A regra básica do comportamento humano, ou ninguém troca 10 por 9
O comportamento humano é um ato de vontade. Por ser um ato volitivo escolhemos e adotamos o tipo de comportamento que nos parece ser, nas circunstâncias, o mais conveniente. Todas as formas de comportamento são, em princípio, passíveis de ser escolhidas e adotadas.
Convém, preliminarmente, esclarecer que devemos entender comportamento humano como uma forma de ação que tem condições de ser adotada; uma forma de ação cuja implementação esteja ao nosso alcance. Portanto, apenas escolhemos, entre as formas de comportamento possível, aquele que nos parece ser o mais adequado. Obviamente, de nada nos adiantaria escolher um comportamento impossível. Seria uma contradição. Convém também não confundir comportamento com desejo: comportamento é uma forma de ação que só depende de nós; desejo é algo que, para ser realizado, depende não só de nosso comportamento, mas também de circunstâncias exógenas. Ganhar na loteria é um desejo; comprar um bilhete é um comportamento.
Entre os diversos comportamentos possíveis, existem alguns que provocam consequências que nos são desagradáveis, embora num primeiro e mais rápido juízo possam ter-nos parecido um caminho mais curto e menos penoso para a consecução do objetivo pretendido. Assim sendo, na medida em que sejamos capazes de identificar essas consequências desagradáveis como decorrentes do comportamento adotado, ou seja, na medida em que tenhamos consciência das relações de causa e efeito, reduzimos o espectro de nossas escolhas, pela exclusão daquelas ações cujas consequências desejamos evitar. As primeiras grandes limitações ao exercício de nossa vontade na escolha do comportamento que iremos adotar nos são determinadas pelas leis naturais. Sabemos todos que não devemos sair andando pela janela ou colocar a mão no fogo para apanhar um objeto, embora essa pudesse ser a nossa melhor opção, não fossem as bem conhecidas e desagradáveis consequências que as leis físicas e fisiológicas impõem ao nosso comportamento.
Mais importante ainda que as limitações impostas pelas leis naturais — e de consequências bem mais severas — são as limitações impostas pelas leis praxeológicas, ou seja, pelas leis do comportamento humano. Praxeologia (praxis — ação + logia — ciência) foi a denominação dada por Ludwig von Mises à ciência da ação humana na sua “ópera magna” — Ação Humana, publicada em 1949.
Entretanto, as limitações decorrentes das leis do comportamento humano não têm sido tão respeitadas como deveriam, sobretudo em virtude de suas consequências estarem geralmente distantes das respectivas causas, dificultando a percepção da relação de causa e efeito, o que faz com que soframos as consequências sem saber a que causas atribuí-las, levando-nos, não raro, a apontar falsos culpados para as mazelas que estão nos incomodando.
Valendo-nos de um aforismo criado pela sabedoria popular, podemos enunciar a regra básica do comportamento humano reduzindo-a à sua expressão mais simples, como sendo: “Ninguém troca 10 por 9.” Vale dizer: voluntariamente, ou seja, por vontade própria ninguém troca algo a que atribui mais valor por algo a que atribui menos valor.
Obviamente, ninguém troca 10 por 9: ninguém troca 10 dólares por 9 dólares. Quem quiser assim proceder não precisa encontrar um parceiro para efetuar uma troca: basta renunciar ao que tem. Os que assim o desejarem são livres para fazê-lo até o limite de suas propriedades, num primeiro momento, e até o sacrifício de sua própria vida, num caso mais extremo. Convém esclarecer, apenas por uma questão de precisão conceitual, que quem assim agisse, por livre e espontânea vontade, não estaria trocando 10 por 9; estaria preferindo se desfazer daquilo a que atribui menos valor — seus bens e sua própria vida — para receber em troca aquilo a que atribui maior valor — a gratidão dos que beneficiou ou a satisfação íntima de ter feito o que considera ser um bem.
Ninguém, de livre e espontânea vontade, troca 10 por 9. É uma impossibilidade lógica. Ninguém conseguirá apontar uma situação ou uma circunstância em que essa regra possa ser negada. Embora, na vida real, as escolhas que temos que fazer sejam bem mais complexas, por mais complexas que sejam a lógica subjacente é sempre a mesma: ninguém troca aquilo a que atribui mais valor — no sentido mais amplo do termo — por algo a que atribua um valor menor. Ou seja: ninguém age para causar a si próprio uma insatisfação.
