Capítulo 3 – A FUNÇÃO EMPRESARIAL E O VALOR DO EMPREENDEDORISMO
I. Introdução
Onde quer que não exista empreendedorismo e onde quer que o arcabouço institucional prejudique a função empresarial não existe lugar para o progresso. Mas, por incrível que pareça, nem todos pensam assim. Em certos países prevalece uma aversão ao empreendedor, provocada por uma mistura de influências históricas, culturais e midiáticas que forjaram durante muitos anos uma mentalidade antiempresarial muito forte e não temos dúvidas de que esse é um dos fatores que prejudicam o desenvolvimento da economia desses países. Nessas sociedades, pode-se detectar uma verdadeira aversão à atividade empresarial, mas isso não acontece por acaso; é fruto de um trabalho ideológico bastante eficiente sobre o sistema cultural, embora fundamentado em concepções anacrônicas e fracassadas a respeito da economia, da política, da sociedade, da antropologia, da história e da boa ética.
Gramsci acreditava — e Goebbels pôs a crença em prática — que uma grande mentira, fatal e abissal, repetida ad nauseam durante muito tempo, terminaria adquirindo ares de truísmo e de axioma, como se fosse uma verdade incontestável. Sem dúvida, este é o caso da afirmativa falaciosa de que a pobreza de X é explicada exclusivamente pela riqueza de Y (X e Y podendo ser indivíduos, regiões, países, gêneros sexuais, minorias, maiorias ou raças). Embora tal asserção não seja capaz de resistir a dois minutos de lógica, de tanto ser alardeada acabou se transformando em um dos símbolos místicos das esquerdas em todo o Ocidente, especialmente nos países pobres. Na América Latina, por exemplo, quem ousar discordar dessa tolice, seja nos meios universitários, na mídia, nas conversas em ônibus, nas academias de musculação, em restaurantes luxuosos ou nas arquibancadas de um estádio, é imediatamente taxado de “direitista”, “ultraconservador”, “radical”, “polêmico”, “entreguista”, “neoliberal” e outros adjetivos que, em nosso sistema cultural pré-histórico, soam como pesados impropérios. Matusalém, diante das ideias dessa gente, se sentiria um menino recentemente saído das fraldas…
É muito fácil demonstrar quão equivocada é a mencionada proposição, dado o enorme volume de falsidades que embute. Basta chamar a atenção para o fato de que está baseada em um logro que tem sido fatal para os países mais pobres: a de que a economia seria um jogo de soma zero, tal como, por exemplo, uma luta de judô, em que o lutador Y só pode ser vencedor se o lutador X perder. Pois a economia do mundo real é exatamente o oposto, é um jogo cooperativo, em que a vitória ou êxito de uns não significa derrota ou fracasso de outros, já que ambos podem ganhar.
É evidente que essa falácia é um prato solerte e astutamente preparado para alimentar a dialética esquerdista da luta de classes, formulada e disseminada pelos que o filósofo alemão Eric Voegelin denominava de trapaceiros intelectuais — como Hegel, Marx e Nietzsche —, fazendo a imensa maioria das pessoas, sem que elas o percebam, mergulhar, para usar expressão do mesmo Voeglin, nas águas turvas daSegunda Realidade, em que passarão a viver como criaturas subaquáticas e aprisionadas, embora pensem que sejam livres. Com a propaganda maciça inspirada em Gramsci, com grande competência, diga-se de passagem, essa trapaça foi inoculada e paulatinamente endossada — para utilizar a nomenclatura de Ortega y Gasset — pelas massas, formada por milhões de indivíduos cuja capacidade intelectual não é suficiente nem para perceberem que estão também agindo como embusteiros, mas que vivem como bois sendo conduzidos ao som do berrante, pois o homem-massa, com quem esbarramos diariamente em todos os lugares, apenas mente e se deixa levar, muitas vezes, com uma boa-fé tão grande que gera o fenômeno da honestidade compacta, que resulta dos conflitos entre a Primeira e a Segunda Realidade, em níveis intelectuais relativamente mais baixos.
É evidente que, se X é pobre e Y é rico, isto pode ser devido a muitos fatores, como, por exemplo, o primeiro não ter estudo, ser preguiçoso, néscio, azarado, desnutrido ou não gozar de boa saúde, enquanto o segundo detém os atributos — ou alguns deles — opostos, isto é, ter muitos anos de estudo, ser trabalhador, arguto, sortudo, bem nutrido e saudável. Mas as esquerdas, maliciosamente, ressaltam apenas uma dentre tantas possibilidades, a do “rico” explorar o “pobre”. É claro que quem crê nessa falácia é tentado a aceitar as propostas do tipo de que a tributação deve ser “progressiva”, de que o estado deve permanentemente transferir recursos para os pobres sem estimulá-los a trabalhar e de que é preciso, resumindo, tirar de Y para entregar para X, até perceber que, depois de algum tempo, ambos — X e Y — estarão pobres. Não se elimina a pobreza combatendo a riqueza, mas motivando a geração de riqueza de maneira generalizada.
