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A ética da liberdade

23. As contradições inerentes do Estado

Um dos principais problemas existentes nas discussões sobre a necessidade do governo é o fato de que todas essas discussões acontecem necessariamente num contexto de séculos de existência e de controle do estado — controle a que o público habituou-se. A união irônica da dupla certeza encontrada no ditado popular; “neste mundo só existem duas coisas certas, a morte e os impostos” demonstra que o público conformou-se com a existência do estado como se ela fosse uma força da natureza perversa, porém inescapável, para a qual não existe alternativa. A força do hábito como o cimento do controle estatal foi identificada já no século XVI, nos escritos de de La Boetie. Porém, logicamente, para nos desvencilhar das escalas do costume, não devemos comparar meramente um estado existente com uma quantidade desconhecida, mas começar do ponto zero da sociedade, na ficção lógica do “estado natural”, e comparar os argumentos relativos a favor do estabelecimento do estado àqueles que defendem uma sociedade livre.

Vamos presumir, por exemplo, que um número considerável de pessoas chegue de repente à Terra e que eles agora têm que considerar sob que tipo de arranjo social eles irão viver. Uma pessoa ou grupo de pessoas argumenta o seguinte (i.e., o típico argumento pelo estado): “Se a cada um de nós for permitido permanecer livre em todos os aspectos, e particularmente, se a cada um de nós for permitido o porte de armas e o direito de autodefesa, então irá acontecer uma guerra de todos contra todos e a sociedade será destruída. Portanto, vamos todos entregar nossas armas e todo o nosso poder de tomada de decisão final e o poder de definir e fazer valer nossos direitos para a família Gomes. A família Gomes irá nos proteger de nossos instintos predatórios, manter a paz social e zelar pela aplicação da justiça”. Seria possível imaginar que alguém (excetuando-se talvez a própria família Gomes) iria sequer levar em consideração este esquema claramente absurdo? O apelo para a questão de “quem iria nos proteger da família Gomes, especialmente quando formos privados de nossas armas?” seria o suficiente para calar um plano desses. E, no entanto, este é precisamente o tipo de argumento ao qual aderimos agora cegamente, devido a simples razão de que a “família Gomes” tem governado por tanto tempo que este fato “legitima” seu domínio. Empregar o modelo lógico do estado natural nos ajuda a nos livrar das algemas do hábito para enxergar o estado como ele é — e enxergar que o Rei, de fato, está nu.

Se de fato analisarmos friamente, pautados pela lógica, a teoria do “governo limitado”, enxergaremos que se trata de uma verdadeira quimera, devido à “Utopia” inconsistente e irrealista que ela apresenta. Em primeiro lugar, não há razões para acreditar que um monopólio compulsório da violência, uma vez adquirido pela “família Gomes” ou por qualquer governante do estado, irá se “limitar” à proteção da pessoa e da propriedade. Com certeza, historicamente nenhum governo permaneceu “limitado” desta forma por muito tempo. E há excelentes razões para supor que isso nunca irá acontecer. Primeiro, uma vez que o princípio canceroso da coerção — do monopólio compulsório da violência e dos rendimentos coercivos — é estabelecido e legitimado no próprio âmago da sociedade, temos todos os motivos para supor que este precedente será expandido e adornado. Em particular, é do interesse econômico dos governantes do estado trabalhar ativamente para esta expansão. Quanto mais os poderes coercitivos do estado são expandidos além dos limites apreciados pelos teóricos do laissez-faire, maior o poder e a riqueza que se acumulam para a casta dominante que opera o aparato estatal. Consequentemente, a casta dominante, ansiosa por maximizar seu poder e sua riqueza, irá expandir o poder do estado — e irá encontrar apenas uma oposição pífia, dada a legitimidade que ele e os seus aliados intelectuais estão ganhando, e dada a falta de qualquer canal institucional de livre-mercado de resistência ao monopólio governamental de coerção e de tomada de decisão final. No livre mercado, o fato de que a maximização da riqueza de uma pessoa ou grupo resulta no benefício de todos é algo favorável; mas, no campo político, no campo do estado, uma maximização de receita e de riqueza só pode caber ao estado e a seus governantes às custas do resto da sociedade.