Por maior que seja o grau de complexidade de nossas escolhas e das trocas que fazemos no nosso dia-a-dia, envolvendo valores de natureza exclusivamente material ou de natureza sentimental, moral, afetiva ou estética, a lógica subjacente será sempre a mesma. Numa troca voluntária estaremos sempre recebendo algo a que damos mais valor e renunciando àquilo a que damos menos valor. Estaremos sempre trocando 9 por 10. Ninguém troca 10 por 9.
E, se estamos sempre trocando 9 por 10 e se a outra parte também está trocando 9 por 10, temos que após uma troca voluntária ambos ganham. Ambos resultam com algo a que dão mais valor. É, como se diz no jargão econômico, um jogo de soma positiva. Numa troca voluntária há como que uma criação de valor, uma vez que ambos os participantes, pela sua própria avaliação subjetiva, tiveram um aumento de satisfação.
Um produtor de maçãs pode propor ao seu vizinho — produtor de uvas — trocar uma caixa de maçãs por uma caixa de uvas. Como tem muitas maçãs, atribui um valor maior à caixa de uvas que receberá em troca. Para ele a troca é vantajosa, porque estará trocando algo a que atribui menos valor por algo a que atribui mais valor; para o seu vizinho a troca é também vantajosa, porque para ele, pelas mesmas razões, uma caixa de uvas tem menor valor do que uma caixa de maçãs.
Ludwig von Mises, no seu já citado livro Ação Humana, analisa esse conceito de forma bastante completa, mostrando exaustivamente que toda ação humana é um comportamento propositado: visa passar de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação. Essa definição de ação humana é universal; não comporta exceções: ninguém poderá apontar um vago período da história ou uma tribo da Polinésia onde essa definição não se aplique. É um comportamento intrínseco ao ser humano; faz parte da lógica da vida.
Geralmente associamos estado de maior satisfação com melhoria da situação econômica. Mas é importante assinalar que o aumento de satisfação de natureza essencialmente econômica é apenas um caso particular de um fenômeno muito mais abrangente. A relação com a pessoa amada, o prazer da experiência estética e a busca do conhecimento são comportamentos que habitualmente nos levam a alcançar um estado de maior satisfação. O amor, a beleza e a verdade serão sempre fontes inesgotáveis de aumento de satisfação. Nas transações meramente econômicas o aumento de satisfação propiciado pela ação é denominado lucro; entretanto, lucro, no seu sentido mais abrangente, é o objetivo de toda ação humana. É preciso também se ter em mente que as escolhas feitas pelo homem são sempre escolhas individuais e nunca coletivas; o fato de numa comunidade a maioria das pessoas perseguir objetivos semelhantes usando meios análogos configura apenas a existência de um estágio cultural, ou seja, uma mesma forma de reagir às mesmas circunstâncias, e nunca uma decisão coletiva.
No exame das consequências do comportamento humano é mister distinguir comportamento propositado de comportamento instintivo, que é próprio dos animais e também do homem enquanto animal. As respostas instintivas e automáticas das células, órgãos e nervos de um animal estão impressas no seu código genético; não são um comportamento voluntário, fruto de uma escolha racional. Não são um ato de vontade e, como tal, não são passíveis de erro; são respostas invariáveis, ou melhor, que só variam quando as circunstâncias do acaso assim o provocam; e a necessidade, considerando o acréscimo de coerência e de eficácia trazido ao sistema, fixa essa nova forma de comportamento. Assim têm evoluído as espécies animais. Jacques Monod, ganhador do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1965, no seu trabalho O Acaso e a Necessidade, desenvolve o tema de forma bastante clara, tornando-o compreensível mesmo para o leitor não especializado no assunto.
Já no caso dos seres humanos, ao comportamento instintivo se sobrepõe o comportamento propositado, fruto do emprego da razão, de que só o homem é dotado. O homem tem assim a capacidade e a possibilidade de influir na sua própria evolução, o que, sendo uma vantagem muito grande, pode também representar um risco desastroso. O processo civilizatório é uma ampla evidência dessa capacidade de o homem influir na sua própria evolução. O processo civilizatório consiste basicamente em tornar possível a existência de bens e serviços para cuja produção seja necessária uma seqüência de atividades intermediárias que se estendem ao longo do tempo e do espaço. Se o homem não tivesse tornado possível a produção de bens e serviços que demandam um alongamento do tempo e do espaço (no sentido de usar materiais e insumos que estão cada vez mais distantes do seu espaço de produção e consumo), estaria até hoje vivendo apenas “da mão para a boca”.