Neste capítulo, desejamos apenas frisar, com base nos ensinamentos da Escola Austríaca, um dos efeitos da falsa proposição de que, se X é pobre, é porque Y, que é rico, o explora. Refiro-me à mentalidade antiempresarial que campeia na América Latina e, a rigor, em todo o mundo — até mesmo, atualmente, nos Estados Unidos e na Europa —, à visão de que todos os empresários são, até prova em contrário, verdadeiros poços de vícios e de que todos os “trabalhadores” (como se empresários também não trabalhassem) autênticas fontes inexauríveis de virtudes.
Na cultura brasileira isto é patente, evidente e eloquente: se Fulano pretende abrir uma empresa qualquer, é imediatamente tratado pelo estado como um suspeito e é obrigado — se não desistir antes — a enfrentar um calvário burocrático, que antecede três outros calvários, o tributário, o regulatório e o trabalhista, a que será submetido caso venha a obter a autorização para abrir o seu negócio, o que consumirá, em média, de acordo com o Banco Mundial, 152 dias (contra 71 dias na América Latina, cerca de 30 dias na Europa, de uma semana a quinze dias nos Estados Unidos e cerca de três ou quatro dias na Austrália e na Nova Zelândia). Uma vez aberta a sua empresa, os corvos da tributação excessiva e complexa, os urubus do excesso de regulamentações e da burocracia e as demais aves de mau agouro dos encargos trabalhistas começam imediatamente a sobrevoar a área. E, se o herói cansar-se e resolver fechar a empresa, só o conseguirá ao cabo de, em média, 10 anos!
Além da carga tributária pesadíssima, existe o chamado “tributo burocrático”, também impressionante: ainda de acordo com o Banco Mundial, são 2.600 horas anuais gastas, em média, pelos empresários nacionais para tratar de assuntos tributários, contra 350 nos Estados Unidos e 105 na Alemanha. A enorme burocracia e o excesso de regras, bem como as frequentes mudanças nas mesmas, prejudicam os negócios e inibem o empreendedorismo. O Brasil ocupa a 122ª posição no ranking geral de facilidade em realizar negócios. A legislação trabalhista é anacrônica e os encargos excessivos fazem com que o custo para o empregador de um funcionário seja mais do que dobrado em relação ao seu salário. Não há, evidentemente, dados oficiais sobre a praga da corrupção, mas parece ser evidente que ambientes institucionais como esse que acabamos de descrever a estimulam fortemente.
Precisamos ter em mente que vícios e virtudes são universais, fazem parte da própria condição humana e, portanto, são comuns a patrões e a empregados, a ricos e a pobres. Assim como há patrões e ricos desonestos, exploradores e corruptos, também há empregados e pobres corruptos, exploradores e desonestos! A seguir a falsa premissa de que vícios são atributos exclusivos de ricos e patrões e de que todos os funcionários e pobres beiram a santidade, teríamos que defender práticas adotadas por déspotas como Mao, Pol Pot e Fidel, que desapropriaram todas as propriedades, mataram muitos dos seus legítimos donos e forçaram os restantes a trabalhar no campo em regime de trabalhos forçados. O resultado, em todos esses casos e em outros semelhantes, foi uma generalização da pobreza.
II. A função empresarial
O conceito austríaco de função empresarial está intimamente relacionado ao de ação humana, definida genericamente como qualquer comportamento deliberado com vistas a atingir determinados finsque, segundo acredita o agente, irão aumentar a sua satisfação. Cada agente atribui a um determinado fim uma apreciação subjetiva, de caráter psicológico, que se denomina de valor. E os meios são simplesmente aquele conjunto de atos que o agente considera mais adequados para alcançar os seus fins, enquanto autilidade consiste na apreciação, também subjetiva, que o ator atribui aos meios, tendo em vista o valor dos fins que, segundo ele, os meios escolhidos permitirão atingir. Sendo assim, valor e utilidade são como duas faces de uma moeda, uma vez que o valor subjetivo que o agente atribui aos fins desejados é projetado, pelo conceito de utilidade, aos meios que acredita serem adequados para tal.
Como os meios sempre são escassos face aos fins, os agentes tendem a buscar primeiro os fins aos quais atribuem maior valor e apenas posteriormente os demais, que são relativamente menos importantes. Em outras palavras, o agente valoriza cada meio existente que possa ser usado para alcançar diversas ações de acordo com a utilidade marginal de cada um e, evidentemente, escolherá em primeiro lugar aqueles a que atribui subjetivamente utilidade marginal maior. Além disso, como a ação sempre acontece no tempo e o tempo é também escasso, em igualdade de circunstâncias o agente sempre atribuirá valores maiores para os fins mais imediatos, ou seja, prevalece a preferência intertemporal nas suas escolhas.
A função empresarial, definida mais precisamente, nada mais é do que aquele atributo individual de perceber as possibilidades de lucros ou ganhos eventualmente existentes. Ora, como isso se constitui em uma categoria de ação, esta pode ser encarada como um fenômeno empresarial, que põe em destaque as capacidades perceptiva, criativa e de coordenação de cada agente.
