InícioUncategorizedO que o governo fez com o nosso dinheiro?

O que o governo fez com o nosso dinheiro?

  1. O Colapso Monetário do Ocidente

Desde que o Ocidente abandonou o padrão-ouro clássico (em que as transações eram feitas em moedas de ouro ou em certificados lastreados 100% em ouro) em 1914, o sistema monetário internacional vem oscilando entre um sistema ruim e outro pior.  Os países adotam câmbios fixos e logo depois se arrependem e retornam para o câmbio flutuante.  Alguns fazem o movimento inverso.  Outros preferem um sistema amorfo, onde ambos os esquemas são mantidos simultaneamente.  Logo depois abortam essa política e retornam para uma das duas acima.

Cada novo sistema, cada mudança básica, é saudado extravagantemente por economistas, banqueiros, políticos, imprensa e bancos centrais como a derradeira e permanente solução para nossas persistentes aflições monetárias.  E então, após alguns anos, o inevitável colapso ocorre, e todo o establishment em desespero se apressa para criar mais uma nova engenhoca, mais uma maravilhosa panaceia monetária que supostamente devemos admirar e louvar.  Tais artimanhas serão uma constante enquanto o sistema de papel-moeda sem lastro for mantido.  Só haverá pressão para uma mudança quando todas as transformações monetárias por que passamos for entendida — o que permitirá entender por que o atual sistema é instável.

Para entender o atual caos monetário, é imprescindível fazer um relato sucinto dos principais acontecimentos monetários internacionais do século XX, e ver como cada intervenção foi levando a outras intervenções ainda mais intensas, até que o atual sistema monetário, o mais instável de todos, fosse adotado.

  1. Fase I:

O padrão-ouro clássico, 1815-1914

Podemos olhar para o padrão-ouro “clássico” — em vigor no mundo ocidental do século XIX e início do século XX — como sendo literal e metaforicamente a Era Dourada.  Com a exceção do incômodo problema da prata — quando os governos resolveram instituir por um tempo o bimetalismo, fixando o câmbio entre o ouro e a prata —, o mundo se manteve no padrão-ouro, o que significa que cada moeda nacional (o dólar, a libra, o franco etc.) era meramente um nome para um determinado peso de ouro.  O dólar, por exemplo, foi definido como sendo 1/20 de uma onça de ouro, a libra esterlina como um pouco menos de 1/4 (exatamente 0,2435) de uma onça de ouro, e assim por diante.  Isso significa que as “taxas de câmbio” entre as várias moedas nacionais eram fixas — não porque elas eram arbitrariamente controladas pelos governos, mas pelo mesmo motivo pelo qual uma libra é definida como sendo igual a dezesseis onças.

Ou seja: os vários nomes das moedas eram meras definições de unidades de peso.  As pessoas hoje gostam de dizer que naquela época o “preço do ouro” estava “fixado em 20 dólares a onça de ouro”.  Uma concepção errada.  O dólar foi definido como sendo o nome dado a 1/20 de uma onça de ouro.  Portanto, era errado falar sobre “taxas de câmbio” entre as moedas de dois países.  A “libra esterlina” na realidade não era “cambiada” por cinco “dólares”.  Cinco dólares e uma libra esterlina eram simplesmente o mesmo que 5/20 de uma onça de ouro.

Esse padrão-ouro internacional fez com que os benefícios de se ter um meio de troca comum fosse estendido para todo o mundo.  Uma das razões para o crescimento e a prosperidade mundial daquela época foi o fato de os países terem podido desfrutar de um meio de troca que era comum a todos eles.  O fato de os Estados Unidos, por exemplo, terem utilizado um único padrão-ouro (ou um único padrão-dólar, era a mesma coisa) em todo o seu território evitou o caos que haveria caso cada cidade e condado emitissem seu próprio dinheiro, que então iria flutuar em relação aos outros dinheiros de todas as outras cidades e condados.  O século XIX vivenciou os benefícios de se ter uma única moeda para todo o mundo civilizado.  Uma moeda única facilitava a liberdade de comércio, de investimento e de viagem por toda uma área monetária e comercial, com o consequente aumento da especialização e da divisão internacional do trabalho.

Deve-se enfatizar que o ouro não foi escolhido arbitrariamente pelos governos para ser o padrão monetário.  No decorrer dos séculos, o ouro foi escolhido naturalmente pelo livre mercado como sendo o melhor meio de troca, a mercadoria que oferecia a mais estável e desejável característica monetária.  Acima de tudo, a oferta e o suprimento de ouro estavam sujeitos apenas às forças de mercado, e não às arbitrárias impressoras do governo.

O padrão-ouro internacional fornecia um mecanismo de mercado que obstruía automaticamente o potencial inflacionário do governo.  Também fornecia um mecanismo automático que mantinha os balanços de pagamentos de cada país em equilíbrio.  Como o filósofo e economista David Hume mostrou em meados do século XVIII, se uma nação — por exemplo, a França — inflacionar sua oferta de francos (imprimindo francos sem o equivalente lastro em ouro), os preços de suas mercadorias subirão; o aumento inicial da renda decorrente do maior número de francos em circulação irá estimular as importações, que também serão estimuladas pelo fato de os preços das importações agora estarem menores do que os preços internos.  Ao mesmo tempo, os preços domésticos mais altos desestimulam as exportações.

