Aquele carro antigo, que havia sido especialmente alugado para a ocasião, esperava pelos noivos para levá-los a uma festa logo após a cerimônia do casamento. Eu estava entre aqueles convidados que se mostravam mais embevecidos pelo carro do que pela festa de casamento em si. Absolutamente maravilhoso.
Era um Studebaker. Até onde sei, era um conversível da linha Commander, de 1940. Tive de ir pesquisar: esta empresa nasceu em 1852 e morreu em 1967, e produziu alguns dos carros mais visualmente fantásticos de sua época. Ela até chegou a produzir um carro elétrico em 1902! Mas os controles de preços adotados pelo governo americano durante a Segunda Guerra Mundial encolheram suas margens de lucro, o que gerou um processo de fusão em toda a indústria automotiva, que acabaria por matar a empresa.
Mas, naquele sábado à tarde, o carro ainda estava fabuloso, após todos esses anos. Estávamos em um estacionamento a céu aberto repleto de automóveis modelos novos. Mas ninguém dava a mínima para eles. Estávamos todos obcecados com este velho Studebaker. Seu nome havia sido escolhido corretamente: aquele automóvel despertava atenção. O formato fazia dele uma obra de arte. O capô não era nada parecido com o que existe hoje. O interior de couro vermelho era extremamente luxuoso.
Ficamos lá extasiados, em total admiração. Divagamos um pouco sobre como seria o consumo de combustível. Não deveria ser muito maior do que o dos gigantescos utilitários atuais. Ainda assim, concordamos que pagar mais para dirigir algo tão legal valeria a pena.
Studebaker Commander Convertible |
No entanto — e eis todo o problema —, isso não é uma opção. Nenhum fabricante está autorizado a fazer um carro igual a esse. Façamos um pequeno retrospecto e pensemos um pouco. Na década de 1930, os telefones eram horrorosos, pesados e nada práticos, e você era um grande sortudo se tivesse um. Ninguém hoje abriria mão de um smartphone em troca de uma daquelas coisas antigas. O mesmo é válido para computadores, televisões, fogões, fornos microondas, sapatos etc. Ninguém quer retroceder no tempo.
Já com os carros, a situação é distinta. Nossa sensação de nostalgia só faz aumentar, em vez de diminuir. Mas o problema é que nem sequer temos a opção de voltar ao passado. Não mais teremos carros bonitos como os de antigamente. O governo e suas dezenas de milhares de regulamentações específicas para o setor automotivo não permitem.
No dia anterior ao casamento, estava eu em uma loja de conveniência quando vejo outro carro fabuloso, desta vez um pequeno modelo esportivo. Mesmo eu que não ligo muito para carros fiquei extasiado. Normalmente, não me importo muito com o modelo de carro que dirijo. Mas aquele carro em específico era sensacional demais para não despertar a minha admiração.
Perguntei ao proprietário onde ele havia comprado, que modelo era, quem era o fabricante etc. Aquele carro havia desafiado a minha impressão de que todos os carros atuais são iguais. Ele me disse que ele próprio o havia construído em sua garagem. Ele comprou todo o kit de montagem na Factory Five Racing.
Perguntei: “Você hoje tem de montar seu próprio carro porque nenhum fabricante pode vender algo assim?”
“Correto!”, disse ele.
Estas empresas que se especializaram em vender componentes automotivos avulsos são uma forma fantástica de você conseguir respirar em uma era em que o controle governamental sobre o mundo físico é total. Elas são uma maneira legal de driblar as imposições estatais. A lei ainda permite que colecionadores, proprietários de carros antigos e praticantes de hobby possam dirigir estes belos carros. Mas ela não permite que os fabricantes atuais comercializem carros que se pareçam com estes.
Aquele antigo ditado diz que “Se você quer algo bem feito, faça você mesmo.” Há apenas um problema com este ditado: em uma economia desenvolvida, ele não deveria ser válido. Deveríamos poder tirar vantagem da divisão do trabalho. Assim como não temos de tecer nossas próprias roupas, não deveríamos ter de construir por conta própria nossos carros. Mas foi justamente a este caminho que as regulações estatais nos levaram.