Como em qualquer ação humana, a ação empresarial se processa em ambiente de surpresa e de incerteza genuína e requer criatividade, uma vez que o futuro é sempre incerto e está sempre aberto ao desenvolvimento do potencial criativo dos agentes. Outra característica da ação empresarial é que, em se tratando de escolhas ao longo do tempo e sob condições de incerteza, há sempre outras ações a que se deve renunciar. O valor subjetivo dessas ações a que se renuncia é denominado de custo. Logicamente, os agentes agem porque acreditam subjetivamente que os fins escolhidos possuem um valor maior ao dos custos decorrentes da escolha por determinada ação e a diferença constitui o lucro, que é o elemento motivador da ação. Se as ações não acarretassem custos, os valores subjetivos dos fins coincidiriam com o lucro. Para os economistas da Escola Austríaca toda ação embute um componente empresarial puro e criativo em sua essência, que não requer qualquer custo e que é exatamente o que permite aproximar o conceito de ação do conceito de função empresarial.
Além disso, qualquer ação é sempre racional, no sentido de que a priori, quando formula sua ação e delineia os fins, o agente sempre busca os meios que julga serem mais apropriados para que tenha sucesso. Isto não significa, logicamente, que, a posteriori, não existam os chamados erros empresariais, que são os prejuízos ou perdas decorrentes de erros de avaliação de meios e fins.
Claramente, toda ação — e, portanto, toda atuação empresarial — tem a capacidade de gerar novas informações de cunho implícito, de natureza ao mesmo tempo prática e subjetiva e que muitas vezes não podem ser expressas. Sendo assim, o conjunto de ações ou atos empresariais induz cada agente a ajustar ou coordenar suas próprias atuações levando em consideração as necessidades, desejos e circunstâncias dos demais agentes, transmitidas pelo processo de mercado por meio de suas atuações. Essa dinâmica, no final das contas, é que torna possível e interessante, de maneira inteiramente espontânea e inconsciente, a própria vida em sociedade.
A ação empresarial é imprescindível para tornar possível o cálculo econômico — definido como as estimativas de avaliação dos resultados dos diversos cursos de ação —, porque somente ela é capaz de proporcionar as informações necessárias para tal. A função empresarial, portanto, é um elemento precioso para a realização do processo de coordenação social e dos juízos dos resultados da ação humana no campo econômico.
Uma sociedade que abre mão da função empresarial está condenada à ausência de coordenação social e de cálculo econômico e, portanto, está abrindo todas as portas para a coerção institucional. Sem mercados livres e liberdade para agir, não pode haver ação empresarial; sem esta, não há como se falar em preços de mercado; e sem estes, é impossível existir coordenação e cálculo econômico. Foi exatamente o que aconteceu com as sociedades que optaram pelo socialismo e ainda acontece naquelas que, por incrível que pareça, ainda seguem essa opção. Coerção e eficiência econômica — no sentido de coordenação e cálculo econômico — são termos mutuamente excludentes.
A teoria austríaca da função empresarial pode ser exposta a partir de uma síntese dos trabalhos de Israel Kirzner, especialmente sua trilogia Competition and Entrepreneurship, Perception, Opportunity and Profit e Discovery and the Capitalist Process, publicada pela The University of Chicago Press, respectivamente, em 1973, 1979 e 1985, bem como nas publicações subseqüentes Discovery, Capitalism and Distributive Justice (Basil Blackewell, 1989) e The Meaning of Market Process: Essays in the Development of Modern Austrian Economics (Routledge, 1991). A obra de Kirzner parte de elementos, como não poderia deixar de ser, das contribuições anteriores de Menger, Mises, Hayek, Lachmann e Shackle e constitui, certamente, uma enorme contribuição para o desenvolvimento dos insights austríacos.
Toda e qualquer ação no campo econômico envolve uma escolha, tanto no campo empresarial como fora dele. O que caracteriza a atividade dos entrepreneurs, isto é, a função empresarial, é um constante estado de perspicácia, que significa algo mais que uma simples vantagem relativa em termos de conhecimento, tal como a que possui, por exemplo, um especialista em determinado assunto sobre os não especialistas. Sob a ótica de Kirzner, o conhecimento empresarial é um tipo de conhecimento rarefeito, abstrato, aquele tipo de conhecimento necessário para se obter informações ou outros recursos e, uma vez obtidas, do como obter ganhos. Mercados em desequilíbrio são uma das conseqüências da ignorância, da insuficiência de conhecimento, mas, por outro lado, o fato de não estarem em equilíbrio proporciona tentativas de descoberta de oportunidades lucrativas.
A Escola Austríaca, contudo, estabelece diferenças entre o empresário e o homem de negócios, na medida em que distingue entre empresário e empreendedor. Neste sentido, diversas categorias de pessoas podem ser consideradas como empresários, desde que estejam sempre agindo mediante escolhas, sejam essas pessoas sindicalistas, diretores de “empresas” estatais, herdeiros de empresas que passam o seu tempo sem trabalhar, ou envolvidos em “atividades empresariais políticas”. Sob o ponto de vista austríaco, o que caracteriza a escolha empresarial é o subjetivismo, isto é, o fato de que as escolhas são feitas, antes de mais nada, na imaginação. Se o empresário apenas reagisse a fatos objetivos, então ele não seria mais do que mero otimizador de funções matemáticas de lucro que reage sempre a fatos objetivos. Na realidade, ele é mais do que isso, porque diferentes empresários reagem de maneiras diferentes, quando colocados diante do mesmo fato objetivo. Cada indivíduo possui o que Shackle denominou de orientação própria, isto é, um esquema particular e subjetivo para explorar o cenário econômico, tal como este se lhe apresenta em determinado momento.
