A Dinamarca é, em muitos sentidos, um país invejável: sua renda per capita, ajustada pela paridade do poder de compra, é uma das maiores da Europa (e 30% maior que a espanhola), o país está em pleno emprego, a percepção da população quanto à corrupção é a mais baixa do planeta e seus cidadãos figuram em quase todos os rankings entre os mais felizes do mundo.
Não é à toa que, além da Suécia, a Dinamarca também se tornou o modelo que todos os partidos políticos mais progressistas dizem querer copiar. Até mesmo nos EUA, o atual candidato à nomeação pelo Partido Democrata, o confesso socialista Bernie Sanders, já exortou seu partido a copiar o modelo dinamarquês.
E qual o grande problema nisso tudo? É simples: se alguns sedizentes socialistas estão conclamando uma emulação do modelo dinamarquês, então certamente eles desconhecem algumas de suas características, as quais não desagradariam em nada ao mais conservador dos partidos políticos.
A maioria dos progressistas que elogia o sistema dinamarquês opta por se concentrar exclusivamente nas partes deste sistema que lhes parecem atrativas (quanto o estado fornece de serviços) e ignoram os custos necessários para manter essas partes. No entanto, basta uma rápida análise sobre três importantes aspectos do marco institucional da Dinamarca — seu mercado de trabalho, seu sistema tributário e seu sistema previdenciário — para entender como um lado (o empreendedor) mantém o outro (o parasítico).
Ato contínuo, seria interessante constatar se os socialistas continuariam apoiando o modelo dinamarquês.
Comecemos pelo mercado de trabalho: na Dinamarca, não apenas não existe salário mínimo imposto pelo governo, como também praticamente não há nenhuma indenização por demissão (nem por demissão sem justa causa). O máximo que existe é uma indenização de seis meses de salário para quem trabalhou na mesma empresa por mais de 15 anos. Mais ainda: não há leis trabalhistas que restrinjam horas extras (empregado e patrão acordam voluntariamente as horas de trabalho), o que permite que as empresas dinamarqueses operem 24 horas por dia, 365 dias por ano.
E mais: o empresário não paga absolutamente nada em termos de previdência social do empregado. Tudo fica por conta do próprio empregado (que paga 8%). Eventuais negociações coletivas entre sindicatos e empresas não demoram menos do que 30 anos para a maioria dos assuntos relevantes (como estipular um salário-base para uma categoria ou as horas de trabalho semanais). Com efeito, 25% dos trabalhadores dinamarqueses não estão cobertos por nenhum acordo coletivo, sendo livres para negociar face a face com o empresário.
Em suma: a Dinamarca desfruta pleno emprego graças a um mercado de trabalho altamente liberalizado, em que os custos de contratar são baixos e os custos de demitir são quase nulos. O mercado de trabalho dinamarquês é o quarto mais desregulamentado do mundo, perdendo apenas para EUA, Hong Kong, Cingapura e Brunei.
Com relação aos impostos, a Dinamarca se caracteriza por uma tremendamente agressiva tributação sobre o consumo. Há apenas uma alíquota para o imposto sobre o consumo, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), e essa alíquota é de 25%. O imposto sobre a eletricidade representa quase 60% do preço final do kWh (quase o triplo do da Espanha, por exemplo). E a lista de impostos especiais é interminável: sobre produtos petrolíferos, sobre o carvão, sobre o gás natural, sobre as emissões de CO2, sobre o dióxido de enxofre e sobre o dióxido de nitrogênio, sobre pratos e talheres de plástico, sobre pilhas e baterias, sobre a água, sobre o desperdício de água, sobre pneus, sobre bolsas de plástico, sobre automóveis, sobre o álcool, sobre o café, sobre o chá, sobre o sorvete, sobre o açúcar, sobre o tabaco, sobre os papeis de cigarro, sobre o jogo, sobre nozes e amêndoas, sobre seguros etc.
Esse modelo de tributação pesada sobre o consumo não é exatamente uma forma de “justiça social” para com os mais pobres.