Você por acaso já parou para pensar por que todos os fabricantes constroem carros visualmente sensacionais — os quais elas chamam de “carros-conceito” —, mas por algum motivo tais carros nunca estão à venda? Sempre fiquei intrigado em relação a isso. Imaginava que era simplesmente porque os carros-conceito eram caros demais para serem fabricados. Mas não é por isso. A questão é que as regulamentações estatais não permitem que eles sejam comercializados.
As coisas não aconteceram todas de uma só vez. As proibições foram graduais e ocorreram ao longo de quatro décadas, sempre em nome da segurança e do ambientalismo. Tudo começou nos EUA, em 1966, com a criação da National Highway Traffic Safety Administration [agência governamental que faz parte do Departamento de Transportes, cuja missão é “proteger vidas, impedir danos, e reduzir acidentes automotivos”]. Depois surgiuEnvironmental Protection Agency [agência governamental encarregada de “proteger a saúde humana e o ambiente”]. Inevitavelmente, dezenas de outras agências surgiram depois. Todas queriam se apossar de uma fatia do automóvel.
A princípio, cada regulamentação criada parecia fazer algum sentido. Afinal, quem não quer estar mais seguro? Quem não quer consumir menos combustível?
Mas a realidade é que todos esses decretos são impostos sem a mais mínima consideração quanto à realidade dos custos e benefícios. Mais ainda: eles são criados sem qualquer consideração em relação ao seu impacto sobre o design de um carro. E, uma vez que as regulamentações são impostas, elas jamais são revogadas. Elas são mais definitivas do que as normas sobre uma peça de software patenteada.
Agora o fim do jogo já chegou. Por mais que tentem, os próprios fabricantes passam aperto para tentar diferenciar seus carros dos de seus concorrentes. A homogeneização do automóvel já está banalizada. Todos os carros atuais são parecidos. Como já disse, nunca fui muito entusiasta de carros e, exatamente por isso, só comecei a notar esse fenômeno nos últimos 12 meses. E, ainda assim, pensei que estava apenas imaginando coisas. Porém, algumas pessoas brincando com o Photoshop descobriram que, se você apenas trocar a grade frontal dos carros, é possível fazer uma BMW ficar igual a uma Kia e um Hyundai ficar idêntico a um Honda. É tudo um só carro.
Realmente, tem de ter uma explicação para isso. Fui procurar e descobri um vídeo feito pela CNET que enumera cinco motivos para os carros de hoje serem iguais: decretos para que a frente do carro seja mais alta para proteger pedestres, decretos que limitam a altura do carro para economizar combustível e uma traseira grande que contrabalance a frente grande. Essa combinação fez com que tanto o pára-brisa quanto todas as janelas dos carros se tornassem irritantemente pequenas, o que afeta a visibilidade e acaba tornando os carros menosseguros para serem dirigidos. Adicionalmente, o peitoril das janelas ficou mais alto, o que dá a claustrofóbica sensação de se estar dentro de um tanque. Em outras palavras, uma histeria em relação à segurança e ao ambiente destruiu toda a estética dos carros.
Pouco importa que segurança e ecologia criem resultados contraditórios. Quanto menor o consumo de combustível, mais leve e delicado tem de ser o carro e maior é a probabilidade de você morrer em um acidente. As regulamentações que especificam um consumo máximo de combustível certamente já mataram muitas pessoas. Similarmente, como princípio geral, quanto mais seguro for o carro, mais combustível ele irá consumir. Enquanto isso, a própria gasolina vem sendo arruinada em decorrência de todas as misturas etílicas que o governo determina que devem ser acrescentadas, o que reduz a vida útil do motor.
Estas regulamentações são as responsáveis pelo desaparecimento da perua e pelo subsequente domínio do mercado por veículos enormes que podem ser classificados como caminhonetes, os quais são regulados por um padrão distinto. É isso mesmo: regulamentações criadas para reduzir o consumo de combustível geraram o efeito exatamente oposto ao estimular as pessoas a abandonar os carros e ir para os utilitários — que era exatamente o que os grandes fabricantes queriam. Não é de se estranhar que as críticas mais contundentes às regulamentações que estipulam valores máximos para consumo de combustível não sejam feitas pela indústria automotiva, mas sim pelos usuários.