O que tornou possível esse alongamento do processo produtivo e, portanto, do aumento da capacidade humana de gerar novas e maiores formas de satisfação foi a adoção de regras de conduta moral que inibissem o uso exclusivo da vontade, fazendo com que o homem considerasse, na escolha de seu comportamento, as consequências desagradáveis que adviriam se essas regras de conduta não fossem respeitadas. De certa forma, podemos dizer que a adoção de regras de conduta constitui um processo de contenção dos instintos pelo uso da razão. O ser humano civilizado, de uma maneira geral, não procura satisfazer os seus apetites tomando pela força o que pertence ao seu vizinho ou atacando uma fêmea que lhe desperte atração sexual, porque já percebeu — graças à razão de que é dotado — que esse comportamento, se generalizado, lhe será prejudicial e lhe acarretará uma diminuição de satisfação. Se o homem não tivesse universalmente adotado as regras do “Não matarás” e “Não roubarás” estaria ainda hoje vivendo praticamente como um animal.
E essas regras não poderiam vir a ser universalmente adotadas se o homem não tivesse também percebido a necessidade de criar um aparato de coerção — geralmente denominado estado — com a finalidade precípua de fazer cumprir essas regras e de punir os seus eventuais transgressores. Que o estado, que é um mero instrumento a serviço do homem, tenha se afastado dessa sua função precípua não deve ser entendido como uma condenação de sua existência, e sim como um mau uso feito pelos homens de um instrumento indispensável à existência do processo civilizatório.
Na escolha e na adoção das regras de conduta que o aparato de coerção do estado fará respeitar é indispensável levar em consideração as leis básicas do comportamento humano. Regras de conduta que nos obriguem a trocar 10 por 9, embora possam parecer benéficas no curto prazo, a longo prazo não serão obedecidas em virtude das consequências desagradáveis — e mesmo catastróficas — que inexoravelmente provocam. Tentaremos mostrar que muitas vezes, geralmente por um ato de coerção, como, por exemplo, uma intervenção do estado, somos levados a tomar decisões que implicam trocar 10 por 9, cujas consequências desastrosas não são percebidas como tendo sido causadas pela infausta intervenção que, freqüentemente, continua a prevalecer simultaneamente com o alarido e a reclamação contra as consequências causadas pela própria intervenção. Ou seja: somos levados a trocar 10 por 9, continuamos a fazê-lo e ao mesmo tempo reclamamos das consequências sem nos apercebermos da causa de nosso infortúnio. É como se continuássemos a colocar a mão no fogo e a reclamar de que a nossa mão está sendo queimada, sem nos darmos conta de que a queimadura decorre de estarmos colocando a mão no fogo.
E é compreensível que assim seja, uma vez que o comportamento propositado, por ser um ato de vontade fruto da análise que o homem faz de suas circunstâncias, é passível de erro. As circunstâncias podem ser enganadoras, a razão pode ser superficial, as informações podem estar deformadas, e a escolha feita pelo homem pode se revelar errada. Errada no sentido de que a ação escolhida não irá proporcionar o aumento de satisfação cuja expectativa havia motivado a ação. A correta compreensão da lei básica do comportamento humano poderá nos ajudar a diminuir os erros que cometemos e, portanto, as consequências deles decorrentes. Sim, porque se erros não tivessem consequências não teriam importância nem precisariam ser evitados. Erro, no caso, significa um comportamento adotado na presunção de que nos propiciará um aumento de satisfação mas que, na realidade, provoca um aumento de desconforto.
O fato de o homem sempre trocar 9 por 10 faz com que exista, entre os seres humanos, o que se chama de progresso. Ao longo de sua história, por ter cometido muito mais acertos do que erros, o homem progrediu. Não se poderá dizer o mesmo dos animais: ninguém poderá falar do progresso das girafas ou das abelhas. O conceito de progresso só se aplica ao ser humano em virtude da razão de que é dotado.