O resultado será um déficit no balanço de pagamentos, que será pago à medida que os estrangeiros forem trocando seus francos pelo ouro em posse dos bancos franceses.  Essa saída de ouro do país significa que a França terá de contrair sua inflacionada oferta monetária (francos de papel impressos sem lastro em ouro) para evitar uma perda de todo o seu ouro.  Se essa inflação ocorreu na forma de depósitos bancários (sendo que os bancos praticaram reservas fracionárias), então os bancos franceses terão de contrair seus empréstimos e depósitos a fim de evitar a falência, uma vez que os estrangeiros estão demandando que os bancos franceses restituam em ouro seus depósitos.  Essa contração irá diminuir os preços domésticos, o que aumentará as exportações e, consequentemente, reverterá a fuga de ouro, até que o nível de preços internos volte ao nível anterior em relação ao resto do mundo.

É verdade que as intervenções governamentais enfraqueciam a velocidade desse mecanismo de mercado e geravam ciclos econômicos de inflação e recessão dentro dessa estrutura de padrão-ouro.  Essas intervenções eram particularmente as seguintes: a monopolização governamental dos serviços de cunhagem, leis que determinavam a circulação forçada de algumas moedas, a criação de papel-moeda, e o desenvolvimento de um setor bancário inerentemente inflacionário, estimulado por todos os governos.  Mas embora essas intervenções tenham freado o processo de ajuste de mercado, esses ajustes ainda exerciam o controle final da situação.

Portanto, embora o padrão-ouro clássico do século XIX não tenha sido perfeito, e tenha permitido alguns ciclos econômicos relativamente modestos, foi ele quem nos propiciou, de longe, a melhor ordem monetária que o mundo já vivenciou, uma ordem que funcionava, que impedia que os ciclos econômicos saíssem de controle, e que permitiu o desenvolvimento do livre comércio e do investimento.

  1. Fase II:
    A Primeira Guerra Mundial e depois

Se o padrão-ouro clássico funcionava tão bem, por que ele acabou?  Ele acabou porque confiaram aos governos a tarefa de manter suas promessas monetárias, de garantir que libras, dólares, francos etc., seriam sempre restituíveis em ouro, como eles e o sistema bancário por eles controlados haviam prometido.  Não foi o ouro que fracassou; foi a insensatez de se acreditar que os governos manteriam suas promessas.  Para financiar a catastrófica Primeira Guerra Mundial, cada governo teve de inflacionar sua própria oferta de papel-moeda e de moeda escritural (moeda criada via depósitos bancários).  Tão grave foi essa inflação, que se tornou impossível os governos beligerantes manterem suas promessas; e então eles “saíram do padrão-ouro” — isto é, declararam sua própria insolvência — logo após entrarem na guerra.

A exceção foram os Estados Unidos, que entraram na guerra mais tarde e que, por isso, não inflacionaram a oferta de dólares o suficiente para colocar em risco a sua capacidade de restituí-los em ouro.  Porém, à exceção dos Estados Unidos, o mundo sofreu com aquilo que alguns economistas atuais idolatram: taxas de câmbio flutuantes que eram continuamente desvalorizadas para estimular exportações (a isso hoje se dá o nome de “flutuação suja”), retaliações entre diferentes blocos comerciais, controle de capitais, tarifas e quotas de importação, e o colapso do comércio internacional e do investimento.  Libras, francos, marcos etc., todos inflacionados, se depreciaram em relação ao ouro e ao dólar.  O caos monetário era pleno ao redor do mundo.

Mas, durante aqueles dias, felizmente eram poucos os economistas que saudavam esta situação como sendo o ideal monetário.  Era uma espécie de consenso geral que a Fase II já era o limiar do desastre internacional — o que fez com que os políticos e economistas se pusessem a buscar formas de restaurar a estabilidade e a liberdade do padrão-ouro clássico.

  1. Fase III:

O padrão ouro-câmbio
(Grã-Bretanha e Estados Unidos) 1926-1931

Como retornar à Era Dourada?  A medida mais sensata teria sido reconhecer a realidade — isto é, que a libra, o franco, o marco etc., estavam depreciados — e retornar ao padrão-ouro a uma nova taxa: uma taxa que levasse em conta a atual oferta monetária e o nível de preços.  A libra esterlina, por exemplo, havia sido tradicionalmente definida a um peso que era igual a US$4,86.  Porém, ao final da Primeira Guerra Mundial, a inflação na Grã-Bretanha havia derrubado a libra para aproximadamente US$3,50 no livre mercado de câmbio.  Outras moedas foram igualmente depreciadas.  A política mais sensata para a Grã-Bretanha teria sido retornar ao ouro a uma taxa de aproximadamente US$3,50 — o mesmo procedimento sendo válido para todos os outros países que também haviam inflacionado suas moedas.  A Fase I poderia ter sido rápida e harmoniosamente restaurada.

Em vez disso, a Grã-Bretanha tomou a fatídica decisão de retornar ao ouro em sua antiga paridade de US$4,86.  Ela assim procedeu por motivos de “prestígio” nacional e também por uma vã tentativa de restabelecer Londres como o centro financeiro de moeda forte do mundo.  Para ter sucesso nesta loucura heroica, a Grã-Bretanha teria de ter deflacionado severamente sua oferta monetária e o nível de preços de seus produtos, pois com a libra a US$4,86 os preços das exportações britânicas eram muito altos para serem competitivos nos mercados mundiais.  Mas a deflação era politicamente inviável porque o poder dos sindicatos, escorados por um sistema nacional de seguro-desemprego, havia levado a uma total rigidez salarial, impedindo que os mesmos fossem reduzidos.  E, para deflacionar, o governo britânico teria de reverter o crescimento de seu estado assistencialista.