É verdade que ninguém tinha a intenção de acabar com a diversidade, a funcionalidade e a beleza dos carros. Mas isso foi exatamente o que aconteceu. E é isso o que acontece sempre que as elites políticas e burocráticas impõem sobre os cidadãos o seu próprio sistema de valores, desconsiderando totalmente os valores subjetivos dos produtores e dos consumidores. Eles são os mestres e nós somos os escravos, e cabe a nós aceitarmos nosso fardo resignadamente.
Considere a questão a respeito dos pedestres. Quantas vidas realmente já foram salvas por uma frente mais elevada? Ninguém sabe. Mas a própria regulamentação parece excluir a possibilidade de que motoristas e pedestres possam resolver seus problemas por conta própria, sem uma intervenção regulatória. Em outras palavras, estamos sendo tratados como crianças. Aliás, pior ainda. Estamos sendo tratados como se simplesmente não possuíssemos cérebro.
A situação é muito séria. Trinta anos atrás, os futuristas imaginavam que os carros do futuro seriam belos e estonteantes, e dariam imenso prazer ao serem dirigidos. Considere, por exemplo, este Triumph, que era tido como o “carro do futuro”. Este futuro foi totalmente destruído. Os reguladores o transformaram no carro do passado, um sonho frustrado que teve de morrer para abrir espaço para estas coisas esquisitas e homogeneizadas que temos a permissão de comprar atualmente. Até mesmo os belos faróis retráteis foram proibidos.
Houve uma época em que os ocidentais se orgulhavam de seus carros e zombavam implacavelmente os carros horríveis que eram produzidos sob um sistema socialista, como, por exemplo, na Alemanha Oriental. O Trabantjá entrou para a história como um dos piores carros já produzidos. Porém, analisando em retrospecto, o fato é que você não apenas conseguia ver algo através das janelas, como também a intenção ao menos parecia ser a de colocar os interesses do motorista acima dos interesses da Mãe Natureza e dos não-motoristas. Parece que os planejadores centrais socialistas tinham um pouco mais de bom senso do que os burocratas reguladores da atualidade.
No final, se o objetivo é proteger os pedestres e a Terra, então o transporte coletivo e as bicicletas são o futuro. E todos nós sabemos que é exatamente isso que eles querem. Ano passado, por exemplo, o governo Obama — e é dos EUA que saem todas essas regulamentações idiotas — anunciou novos padrões de consumo de combustível a serem obedecidos até 2025, padrões estes aos quais nenhum carro atual movido exclusivamente a gasolina é capaz de se enquadrar. Tais padrões irão elevar acentuadamente o preço dos carros e forçar a criação de um mundo em que os carros são todos elétricos ou híbridos recarregados na tomada. (Quem quiser ler todos os arrepiantes detalhes, veja aqui.)
Todos nós corretamente condenamos pacotes de socorro destinados a bancos e empresas, bem como arranjos corporativistas que mesclam interesses privados com interesses do governo. Também condenamos veementemente todo e qualquer tipo de auxílio estatal a empresas falidas. Porém, eis aqui uma verdade: se os barões da indústria automotiva e os sindicatos que as dominam não possuíssem conexões políticas, a abolição do automóvel provavelmente já seria um fato consumado. Por enquanto, o automóvel ainda é permitido. Mas os governos não permitem que ele se desenvolva, que ele assuma o formato que os consumidores desejam e que ele funcione como um verdadeiro bem econômico.
O automóvel foi a base da segunda revolução industrial. Burocratas usurpadores estão retirando o automóvel do nosso futuro. Houve uma época em que sonhávamos com carros voadores. Os reguladores de hoje conseguiram a façanha de nos fazer sonhar apenas com a volta dos dias gloriosos de décadas passadas. Isso é simplesmente patético.