Mas, se cometeu mais acertos do que erros, nada impede que venha a cometer mais erros do que acertos, bastando para tal um mau uso da razão e uma inadequada compreensão de suas circunstâncias. O homem, por isso, se por um lado é capaz de promover o progresso pode, também, diferentemente dos animais, promover o atraso e até mesmo, no limite, provocar a sua própria extinção, em virtude de seus próprios erros. Não se está querendo dizer com isso que o homem esteja correndo o risco, ainda que remoto, de extinção, mas apenas ressaltar que essa não é uma impossibilidade lógica, bastando para tal que passe a trocar 10 por 9 pensando que está trocando 9 por 10. E, se a extinção é uma hipótese meramente conjectural, o possível empobrecimento ou não-enriquecimento é uma circunstância concreta e perfeitamente identificável no nosso dia-a-dia.
Os objetivos que cada um pretende alcançar — e, portanto, o que cada um entende como “progresso” — variam de indivíduo para indivíduo e, no mesmo indivíduo, podem variar de um momento para outro. O que para um indivíduo poderá ser visto como um aumento de satisfação poderá, para outro, ser entendido como um aumento de desconforto. Ninguém, a não ser o próprio indivíduo, pode avaliar as suas circunstâncias. Afinal, o ser humano é a única testemunha de si mesmo. Por isso não é possível a alguém ou ao órgão central de um governo estabelecer os objetivos a serem perseguidos pelos indivíduos e muito menos tentar implementá-los.
Para que o nível de acertos seja o maior possível, é indispensável que se respeitem dois postulados: primeiro, que o homem seja livre para fazer as suas escolhas, porque só ele dispõe das informações que são próprias de suas circunstâncias e ninguém as conhece tão bem quanto ele; e, segundo, que seja respeitado o princípio da responsabilidade individual, para que cada indivíduo se beneficie dos seus acertos e sofra as consequências de seus erros, o que fará com que, num permanente processo de feedback, possa modificar as suas escolhas e alterar o seu comportamento. A tentativa de determinar, invocando razões de natureza política, social ou de qualquer outra natureza, quais devam ser os objetivos individuais só pode ser efetivada pelo uso da coerção e constitui o que Friedrich von Hayek, no seu último livro, qualificou de “Presunção Fatal”, por conter subjacente a pretensão de que alguém — seja o rei-filósofo de Platão, ou um déspota esclarecido, ou um comitê central, ainda que eleito democraticamente — possa conhecer as circunstâncias de cada indivíduo. Essa mesma percepção já havia levado Kant a dizer, com propriedade: “Ninguém pode me obrigar a ser feliz à sua maneira.”
Se no escopo geral de nossas decisões — a escolha do cônjuge, de nossa profissão, de quem vamos nos tornar amigos — a grande maioria concordará que a decisão deve ser deixada a cargo de cada indivíduo, no caso das decisões de natureza tipicamente econômica um grande número de pessoas, se não mesmo a maioria (ou, pelo menos, a maioria dos que detêm o poder), é propenso a acreditar que deve interferir nas decisões individuais, geralmente sob o pretexto de que se assim não o fizerem os indivíduos que foram capazes de escolher o cônjuge, decidir ter filhos, escolher o presidente da República, etc. não serão capazes de fazer a escolha que melhor convém aos seus interesses. Assim sendo, através do poder de coerção do estado interferem nas decisões econômicas, tentando determinar qual deve ser o salário, a jornada de trabalho, a taxa de juros, a taxa de câmbio, o preço das mercadorias, o nível de competição empresarial e tantas coisas mais.
Esse procedimento, por beneficiar alguns e prejudicar outros — geralmente a grande maioria — e por não dispor de um mecanismo nítido de feedback, como na decisão individual, pode fazer com que se persista no mesmo erro durante décadas sem que se perceba que estamos sendo obrigados a trocar 10 por 9 e, por conseguinte, empobrecendo. Os benefícios, por estarem concentrados em alguns grupos, são bem identificados, enquanto os malefícios, estando dispersos no grande número, não chegam a ser claramente percebidos; formam-se, assim, os grupos de pressão que defendem a intervenção que lhes é benéfica sem encontrar resistência da grande maioria que está sendo prejudicada.
