Nota do editor: o artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira.
Sempre que ocorre um homicídio que choca a opinião pública — por exemplo, quando um lunático comete um massacre em algum local público, como escola, cinema ou parques —, os defensores do desarmamento, ajudados pela mídia, previsivelmente intensificam os clamores por políticas ainda mais restritivas sobre a venda de armas.
Só que os defensores da proibição de armas, ao agirem assim, incorrem em uma clássica falácia que, embora esteja associada a políticas econômicas, também é completamente aplicável a todas as políticas governamentais, incluindo controle de armas.
No século XIX, o economista francês Frédéric Bastiat explicou que, para que possamos realmente entender as consequências de uma política, temos de considerar tanto “aquilo que é visto como aquilo que não é visto”. Segundo ele:
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro efeito é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los.
Entre um mau e um bom economista existe uma diferença: o primeiro se detém no efeito que se vê; já o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.
Esta foi também a lição ensinada por Henry Hazlitt, discípulo intelectual de Bastiat, em seu famoso livroEconomia numa única lição. Hazlitt identificou a “persistente tendência de os homens verem apenas os efeitos imediatos de uma dada política, ou apenas seus efeitos sobre um determinado grupo de indivíduos, e negligenciarem quais serão os efeitos de longo prazo daquela mesma política sobre todos os outros grupos de indivíduos. Esta é a falácia de ignorar as consequências secundárias”.
O mais famoso exemplo de negligência daquilo que não é visto é, obviamente, o caso da vidraça quebrada.
[Nota do editor: se um moleque quebra uma vidraça de uma padaria, obrigando seu proprietário a incorrer em gastos para trocar a vidraça, um economista keynesiano diria que tal ato de vandalismo foi bom para a economia, pois, ao ser obrigado a gastar dinheiro com uma vidraça nova, o padeiro não apenas irá estimular o mercado de vidros, como também irá estimular toda a economia. O vidraceiro terá mais dinheiro para gastar com seus fornecedores, e os fornecedores terão agora mais dinheiro para gastar com outros setores da economia. Toda a economia sairá ganhando. A vidraça quebrada proporcionou dinheiro e emprego em várias áreas.
Porém, há as consequências que não são vistas. O padeiro ficará com menos dinheiro, fazendo com que ele deixe de comprar um terno. Se antes ele teria a vidraça e o terno (ou o equivalente em dinheiro), agora ele terá apenas a vidraça. O alfaiate deixou de ganhar dinheiro. Os fornecedores do alfaiate deixaram de ganhar dinheiro. Igualmente, os fornecedores de insumos para a padaria — plantadores de trigo, criadores de fermento, cultivadores de leite etc. — também deixarão de ganhar dinheiro, pois a padaria teve de economizar para trocar a vidraça.
O que o vidraceiro ganhou, o alfaiate, todo o setor de tecidos e todo o setor de fornecedores perderam. Estes não poderão gastar este dinheiro com outros setores da economia. Sendo assim, não houve nenhuma criação líquida de emprego. Em suma, se a vidraça não houvesse sido quebrada, o proprietário da padaria poderia ter gasto seu dinheiro para melhorar sua situação em vez de meramente restaurá-la. Isto é o que não é visto.]
Se olharmos apenas para as consequências óbvias e imediatas, avaliaremos mal e incorretamente as circunstâncias, de modo que qualquer política daí resultante será ruim. Esse é o problema com o desarmamento.
As vendas não vistas de armas
Quando ocorre um latrocínio ou uma chacina, os defensores do desarmamento reagem à notícia dizendo que se, o assaltante/assassino não tivesse tido acesso a armas de fogo, aquele assalto ou homicídio não teria ocorrido. Bom, é claro que isso é verdade: afinal, por definição, os tiros requerem uma arma.
Mas, ao contrário do que pensam os desarmamentistas, isso não prova nada.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que, quase sempre, a arma utilizada pelo bandido/assassino não foi obtida pelas vias legais, o que já mostra que o mundo idealizado pelos desarmamentistas é falho: afinal, bandidos estão conseguindo armas no mercado negro, o qual nem a União Soviética foi capaz de banir.