O empreendedor é aquele indivíduo que percebe que uma determinada ideia poderá lhe proporcionar ganhos e se empenha para desenvolvê-la na prática. O fato de esse indivíduo ser ou não um empresário (no sentido de ser diretor ou dono de uma empresa), no momento em que nasce sua boa ideia, não é, portanto, relevante para que possamos defini-lo como empreendedor.
Um dos aspectos mais importantes do conceito de função empresarial de Kirzner é que o empresário é visto não apenas como a mola propulsora de uma economia de mercado, mas principalmente como um produto exclusivo da economia de mercado, conforme comentamos anteriormente. Em outras palavras, só podem existir empresários, no conceito utilizado pela Escola Austríaca, onde houver economia de mercado, uma vez que o processo de descoberta que caracteriza os mercados livres, em que os empresários são obrigados a manter-se em permanente estado de sagacidade para que possam saber que necessidades específicas os consumidores desejam ver atendidas, não pode ser substituído pelo planejamento, por computadores, por reuniões da “sociedade civil”, por “câmaras setoriais” ou por “soluções” políticas.
A atividade empresarial pode ser vista também como um caso geral de arbitragem, em que as oportunidades de lucros surgem quando os preços dos produtos finais não estão ajustados aos preços dos serviços dos fatores de produção: quando isto acontece, alguma coisa está necessariamente sendo vendida a preços diferentes em dois mercados, como resultado de imperfeições na comunicação entre eles. O papel do verdadeiro empresário, então, é o de explorar essa oportunidade e, como isso, realocar recursos, o que tende a eliminar a discrepância de preços. Ao fazer isso — e ser bem sucedido —, outros empresários terão aumentado seu nível de conhecimento e tenderão a seguir seu exemplo.
Segue-se, então, que a fonte principal do lucro é exatamente a incapacidade de todos os empresários, ao mesmo tempo, anteciparem corretamente o estado futuro do mercado. Como já observara Mises, caso isto fosse possível, não haveria nem lucros nem prejuízos. Kirzner considera outra fonte importante de lucros, que é a capacidade de descobrir onde estão as oportunidades. Portanto, a teoria austríaca descarta a visão convencional de que o lucro seria simplesmente a recompensa ganha pelo fator capital e um resíduo, já que não existe uma demanda por atividade empresarial, nos moldes de uma demanda por capital. Por isso, não existe um preço para ela, como há um preço para o capital. É com esses argumentos que os austríacos encaram os lucros sob o ponto de vista ético.
O processo de mercado e a função empresarial no contexto da ação humana, portanto, desencadeiam um processo de cooperação social que, por intermédio dos mecanismos de aquisição e de disseminação de novos conhecimentos, representa o melhor sistema de alocação dos escassos recursos econômicos que se conhece. Tal sistema pode ser equiparado a um universo, onde há ininterruptamente forças em expansão e forças em contração, sendo o conjunto de todas essas forças incontroláveis pelo homem. Em outras palavras, para usarmos uma expressão de Hayek, uma ordem espontânea de mercado, fruto da ação humana, mas não do desejo deliberado dos planejadores e que representa a melhor forma de organização econômica.
III. O valor do empreendedorismo
O empreendedor é fundamental para a geração de riqueza, não apenas para ele, mas para milhões, bilhões de pessoas, especialmente para os consumidores. Não é um simples proprietário de uma empresa (empresário), mas alguém que, muitas vezes sem um centavo no bolso, vislumbrou antes dos demais uma oportunidade de produzir algo que iria tornar satisfeitos os consumidores e melhorar as suas vidas; é alguém que, antecipando essa possibilidade, assumiu riscos às vezes fantásticos, pois, em caso de fracasso, perderia até os sapatos que calça; é alguém que, em inúmeros exemplos, precisou tomar empréstimos para tornar viável o negócio que imaginou; é alguém que criou e, neste sentido, é cocriador, o que o aproxima, como homem, da imago Dei; é alguém de cujas ideias e sonhos terminam brotando riqueza e dinheiro, empregos e rendas para os seus semelhantes; é alguém que percebe que uma determinada ideia é boa e trabalha duramente para pô-la em prática e que sabe perfeitamente que, caso sua ideia seja executada, mas não caia no agrado dos consumidores, naufragará com ela.