Os defensores de um governo limitado frequentemente apresentam como exemplo o ideal de um governo superior a rixas, que se abstém de tomar partido ou de pender para algum lado, um “juiz” arbitrando imparcialmente no meio de facções competidoras na sociedade. Contudo, por que razão o governo faria isso? Dado o incontrolado poder do estado, o estado e seus governantes irão agir para maximizar seus poderes e riquezas e, portanto, irão inexoravelmente expandir além dos supostos “limites”. O ponto crucial é que na Utopia do governo limitado e de laissez faire, não existem mecanismos institucionais para manter o estado limitado. É certo que o histórico sanguinário dos estados ao longo da história deveria ter dado provas suficientes de que qualquer poder, uma vez concedido ou adquirido, será usado e, por conseguinte, abusado. O poder corrompe, conforme observou tão sabiamente o libertário Lord Acton.

Além do mais, à parte da ausência de mecanismos institucionais para manter o supremo tomador de decisões e detentor de força “limitado” à proteção dos direitos, há uma grave contradição interna inerente ao próprio ideal de um estado neutro ou imparcial. Pois não pode existir uma coisa como um imposto “neutro”, um sistema tributário que será neutro para o mercado como seria uma ausência de impostos. Como John C. Calhoun mostrou diretamente no início do século XIX, a própria existência do imposto nega qualquer possibilidade de tal neutralidade. Pois, dado qualquer nível de taxação, o mínimo que irá acontecer será a criação de duas classes sociais antagônicas: as classes “governantes”, que ganham impostos e vivem por meio deles, e as classes “governadas”, que pagam os impostos. Resumindo, classes conflitantes de pagadores líquidos de impostos e de consumidores líquidos de impostos. No mínimo, os burocratas do governo serão necessariamente consumidores líquidos de impostos; os outros serão aquelas pessoas e grupos subsidiados pelas inevitáveis despesas do governo. Como Calhoun colocou:

[O]s agentes e empregados do governo constituem a parcela da comunidade que é formada pelos recebedores exclusivos dos benefícios dos impostos. Qualquer quantia que é tirada da comunidade sob a forma de impostos, se não é perdida, vai para eles sob a forma de gastos e de desembolsos. Os dois — desembolsos e impostos — constituem a ação fiscal do governo. Eles são correlativos. O que se tira da comunidade sob o nome de impostos é transferido, sob a forma de desembolsos, para a parcela da comunidade que são os recebedores. Porém, como os recebedores constituem apenas uma parcela da comunidade, segue-se que, considerando juntas as duas partes do processo fiscal, as ações dos pagadores dos impostos e dos recebedores de seus rendimentos têm de ter resultados desiguais. E isto não pode acontecer de outra maneira; a menos que o que for coletado de cada indivíduo em forma de impostos retorne para ele na forma de desembolsos, o que tornaria o processo nugatório e absurdo. . . .

Então, o resultado necessário da ação fiscal desigual do governo é a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma é formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos, e, obviamente, carregam sozinhos o fardo de sustentar o governo; e a outra por aqueles que são os recebedores dos seus rendimentos através dos desembolsos, e que são, de fato, sustentados pelo governo; ou, em poucas palavras, dividir a sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.