No entanto, pelo bem do debate, suponhamos que a arma realmente tenha sido adquirida por vias legais, de modo que, segundo os desarmamentistas, isso prova que qualquer tipo de venda de armas tem de ser proibida. E agora?
Agora, os desarmamentistas têm de provar que, caso a lei deles estivesse integralmente em vigor, bandidos não seriam capazes de obter arma nenhuma, por nenhum método.
Será que um bandido que não conseguisse comprar uma arma legalmente — na mente dos desarmamentistas, o bandido irá à loja de armas, preencherá a papelada, fará seu registro nos dados da Polícia Federal e acabará tendo sua aquisição negada em decorrência de seu histórico criminoso — desistirá tão facilmente de sua aquisição? Será que ele, justamente por ser bandido, não recorrerá ao mercado negro? Por acaso seria forçoso dizer que um bandido não teria dificuldade nenhuma em recorrer ao mercado negro para adquirir uma arma?
A teoria do desarmamento desaba perante este simples fato: pessoas que utilizam armas para infringir a lei também infringirão a lei para obter armas.
Quem defende o desarmamento tem de provar que os bandidos irão repentinamente se tornar cidadãos exemplares e cumpridores da lei. Sem isso, não há teoria que se sustente.
O grande problema é que os desarmamentistas, na prática, agem como se todas as armas fossem vendidas apenas no mercado legal, com cartão de crédito, cupom fiscal e tudo. Eles não enxergam, e consequentemente não levam em consideração, os meios alternativos para a aquisição de armas.
As vítimas não vistas
Só que a incapacidade dos desarmamentistas de considerar o que não é visto não pára por aqui. Após cada assassinato, latrocínio ou chacina, ouvimos repetidas vezes a declamação de estatísticas que versam sobre quantas pessoas são assassinadas por armas de fogo a cada ano. A implicação é que, não houvesse armas de fogo, a taxa de assassinatos diminuiria. Somos também continuamente lembrados de como muitos acidentes caseiros com armas ocorrem; e, finalmente, somos informados de que, se a posse legal de armas fosse restringida ainda mais severamente, menos pessoas morreriam a cada ano por disparos.
Sendo perfeitamente franco, sim, algumas pessoas que foram mortas poderiam estar vivas hoje. Só que há também o outro lado: algumas pessoas que não foram mortas porque usaram armas estariam mortas hoje. Como assim?
Isso pode surpreender muita gente, por não ter nenhuma publicidade, mas pessoas usam armas defensivamente, e quase sempre sem dispará-las. E, ao utilizá-las, impedem tentativas de assalto, de invasão de propriedade, de roubo de carro. Em muitos casos, um pai de família, ao ouvir ruídos estranhos oriundos do lado de fora de sua casa, pode simplesmente chegar à janela, dar um tiro (para o alto ou para algum objeto estático, de maneira perfeitamente segura) e avisar que está armado: isso basta para desestimular que sua casa seja invadida por bandidos. Quantas vidas ele salvou? Isso não entra na estatística.
Esse vídeo, que mostra uma tentativa frustrada de assalto no Brasil, é emblemático.
Já esse outro vídeo, ainda mais impressionante, mostra uma tentativa frustrada de invasão de domicílio no Arizona.
Como aponta John Lott, da Escola de Direito da Universidade de Chicago, nos EUA, as pessoas utilizam armas defensivamente dois milhões e meio de vezes a cada ano. Este número inclui os incidentes em que massacres são prevenidos ou reduzidos, invasões de domicílio são impedidas e até mesmo casos de mães que impedem assaltos quando suas crianças estão em seus carros.
Em um artigo para o The American Enterprise, Lott escreveu: “Na superfície, os tiroteios em escolas ou locais públicos parecem um forte argumento para a restrição da posse privada de armas. Mas a verdade é que armas manejadas por cidadãos vêm salvando vidas em tais incidentes, incluindo alguns recentes”.
Ele relembra um tiroteio ocorrido na década de 1990 em uma escola em Pearl, Mississipi, o qual só não gerou um número maior de vítimas (duas mortes) porque o vice-diretor da escola conseguiu ir até seu carro, pegar sua arma e a utilizar para conter o agressor até que a polícia chegasse.