Ademais, a realidade é que a Grã-Bretanha queria continuar inflacionando sua moeda e os preços.  Como resultado da combinação entre inflação e um retorno a uma paridade sobrevalorizada, as exportações britânicas ficaram deprimidas durante toda a década de 1920 e o desemprego permaneceu alto durante todo esse período, justamente quando grande parte do mundo vivenciava uma grande expansão econômica.

Como os britânicos seriam capazes de obter o melhor dos dois mundos simultaneamente?  Simples: estabelecendo uma nova ordem monetária internacional que iria induzir ou coagir os outros governos a inflacionar ou a voltar ao ouro a uma paridade sobrevalorizada na moeda deles, o que faria com que as próprias exportações deles ficassem prejudicadas e, ao mesmo tempo, subsidiaria as importações britânicas.  E foi exatamente isso que a Grã-Bretanha fez.  Na Conferência de Gênova, 1922, ela criou uma nova ordem monetária internacional: o padrão ouro-câmbio.

O padrão ouro-câmbio funcionou da seguinte forma: os Estados Unidos permaneceram no padrão-ouro clássico, restituindo dólares em ouro.  Já a Grã-Bretanha e os outros países do Ocidente retornaram a um pseudo padrão-ouro; a Grã-Bretanha em 1926 e os outros países por volta dessa mesma época.  Libras esterlinas e outras moedas não eram restituíveis em moedas de ouro, mas somente em grandes barras, adequadas apenas para transações internacionais.  Isso impediu que os cidadãos comuns da Grã-Bretanha e de outros países europeus utilizassem ouro em sua dia a dia, o que permitiu um grau maior de inflação do papel-moeda e da moeda bancária (moeda escritural).

Mas, além disso, a Grã-Bretanha restituía libras não apenas em ouro, mas também em dólares, ao passo que os outros países restituíam suas moedas não em ouro, mas em libras.  E a maioria desses países foi induzida pela Grã-Bretanha a retornar ao ouro a uma paridade sobrevalorizada.  O resultado foi que os Estados Unidos criaram uma “pirâmide invertida” de dólares sobre o ouro (a pirâmide é invertida porque na base está o ouro e no corpo estão os dólares), a Grã-Bretanha piramidou suas libras sobre dólares e todas as outras moedas europeias piramidaram sobre libras — esse era o “padrão ouro-câmbio”, com o dólar e a libra sendo as duas “moedas-chave”.

Sendo assim, quando a Grã-Bretanha inflacionou e, por conseguinte, sofreu um déficit em seu balanço de pagamentos, o mecanismo do padrão-ouro não funcionou de modo a restringir rapidamente essa inflação britânica.  Por quê?  O que ocorreu foi que, em vez de os outros países restituírem suas libras em ouro, eles mantiveram as libras e inflacionaram suas moedas em cima dessas libras (eles piramidaram suas moedas sobre as reservas de libras).  E foi assim que a Grã-Bretanha e a Europa puderam inflacionar sem restrições, e os déficits britânicos puderam se acumular sem serem tolhidos pela disciplina de mercado imposta pelo padrão-ouro.  Quanto aos Estados Unidos, a Grã-Bretanha conseguiu induzi-los a inflacionar seus dólares de maneira que ela, a Grã-Bretanha, não perdesse muitas reservas de dólares ou de ouro para os Estados Unidos.

O ponto central do padrão ouro-câmbio é que ele não é sustentável; uma hora as contas terão de ser pagas, e isso ocorrerá como uma desastrosa reação ao prolongado período de expansão inflacionária.  À medida que as libras foram se acumulando na França, nos Estados Unidos e em todos os outros países, a mínima perda de confiança nessa rudimentar e crescentemente instável estrutura inflacionária inevitavelmente levaria ao colapso.  E foi exatamente o que aconteceu em 1931.  Os bancos inflacionados da Europa quebraram; e quando a França tentou restituir suas reservas de libras esterlinas em ouro, a Grã-Bretanha foi obrigada a abandonar o padrão-ouro completamente.  Outros países da Europa prontamente seguiram a Grã-Bretanha.

  1. Fase IV:

Papéis-moedas flutuantes, 1931-1945

O mundo agora havia retornado ao caos monetário da Primeira Guerra Mundial, exceto que agora as esperanças de um retorno ao ouro eram mínimas.  A ordem econômica internacional havia se desintegrado em caóticas taxas de câmbio flutuantes (flutuação suja e limpa), desvalorizações artificiais, controles de câmbio e barreiras comerciais; havia uma guerra econômica e monetária entre moedas e blocos monetários.  O comércio internacional e os investimentos praticamente foram paralisados; e o comércio passou a ser conduzido através de acordos de escambo entre governos concorrentes e em conflito entre si.  O secretário de estado americano Cordell Hull disse em seu livro de memórias que esses conflitos econômicos e monetários dos anos 1930 foram a principal causa da Segunda Guerra Mundial.[1]