Mas o efeito disso é colocar ambas as classes em relações antagônicas no que se refere à ação fiscal do governo — e toda a ação política associada a isso. Pois, quanto maiores forem os impostos e os desembolsos, maiores serão os ganhos de uma classe e as perdas da outra, e vice-versa. . . . O efeito, então, de todo aumento fiscal é enriquecer e fortalecer uma parte e empobrecer e enfraquecer a outra.[1]

Calhoun demonstra posteriormente que uma Constituição não é capaz de manter o governo limitado; pois, dado o monopólio da Suprema Corte escolhida pelo mesmíssimo governo, e confirmado o poder de tomador de decisão final, os donos da posição de poder político sempre irão favorecer uma interpretação “tolerante” ou frouxa das palavras da Constituição servindo para expandir os poderes do governo sobre o conjunto dos cidadãos; e, com o passar do tempo, os donos dessas posições de poder tenderão inexoravelmente a triunfar sobre a minoria dos “sem poder”, que irão brigar em vão por uma interpretação “rigorosa” que limite o poder do estado. [2]

Mas existem outras inconsistências e erros fatais no conceito do governo laissez faire limitado. Em primeiro lugar, é geralmente aceito pelos filósofos políticos do governo-limitado, entre outros, que o estado é necessário para a criação e o desenvolvimento do direito. Porém isto é historicamente incorreto. Pois a maior parte do direito, especialmente as partes mais libertárias do direito, não emergiu do estado, mas de instituições não estatais: costume tribal, juízes e tribunais de direito consuetudinário, o direito mercante nas cortes mercantis ou o direito marítimo nos tribunais estabelecido pelos próprios transportadores navais. Os juízes de direito consuetudinário concorrentes, assim como os anciões das tribos, não se ocupavam da elaboração de leis, mas em descobrir a lei nos princípios existentes e comumente aceitos e então em aplicar esta lei a casos específicos ou a novas condições tecnológicas ou institucionais.[3] A mesma coisa ocorria no direito privado romano. Além disso, na antiga Irlanda, uma sociedade que existiu por mil anos até ser conquistada por Cromwell, “não havia traços de justiça administrada pelo estado”; as escolas concorrentes de juristas profissionais interpretavam e aplicavam o corpo comum do direito consuetudinário, com a execução ficando a cargo de tuathas, ou agências de seguro concorrentes e voluntariamente mantidas. Ademais, estas regras consuetudinárias não eram casuais ou arbitrárias, mas conscientemente enraizadas na lei natural, que pode ser descoberta pela razão humana.[4]

Contudo, somando-se a incorreção histórica da visão de que o estado é necessário para o desenvolvimento da lei, Randy Barnett brilhantemente chamou a atenção para o fato de que o estado, pela sua própria natureza, não pode obedecer a suas próprias regras legais. Mas, se o estado não pode obedecer a suas próprias regras legais, então ele é necessariamente deficiente e autocontraditório como um promotor de leis. Em uma explicação crítica do influente trabalho de Lon L. Fuller, A Moralidade da Lei, Barnett repara que o professor Fuller enxerga no pensamento corrente de positivismo legal um erro contínuo: “a suposição de que a lei deveria ser vista como uma . . . projeção unilateral de autoridade, originando-se no governo e se impondo sobre o cidadão”.[5] Fuller observa que a lei não é simplesmente “vertical” — uma ordem vinda de cima, vinda do estado para os cidadãos — , mas também é “horizontal”, surgindo entre as próprias pessoas e aplicada mutuamente por elas. Fuller cita o direito internacional, a lei tribal, as regras privadas etc. como exemplos difundidos destas leis “recíprocas” e não estatais. Fuller vê que o erro positivista deriva da falha em reconhecer o princípio crucial da lei correta, ou seja, que o legislador deveria obedecer às regras que ele mesmo dita a seus cidadãos, ou, nas palavras de Fuller, “que a própria lei, quando decretada, pressupõe um comprometimento da autoridade governamental com o cumprimento de sua própria regra ao lidar com seus objetos”.[6]