Um caso similar ocorreu para acabar com um incidente de tiroteio em uma escola de dança em Edinboro, Pennsylvania: um adolescente com problemas mentais, após escrever uma nota suicida, começou a atirar a esmo no pátio da escola. Após matar uma pessoa e ferir duas, o proprietário surgiu com um fuzil, rendeu o adolescente e o fez deitar-se no chão até a chegada da polícia.
Todas as mortes que não ocorreram devido ao fato de pessoas decentes estarem armadas não são computadas pelas estatísticas e, portanto, não podem ser vistas e acabam não entrando no debate sobre as vidas salvas por armas.
Se as armas forem proibidas, são as pessoas decentes, e não os criminosos, que perderão um método essencial de autodefesa — e também da defesa de terceiros. Consequentemente, mais pessoas poderão morrer nas mãos de criminosos do que hoje.
Isso pode ser negativamente demonstrado com um incidente real. Em outubro de 1991, um misógino chamado George Hennard Junior entrou em uma cafeteria em Killeen, Texas, e abriu fogo, matando 23 clientes e ferindo outros 28. Seus alvos preferenciais eram mulheres. Logo em seguida, ele se suicidou. Alguns clientes conseguiram fugir arremessando cadeiras contra as janelas do estabelecimento. Segundo os relatos, o maníaco calmamente recarregou sua arma várias vezes, sem ser molestado, pois todos no recinto estavam desarmados.
Suzanne Gratia Hupp era uma das pessoas que estava lanchando lá com seus pais e viu ambos serem assassinados. Acontece que esta mulher normalmente carregava uma pistola em sua bolsa (o que naquela época era ilegal). Mas, naquele dia, temendo a revogação de uma licença ocupacional recentemente obtida, ela deixou a arma em seu carro quando ela e seus pais entraram na cafeteria. Ela está convencida de que, se ela tivesse a arma consigo, poderia ter neutralizado o atirador. Seus pais, bem como várias outras vítimas, poderiam ter sido poupados. Eles podem ser contabilizados entre as vítimas do desarmamento.
Após esse massacre, o Texas aprovou uma lei permitindo a seus cidadãos portarem armas de maneira não-visível. Desde então, não se registraram novas ocorrências desse tipo no estado.
O que nos leva a um outro tipo de “não visto” na questão do desarmamento. A maioria dos estados americanos já legalizou o porte de armas para cidadãos que satisfazem a alguns critérios objetivos. Onde o porte de armas é permitido, são os criminosos que são atormentados pelo que “não é visto”. Eles não têm como saber quem tem uma arma e quem não tem.
Isso cria, no linguajar econômico, um “problema do carona” para os bandidos. Aquelas pessoas que escolhem nãoportar armas se beneficiam do fato de que outras pessoas podem estar, e de fato estão, portando. Criminosos, tipicamente, não gostam de atacar alvos que representam algum perigo. E, dado que os criminosos não têm como saber com antecedência quem está ou não está portando uma arma, eles são obrigados a partir do princípio de que qualquer pessoa pode estar armada — mesmo que a vítima em potencial não esteja armada, alguém próximo a ela pode estar.
Isto é um modo de criar segurança nas ruas e em estabelecimentos comerciais.
[N. do E.: recentemente, no estado americano de Ohio, um homem portando uma arma impediu uma chacina. Várias potenciais vítimas foram salvas, inclusive uma criança de um ano. Ninguém morreu e o maluco foi preso. A mídia convencional, convenientemente, não noticiou o fato.]
Conclusão
Um mundo sem armas não seria um mundo mais seguro do que um mundo em que pessoas decentes são livres para portá-las. Sem armas, os bandidos maiores, mais fortes e mais poderosos teriam vantagem sobre vítimas menores e mais fracas. Quem mais sofreria com isso seriam as mulheres. Nos EUA, a cada ano, aproximadamente 200.000 mulheres nos EUA utilizam armas de fogo para se proteger de crimes sexuais. Por outro lado, no Reino Unido, onde a posse de armas é severamente restrita, há aproximadamente 125% mais vítimas de estupro por 100.000 pessoas a cada ano do que os EUA.
Em um mundo sem armas, o “não visto” seriam as vítimas de espancamentos fatais e de esfaqueamentos, as quais teriam permanecido vivas caso possuíssem armas de fogo com as quais pudessem se defender.