PREÂMBULO
A falácia da escolha não exaustiva
A ortodoxia macroeconômica está agora, naturalmente, em pedaços. É banal – mas também, correto – observar que o keynesianismo, como nós o conhecíamos, está morto intelectualmente, mesmo que, por muito tempo, suas ideias ainda possam sobreviver em manuais e livros de autores de grande aceitação. É verdade que há grande número de modelos “neokeynesianos” (ou “pós-keynesianos”). Quanto a isso, concordo com o irrefutável argumento do Professor Yeager de que os teóricos “keynesianos” da atualidade demonstram indevida modéstia ao atribuir a Keynes suas contribuições originais [2].
Da mesma maneira, para melhor ou para pior, o monetarismo está sendo superado pela nova teoria das expectativas racionais, da qual trataremos mais adiante.
Hayek redescoberto
O renovado interesse por Hayek reflete uma procura de formulações alternativas. Hayek, o antigo e mais efetivo adversário intelectual de Keynes, discordou da formulação deste a respeito do problema das flutuações econômicas, em termos dos conceitos agregativos da macroteoria emergente. Hayek afirmou peremptoriamente que tais conceitos eram elucubração mental, e não categorias empíricas significativas. Mostrou que a teoria geral demonstra categoricamente a impossibilidade de relações funcionais estáveis entre variáveis macroeconômicas, tais como, consumo e investimento de um lado, e emprego total e investimento de outro. Os coeficientes, no curso de um ciclo econômico, devem mudar não apenas quanto à sua grandeza, mas também no que se refere a seus sinais algébricos.
Hayek criticava o sistema de Keynes pelo mesmo motivo pelo qual, anteriormente, criticou a teoria quantitativa, ou seja, pela falta de fundamentos microeconômicos [3]. Na verdade, Hayek identificou, por associação, a forte relação entre a teoria quantitativa e a teoria de Keynes sua pretensa adversária. Quem se propuser a buscar esta relação já terá vencido muitas barreiras para evidenciar a futilidade dos debates macroeconômicos [4].
A partir dessa interpretação, é possível explicar por que o enfoque de Hayek não é levado em conta nas discussões dos livros didáticos. Em seu Monetary Theory and the Trade Cycle, Hayek propôs uma integração entre a teoria monetária e a teoria dos preços [5]. No livro Prices and Production, baseando-se na teoria monetária de seu Professor Ludwig von Mises, ele esboçou uma teoria em que demonstra o fato de distúrbios monetários alterarem a organização dos preços relativos, por afetarem as taxas de juros do mercado, bem como o padrão de investimento. Injeções monetárias constituem uma fonte adicional de demanda de bens e recursos. Vai-se, então, reagir aos sinais de mercado, ou seja, aos preços, acionados por essa fonte adicional, como se fatores reais – a preferência pela poupança, por exemplo – se tivessem alterado. Os agentes das transações reagem aos sinais de mercado, e os sinais relevantes indicam que as funções subjacentes sofreram alterações.
Na verdade, por algum tempo, os efeitos da expansão monetária poderiam ser os mesmos que aqueles produzidos, caso não houvesse mais a preferência pela poupança, uma vez que esta se coloca a favor do consumo futuro e em detrimento do consumo presente. Como consequência, se teria, certamente, não só um boom de investimentos, como também um alto nível de emprego. Um ponto crucial para a análise de Hayek reside no fato de ter observado que os recursos serão, então, alocados em atividades produtivas que, em outras condições, não teriam existido. Os recursos podem continuar assim empregados apenas enquanto dura a expansão monetária. A taxa de aumento do estoque de dinheiro tem de acelerar-se para manter o padrão (desequilíbrio) de emprego.
Não é verdade que dependa da expansão monetária a obtenção de um nível elevado de emprego, ou que tal nível possa ser permanentemente mantido por ela. Aliás, é justamente o contrário o que Hayek afirma em sua análise, como se pode ver pelas explicações dadas no primeiro ensaio. Contudo, tão logo a expansão monetária tenha produzido efeitos reais, o padrão de alocação de recursos que dela resultará só poderá ser mantido – caso isso seja possível – através de acelerações na taxa de expansão das reservas monetárias. Conforme observa Hayek no primeiro ensaio, o desemprego não é um meio de combate à inflação – o que é erroneamente sugerido pela teoria macroeconômica de Keynes -, e sim o resultado da desaceleração da taxa de crescimento das reservas monetárias. Tão logo a inflacionada demanda por recursos se reduzir naqueles setores onde, anteriormente se havia expandido, os empresários recomeçarão a alocar não só recursos, como também mão de obra.
Aqueles que impõem ao mundo os frutos da elucubração mental da macroeconomia percebem como um problema de desemprego agregado algo que, na realidade, não é mais que um problema de desemprego setorial. E, por sua vez, o desemprego setorial que se observa num período é, no caso em questão, o resultado de superemprego nesses mesmos setores, em períodos anteriores. Simetricamente, teria havido subemprego de recursos em algum outro lugar.