Os Estados Unidos permaneceram no padrão-ouro por dois anos, até que em 1933-34 o país abandonou-o em uma vã tentativa de sair da depressão.  Os cidadãos americanos não mais podiam restituir seus dólares em ouro e foram até mesmo proibidos de possuir qualquer quantidade de ouro, no país e no exterior.  Mas, ainda assim, os Estados Unidos permaneceram, após 1934, em uma nova e peculiar forma de padrão-ouro, na qual o dólar, agora redefinido como sendo igual a 1/35 de uma onça de ouro, era restituível em ouro apenas para governos e bancos centrais estrangeiros.  Portanto, um pequeno elo com o ouro foi mantido.  Ademais, o caos monetário na Europa fez com que o ouro fluísse para o único refúgio monetário relativamente seguro: os Estados Unidos.

O caos e a desenfreada guerra econômica dos anos 1930 mostram uma importante lição: o grave defeito político (fora os problemas econômicos) do esquema monetário — defendido por Milton Friedman e a Escola de Chicago — em que papéis-moedas flutuam livremente entre si.  Pois o que os friedmanianos defendem — “em nome do livre mercado” — é cortar completamente todos os elos com o ouro e entregar o total controle de cada moeda nacional às mãos de seus respectivos governos centrais, que emitiriam papel-moeda de curso forçado.  Feito isso, os friedmanianos recomendam candidamente que cada governo permita que sua moeda flutue livremente em relação a todas as outras moedas fiduciárias, bem como se abstenham de inflacionar sua moeda exorbitantemente.

A grave falha política nessa ideia é dar total controle sobre a oferta monetária ao estado e então apenas ficar na esperança de que ele irá abster-se de utilizar esse poder.  Mas considerando-se que o poder — qualquer poder — sempre tende a ser utilizado, inclusive o poder de falsificar legalmente (imprimir dinheiro sem lastro nada mais é do que um ato de falsificação), tanto a ingenuidade como a natureza estatista desse tipo de política já deveriam estar perfeitamente evidentes.  Foi assim, então, que a desastrosa experiência da Fase IV — o mundo dos anos 1930, feito de papéis-moedas e guerras econômicas — levou as autoridades americanas a adotar como sendo seu grande objetivo na Segunda Guerra a restauração de uma ordem monetária internacional viável, uma ordem sobre a qual pudessem ser reconstruídos o comércio mundial e os frutos da divisão internacional do trabalho.

  1. Fase V:

Bretton Woods e o novo padrão ouro-câmbio americano, 1945-1968

A nova ordem monetária internacional foi concebida e implantada pelos Estados Unidos em uma conferência monetária internacional em Bretton Woods, New Hampshire, em meados de 1944, e ratificado pelo congresso americano em julho de 1945.  Embora o sistema de Bretton Woods tenha funcionado muito melhor do que o desastre da década de 1930, ele foi apenas uma renovação do padrão ouro-câmbio da década de 1920.  E como na década de 1920, ele se manteve apenas por algum tempo.

O novo sistema era essencialmente o padrão ouro-câmbio da década de 1920, mas com o dólar substituindo a libra esterlina rudemente como uma das “moedas-chave”.  Agora o dólar, avaliado a 1/35 de uma onça de ouro, havia se tornado a única moeda-chave.  A outra diferença em relação aos anos 1920 era que o dólar agora não mais podia ser restituído em ouro pelos cidadãos americanos; em vez disso, o sistema da década de 1930 foi mantido, com o dólar sendo restituível em ouro somente para governos estrangeiros e seus bancos centrais.  Nenhum indivíduo americano podia trocar dólares pela moeda mundial, o ouro.  Apenas os governos tinham esse privilégio.

No sistema de Bretton Woods, os Estados Unidos piramidavam dólares (em papel-moeda e em depósitos bancários) sobre sua reserva de ouro, sendo que os dólares poderiam ser restituídos por governos estrangeiros; ao mesmo tempo, todos os outros governos mantinham dólares como sua reserva básica e piramidavam suas moedas sobre esses dólares.  E como os Estados Unidos entraram no pós-guerra com um enorme estoque de ouro (aproximadamente US$25 bilhões), havia muito espaço para piramidar cédulas e depósitos bancários sobre esse estoque.  Além disso, o sistema pôde “funcionar” por um tempo porque todas as demais moedas mundiais adotaram esse novo sistema utilizando paridades anteriores à Segunda Guerra, as quais estavam fortemente sobrevalorizadas em termos de suas inflacionadas e desvalorizadas moedas.  A inflacionada libra esterlina, por exemplo, retornou ao seu valor de US$4,86, ainda que ela valesse bem menos que isso em termos de seu real poder de compra no mercado.

Dado que, em 1945, o dólar estava artificialmente subvalorizado e a maioria das outras moedas estava sobrevalorizada, o dólar tornou-se escasso, e o mundo sofreu um “desabastecimento de dólares” — o qual o contribuinte americano foi obrigado a sanar por meio de várias doações externas sob o manto de ajuda internacional.  Ou seja, o superávit da balança comercial dos Estados Unidos — possibilitado pelo dólar artificialmente desvalorizado — era parcialmente financiado pelo infeliz cidadão americano que, por meio de seus impostos, era obrigado a mandar dólares pra fora do país no formato de ajuda internacional.