Voltemos ao exemplo do primeiro capítulo, em que João pretende alcançar um fim FJ, para o qual precisa utilizar um meio, MJ, que ele não possui e que, além disso, não sabe como obter e que Maria pretenda alcançar um fim FM, diferente de FJ, e que tem à sua disposição o meio MJ, que é útil para João, mas que não tem utilidade para ela. Além disso, Maria não sabe que esse meio é importante para João e este, por sua vez, não sabe que Maria o possui e, ainda, que ela não pretende utilizá-lo. Suponhamos agora que o fim de João seja o de abrir uma oficina de mecânica de automóveis em uma determinada rua de um bairro, que o meio de que necessite seja um terreno e que Maria tenha herdado de uma tia um terreno baldio nessa mesma rua, que só lhe tem causado custos com as taxas e impostos escorchantes que o município lhe impõe. Maria e João não se conhecem, mas eis que surge José que, conhecendo os desejos de ambos, percebe uma boa oportunidade de ganho se comprar o terreno de Maria por, digamos, R$ 80.000,00 (valor que ele possui em uma conta poupança) e revendê-lo para João por um valor maior. Suponhamos que Maria venda o terreno para José por aquele valor e que José consiga revendê-lo para João por R$ 100.000,00. Admitamos, por fim, que João, de posse do terreno, abra a sua oficina e, com isso, dê emprego para cinco pessoas que se encontravam desempregadas.
Observemos quantos indivíduos ganharam com a ideia que José conseguiu levar adiante. Primeiro, o próprio José, que lucrou R$ 20.000,00; depois, Maria, que, além de ver-se livre das despesas com o terreno, embolsou, em termos brutos, R$ 80.000,00; em terceiro lugar, João, que pode finalmente realizar o seu desejo de ser proprietário de uma oficina mecânica e que poderá obter lucros com o seu funcionamento; e, por fim, os cinco empregados do novo negócio e, obviamente, as suas famílias, que — admitamos — totalizavam, somando as esposas e os três filhos de cada um, vinte pessoas. Portanto, o empreendedorismode José beneficiou, ao fim e ao cabo, ele mesmo, João, Maria, os cinco mecânicos e mais vinte pessoas, ou seja, vinte e oito pessoas.
Notemos que José, para colocar em prática a sua ideia, nem precisava dispor dos R$ 80.000,00 necessários para comprar o terreno de Maria, bastando que tomasse um empréstimo nesse valor e que o total de juros que teria que pagar pela operação fosse inferior ao ganho obtido com a revenda do terreno para João. Vemos, então, que o empreendedor não precisa ser alguém necessariamente rico, mas alguém que tenha criatividade, inventividade, ideias, enfim.
Ora, se isto acontece em um pequeno negócio como o desse exemplo simples, podemos imaginar a amplitude dos benefícios proporcionados pelos grandes negócios, que envolvem a geração de empregos de centenas e de milhares de pessoas. No entanto, a cultura antiempresarial insiste invariavelmente em associar os grandes negócios a fraudes, negociatas e “maracutaias”, em que apenas os “empresários” obtêm lucros e sempre a partir da “exploração” alheia…
Assim, José, o empreendedor inicial (aquele que teve a ideia), conseguiu obter um lucro empresarial bruto de R$ 20.000,00. Mas Maria, de imediato, já ganhou R$ 80.000,00 e poderá, ao longo do tempo, ganhar mais do que o lucro de José, caso aplique bem o seu dinheiro. Da mesma forma, o negócio de João, que lhe custou R$ 100.000,00 pela compra do terreno, fora os custos com máquinas, empregados e a construção de um galpão, entre outros, depois de algum tempo, compensará os seus custos fixos e variáveis de abrir e manter a oficina. A ação empresarial de José produziu vários efeitos: criou nova informação; transmitiu essa informação ao mercado; coordenou os planos de João com os de Maria; deu emprego para cinco mecânicos; beneficiou suas famílias; e aumentou a competição no setor de mecânica de automóveis, porque criou mais uma empresa e, portanto, beneficiou também os proprietários de carros.
Ai do mundo se não existissem pessoas assim, com tal disposição para assumirem riscos e, desta forma, contribuírem para melhorar as condições de vida do mundo, não apenas em proveito próprio, mas beneficiando bilhões de outros indivíduos. Cristóvão Colombo, por exemplo, foi um autêntico empreendedor, em uma época em que os riscos de seu empreendimento eram enormes, pois as naus eram semelhantes a cascas de nozes e o capital necessário para o seu empreendimento, bem como as suas fontes, era muito mais escasso do que em nossos dias, o que o levou a buscar a ajuda da rainha Isabel de Castela, pois, se fosse depender de recursos próprios ou de empréstimos de bancos, não poderia realizar o seu negócio, que mudou o mundo. Irineu Evangelista de Souza (o Visconde de Mauá), Amador Aguiar, Akio Morita, Bill Gates e milhões de criadores anônimos de pequenos e grandes negócios espalhados pelo mundo são exemplos de empreendedores.
O empreendedorismo brota do espírito criativo dos indivíduos, que os leva a assumir riscos para criar mais riqueza, o que o faz depender, para que possa florescer, de quatro atributos: de um governo limitado, do respeito aos direitos de propriedade, de leis boas e estáveis e da economia de mercado. Quanto mais uma sociedade afastar-se desses pressupostos, mais sufocada ficará a atividade de empreender, o que terminará por prejudicar toda a sociedade, porque não se conhece até hoje exemplo de desenvolvimento econômico sem a presença de empreendedores.
