O drama grego continua se desenrolando, com a possibilidade de uma “grexit” — junção de “Greece” e “exit”, significando a saída da Grécia da zona do euro — se tornando cada vez real.
No entanto, a grande maioria da população grega — 70% — quer continuar com o euro. O povo grego, justamente por já ter vivenciado devastadores casos de hiperinflação, e por só agora estar vivendo um período relativamente longo de estabilidade de preços, sabe que a saída do euro e a eventual adoção de uma nova moeda traria justamente o risco de ressuscitar o fantasma da destruição diária do poder de compra.
Só que continuar no euro requer que o governo grego passe a viver estritamente dentro de seus meios — algo que ele não tem feito há décadas. E, com partidos políticos anti-austeridade ganhando musculatura em todo o continente europeu, a Grécia pode se tornar o primeiro, mas não o último, a sair do euro.
Durante muitos anos, virou moda entre alguns economistas culpar o euro por todos os problemas da Europa. No entanto, o problema da Europa não é ter uma moeda comum, mas sim estar submetida a excessivas regulamentações governamentais, a leis trabalhistas inflexíveis (veja, por exemplo, a diferença entre o mercado de trabalho na Alemanha e na Espanha), a altos gastos governamentais e, consequentemente, a uma alta carga tributária.
Economistas que dizem que sair do euro irá solucionar os problemas econômicos da região são como curandeiros que vendem produtos exóticos que prometem uma substancial redução no peso sem que a pessoa tenha nem de cortar carboidratos ou fazer exercícios. Eles querem ganhos sem dor.
Na prática, o que esses economistas querem é apenas dar aos governos que saírem do euro mais flexibilidade para que eles possam, agora de maneira autônoma, inflacionar suas moedas (atualmente, a política monetária de todo o bloco é comandada pelo Banco Central Europeu). Segundo esses economistas, é muito melhor reduzir as dívidas governamentais por meio da destruição do poder de compra da moeda do que por meio de doloroso ajuste que limite o tamanho do governo estritamente àquilo que ele é capaz de tributar.
A manipulação da moeda é o segredo que permite crescentes intervenções governamentais
Imagine duas regiões sob um mesmo sistema monetário. Por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro. Suponha que há um boom econômico em São Paulo gerado por uma expansão inflacionária do crédito e, ao mesmo tempo, um crescente desemprego no Rio de Janeiro.
Nesse cenário, os salários iriam cair no Rio e disparar em São Paulo. Consequentemente, a mão-de-obra (pelos menos a mais flexível) tenderia a sair do Rio e ir para São Paulo em busca de empregos. Por outro lado, uma fatia do capital sairia de São Paulo, onde o preço da mão-de-obra é crescente, e iria para o Rio, onde a mão-de-obra está mais barata.
Entretanto, se o capital não puder se movimentar livremente de São Paulo para o Rio, e se a mão-de-obra não puder se movimentar livremente do Rio para São Paulo, então o Rio ficará permanentemente nessa situação de salários em queda ao passo que os capitalistas de São Paulo estarão amarrados a uma mão-de-obra cara.
Uma simples solução de livre mercado para esse problema é permitir a ampla liberdade de movimento tanto para a mão-de-obra quanto para o capital — de modo que eles possam ir aos lugares em que estejam mais demandados —, e também permitir uma maior liberdade no uso dessa mão-de-obra e desse capital.
Porém, se os respectivos governos de cada cidade possuíssem um Banco Central próprio, eles repentinamente se tornariam capazes de evitar o “ônus” de ter de permitir tamanha liberdade de mercado. Se Rio e São Paulo agora estiverem sob dois arranjos monetários distintos, a política monetária de cada cidade pode ser manipulada para tentar lidar com os problemas econômicos específicos de cada cidade.
Nesse caso, o Rio poderia adotar uma política monetária inflacionista para tentar igualar o boom econômico gerado pela expansão do crédito em São Paulo. E, caso a moeda do Rio se desvalorizasse perante a moeda de São Paulo, essa taxa de câmbio desvalorizada poderia fornecer um estímulo temporário às exportações do Rio, trazendo uma melhoria de curto prazo ao emprego na cidade.