Havendo muita margem para inflacionar antes que a conta fosse apresentada, o governo dos Estados Unidos embarcou em sua política de contínua expansão monetária, uma política que foi jubilosamente seguida desde então.  Já no início dos anos 1950, a constante inflação americana começou a alterar a situação do comércio internacional.  Pois ao passo que os Estados Unidos estavam inflacionando e expandindo a moeda e o crédito, os principais governos europeus, muitos deles influenciados por conselheiros monetários “austríacos”, estavam adotando políticas monetárias relativamente “sólidas” (por exemplo, a Alemanha Ocidental, a Suíça, a França e Itália).  Uma fuga de dólares obrigou a inflacionista Grã-Bretanha a desvalorizar a libra para níveis mais realistas (por um tempo, a libra passou a valer aproximadamente US$2,40).  Tudo isso, em conjunto com a crescente produtividade da Europa, e mais tarde do Japão, levou a contínuos déficits no balanço de pagamentos dos Estados Unidos.

Ao longo dos anos 1950 e 1960, os Estados Unidos foram se tornando cada vez mais inflacionistas, tanto em termos absolutos quanto também em relação ao Japão e à Europa Ocidental.  Mas a restrição que o padrão-ouro clássico impunha à inflação — principalmente à inflação americana — não mais existia.  Pois as regras de Bretton Woods determinavam que os países da Europa Ocidental tinham de continuar acumulando dólares como reservas, e até mesmo utilizar esses dólares como base para inflacionar suas próprias moedas e com isso aumentar a oferta de crédito.

Mas com o passar do tempo, os países da Europa Ocidental (e o Japão), que haviam adotado uma política monetária mais sólida, foram se revoltando contra essa obrigação de ter de acumular dólares que, por causa de sua contínua inflação e do câmbio fixo, estavam cada vez mais sobrevalorizados.  À medida que o poder de compra do dólar — isto é, seu real valor — ia caindo, eles iam se tornando cada vez menos desejados pelos governos estrangeiros.  Mas esses governos estavam presos a um sistema que era um pesadelo sem fim.  A reação americana às reclamações europeias, lideradas pela França e pelo principal conselheiro monetário de Charles De Gaulle, o economista defensor do padrão-ouro clássico Jacques Rueff, foi de escárnio e repúdio.  Políticos e economistas americanos simplesmente declararam que a Europa era obrigada a utilizar o dólar como moeda, que eles não podiam fazer nada em relação aos problemas crescentes daquele continente e que, portanto, os Estados Unidos poderiam sim continuar inflacionando displicentemente ao mesmo tempo em que adotavam uma política de “negligência salutar” em relação às consequências monetárias internacionais de suas próprias ações.

Mas a Europa ainda tinha a opção legal de restituir seus dólares em ouro ao valor de US$35 a onça.  E à medida que o dólar ia se tornando cada vez mais sobrevalorizado em termos das fortes moedas europeias e também do ouro, os governos europeus exerciam essa opção com frequência cada vez maior.  Desse modo, a disciplina imposta pelo padrão-ouro voltou à cena; e assim começou uma contínua fuga de ouro dos Estados Unidos, que durou duas décadas desde o início dos anos 1950, o que fez com que o estoque de ouro americano encolhesse mais de 50% nesse período (saindo de mais de US$20 bilhões para apenas US$9 bilhões).  Dado que os dólares estavam sendo continuamente inflacionados em relação à sua base em ouro, como poderiam os Estados Unidos continuar eternamente restituindo esses dólares em ouro (sendo esse o alicerce do sistema de Bretton Woods)?

Mas essas limitações aparentemente não arrefeceram a contínua inflação de dólares e preços nos Estados Unidos, tampouco a política americana de “negligência salutar”, o que resultou — no fim dos anos 1960 — em um acúmulo acelerado de nada menos que $80 bilhões de indesejados dólares pela Europa (conhecidos como eurodólares).  Para tentar impedir os europeus de restituírem seus dólares em ouro, os Estados Unidos exerceram intensa pressão política sobre estes governos — similar, porém em uma escala muito maior do que a adulação feita pelos britânicos aos franceses até 1931 para que estes não restituíssem seu grande estoque de libras esterlinas.

Mas as leis econômicas sempre acabam sobrepujando os governos, e foi isso que aconteceu com o governo inflacionista americano no final dos anos 1960.  O sistema de padrão ouro-câmbio de Bretton Woods — aclamado pelo establishment político e econômico dos Estados Unidos como sendo algo permanente e invulnerável — começou a ruir rapidamente em 1968.

  1. Fase VI:

O declínio de Bretton Woods, 1968-1971

Na medida em que os dólares iam se acumulando nos países europeus e o ouro continuava saindo dos Estados Unidos, tornou-se crescentemente difícil para os americanos manter o preço do ouro a US$35 a onça no livre mercado de ouro em Londres e Zurique.  US$35 a onça eram a base de todo o sistema, e embora os cidadãos americanos tivessem sido proibidos de possuir ouro em qualquer lugar do mundo desde 1934, outros cidadãos desfrutavam dessa liberdade de portar barras e moedas de ouro.  Assim, uma maneira de os cidadãos europeus restituírem seus dólares em ouro era vendendo seus dólares por ouro a US$35 a onça no livre mercado de ouro de Londres e Zurique.  Como a inflação e a depreciação dos dólares eram contínuas, e o balanço de pagamentos americanos seguia deficitário, os cidadãos da Europa e de outros continentes intensificaram sua conversão de dólares em ouro.  Para manter o dólar a $35 a onça, o governo americano foi forçado a liberar o ouro de seu já decrescente estoque para assim poder manter o preço de $35 nos mercados de Londres e Zurique.