Mas a propaganda gramsciana tem sido tão eficaz a ponto de gerar o que o padre Robert A. Sirico, presidente do Acton Institute, denomina, com bastante propriedade, de anti-capitalist capitalists, no excelente vídeo The Call of the Entrepreneur distribuído por aquele instituto. Os “capitalistas anticapitalistas” são, em geral, empresários que, a despeito de terem ajudado a criar riqueza para a sociedade mediante seus negócios bem sucedidos, adotam simultaneamente causas antitéticas ao crescimento econômico, à livre empresa e às liberdades individuais, como a retórica da “responsabilidade social das empresas” — algo que, por si só e de início, é um pleonasmo. Assim, a partir de meados da década passada, muitos empresários passaram a prover fundos para causas politicamente intervencionistas e anticapitalistas, que se abrigam sob o manto politicamente correto da “responsabilidade social das empresas”.
O que tem levado homens de sucesso, cujos negócios beneficiaram não apenas a eles próprios, mas a muitos consumidores, a abraçarem causas que entram em choque com tudo o que fizeram anteriormente, a assumirem uma pretensa “culpa” pelos males do mundo, para cujo progresso suas ações no passado foram decisivas e, enfim, a viver simultaneamente as Duas Realidades a que se referia Voegelin? Só encontro três respostas para tamanha incoerência. A primeira é algo como que uma nostalgia da juventude, daquele idealismo típico dos anos de 1960, que definia compulsoriamente o lucro como um enorme pecado, quando, na realidade, nada tem de vicioso, como a própria Doutrina Social da Igreja, especialmente nas encíclicas escritas por João Paulo II, afirma peremptoriamente em diversas passagens. Ora, se essas pessoas encaram os próprios lucros como algo “errado” ou “pecaminoso”, é natural que sintam um desconforto em relação aos seus semelhantes, o que as leva a posar como “protetoras dos pobres”. Mises, ainda nos anos de 1920, já observara tal comportamento doentio em empresários, intelectuais e em artistas de sucesso.
A segunda razão que leva empresários bem sucedidos a abraçarem causas que, em sua essência, são antiempresariais, é também a motivadora da anterior: trata-se da propaganda esquerdista tão competentemente orquestrada e bombardeada diariamente na mídia, que atribui a pobreza de X exclusivamente à riqueza de Y e, portanto, ele — Y, o “rico” — teria obrigação “moral” de melhorar a situação dos pobres. Como se já não tivesse feito isto, desde que abriu o seu negócio e com ele beneficiou outras pessoas, tanto as que trabalham diretamente para ele como as que compram os seus produtos…
A terceira é que em um sistema de organização social em que o estado detém poder excessivo sobre os indivíduos, os empresários ficam reféns das autoridades, que algumas vezes praticam verdadeiras chantagens, exigindo doações para seus partidos em troca da permissão para a manutenção do negócio ou para a concessão de alguns privilégios. É entristecedor, embora compreensível, assistirmos a empresários eempreendedores doando dinheiro para políticos de partidos cujas ideias são essencialmente anticapitalistas, sem terem noção de que essas atitudes poderão no futuro, caso os grupos radicais que ajudaram a eleger alcancem o poder, tornar menos lucrativo ou até eliminar o seu negócio.
Um exemplo notável dessa visão distorcida da realidade estimulada pela mídia esquerdista é o filmeWall Street, em que o protagonista, um banqueiro milionário vivido pelo ator Michael Douglas, declara enfaticamente que ele não cria riqueza, apenas a toma dos outros… Uma asneira cinematográfica nos dois sentidos, primeiro, porque banqueiros também podem ser autênticos empreendedores e segundo porque os empreendedores não banqueiros dependem dos banqueiros!
Enquanto prevalecer na América Latina a mentalidade antiempresarial e não nos dermos conta dos benefícios que a atividade empreendedora gera para a economia e para a sociedade, vamos continuar repetindo o teorema fatal da economia como um jogo de soma zero e seu corolário, o de que X é sempre explorado por Y e de que tal fato explica por si só a sua pobreza. E, consequentemente, não vamos sair do nível de pobreza em que estamos.
IV. Empreendedorismo e confiança
A virtude da confiança é essencial em uma economia de livre-mercado, em que muitos assumem riscos em seus empreendimentos. Sem confiança recíproca, a economia transforma-se em algo semelhante a um jogo não cooperativo. Em primeiro lugar, o empreendedor precisa confiar na própria economia de mercado, sabendo que, enquanto os resultados de suas ações não estiverem garantidos e os riscos forem elevados, pode esperar aparecer uma oportunidade justa de levar avante a sua ação planejada, recorrendo a investidores. Estes, por sua vez, precisam ter certeza de que existem proteções inarredáveis à propriedade privada e que terão oportunidades de auferir retornos proporcionais ao risco que assumirem. Quando não existe confiança, a economia não caminha em frente.
Além disso, essas questões fundamentais conduzem a uma pergunta importante: podemos confiar nas ações do governo e na contenção de seu poder? Será que podemos confiar no governo para proteger a propriedade privada; manter a moeda estável; limitar os impostos e o excesso de regulamentação, respeitar contratos; punir o descumprimento de contratos e a corrupção; deixar as tarefas de produção, de formação de preços e lucro entregues à competição; e, por fim, respeitar as decisões do consumidor no mercado?