Mas Barnett observa corretamente que Fuller comete um erro significativo ao não aplicar o seu próprio princípio mais profundamente: ele limita o princípio às “normas [processuais] pelas quais as leis são promulgadas” ao invés de aplicá-lo à substância das próprias leis. Por não levar seus princípios a suas conclusões lógicas, Fuller não consegue enxergar a profunda contradição inerente ao estado na condição de legislador. Como diz Barnett,

Fuller fracassa em sua tentativa porque ele não desenvolveu suficientemente os seus próprios princípios. Se ele tivesse feito isso, teria visto que o sistema legal do estado não obedece ao princípio de congruência oficial com suas próprias regras. É pelo fato de os positivistas verem que o estado inerentemente viola as suas próprias regras que eles concluem, de certo modo corretamente, que a lei feita pelo estado é sui generis.[7]

No entanto, Barnett acrescenta que, se o princípio de Fuller fosse levado adiante até o ponto de afirmar que o “legislador tem que obedecer à substância de sua própria lei”, então Fuller veria “que o Estado, pela sua natureza, obrigatoriamente viola este comprometimento”.

Pois Barnett mostra corretamente que as duas características exclusivas e essenciais do estado são seu poder de impor taxas — de adquirir seus rendimentos através da coerção e, consequentemente, através de roubo — e de impedir que seus súditos contratem qualquer outra agência de defesa (monopólio compulsório da defesa).[8] Porém, ao fazer isso, o estado viola as próprias leis que impõe a seus súditos. Como Barnett explica,

Por exemplo, o estado diz que os cidadãos não podem tirar o que pertence ao outro pela força e contra a vontade dele. E o estado, não obstante, através de seu poder de impor taxas, faz de maneira “legítima” exatamente isso. . . . Mais essencialmente, o estado diz que uma pessoa pode usar a força contra outra somente em defesa própria, i.e., somente como uma defesa contra outra que inicia o uso da força. Ir além do direito de autodefesa de alguém seria agredir os direitos dos outros, uma violação do dever legal de alguém. E, contudo, o estado, através de seu suposto monopólio, impõe forçosamente a sua jurisdição sobre as pessoas que podem não ter feito nada de errado. Ao fazer isso, ele agride os direitos dos cidadãos, algo que suas regras dizem que os cidadãos não podem fazer.

Resumindo, o estado pode roubar quando os seus súditos não podem e pode agredir (iniciar o uso da força) os seus súditos ao passo que os proíbe de exercer o mesmo direito. É para isto que os positivistas olham quando dizem que a lei (tendo em vista a lei feita pelo estado) é um processo unilateral vertical. É isto que desmente qualquer pretensão de verdadeira reciprocidade.[9]

Barnett conclui que, quando interpretado consistentemente, o princípio de Fuller significa que, em um sistema legal verdadeiro e justo, o legislador deve “seguir todas as suas regras, tantos as processuais quanto as substanciais”. Portanto, “na medida em que ele não segue e não pode seguir as suas regras, ele não é e não pode ser um sistema legal e ele age fora da lei. O estado, qua estado, portanto, é um sistema ilegal”.[10]

Outra contradição inerente à teoria do governo laissez-faire está mais uma vez relacionada ao imposto. Pois, se o governo deve se limitar à “proteção” da pessoa e da propriedade, e o imposto deve se “limitar” a prover apenas este serviço, então como o governo deve decidir o quanto de proteção deve fornecer e o quanto de impostos deve cobrar? Pois, ao contrário do que diz a teoria do governo limitado, a “proteção” não é “algo” mais coletivo, global e indivisível do que qualquer outro bem ou serviço na sociedade. Suponha, por exemplo, que apresentemos uma teoria concorrente que diz que o governo deveria se “limitar” a fornecer vestuário grátis para todos os cidadãos. Mas isto dificilmente seria algum tipo de limite viável, sem considerar outras falhas da teoria. Pois quanto vestuário, e a que custo? Todos, por exemplo, devem receber Balenciagas originais? E quem deve decidir o quanto e qual a qualidade do vestuário que cada pessoa deve receber? Na verdade, a “proteção”, em teoria, pode significar qualquer coisa, desde um policial para um país inteiro até o fornecimento de um guarda-costas armado e um tanque de guerra para cada cidadão — uma proposta que levaria a sociedade à falência rapidamente. Mas quem é que deve decidir a quantidade de proteção, já que é inegável que todas as pessoas estariam melhor protegidas de furtos e de assaltos se um guarda-costas armado fosse fornecido a elas do que se nada fosse fornecido? No livre mercado, as decisões sobre o quanto e sobre qual a qualidade de qualquer bem ou serviço que deveria ser fornecido para cada pessoa são tomadas através das compras voluntárias de cada indivíduo; mas qual critério pode ser aplicado quando a decisão é tomada pelo governo? A resposta é absolutamente nenhum critério, e tais decisões governamentais só podem ser completamente arbitrárias.