Uma crise de confiança no dólar nos livres mercados de ouro obrigou os Estados Unidos a efetuarem uma mudança fundamental no sistema monetário em março de 1968.  A idéia era impedir que o inoportuno livre mercado de ouro voltasse colocar em risco o arranjo de Bretton Woods.  Daí nasceu o “duplo mercado de ouro”, em que o mercado de ouro era separado do seu mercado monetário.  A ideia era que o livre mercado de ouro poderia ser completamente ignorado e ser completamente isolado da real ação monetária dos bancos centrais e governos mundiais.  Os Estados Unidos não mais tentariam manter o preço do livre mercado de ouro em US$35; ele iria apenas ignorar esse mercado.  Além disso, os Estados Unidos e todos os outros governos concordaram em manter o valor do dólar em $35 a onça para sempre.  Os governos e bancos centrais do mundo não mais iriam dali em diante comprar ouro do mercado “externo” e não mais iriam vender ouro para aquele mercado; dali em diante o ouro iria se mover apenas de um banco central para outro.  As novas ofertas de ouro, o livre mercado de ouro e a demanda privada por ouro iriam seguir seu próprio caminho, completamente separado dos arranjos monetários dos governos mundiais.

Conjuntamente a isso, os Estados Unidos fizeram grande pressão pela adoção de um novo tipo de reserva mundial de papel, os Direitos Especiais de Saque (DESs), os quais esperava-se que fossem substituir completamente o ouro e servir como o novo papel-moeda mundial a ser emitido por um futuro Banco Central Mundial.  Se esse sistema fosse estabelecido, os Estados Unidos poderiam inflacionar eternamente sua moeda sem qualquer restrição, sempre em colaboração com os outros governos mundiais (o único limite seria uma desastrosa hiperinflação mundial e o colapso desse papel-moeda).  Mas os DESs, intensamente combatidos pela Europa Ocidental e pelos países pró-moeda forte, se tornaram apenas um pequeno suplemento para as reservas monetárias dos Estados Unidos e de outros países.

Todos os economistas defensores do dinheiro de papel, desde os keynesianos até os friedmanianos, agora estavam confiantes que o ouro desapareceria do sistema monetário internacional; uma vez removido o “suporte” dado pelo dólar — vaticinavam confiantemente esses economistas —, o preço do ouro no livre mercado iria rapidamente cair para menos de US$35 a onça, e poderia até mesmo cair para um nível menor do que aquele estimado para o preço “industrial” (não-monetário) do ouro, que era de US$10 a onça.

Porém, ocorreu exatamente o oposto disso: o preço do ouro no livre mercado, que nunca esteve abaixo de US$35, se manteve constantemente acima de US$35, e já no início de 1973 subiu para US$125 a onça, uma cifra que nenhum economista defensor da moeda de papel acreditava ser possível apenas um ano antes.

Longe de ter estabelecido um novo e permanente sistema monetário, o duplo mercado de ouro conseguiu apenas ganhar tempo; a inflação e os déficits americanos continuaram.  Os eurodólares se acumularam rapidamente, o ouro continuou a fluir dos Estados Unidos para outros países e o alto preço do ouro no livre mercado simplesmente revelava a acelerada perda de confiança no dólar.  Esse sistema duplo levou rapidamente a uma crise — e à dissolução final de Bretton Woods.

  1. Fase VII:

O fim de Bretton Woods: papéis-moeda flutuantes, Agosto-Dezembro, 1971

No dia 15 de agosto de 1971, ao mesmo tempo em que impunha um congelamento de preços e salários em uma vã tentativa de controlar a explosiva inflação de preços, o presidente Nixon impôs um estrondoso fim ao sistema de Bretton Woods.  Como os bancos centrais europeus estavam ameaçando restituir em ouro o máximo possível de seus inchados estoques de dólares, Nixon acabou completamente com o que restava do padrão-ouro.  Pela primeira vez na história americana, o dólar era totalmente fiduciário, sem qualquer lastro em ouro.  Mesmo aquele tênue elo com o ouro, mantido desde 1933, estava agora definitivamente cortado.  O mundo estava novamente mergulhado no sistema fiduciário dos anos 1930, só que com um agravante: nem mesmo o dólar possuía mais qualquer ligação com o ouro.  Novamente surgia no horizonte o temível espectro dos blocos monetários, das desvalorizações artificiais, dos conflitos econômicos e do colapso do comércio internacional e do investimento, com a depressão mundial que tais atitudes gerariam.

O que fazer?  Tentando restaurar uma ordem monetária internacional sem qualquer elo com o ouro, os Estados Unidos levaram o mundo a implantar o Acordo Smithsoniano em 18 de dezembro de 1971.