Infelizmente, é muito mais frequente o governo não cumprir as tarefas básicas, ou extrapolar seus deveres fundamentais. O sistema político parece ter um poder maior de desrespeitar a ética do que o sistema econômico, embora muitos pensem exatamente o contrário. Como observou Raymond J. Keating,”as débeis proteções ao direito de propriedade ou a usurpação governamental da propriedade privada, a inflação exagerada, os níveis destrutivos de impostos ou de regulamentação, o crime desenfreado, os controles de preços, e todas as violações da confiança cometidas pelo governo minam a economia de mercado. Infelizmente, já que o governo é guiado com freqüência não pelos princípios, mas pela política, o poder, cujos objetivos escusos se dobram aos vários interesses, faz com que os políticos constantemente quebrem essa confiança“.
Mas o setor privado, até para que possa funcionar bem, opera com incentivos diferentes. Ainda segundo Keating, “não importa qual seja a motivação final, deve haver consideração com os outros. Para ir de encontro às necessidades e desejos do próximo, há a obrigação de fornecer primeiramente um bem ou um serviço demandado pelas pessoas. O erro em descobrir ou criar novas demandas, para ser eficiente e para oferecer a melhor qualidade com o menor preço pode significar perdas e a eventual saída do negócio. O sistema de livre-mercado com incentivos e competição promove a confiança no negócio entre os consumidores”.
A confiança deve fluir igualmente no sentido oposto, ou seja, os empreendedores e empresários precisam confiar nos consumidores e, para isso, devem conduzir os seus negócios com honestidade, para que não sejam processados e devem estar seguros de que o sistema jurídico não tem viés antiempresarial e que esse sistema não será utilizado abusivamente contra eles. Quando isso acontece, advogados dos órgãos de “defesa do consumidor” entram com ações injustas contra negócios honestos, muitas vezes com a anuência de órgãos do judiciário ou de seus representantes e também tendo o próprio governo como um dos litigantes. Evidentemente, isto quebra a confiança que empresas que trabalham honestamente devem ter em relação aos consumidores e tende a torná-las mais defensivas, ou seja, a retrair as ações empresariais empreendedoras. A prática abusiva de processos na justiça contra empresas representa seguramente uma quebra de confiança na economia de mercado, com efeitos desastrosos, principalmente para as empresas de pequeno porte, porque os montantes dos litígios com consumidores têm um peso relativo alto em suas estruturas de custos. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2006, uma ação civil custava em média cerca de US$ 75.000,00, do início até o julgamento.
Estremecida a confiança de ambas as partes, o passo seguinte é a deterioração dos valores morais subjacentes à sociedade, com estímulos a atitudes viciosas, como a de tentar ludibriar os clientes, o chefe, o dono da loja, o policial, o caixa da padaria ou o representante da justiça. É claro que processos legais são válidos, mas como exceções, nos casos de ilícitos indiscutíveis, e não como regra geral. Quando a expressão “vou abrir um processo contra essa empresa” passa a ser dominante, definitivamente, algo de errado está acontecendo.
. Uma vez quebrada a confiança, as ações do estado não costumam ser suficientes para restabelecer a confiança, porque elas tendem a gerar abusos por parte do próprio estado, perpetrados mediante a imposição de um excesso de medidas de caráter regulatório, que tendem a comprometer a liberdade e, portanto, a função empresarial. Infelizmente, muitos acreditam piamente que a resposta para os problemas causados pela desconfiança esteja no estado grande, esquecendo-se de que as pessoas que fazem parte do estado são como todas as outras ou até piores, porque têm poderes em demasia em suas mãos. Quanto maiores forem o estado e o poder em suas mãos, pior para os cidadãos.
E o que dizer do poder em mãos privadas? Será que os tão combatidos trustes são realmente maus? A compreensão de como a economia do mundo real funciona e as evoluções do mercado no século XIX nos dizem que, na pior das hipóteses, eles são menos maléficos do que os excessos de regulamentações. Em “Capitalism: A Treatise on Economics“, (Jameson Books, 1996), George Reisman mostra que, dadas as limitações das leis corporativas daquele período, os trustes eram os meios para realizar fusões e que cumpriram “um papel primordial em melhorar a eficiência do sistema econômico, e assim em aumentar o padrão geral de vida. [.] A era dos trustes foi a era do mais rápido progresso econômico e da transformação dos Estados Unidos no primeiro país em produção industrial e em poder econômico do mundo“.
Os trustes do século XIX não romperam com a confiança no mercado. Ao contrário, eram exemplos até certo ponto fantásticos de empreendedores que serviam mais do que satisfatoriamente aos consumidores, cumprindo o voto de confiança que estes deram aos empreendedores.
V. A imitação e a inovação como aprendizado
Os seres humanos possuem duas habilidades cognitivas complementares, a saber, a capacidade de inovar e a de imitar, na medida em que executam alguma coisa nova ou replicam alguma coisa que já foi realizada e que foi exitosa. As novidades que deram certo podem reproduzir-se por meio de inúmeras tentativas de imitação, e assim gerar mais trocas que, por sua vez, podem ser imitadas, em um processo recursivo. A ação humana e, em especial, a função empresarial — se desenvolve em um ambiente de permanente tensão entre o manter e o inovar.