É importante notar que é nas fases de expansão geradas pela criação de dinheiro – e não pelas poupanças genuínas – que ocorrem as más alocações de recursos e os erros empresariais. Assim, o que é denominado “recessão” revela simplesmente erros anteriores relativos à alocação de recursos. Por outro lado, é na fase de recessão que as realocações corretivas têm lugar. Esse modo de ver o problema pode evidenciar o porquê de as recessões serem necessárias para restaurar o equilíbrio: a recessão é a restauração do equilíbrio ou o começo deste. Para quem faz a política econômica, assumir um compromisso no sentido de debelar a inflação sem provocar alguma espécie de recessão significa comprometer-se a fazer o impossível. E este compromisso acaba por assegurar, juntamente com a estagnação econômica, uma inflação continuada e acelerada. Não há “aterrissagens suaves” para uma economia na qual a ordenação das atividades econômicas tenha sido quebrada pela inflação.
Embora o primeiro e o terceiro ensaios de Hayek se baseiem em seu trabalho teórico anterior, eles são aplicáveis às décadas de 1970 e de 1980, especialmente em relação à Grã-Bretanha. Muito poucas vezes nesses ensaios, escritos em 1975, os episódios são datados. Referências ao poder sindical como forte razão para a criação de dinheiro, porém, surpreendem a muitos leitores norte-americanos, que julgam isto estranho. Ainda que tal argumento possa ser verdadeiro para a Grã-Bretanha, é difícil responsabilizar os sindicatos trabalhistas dos Estados Unidos pela expansão monetária norte-americana, não importam, no entanto, as origens das pressões para a expansão monetária; a alocação de recursos é afetada pela política monetária. Mesmo no caso de a expansão monetária não mais ser substancialmente dirigida no sentido de estimular o investimento privado, como Hayek sugere que acontecia em 1931, a ordenação econômica e a alocação de recursos sofrem interferências.
Atuais contribuições à teoria econômica
Os teóricos das expectativas racionais sepultaram definitivamente a macroeconomia keynesiana. De fato, ao apontar as razões pelas quais os modelos macroeconômicos estão fadados a falhar na simulação dos efeitos das políticas macroeconômicas alternativas, o Professor Robert Lucas e outros faziam eco a observações feitas por Hayek há quarenta anos [6]. Realmente, na conferência que pronunciou por ocasião do Prêmio Nobel (o segundo ensaio desta publicação), Hayek não só reafirma veementemente a sua posição, como também provê de fundamentos metodológicos a sua análise positiva*.
Apesar de se reconhecer que, em suas críticas à macroeconomia convencional, os teóricos das expectativas racionais repetem os pontos de vista de Hayek, não se pode deixar de levar em conta as diferenças fundamentais entre o pensamento do economista austríaco e a nova teoria monetária. Hayek sempre deu muita ênfase ao fato de os mercados funcionarem com base em uma economia de informações e de se caracterizarem pela descentralização e dispersão de conhecimentos [7]. Essa visão do problema explica tanto a eficiência dos mercados quanto a sua vulnerabilidade com respeito a distúrbios monetários. A estrutura da economia não é revelada a ninguém. As expectativas se formam pela falta de um conhecimento completo. Pela ênfase com que tratam da homogeneidade do conjunto de conhecimentos e dos conhecimentos dos agentes em relação à estrutura da economia, os teóricos das expectativas racionais divergem radicalmente da abordagem de Hayek [8].
Qualquer pessoa deveria, certamente, ficar muito animada com as recentes contribuições no campo da teoria monetária. Mas é preciso que a teoria monetária ainda venha a redescobrir as contribuições específicas que nos foram dadas por Mises, Hayek e por outros “austríacos” para que possamos chegar à compreensão das flutuações econômicas. Eles representam toda uma tradição que, tendo começado com Cantillon e passado pela economia política clássica, está sendo ignorada. Este documento do “Cato Institute” serve de excelente introdução a esta tradição.
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* N.T. “Positiva” no sentido de descrição cientifica.
1 – Para se ter ideia das dificuldades que os economistas têm enfrentado no esforço de especificar os problemas em questão, veja-se o simpósio sobre a teoria monetária de Friedman, no Journal of Political Economy, 80, setembro/outubro de 1982.
2 – Leland Yeager, “The Keynesian Diversion”, Western Economy Journal, 11, junho de 1953, p.p. 150-163.
3 – Cf. Friedrich A. Hayek, Prices and Production, 2° ed. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1935, p.p. 1-31 passim.
4 – Para uma tentativa preliminar para realizá-lo, ver Gerald P. O’Driscoll Jr., e Sudka R. Shenoy, “Inflation, Recession and Stagflation” in The Foundations of Modern Austrian Economics, ed. Edwin G. Dolan, Kansas City, Sheed & Ward, 1976, p.p. 185-21 1.
5 – Friedrich A. Hayek, Monetary Theory and the Trade Cycle (1933), traduzido por N. Kalder e H. M. Croome (New York: Kelley, 1966).
6 – Ver Robert E. Lucas Jr., “Econometric Policy Evaluation: A Critique”, em The Phillips Curve and Labor Markets, ed. Karl Brunner e Allan H. Meltzer, (New York: Horth-Hollands, 1976), pp. 19-46.
7 – Friedrich A. Hayek, “Economics and Knowledge” e “The Use of Knowledge in Society” no seu Individualism and Economic Order (Chicago: University of Chicago Press, 1948).
8 – Em sua recente critica à abordagem das Expectativas Racionais, o Professor Arrow adota a posição de Hayek. Ver Kenneth J. Arrow, “The Future and Present in Economics”, Economics Enquiry 61 (abril 1978): 157-71.