Por isso, tanto no caso das decisões de natureza econômica quanto no caso de decisões de natureza afetiva, política ou de qualquer outra natureza, para que o número de acertos e o aumento de satisfação sejam cada vez maiores, é indispensável, convém repetir, que prevaleça a liberdade individual e que os indivíduos sofram ou usufruam as consequências de suas escolhas. O estado, que detém o monopólio da coerção, tem como função precípua garantir esse direito à liberdade individual não só nos seus aspectos políticos, mas também nos seus aspectos econômicos. Se assim o for, prevalecerá na sociedade uma economia de mercado. A economia de mercado é um fenômeno natural, como o leito de um rio no seu caminho para o mar. O estado não tem como implementá-la; pode apenas obstruí-la. Os indivíduos, desde que lhes seja garantida a liberdade, empregarão o melhor do seu esforço e do seu talento para trocar 9 por 10, numa troca voluntária em que sempre ambas as partes ganham, e a comunidade progride. E assim farão existir uma economia de mercado sem que tenha sido esse o seu desígnio explícito. Foi para descrever esse fenômeno que Adam Smith cunhou a tão famosa expressão “mão invisível”, no célebre e notável trecho de seu livro A Riqueza das Nações: “O indivíduo, ao visar apenas alcançar um aumento de sua satisfação, é como que conduzido por uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de sua intenção.”
A humanidade em geral e as elites intelectuais e políticas em particular ainda não se deram conta da importância de conhecer e respeitar as regularidades da ação humana. Parecem crer, como bem assinalou Ayn Rand, “que a ciência só é aplicável quando lidamos com objetos inanimados; quando se trata de seres humanos o conhecimento deixa de ser necessário, os princípios passam a ser irrelevantes, a causalidade não produz efeitos, as consequências não podem ser previstas, e para que possa existir uma sociedade livre e próspera bastam líderes com boas intenções e bastante poder”.
Talvez seja porque imaginam que o avanço do conhecimento no campo das ciências humanas deva ocorrer como ocorreu, com enorme sucesso, no campo das ciências naturais. Talvez não estejam percebendo, como salientou Alberto Benegas Lynch em seu livro El Juício Crítico Como Progreso, que existe uma diferença epistemológica fundamental entre esses dois ramos do conhecimento: as ciências naturais são hipotético-dedutíveis, ou seja, a partir de uma hipótese, confirmada pela experiência ou pela observação da natureza, é possível enunciar uma lei e deduzir as suas consequências. E assim será até que uma nova hipótese e a confirmação dessa nova hipótese venham mostrar que a anterior ou estava errada ou era apenas um caso particular de uma nova teoria mais abrangente. É conhecida a resposta de Einstein, numa entrevista à imprensa em que os jornalistas tentavam depreciar Newton por ter sido a sua teoria superada pela nova teoria gravitacional do contínuo espaço-tempo: “Quão sábio foi Newton que, ao enunciar a sua teoria, não disse que matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias, e sim que tudo se passa como se matéria atraísse matéria…”
O sucesso do método experimental das ciências naturais pode ter induzido a que esse mesmo método fosse usado nas ciências humanas. Mas ocorre que as ciências humanas — ou praxeológicas — são axiomático-dedutíveis. Ou seja: a partir de um axioma que não possa ser refutado, são dedutíveis as consequências das regularidades do comportamento humano. Não adianta fazer experiências; não bastam boas intenções: é preciso refutar o axioma original. E o axioma central da ação humana: toda ação humana visa obter um aumento de satisfação — o que aqui enunciamos como sendo ninguém troca 10 por 9 — está aí para ser refutado por quem for capaz de fazê-lo. Mas, se isso não for possível, há que respeitá-lo e compreender que não respeitá-lo produz, inexoravelmente, consequências indesejadas.
E isso é assim porque a lógica do comportamento humano é a mesma de todo ser vivo, seja ele uma simples célula, uma bactéria ou um ser humano. Todos têm o mesmo propósito: o de prover a sua sobrevivência e a sua descendência. Por isso, um ser vivo não efetua qualquer troca que lhe seja química ou fisicamente possível, mas somente aquelas que lhe propiciem um aumento de coerência e de eficiência para a realização de seu propósito. Por isso, o ser vivo não troca 10 por 9. Se assim procedesse estaria contrariando a lógica da vida e terminaria por deixar de existir.
