sido estabelecido ao redor do mundo, mas apenas nos Estados Unidos e em mais nenhum outro lugar. Mas por que presumir isto? Por que não presumir que ele tenha sido primeiro estabelecido em todos os lugares para que então vejamos se gostamos dele? Afinal, a filosofia libertária é uma filosofia eterna, que não está atada a um tempo ou lugar específicos. Advogamos a liberdade para todos, em todos os lugares, não apenas nos Estados Unidos. Se alguém concordar que uma sociedade libertária, uma vez estabelecida, seja a melhor que ele pode conceber, que ela seria praticável, eficiente e moral, então que ele se torne um libertário, que ele se junte a nós e aceite a liberdade como meta ideal, e então junte-se a nós na tarefa distinta—e, obviamente, difícil—de tentar decidir como colocar em prática este ideal.

Se passarmos para a estratégia, é óbvio que quanto maior a área na qual a liberdade foi estabelecida pela primeira vez melhores serão suas chances de sobrevivência, e melhor será a sua chance de resistir a qualquer golpe violento que possa ser tentado contra o novo sistema. Se a liberdade foi estabelecida instantaneamente ao redor do mundo, então, obviamente, não existirão problemas de “defesa nacional”.Todos os problemas serão problemas policiais locais. Se, no entanto, apenas Deep Falls, no Wyoming, se tornar libertária, enquanto o resto dos Estados Unidos e do mundo permanecer estatista, suas chances de sobrevivência serão muito frágeis. Se Deep Falls, Wyoming, declarar sua secessão do governo dos Estados Unidos e estabelecer uma sociedade livre, há grandes chances de que os Estados Unidos—tendo em vista sua ferocidade histórica com relação a secessionistas—rapidamente invadiriam e esmagariam esta nova sociedade livre, e haveria pouco que qualquer uma das forças policiais de Deep Falls pudesse fazer a respeito disso. Entre estes dois casos polares existe um contínuo infinito de graus, e, obviamente, quanto maior a área em que esta liberdade for implementada, maior será a chance dela resistir a qualquer ameaça externa. A “questão russa”, portanto, é uma questão estratégica, e não uma questão de se decidir a respeito dos princípios básicos e da meta rumo a qual queremos direcionar nossos esforços.

Mas, no fim das contas, abordemos de qualquer maneira esta questão russa. Imaginemos que a União Soviética de fato estivesse disposta a atacar uma população libertária que vivesse dentro das fronteiras atuais dos Estados Unidos (obviamente, não haveria mais um governo dos Estados Unidos que constituísse uma nação-estado). Em primeiro lugar, a forma e a quantidade dos gastos com defesa seriam decididos pelos próprios consumidores americanos. Aqueles americanos que preferissem submarinos Polaris, e temessem a ameaça soviética, apoiariam o financiamento destas embarcações. Aqueles que preferissem um sistema ABM investiriam nestes mísseis defensivos. Aqueles que rissem diante desta suposta ameaça, ou aqueles que fossem pacifistas convictos, não contribuiriam de maneira alguma com qualquer serviço de defesa “nacional”. Diferentes teorias defensivas seriam aplicadas de maneira proporcional ao número de pessoas que concordassem e financiassem as diversas teorias apresentadas. Tendo em vista o enorme desperdício gerado por todas as guerras e os preparativos de defesa de todos os países ao longo da história, certamente não é algo irracional propor que esforços defensivos privados e voluntários seriam muito mais eficientes que os desperdícios inúteis do governo. Certamente estes esforços seriam infinitamente mais morais.

