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O que deve ser feito

Uma revolução de baixo para cima

Por fim vamos à explicação detalhada do significado desta estratégia revolucionária de baixo para cima. Para isto, deixe-me voltar aos meus primeiros comentários sobre o uso defensivo da democracia, isto é, o uso dos meios democráticos para fins libertários não-democráticos, pró propriedade privada. Dois insights preliminares já foram estabelecidos aqui.

Primeiro, da impossibilidade de uma estratégia de cima para baixo, segue-se que não se deve gastar muita (ou nenhuma) energia, tempo e dinheiro em disputas políticas nacionais, como eleições presidenciais. E, particularmente, também nem em disputas pelo governo central, como por exemplo, menos esforços em disputas pelo senado do que pela câmara dos deputados.

Segundo, do insight sobre o papel dos intelectuais na preservação do atual sistema, da atual máfia de extorsão, segue-se que igualmente não se deve gastar muita (ou nenhuma) energia, tempo ou dinheiro tentando reformar a educação e o meio acadêmico a partir de sua própria estrutura. Patrocinar cadeiras de livre empresa ou propriedade privada no sistema universitário estabelecido, por exemplo, só ajuda a emprestar legitimidade à própria ideia que se quer combater. As verbas e fontes de financiamento das instituições oficiais de educação e pesquisa devem ser sistematicamente retiradas e estancadas. E para que isso seja feito, todo o apoio de trabalho intelectual, como uma parte essencial da tarefa geral que temos pela frente, deveria logicamente ser dado a instituições e centros determinados a fazer precisamente isto.

As razões para estes dois conselhos são claras: Nem a população como um todo, e particularmente nem todos os educadores e intelectuais, são completamente homogêneos ideologicamente. E mesmo que seja impossível conquistar uma maioria que apoie uma plataforma decididamente antidemocrática em uma escala nacional, parece não haver uma dificuldade insuperável para se conquistar esta maioria em distritos suficientemente pequenos, e para funções locais e regionais dentro da estrutura governamental democrática geral. Na verdade, parece não ser nada fora da realidade esperar que essa maioria exista em milhares de localidades. Ou seja, localidades dispersas por todo o país, mas não dispersas uniformemente. Igualmente, mesmo que a classe intelectual deva ser de modo geral considerada como inimiga natural da justiça e da proteção, existem em diversas localidades intelectuais anti-intelectuais isolados, e como o Instituto Mises prova, é totalmente possível reunir estes sujeitos isolados em torno de um centro intelectual, e dar a eles unidade e força, e uma audiência nacional ou até internacional.

Mas então o que fazer? Todo o resto desprende-se quase que automaticamente do objetivo supremo, que deve ser mantido sempre em mente, em todas as atividades desenvolvidas: a restauração de baixo para cima da propriedade privada e do direito de proteção a propriedade; o direito de autodefesa, de expulsar ou aceitar, e de liberdade contratual. E a resposta pode ser dividida em duas partes.

Primeiro, o que fazer nestes pequenos distritos, onde um candidato pró-propriedade privada e personalidade antimajoritária  possa vencer. E segundo, como lidar com os níveis mais elevados do governo, e, especialmente, com o governo federal centralizado. Primeiramente, como um passo inicial, e me refiro agora a o que deveria ser feito em nível local, o primeiro alicerce central da plataforma deveria ser: deve-se tentar limitar o direito de voto sobre impostos locais, particularmente sobre impostos sobre propriedades e regulamentações, aos donos de imóveis e propriedades. Somente donos de propriedades devem poder votar, e seus votos não devem ter pesos iguais, e sim de acordo com o valor do patrimônio líquido possuído, e o total de impostos pago. Ou seja, parecido com o que Lew Rockwell explicou que tem acontecido em algumas partes da Califórnia.