  1. Fase VIII:

O Acordo Smithsoniano, dezembro de 1971 a fevereiro de 1973

O Acordo Smithsoniano, saudado pelo presidente Nixon como o “maior acordo monetário da história mundial”, era ainda mais instável e infundado que o padrão ouro-câmbio dos anos 1920 e que o sistema de Bretton Woods.  Mais uma vez, os países se comprometeriam a manter taxas fixas de câmbio, só que desta vez sem o ouro ou alguma moeda mundial para servir de lastro.  Além disso, muitas moedas europeias foram fixadas ao dólar a paridades subvalorizadas; a única concessão dos Estados Unidos foi fazer uma insignificante desvalorização na taxa oficial do dólar, subindo-a para US$38 a onça.  Embora tenha sido muito pequena e muito tardia, essa desvalorização foi significativa, pois desmoralizou uma série de pronunciamentos oficiais americanos em que o governo jurava que iria manter a taxa de US$35 eternamente.  Ao menos agora se reconhecia implicitamente que o preço de US$35 não era uma lei inviolável, esculpida em pedras.

Era inevitável que taxas de câmbio fixas — mesmo que dentro de zonas de flutuação mais amplas —, porém sem um meio internacional de troca, estivessem fadadas a um rápido fracasso.  Isso era inevitável porque a inflação monetária e de preços, o declínio do dólar e os déficits do balanço de pagamentos dos Estados Unidos continuavam ocorrendo sem qualquer obstáculo.

O já inchado estoque de eurodólares, em conjunto com a inflação contínua e o fim do lastro em ouro, levou o preço do ouro no livre mercado para mais de US$215 a onça.  E à medida que a sobrevalorização do dólar e a subvalorização das moedas europeias e japonesas — sabidamente moedas fortes — foi-se tornando cada vez mais evidente, o dólar o sistema ia se tornando cada vez mais instável.  Até que, finalmente, o dólar entrou em colapso no mercado mundial durante o pânico de fevereiro e março de 1973.  Tornou-se impossível para a Alemanha Ocidental, Suíça, França e outros países de moeda forte continuarem comprando dólares a fim de manter o dólar a uma taxa sobrevalorizada.  Em pouco mais de um ano, o sistema smithsoniano de taxas de câmbio fixas sem o lastro em ouro havia desmoronado frente às dificuldades da realidade econômica.

  1. Fase IX:

Papéis-moedas flutuantes, março de 1973 – ?

Com o colapso do dólar, o mundo retornou a um sistema de moedas fiduciárias flutuantes entre si.  Dentro do bloco ocidental europeu, as taxas de câmbio foram amarradas umas às outras, e os Estados Unidos novamente desvalorizaram apenas simbolicamente a paridade oficial do dólar em relação ao ouro, para US$42 a onça.  Com a queda brutal e diária do dólar no mercado de câmbio, e a concomitante valorização do marco alemão, do franco suíço e do iene japonês, as autoridades monetárias — assessoradas por economistas friedmanianos — começaram a crer que esse era de fato o arranjo monetário ideal.  É verdade que um excesso de reservas e crises súbitas no balanço de pagamentos não ocorrem constantemente em um mundo regido por taxas de câmbio flutuantes.  Ademais, as empresas exportadoras americanas passaram a se beneficiar, pois a desvalorização do dólar fez com que os produtos americanos ficassem mais baratos no exterior.

É verdade também que os governos continuavam intervindo nas flutuações do câmbio (a flutuação era “suja” em vez de “limpa”), mas no geral parecia que a ordem monetária internacional havia se rendido à utopia de Friedman.

Mas rapidamente tornou-se óbvio que tudo estava longe de estar normal no corrente sistema monetário internacional.  O problema de longo prazo foi que os países que possuíam uma moeda forte se recusaram a continuar passivos e ver suas moedas se tornarem mais caras e suas exportações prejudicadas em benefício de seus concorrentes americanos.  Dado que a inflação americana e a depreciação do dólar continuaram impávidas, deu-se início a (mais) uma previsível guerra econômica entre os países, com desvalorizações cambiais, controles de câmbio e de capitais, blocos econômicos, tarifas e quotas.  Ainda mais de imediato, no entanto, foi o outro lado da moeda: a desvalorização do dólar significou para os americanos um encarecimento das importações.  Além disso, as exportações do país baratearam e se tornaram tão atrativas para os estrangeiros que os preços dos bens exportados aumentaram dentro dos Estados Unidos (já ficou famosa a inflação dos preços do trigo e da carne nessa época).  A incerteza que acompanha as rápidas flutuações das taxas de câmbio pode ser paralisante e foi logo sentida pelos americanos com a forte queda do dólar ocorrida nos mercados de câmbio em julho de 1973.

Desde que os Estados Unidos abandonaram completamente o ouro em agosto de 1971 e estabeleceram o friedmaniano sistema de papel-moeda flutuante em março de 1973, os Estados Unidos e o mundo sofreram o mais intenso, o mais constante e o mais prolongado período inflacionário da história mundial. Já deveria estar claro por agora que isso dificilmente se trata de uma mera coincidência.  Antes de o dólar ter tido seu elo com o ouro completamente cortado, os keynesianos e os friedmanianos, ambos à sua maneira, devotados ao papel-moeda fiduciário, previram confiantemente que, quando este fosse estabelecido, o preço de mercado do ouro cairia até seus níveis não monetários, estimado em US$8 a onça.