Mas não pára por aí. A tributação sobre a renda, por sua vez, também não é muito solidária para com os mais pobres. Façamos uma comparação entre o Imposto de Renda de Pessoa Física da Dinamarca com o da Espanha: entre 3 mil e 19 mil euros, um dinamarquês paga 37,5% de IRPF, ao passo que um espanhol paga entre 19 e 24%. Entre 19 mil e 23 mil euros, um dinamarquês paga 43,5% de IRPF, ao passo que um espanhol paga 30%. E, a partir de 23 mil euros, um dinamarquês paga 59% de IRPF, ao passo que um espanhol paga 52%.
Ou seja, é justamente nas faixas de renda mais baixa que ocorrem as maiores discrepâncias na Dinamarca.
Por outro lado, no que tange ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, a Dinamarca apresenta um dos menores do mundo: a alíquota mais alta é de 23,5% (sendo que na Espanha é de 28%). No entanto, há inúmeras deduções que os empresários podem legalmente fazer. Quando se leva em conta essas deduções, a alíquota real cai para 7,5%, perante 20% na Espanha. [N. do E.: no Brasil, com IRPJ de 15% mais sobretaxa de 10% sobre o lucro, mais CSLL, mais PIS, e mais COFINS, a alíquota total chega a 34%.]
Por fim, o sistema previdenciário dinamarquês se baseia em uma pequena previdência pública complementada por um sistema previdenciário privado. A previdência pública chega a um máximo de 17% do salário médio do cidadão (o equivalente a 4 mil euros anuais na Espanha), e o cidadão só tem acesso a ela quando chegar aos 67 anos de idade e se houver contribuído por 40 anos. [N. do E.: no Brasil, esses valores são, respectivamente, 60 e 35 para os homens e 55 e 30 para as mulheres].
Todo o resto da previdência dinamarquesa advém de fundos de pensão privados (alguns de contribuição obrigatória e outros de contribuição voluntária).
Somente aquelas pessoas que comprovarem insuficiente pensão privada receberão um complemento da pensão pública, recebendo um montante que, na Espanha, seria o equivalente a 5 mil euros anuais adicionais (de modo que a previdência pública chega a um máximo de 9 mil euros anuais).
Conclusão
Tudo isso relatado acima também é a Dinamarca, mas este é um lado que os socialistas apologistas desse regime preferem ignorar. Todos eles preferem ressaltar os aspectos mais populares do sistema dinamarquês, ocultando os aspectos que realmente permitem que o lado popular funcione.
[N. do E.: como explicado neste artigo, para que uma economia que faz uso maciço de políticas assistencialistas continue crescendo, não apenas sua produtividade tem de ser muito alta, com também sua liberdade empreendedorial tem de ser a mais alta possível.
E, segundo o site Doing Business, nas economias escandinavas, você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130 no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média (no Brasil chegam a 60% se a importação for via internet); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem fazendas e a justiça os convida para negociar); e o mercado de trabalho é extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem qualquer justificativa e sem qualquer custo. Não há uma CLT nos países nórdicos.]
Sem as liberdades empreendedoriais citadas, e sem a pesada tributação que incide também sobre a renda e o consumo dos mais pobres, o sistema dinamarquês seria de impossível sustentação.
Mas essas são características que os socialistas preferem esconder, pois não condizem com o seu modelo imaginário.
A guerra de narrativas ainda pode minar qualquer possibilidade de progresso futuro. Você busca por um artigo que faça uma análise crítica do modelo socioeconômico escandinavo e se depara com isso: um discurso que procura convencer sem permitir espaço para análise crítica. Em resumo, o artigo (se é que pode ser chamado assim) afirma que tudo de bom no modelo socioeconômico dinamarquês advém de práticas capitalistas liberais, enquanto tudo o que não é bom vem de práticas socialistas do Estado. Aparentemente, na visão dicotômica do autor, existem apenas duas respostas possíveis para o desafio humano de se organizar em sociedade na busca pela sobrevivência e felicidade: socialismo ou capitalismo, onde o capitalismo é inerentemente bom e o socialismo é inerentemente ruim. É uma visão dogmática, se não religiosa, do bem versus mal.