Além disso, todos os funcionários públicos — professores, juízes, policiais — e todos os recebedores de ajuda social do estado devem ser excluídos de votações que tratem de impostos locais e regulamentações locais. Estas pessoas estão sendo pagas pelos impostos e não deveriam poder dizer nada a respeito do valor dos impostos. Logicamente que com esta plataforma não se consegue ganhar em todo lugar; você não consegue vencer na capital do país com uma plataforma como esta, mas eu arriscaria dizer que em muitas localidades isto poderia facilmente acontecer. As localidades têm que ser pequenas o suficiente e têm que ter um bom número de pessoas decentes.

Consequentemente, os impostos e taxas locais, bem como a arrecadação fiscal, iriam inevitavelmente diminuir. O valor das propriedades e a maioria dos rendimentos locais iriam aumentar enquanto que o número de funcionários públicos e seus salários iriam cair. Neste momento, e este é o passo mais decisivo, o seguinte deve ser feito — e sempre mantenha em mente que estou falando sobre distritos territoriais muito pequenos, como vilas.

Nesta crise de financiamento do governo, que surge assim que o direito de votar é tirado da turba, um modo de sair desta crise seria a privatização de todos os ativos do governo. Um inventário de todos os prédios públicos, e em um nível local não são tantos assim — escolas, corpo de bombeiros, delegacia de polícia, tribunais, ruas e assim por diante — e então ações ou títulos parciais de propriedade deveriam ser distribuídos aos donos de propriedade privada locais de acordo com o total de impostos — impostos sobre propriedade — que estas pessoas pagaram durante suas vidas. Afinal, é deles, eles pagaram por estas coisas.

As ações deveriam ser livremente negociáveis, vendidas e compradas, e com isto este governo local seria essencialmente abolido. Se os níveis mais elevados do governo deixassem de existir, esta vila ou cidade seria agora um território livre ou libertado. O que iria acontecer com a educação e, mais importante, o que iria acontecer com a proteção da propriedade e a justiça?

Quando se trata de localidades pequenas, podemos ter tanta certeza, ou até mais certeza de que poderíamos ter tido 100 anos atrás sobre o que teria acontecido se o rei abdicasse, de que o que iria acontecer seria praticamente isto: todos os recursos materiais que antes eram destinados a estas funções — escolas, delegacias de polícia, tribunais — ainda existiriam, e do mesmo modo existiriam os recursos humanos. A única diferença é que eles agora pertenceriam a donos privados, ou, no caso de funcionários públicos, estariam temporariamente desempregados. Levando-se em conta a realista hipótese de que continuaria existindo uma demanda local por educação e proteção e justiça, as escolas, delegacias e tribunais ainda seriam usados para os mesmos propósitos. E muitos ex-professores, ex-policiais e ex-juízes seriam recontratados ou reassumiriam suas antigas ocupações por conta própria como indivíduos autônomos, a menos que eles fossem empregados pela elite ou por “figurões” locais que seriam proprietários dessas coisas, os quais seriam todos figuras públicas conhecidas. Ou como iniciativas em busca de lucro, ou como, e o que parece ser mais provável, uma mistura de organização beneficente e econômica. “Figurões” locais frequentemente fornecem bens públicos de seus próprios bolsos; e eles obviamente têm o maior dos interesses na preservação da justiça e da paz local.

E é bastante simples ver isso funcionar para escolas e policiais, mas e quanto a juízes e a justiça? Lembre-se que a raiz de todos os males é a monopolização compulsória da justiça, que é uma pessoa dizer o que é certo. Assim sendo, juízes deveriam ser financiados livremente, e a livre entrada na profissão de juiz deveria ser assegurada. Juízes não seriam eleitos através de votos, mas escolhidos pela demanda efetiva de pessoas em busca de justiça. Também não se esqueça que nas localidades pequenas que estamos considerando, falamos verdadeiramente sobre uma demanda por apenas um ou bem poucos juízes. Se este ou estes juízes seriam empregados por uma associação privada de justiça ou uma companhia com acionistas, ou se seriam indivíduos autônomos que alugariam estas instalações ou escritórios, o que deveria estar claro é que somente um punhado de pessoas locais, e somente personalidades locais respeitadas e muito conhecidas — isto é, membros da elite natural local — teriam alguma chance de serem escolhidas como juízes da paz local.