Movidos pelo seu desprezo pelo ouro, ambos os grupos acreditavam que era o poderoso dólar quem estava mantendo alto o preço do ouro, e não o contrário.  Mas desde 1971, o preço do ouro no livre mercado jamais esteve abaixo do antigo preço fixo de US$35 a onça; ao contrário, o tempo todo ele foi enormemente mais alto.  Quando, durante as décadas de 1950 e 1960, economistas como Jacques Rueff estavam pedindo um padrão-ouro a um preço de US$70 a onça, o preço foi considerado absurdamente alto.  Hoje, ele é absurdamente baixo.  O fato de o preço do ouro estar muito mais alto hoje é uma indicação da deterioração calamitosa a que foi submetido o dólar desde que os economistas “modernos” ganharam espaço e todo o lastro em ouro foi removido.

Já está claro que o mundo não mais aguenta as crises geradas por essa inflação sem precedentes e sem obstáculos, que foi trazida pelo sistema de moedas fiduciárias flutuantes ente si, implantadas desde 1973.  A extrema volatilidade e imprevisibilidade das taxas de câmbio flutuantes são também um fator de desgaste e incerteza.  Essa volatilidade é a consequência natural de um sistema em que cada governo é livre para manipular sua moeda, o que traz instabilidade política à já natural incerteza do sistema de preços do livre mercado.  O sonho friedmaniano de moedas fiduciárias flutuantes está em pedaços e há um compreensível desejo de se retornar a um sistema internacional de taxas de câmbio fixas.

Infelizmente, o padrão-ouro clássico permanece esquecido, e o objetivo maior de todos os líderes políticos mundiais é adotar o antigo sonho keynesiano de um padrão monetário mundial baseado em um único papel, uma moeda que seria emitida por um banco central mundial (BCM).  Se a nova moeda vai se chamar “bancor” (sugestão de Keynes), “unita” (sugestão de Harry Dexter White, secretário do tesouro americano durante a Segunda Guerra Mundial) ou “fênix” (sugestão da The Economist) é algo de importância secundária.  O ponto vital é que tal sistema baseado em um único papel-moeda internacional — embora fosse livre de crises nos balanços de pagamento (dado que o BCM poderia emitir o tanto de bancors que quisesse e ofertá-los para o país de sua escolha) — abriria as portas para uma ilimitada inflação mundial, impossível de ser controlada por crises nos balanços de pagamento ou por quedas nas taxas de câmbio.  O BCM seria o todo-poderoso determinador de toda a oferta monetária mundial, bem como de sua distribuição entre os países.  O BCM poderia e iria submeter o mundo àquilo que ele considerasse ser uma inflação sabiamente controlada.  Infelizmente, nesse caso, nada mais restaria para impedir a inimaginável catástrofe de um holocausto econômico trazido por uma inflação galopante mundial.  Nada, exceto a duvidosa capacidade de um BCM fazer uma sintonia fina em toda a economia mundial.

Embora uma unidade monetária internacional de papel e um banco central mundial permaneçam como o objetivo último dos líderes mundiais keynesianos, o objetivo mais realista e próximo é um retorno a um esquema do tipo Bretton Woods, só que desta vez sem as restrições impostas por algum lastro em ouro.  Os principais bancos centrais mundiais já estão tentando “coordenar” suas políticas monetárias e econômicas, harmonizar suas taxas de inflação e fixar suas taxas de câmbio.  A Europa já está prestes a adotar um papel-moeda único, emitido por um banco central europeu.  Tal objetivo está sendo falaciosamente justificado ao ingênuo público como sendo necessário para a adoção de uma área de livre comércio — que será chamada de Comunidade Econômica Europeia (CEE).  A ideia dos burocratas é fazer o público crer que uma área de livre comércio necessariamente requer uma mastodôntica burocracia, uma taxação uniforme por toda a CEE, e, em particular, um banco central europeu e um papel-moeda único.  Quando isso for adotado, uma maior coordenação com o banco central americano e com outros bancos centrais mundiais será a consequência inevitável.

Após isso, fica a pergunta: é possível que um banco central mundial esteja muito longe?  Caso isso não venha a acontecer, é provável que sejamos arrastados para outro Bretton Woods, com todas as inerentes crises de balanço de pagamentos, bem como manifestações da Lei de Gresham, que ocorrem em sistemas de câmbio fixo e papel-moeda fiduciário.

Olhando para o futuro, o diagnóstico que podemos fazer para o dólar e para o sistema monetário internacional é de fato sombrio.  A menos que retornemos ao padrão-ouro clássico a um preço realista, o sistema monetário internacional está fadado a se alternar continuamente entre taxas de câmbio fixas e flutuantes, sendo que cada sistema seguirá enfrentando problemas insolúveis e funcionando insatisfatoriamente até chegar à desintegração final.  E estimulando essa desintegração estará inevitavelmente a inflação da oferta de dólares.  Os prospectos para o futuro são de acelerada inflação monetária nos Estados Unidos, seguida de um colapso monetário internacional.  Esse prognóstico só poderá ser mudado caso haja uma drástica alteração no sistema monetário americano e internacional: o retorno a uma moeda-commodity de livre mercado — tal como o ouro —, e uma remoção total da ingerência governamental sobre as questões monetárias.

 

__________________________________

Notas

[1] Cordell Hull, Memoirs (New York, 1948) I, 81. Ver também Richard N. Gardner, Sterling-Dollar Conspiracy (Oxford: Clarendon Press, 1956) p. 141.

 

 

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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