Imitar não significa apenas copiar de maneira idêntica aquilo que alguém já fez, mas sim procurar observar, pensar, compreender e acrescentar o que se aprendeu do conhecimento de outros ao próprio conhecimento. Em outras palavras, imitar significa apreender, o que exige o esforço de pensar. Assim, o ato de imitar tem um sentido claramente evolutivo: uma forma de comportamento que se mostrou equivocada tende a desaparecer, assim como uma que se revelou um sucesso tende a ser objeto de imitação, até mesmo por uma questão de segurança em termos de menores riscos. Com efeito, para não desperdiçar tempo e recursos tentando resolver um problema, ensina o bom senso que é conveniente verificar se alguém antes já tentou solucioná-lo, se o solucionou, de que maneira o solucionou e, então, dar vazão à própria inteligência e imaginação para tentar imitar a solução, ou melhorá-la, ou, se for o caso, buscar uma solução alternativa.
A inovação, por sua vez, também não surge do nada, porque requer novas combinações de elementos já existentes para produzir alguma coisa que seja novidade e que seja bem aceita. É uma tarefa bastante difícil, porque diversas combinações possíveis já foram tentadas e, em alguns casos, existe um número praticamente infinito de combinações possíveis, o que aumenta consideravelmente os custos. Inovar significa navegar em mares desconhecidos, correr riscos de cometer erros, despender tempo e outros recursos, tentar, errar e tentar novamente até, eventualmente, descobrir o que se estava buscando. Isso explica porque as inovações de sucesso geralmente foram resultados de processos graduais de buscas, em que se ia melhorando o que já havia sido descoberto e explorando facetas ainda desconhecidas, mas próximas das já exploradas.
Pode também a inovação surgir acidentalmente, de maneira não deliberada, inconsciente ou intencionada, mas normalmente ela resulta de ações humanas intencionais, porque os empreendedores são quase sempre pessoas proativas, que estabelecem fins e buscam os meios necessários para obtê-los, imaginam maneiras de melhorar as coisas existentes e esforçam-se para conseguir o seu objetivo.
Um empreendedor pode agir para satisfazer a seus próprios desejos de uma forma autônoma, mas, em geral, como existe divisão de trabalho nos mercados, ele é um produtor especializado que tem em vista consumidores generalistas. Os empresários têm o objetivo de realizar novos projetos produtivos que caiam no agrado dos consumidores e, se de um lado produzem mudanças quando criam ou fazem crescer suas empresas, por outro tentam prever as condições futuras do mercado, em termos das preferências e poder de compra dos consumidores, para que possam, adaptando-se a elas, obter ganhos.
VI. Conclusões
O empreendedor, ao exercer a função empresarial, é o responsável pelo dinamismo e pela coordenação no processo de mercado. Ele procura desajustes, ou ausências de coordenação, para aproveitar as oportunidades de ganhos que estes lhes proporcionam, como no exemplo simples de José, João e Maria que apresentamos. Sua própria atividade dá origem a situações diferentes, em que surgem novas oportunidades. Ele se arrisca, apresenta a sua proposta e a submete, então, ao julgamento soberano dos consumidores.
Qualquer pessoa pode ser um empresário, mas apenas algumas pessoas podem ser empreendedores, porque os atributos de vontade, perspicácia, inventividade e capacidade decisória sob condições de incerteza e de assumir riscos são virtudes que a maioria dos seres humanos não possui. Fulano, por exemplo, pode ser muito inventivo, mas detestar correr riscos; ou Beltrano ter muita vontade, mas não possuir capacidade decisória.
Abrir uma empresa e mantê-la sempre voltada para atender aos interesses dos consumidores é o que garante e justifica moralmente o lucro, porque se trata de uma verdadeira aventura e, em muitos países em que o estado parece fazer de tudo para interpor obstáculos entre os que produzem e os que consomem, é mesmo um ato de heroísmo.
O empreendedor, ao exercer sua função empresarial, deverá naturalmente ser obrigado a enfrentar os competidores que já estão estabelecidos, a dar respostas positivas para as inovações que surgirem e a lutar contra interesses já estabelecidos e que se sentirão
ameaçados, o que os levará, já que sua vontade é de que tudo permaneça da maneira como está, a reagir, muitas vezes utilizando recursos não recomendados pela ética, como o de valer-se de proteções de grupos políticos que ocupam o poder. Além disso, precisa fazer com que os trabalhadores que dependem de sua iniciativa se sintam estimulados.
Definitivamente — e contrariamente ao que a maioria das pessoas pensa — qualquer obstáculo à livre iniciativa e ao empreendedorismo é, também, em empecilho ao progresso e ao desenvolvimento da economia e da sociedade.
A função empresarial e o empreendedorismo são plenamente exercidos quando o governo é limitado, quando existe respeito aos direitos de propriedade, quando as leis são boas e estáveis e quando prevalece a economia de mercado. Por isso, uma ordem social que estimule as virtudes do empreendedorismo deve estimular o florescimento desses quatro atributos.