Logo, é fácil ver que, em vez de desregulamentação e reformas, os governos preferirão recorrer a uma política de crédito fácil para tentar corrigir seus problemas econômicos.
Por outro lado, se Rio e São Paulo utilizam a mesma moeda e estão sob uma mesma política monetária, de modo que o Rio não pode simplesmente inflacionar sua moeda à vontade, então a cidade só poderá resolver seus problemas econômicos tornando-se mais economicamente atrativa para empreendedores por meio de cortes de impostos, desburocratização e desregulamentação.
Este é o tipo de pensamento que prevalece na Europa hoje. Os europeus sabem que um controle autônomo da política monetária pode ser utilizado para encobrir (ou, pelo menos, arrefecer) as consequências de políticas fiscais e regulatórias irresponsáveis. Sendo assim, não é surpresa nenhuma que justamente os mais fiscalmente desastrosos governos da Europa estejam hoje falando sobre sair do euro e criar uma moeda própria.
Cada governo quer ter o controle de sua própria moeda para que, por meio de manipulações na política monetária, possa adiar as reformas econômicas necessárias. Inflação monetária é aparentemente mais indolor do que austeridade, e promete o milagre de colocar uma economia em crescimento permanente sem jamais ter de fazer correções.
No exemplo dado, a moeda comum restringe os governos de Rio e São Paulo naquilo que realmente podem fazer. O fato de ambos os governos não poderem manipular suas ofertas monetárias os obriga a adotar reformas de mercado caso queiram sanar suas economias. Naturalmente, economistas seguidores da Escola Austríaca veem essa limitação como algo positivo — desde que, obviamente, a moeda seja forte.
Por que o bloco do sul da Europa quer sair da União Europeia
Defensores de uma saída do euro nunca falam sobre altos os custos trabalhistas dos países do sul da Europa, e nunca comparam esses custos aos da China e da Índia, por exemplo. Eles gostam de centrar seus ataques na Alemanha, cuja mão-de-obra é mais produtiva e mais eficaz em termos de custos. Os italianos não gastam de ter concorrer com a Alemanha — na produção de carros, por exemplo — sob um mesmo sistema monetário.
Se os italianos tivessem seu próprio sistema monetário, eles poderiam manipular a oferta monetária e a taxa de câmbio em prol de sua própria indústria automotiva. Com um Banco Central próprio, os italianos poderiam deixar de lado a incômoda pergunta do motivo de a indústria automotiva deles ser pouco competitiva na Europa (dica: tem a ver com as regulamentações italianas e com os subsídios).
Defensores de uma saída do euro esperam ganhar competitividade por meio da desvalorização da moeda. Só que uma desvalorização da moeda cria, na melhor das hipóteses, apenas um benefício temporário para os exportadores (e só para eles). Todo o resto da sociedade perde, e muito, com uma desvalorização da moeda.
Uma solução para a Alemanha
Uma unidade de conta e de troca estável é uma grade ideia, mas só funciona se o governo estiver disposto a se submeter às disciplinas que ela impõe (ou a uma população que exija uma moeda forte).
Com efeito, se há um país que de fato deveria sair do euro é a Alemanha. Sua atual estratégia de proteger o euro é utilizando o dinheiro de impostos de seus cidadãos para tentar socorrer — por meio de empréstimos a juros baixos — os países endividados do sul da Europa. Na prática, o país está aumentando o endividamento dos governos periféricos para resolver um problema que foi causado pelo endividamento deles.
A Alemanha faria melhor caso se juntasse aos outros países que estão mais alinhados a ela em termos de política monetária (como Holanda, Áustria, Suíça, Luxemburgo, Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia) e criar uma nova moeda comum lastreada em ouro.
Os países do sul da zona do euro crescentemente vão se revelando uma causa perdida. As pessoas não vão às ruas protestar por menos governo, mas sim por mais governo. Sendo assim, a Alemanha deveria se retirar do euro e entregar o controle da moeda para esses países. Deixem-nos ter o que querem: uma moeda sem nenhum poder de compra.