Somente como membros da elite natural suas decisões possuiriam alguma autoridade e se tornariam executáveis. E se eles viessem à baila com julgamentos que fossem considerados ridículos, eles seriam imediatamente substituídos por autoridades locais que fossem mais respeitáveis. Se prosseguirmos neste sentido no nível local, logicamente não se poderia evitar que se entrasse em conflito direto com o nível de poder governamental mais elevado, especialmente o federal. Como lidar com este problema? Os federais não iriam simplesmente destruir qualquer tentativa destas?

Eles certamente iriam querer, mas se eles realmente podem ou não fazê-lo é uma questão completamente diferente, e para perceber isto basta perceber que os membros do aparato governamental sempre representam, mesmo sob condições democráticas, meramente uma minúscula porção da população total. E ainda menor é a porção de funcionários públicos do governo central.

Isto significa que um governo central não pode executar sua determinação legislativa, ou lei pervertida, sobre toda a população a menos que ele encontre cooperação e apoio predominantes locais ao tentar. Isto fica óbvio se imaginarmos um grande número de cidades ou vilas livres como descrevi anteriormente. É praticamente impossível, considerando o potencial humano e de conhecimento, bem como de um ponto de vista de relações públicas, dominar milhares de localidades vastamente dispersas em um território e impor o poder federal direto sobre elas.

Sem imposição local, através da complacência das autoridades locais, as determinações do governo central não são muito mais do que palavras ao vento. Todavia, este apoio e cooperação locais são exatamente o que precisa estar faltando. Sem dúvida, enquanto o número de comunidades liberadas ainda for pequeno, o assunto parece ser um tanto quanto perigoso. No entanto, mesmo durante esta fase inicial da luta pela libertação, podemos ficar bem confiantes.

Seria aconselhável durante esta fase evitar confrontos diretos com o governo central e não condenar publicamente sua autoridade ou nem mesmo renunciar solenemente ao reino. Preferencialmente, seria aconselhável praticar uma política de não cooperação e resistência passiva. Simplesmente para-se de ajudar na execução de toda e qualquer lei federal. Pode-se assumir a seguinte atitude: “Estas são as suas regras, e você que as imponha. Não posso te impedir, mas também não vou te ajudar, pois meu único compromisso é com meu eleitorado local”.

Se aplicado com consistência, com nenhuma cooperação, nenhuma ajuda em nenhum nível, o poder do governo central diminuiria drasticamente ou até evaporaria. E levando em consideração a opinião pública geral, seria extremamente improvável que o governo federal ousasse ocupar um território em que os habitantes não fizessem nada além de tentar cuidar da própria vida. O caso Waco, um pequeno grupo de lunáticos no Texas, é uma coisa. Mas ocupar, ou exterminar um grupo consideravelmente grande de cidadãos normais, educados e honrados é outra coisa completamente diferente, e bem mais difícil.

Uma vez que o número de territórios implicitamente separados atingisse uma massa crítica — e cada ação bem sucedida em uma pequena localidade promoveria e alimentaria a próxima — o movimento seria inevitavelmente mais radicalizado em um movimento de municipalização espalhado por toda a nação, com políticas locais explicitamente de secessão e pública e insolentemente demonstrando desobediência à autoridade federal.

E então, será em uma situação como esta — quando o governo central for obrigado a abdicar de seu monopólio da violência e da tomada suprema de decisões judiciais, e quando a relação entre as autoridades locais (em ressurgimento) e as autoridades centrais (prestes a perder seus poderes) puder ser colocadas em um nível puramente contratual — que recuperaremos o poder de defender nossa própria propriedade novamente.

 

Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e A Economia e a Ética da Propriedade Privada.
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