Segundo, ninguém irá encontrar na literatura dos teóricos do laissez-faire uma teoria de impostos convincente: não apenas o quanto de imposto deve ser cobrado, mas também quem deve ser forçado a pagar. A teoria comumente aceita da “capacidade de pagamento” é, como foi mencionado pelo libertário Frank Chodorov, a filosofia do ladrão de estrada: retirar da vítima o máximo que ele consiga carregar — dificilmente uma filosofia social convincente, e, logicamente, em total discrepância com o sistema de pagamento do livre mercado. Pois, se todo mundo fosse forçado a pagar por todos os bens e serviços em proporção a seus rendimentos, então não haveria sistema de preços algum e nenhum sistema de mercado poderia funcionar. (David Rockefeller, por exemplo, pode ser obrigado a pagar $1milhão por uma fatia de pão).[11]

Ademais, nenhum escritor laissez-faire jamais forneceu uma teoria do tamanho do estado: se o estado deve ter um monopólio compulsório da força em certa extensão territorial, quão grande deve ser esta área? Estes teóricos não deram muita atenção ao fato de que o mundo sempre viveu em uma “anarquia internacional”, sem nenhum governo, ou monopólio compulsório de decisão, entre os vários países. E ainda, as relações internacionais entre os cidadãos privados de diferentes países geralmente acontecem tranquilamente, a despeito da ausência de um único governo sobre eles. Desta forma, uma disputa contratual ou civil entre um cidadão da Dakota do Norte e um de Manitoba normalmente ocorre de maneira bem tranquila, na maioria das vezes com o reclamante processando ou fazendo queixas em seu tribunal, e o tribunal do outro país reconhecendo o resultado. As guerras e os conflitos geralmente ocorrem entre governos de vários países, e não entre cidadãos privados,

Porém, aprofundando mais, será que um defensor do laissez-faire reconheceria o direito da região de um país de se separar deste país? É legítimo que a Ruritânia do Oeste se separe da Ruritânia? Se não, por que não? E, se sim, então como pode haver um ponto de parada lógico para esta onda de secessão? Não será possível que uma pequena região separe-se, depois uma cidade, depois uma parte dessa cidade, depois um quarteirão e depois, finalmente, um indivíduo?[12] Uma vez admitido algum direito de secessão, seja ele qual for, não há nenhum ponto de parada lógico até o direito de secessão individual, o que logicamente acarreta no anarquismo, já que os indivíduos podem se separar e contratar as suas próprias agências de defesa, o que ocasionaria o desmantelamento do estado.