Porém imaginemos o pior. Imaginemos que a União Soviética finalmente invadisse e conquistasse o território americano. O que aconteceria então? Temos que perceber que as dificuldades da União Soviética estariam apenas começando. A razão principal pela qual um país que conquista outro pode governá-lo é que o país derrotado tem um aparato estatal já existente que pode ser utilizado para transmitir e impor as ordens dos vitoriosos sobre a população conquistada. A Grã-Bretanha, embora seja muito menor em área e população, pôde governar a Índia por séculos a fio porque podia transmitir as ordens britânicas aos príncipes que governavam a Índia, que por sua vez as impunham sobre a população subjugada. No entanto, naqueles casos da história em que o país conquistado não tinha governo, os conquistadores tiveram muita dificuldade em impor o seu domínio sobre os conquistados. Quando os britânicos conquistaram a África Ocidental, por exemplo, tiveram dificuldades imensas em governar a tribo dos ibos (que posteriormente formaria Biafra), porque aquela tribo era, essencialmente, libertária, e não tinha um governo dominante formado por chefes tribais que pudessem transmitir as ordens dos britânicos aos nativos. E talvez o principal motivo que tenha feitos os ingleses levar séculos para conquistar a antiga Irlanda é o fato de que os irlandeses não tinham um estado, e, portanto, não tinham uma estrutura governamental dominante que pudesse manter tratados, transmitir ordens etc. É por este motivo que os ingleses denunciavam os “selvagens” e “bárbaros” irlandeses por serem “traiçoeiros”, uma vez que eles não estabeleciam tratados com os conquistadores ingleses. Os ingleses nunca puderam entender que, por não ter qualquer tipo de estado, os guerreiros irlandeses que assinavam tratados com os ingleses estavam apenas falando por si mesmos; eles jamais poderiam falar em nome de qualquer outro grupo da população irlandesa.[14]

Além do mais, as vidas dos invasores russos seria ainda mais difícil devido ao inevitável surgimento dos grupos de guerrilha formados pela população americana. Seguramente esta é uma lição do século XX—uma lição que foi apresentada pela primeira vez pelos revolucionários americanos bem-sucedidos que combateram o poderoso Império Britânico—a de que nenhuma força de ocupação pode subjugar uma população nativa determinada a resistir. Se os Estados Unidos, um país gigantesco, armado com uma produtividade e um poder de fogo muito maiores, não pôde obter êxito contra a população vietnamita, muito menor e relativamente desarmada, como a União Soviética conseguiria subjugar o povo americano? Nenhuma vida de qualquer soldado de ocupação russo estaria a salvo da ira da resistência da população americana. A guerra de guerrilha provou ser uma força irresistível exatamente porque ela não surge a partir de um governo central ditatorial, mas do próprio povo, lutando por sua liberdade e independência contra um estado estrangeiro. E, seguramente, a antecipação deste mar de problemas, dos enormes custos e perdas que inevitavelmente seriam gerados, fariam com que um hipotético governo soviético determinado a empreender esta conquista militar interrompesse seus planos logo no início.

 



[1] Ver Wooldridge, Uncle Sam the Monopoly Man, p. 111ss.

[2] Cf. Gustave de Molinari, Da Produção de Segurança (www.mises.org.br)).

[3] Wooldridge, Uncle Sam the Monopoly Man, p. 96. Ver também p. 94–110.

[4] Bruno Leoni, Liberdade e a Lei (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), 2ª ed., tradução de Rosélis Maria Pereira e Diana Nogueira, p. 94.

[5] Ibid., p. 36.

[6] Ibid., p. 186-187.

[7] Ibid., pp. 91–92.

[8] Ibid., p. 182.

[9] Citado na melhor introdução para as antigas instituições anárquicas irlandesas, Joseph R. Peden, “Property Rights in Celtic Irish Law,” Journal of Libertarian Studies I (primavera de 1977): 83; ver também p. 81–95. Para um sumário, ver Peden, “Stateless Societies: Ancient Ireland,” The Libertarian Forum (abril de 1971): 3–4.

[10] Peden, “Stateless Societies,” p.4.

[11] Ibid.

[12] O professor Charles Donahue, da Universidade de Fordham, sustenta que a parte secular do antigo direito irlandês não era apenas uma tradição casual, mas que estava conscientemente enraizada na concepção estoica do direito natural, que pode ser descoberta através da razão do homem. Charles Donahue, “Early Celtic Laws” (ensaio não publicado, lido no Seminário sobre a História do Pensamento Legal e Político da Universidade de Columbia, outono de 1964), p. 13ss

[13] Peden, “Stateless Societies,” p.4.

[14] Peden, “Stateless Societies,” p. 3; ver também Kathleen Hughes, introdução a A. Jocelyn Otway-Ruthven, A History of Medieval Ireland (Nova York: Barnes and Noble, 1968).

 

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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