Neste ano, o professor francêsThomas Piketty, um neomarxista, foi alçado à condição de “estrela de rock” de nível mundial ao afirmar em seu novo livro, “O Capital no Século XXI“, que o capitalismo livre e desimpedido (particularmente o de estilo “grandes corporações”) empobrece as massas ao fazer com que a riqueza se concentre, de maneira crescente, nas mãos do 1% mais rico do mundo. O aspecto de “David contra Golias” criado por esse populista forneceu um providencial brilhantismo aritmético para aquelas pessoas que sentem que os ricos estão excessivamente ricos.
No entanto, minha recente viagem ao Brasil, vinculada à minha participação no 27º Fórum da Liberdade, realizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), possibilitou que eu aumentasse minha compreensão do quão importante um capitalismo explícito pode ser para uma economia.
Sob qualquer padrão, o Brasil é um país que ainda não conseguiu fazer jus ao seu potencial econômico. Quinta maior nação do mundo — tanto em termos de população quanto de extensão territorial —, o Brasil possui uma quantidade aparentemente infinita de recursos naturais e uma população dinâmica e crescente — que, estima-se, ultrapassou recentemente a cifra de 200 milhões.
Não obstante tudo isso, de acordo com o World Economic Outlook Database, do Fundo Monetário Internacional (2013), o país está na 79ª posição global em termos de PIB per capita.
Após apenas alguns dias no país, é fácil ver por quê.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a onipresença do espírito empreendedor. É isso mesmo: neste país de tendências esquerdistas, quase socialistas, o capitalismo está em todos os cantos e é praticamente inevitável. Quando você anda pelas ruas, vai à praia, pega um táxi ou senta-se à mesa em um restaurante, o capitalismo se apresenta de maneira explícita. Do meu ponto de vista, era como se os brasileiros estivessem a todo o momento praticando um comércio desregulamentado, vendendo absolutamente qualquer coisa imaginável e em todos os pontos de venda humanamente possíveis.
Você necessita de uma espreguiçadeira e de um guarda-sol para desfrutar uma praia que você acabou de descobrir? Sem problemas, há vários ambulantes prontos para lhe oferecer algumas opções. E o preço é negociável. Você quer um queijo coalho fresquinho enquanto se estica na espreguiçadeira? Tranquilo, o ambulante já está vindo com seu forno a carvão totalmente portátil. Ah, você quer um coquetel para acompanhar? O cidadão que vende caipirinhas já está a caminho, ávido para mostrar sua destreza em misturar rum, limão, frutas frescas e menta em seu quiosque portável (e não, ele não vai pedir sua carteira de identidade).
No centro da maioria das cidades, almoços em marmitas são vendidos nas carrocerias de furgões, mesas de plástico são armadas por qualquer pessoa que chegar primeiro, e a atividade comercial ocorre incessantemente sem nenhuma aparente interferência das autoridades.
Testemunhei centenas de ambulantes — os quais, se estivessem nas ruas de Nova York, seriam detidos e presos pela polícia em menos de cinco minutos — atuando livremente nas ruas e praias lotadas de Salvador, na Bahia. Todos os ambulantes com os quais consegui me comunicar me disseram a mesma coisa: no Brasil, ninguém liga para a maneira como você tenta ganhar dinheiro; a polícia local pode exigir alguma propina, mas ela não vê como sua função impor a moralidade pública e impingir determinadas leis. Essa postura é consistente com a natureza independente da cultura brasileira.
No entanto, toda essa tolerância acaba quando o capital começa a ser acumulado e o empreendimento começa a se tornar grande. É nesse ponto que o governo começa a intervir, e com uma mão extremamente pesada.
Na conferência da qual participei em Porto Alegre, todos os empresários e economistas brasileiros com os quais conversei faziam a mesma e consistente reclamação: abrir um negócio real no Brasil é um pesadelo burocrático e operacional criado por um poder extremamente concentrado em uma capital distante e corrupta, que é dominada por uma classe política que tem uma filosofia consistentemente anti-empreendedora.
Como resultado, o Brasil ocupa a 114ª posição no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation. Isso faz com que o país esteja em uma posição pior que a de paraísos capitalistas como Tanzânia, Honduras e Camboja.
Mas as coisas pioram a partir daqui.