Finalmente, existe uma incompatibilidade crucial no próprio critério de laissez-faire oferecido: limitar o governo à proteção da pessoa e da propriedade. Pois, se é legítimo para o governo recolher impostos, por que não recolher impostos de seus súditos para prover outros bens e serviços que podem ser úteis para os consumidores: por que o governo não poderia, por exemplo, construir siderúrgicas de aço, fornecer calçados, represas, serviço postal etc.? Pois cada um desses bens e serviços é útil para os consumidores. Se os defensores do laissez-faire contestam que o governo não deveria construir siderúrgicas de aço ou fábricas de sapato e fornecê-los aos consumidores (de graça ou vendendo) porque a coerção dos impostos foi utilizada na construção dessas fábricas, bem, então a mesma objeção pode logicamente ser feita para os serviços governamentais de polícia e de justiça. Do ponto de vista do laissez-faire, o governo não estaria agindo de forma mais imoral quando proviesse moradia ou aço do que quando proviesse proteção policial. O governo limitado à proteção, então, não pode ser sustentado nem dentro do próprio ideal laissez-faire, muito menos a partir de qualquer outra consideração. É verdade que o ideal laissez-faire ainda poderia ser empregado para prevenir estas atividades coercitivas de “segundo-grau” do governo (i.e., coerção além da coerção inicial do imposto) como o controle de preços ou a proibição da pornografia; mas os “limites” nessas circunstâncias tornaram-se de fato inconsistentes, e podem ser expandidos praticamente até o completo coletivismo, no qual o governo não faz nada além de fornecer bens e serviço, contudo, fornece todos eles.
[1] John C. Calhoun, A Disquisition on Government (New York: Liberal Arts Press, 1953), págs. 16–18.

[2] Ibid., págs. 25–27.

[3] Veja Bruno Leoni, Freedom and the Law (Los Angeles: Nash Publishing, 1972); F.A. Hayek, Law, Legislation, and Liberty, vol. 1, Rules and Order (Chicago: University of Chicago Press, 1973), págs. 72–93, e Murray N. Rothbard, For A New Liberty, rev. ed. (New York: Macmillan, 1978), págs. 234–43.

[4] Sobre a antiga Irlanda, veja Joseph R. Peden, “Stateless Societies: Ancient Ireland,” The Libertarian Forum (Abril 1971): 3. Cf., e mais extensivamente, Peden, “Property Rights in Celtic Irish Law,” Journal of Libertarian Studies 1(Primavera 1977): 81–95. Veja também Daniel A. Binchy, Anglo-Saxon e Irish Kingship (London: Oxford University Press, 1970); Myles Dillon, The Celtic Realms (London: George Weidenfeld and Nicholson, 1967), e idem, Early Irish Society (Dublin, 1954). O direito irlandês e sua condição de ser baseado no direito natural é discutido em Charles Donahue, “Early Celtic Laws” (trabalho não publicado, proferido no seminário da Universidade de Columbia sobre A história do pensamento político e legal, Outono, 1964), págs. 13ff. Veja também Rothbard, For A New Liberty, págs. 239–43.

[5] Lon L. Fuller, The Morality of Law (New Haven, Conn.: Yale University Press), pág. 204; citado em Randy E. Barnett, “Fuller, Law, and Anarchism,” The Libertarian Forum (fevereiro 1976): 6.

[6] Fuller, Morality of Law, p. 32.

[7] Barnett, “Fuller, Law, and Anarchism,” p. 66.

[8] Ambas as características são essenciais à categoria histórica do estado; vários planos utópicos de dispensar a primeira característica e manter a segunda ainda seriam limitados pelas críticas atuais aplicadas a segunda característica.

[9] Barnett, “Fuller, Law, and Anarchism,” p. 7.

[10] Ibid.

[11] Veja Frank Chodorov, Out of Step (New York: Devin-Adair, 1962), pág. 237. Para uma crítica da capacidade de pagamento e outras tentativas de prover critérios de “justiça” para os impostos, veja Murray N. Rothbard, Power and Market, 2nd ed. (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), págs. 135–67.

[12] Mises reconheceu este ponto e apoiou em teoria o direito de cada indivíduo se separar, parando perto do individual meramente por “considerações técnicas”. Ludwig von Mises, Liberalism, 2nd ed. (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1978), págs. 109–10.

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Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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