De acordo com dados de 2013 compilados pelo Banco Mundial, um empreendedor leva mais de 108 dias para cumprir toda a burocracia necessária para abrir uma empresa no Brasil. Esse número faz com que o Brasil esteja na terceira pior posição em todo o mundo (melhor apenas do que aquelas outras duas potências sul-americanas: Venezuela, 144 dias; e Suriname, 208 dias). É claro que se está desconsiderando países como Cuba e Coreia do Norte, onde é proibido abrir qualquer tipo de empresa.
Por outro lado, demora-se apenas 33 dias para abrir uma empresa na China, 14 dias em Israel, cinco dias nos EUA, três na Austrália, e apenas um único dia na Nova Zelândia.
As pessoas com quem conversei estavam desesperadas para mudar essa realidade no Brasil, mas se sentiam totalmente impotentes contra um establishment democrático que tem os interesses empresariais na mais baixa estima. Não há dúvidas de que o governo esquerdista de Dilma Rousseff está ansioso para que o livro de Piketty seja traduzido para o português, para fazer com que ainda mais brasileiros sejam convencidos de que o capitalismo tem de permanecer restringido.
Mas a qualidade de vida de uma sociedade está limitada por suas ferramentas. E as ferramentas que permitem um maior padrão de vida — fábricas, empresas inovadoras, capacidade produtiva e distributiva — só podem ser construídas por meio da acumulação de capital em larga escala, que é exatamente a atividade que Piketty e seus apoiadores acreditam ser tão deletéria.
O capitalismo em pequena escala que viceja no Brasil faz com que a vida de seus praticantes seja muito mais agradável e tolerável do que seria sem ele, mas seu poder de gerar aquele crescimento na capacidade produtiva que permite o aumento da riqueza e do padrão de vida é limitado. O espírito claramente existe. Ele apenas tem de ser libertado.
Para maximizar a produtividade da mão-de-obra e das matérias-primas, são necessários grandes ferramentas e grandes sistemas. Fábricas, máquinas, sistemas de distribuição e de comunicação — tudo isso nos ajuda a conseguir mais com menos. Mas esses tipos de sistemas só podem ser construídos se houver a acumulação de grandes quantias de capital em conjunto com a confiança de se investir maciçamente em empreendimentos de longo prazo.
Sem esse tipo de formação de capital, tudo o que nos resta são nossas habilidades motoras de fazer, dentre outras coisas, caipirinhas e queijo derretido.
No Brasil, uma série de governos populistas incorporou a crença de que o setor público está mais bem capacitado para gerenciar os setores de peso da economia. Mas seus sucessivos e estrondosos fracassos já comprovaram de maneira inquestionável que os planejadores de Brasília são péssimos em resolver os mesmos desafios que eles impedem de ser solucionados pelo setor privado. Embora os sistemas educacional e de saúde do Brasil sejam corretamente ridicularizados por todos, é a lastimável infraestrutura a causa dos maiores problemas do país.
A falta de uma adequada malha rodoviária e ferroviária impede que o Brasil coloque seus formidáveis recursos naturais e humanos para funcionar. Em vez de utilizar seus recursos financeiros para alterar essa realidade, o governo brasileiro decidiu, de maneira unilateral, que o dinheiro estaria mais bem empregado nos aeroportos, estádios de futebol e instalações olímpicas necessários para a Copa do Mundo deste ano e para a Olimpíada de 2016. E embora o futebol seja algo de grande apelo em campanhas eleitorais, ele está longe de ser o remédio correto para a vacilante economia do Brasil. (Acredita-se que os pagadores de impostos brasileiros gastaram mais dinheiro com a corrupção inerente às negociatas que sempre ocorrem nesses megaprojetos esportivos do que com os próprios projetos).
Os esforços do governo brasileiro para manter os capitalistas devidamente restringidos produziram muito pouco daquela igualdade que os neomarxistas de hoje tão avidamente demandam. O Brasil continua sendo um país onde prédios de luxo repletos de equipamentos de segurança e entrincheirados por muros e fios de alta tensão convivem lado a lado com favelas. Os únicos resultados alcançados pelos políticos populistas do país foram a perpetuação da pobreza e um desempenho econômico muito abaixo do seu potencial.
Como ocorre com outros países da América do Sul, como Argentina, Venezuela e Equador, o Brasil parece ser extremamente suscetível à demagogia populista e carismática. Esse parece ser um hábito ainda mais difícil de ser abandonado do que uma caipirinha à sombra em uma praia.