Podemos imaginar um Universo regido por leis físicas completamente diferentes: um Universo em que a gravidade afaste os corpos ou em que a luz seja instantânea. Não há nenhuma impossibilidade lógica nisso. Podemos imaginá-lo de qualquer forma, porque o Universo não tem um propósito. Mas não podemos imaginar um ser vivo que troque 10 por 9; porque o ser vivo tem um propósito: preservar a sua própria vida. Do ser humano à forma mais elementar de vida, “o sonho de cada célula é tornar-se duas”, como assinalou o cientista François Jacob, ganhador do prêmio Nobel de Medicina. Trocar 10 por 9 seria negar a própria vida. Seria pretender que a vida pudesse obedecer à lógica da morte. O que seria um paradoxo, e os paradoxos não existem; por definição não podem existir. A vida não é um paradoxo.
As circunstâncias em que somos levados a trocar 10 por 9
Para que uma troca voluntária se realize é condição necessária que as partes envolvidas obtenham, com a troca, um aumento de satisfação. Se assim não for, a troca simplesmente não se realiza, e as coisas continuam inalteradas.
Existem, entretanto, circunstâncias em que somos levados a efetuar trocas que acarretam, pelo menos a uma das partes envolvidas, uma diminuição de satisfação; trocas que, não fora a existência das referidas circunstâncias, certamente não seriam realizadas. Ao realizá-las temos consciência de estar trocando 10 por 9 ou pensamos estar assim agindo por estarmos mal informados. O primeiro caso ocorre quando nos vemos diante de uma situação de coerção, hipótese em que ao nosso ganho somos forçados a acrescentar o benefício de não sofrer a violência decorrente da coerção, seja ela legal ou ilegal. No segundo caso embora pensando estar trocando 10 por 9, estamos sendo levados a agir contra o nosso interesse, contra, portanto, o nosso aumento de satisfação, por fraude ou por ignorância.
No caso da coerção somos levados a fazer uma troca que nos é insatisfatória; e só aceitamos fazê-la para evitar uma possível represália, em virtude da existência de um poder de coerção. Diante da arma de fogo de um assaltante, que nos obriga a escolher entre “a bolsa ou a vida”, a grande maioria dos indivíduos preferirá entregar a carteira para poder permanecer vivo. Se nos abstrairmos dos aspectos éticos e psicológicos de uma situação como essa, podemos dizer que a troca assim efetuada representou, em termos estritamente econômicos, um jogo de soma zero: o que um tinha na carteira passou a pertencer a outro.
Mas a troca forçada pela coerção pode assumir formas bem mais complexas, bem mais freqüentes e bem mais nocivas por resultar, em termos estritamente econômicos, num jogo de soma negativa, no qual as partes envolvidas ou têm uma diminuição de satisfação ou pelo menos não têm o aumento de satisfação que poderiam ter. Por exemplo: se o estado determina que um determinado produto de uso corrente e de difícil substituição deva ser objeto de um monopólio — pouco importa se estatal ou privado — e se o detentor do monopólio, cuja existência se deve exclusivamente ao poder de coerção do estado, for pouco eficiente, tiver custos altos e grande margem de desperdício, como inevitavelmente sói acontecer, as trocas que vierem a ser efetuadas constituirão um jogo de soma negativa, porque o comprador é compelido a receber um produto mais caro e de pior qualidade sem que isso represente um maior ganho para o vendedor. Não tivessem ocorrido a coerção e o correspondente monopólio, se prevalecesse uma situação de liberdade e, portanto, de competição, o comprador teria acesso a um produto melhor e mais barato, e o vendedor ainda teria um lucro maior, devido à sua maior eficiência, criatividade e eliminação de desperdícios.
São exemplos nítidos dessa deformação, na nossa história recente, os monopólios do petróleo, das telecomunicações e da energia elétrica, que nos obrigaram a pagar mais por produtos de pior qualidade enquanto as empresas, no caso estatais, não conseguiram gerar resultados compatíveis com a insatisfação que estava sendo imposta à população brasileira. São também bons exemplos dos malefícios da interferência estatal o protecionismo concedido a setores industriais — notadamente à indústria automobilística —, que nos obrigou, durante muito tempo, a comprar verdadeiras “carroças” piores e mais caras por estarem protegidas da competição. Os bancos estatais, que “conseguiram” ter prejuízo embora estivessem atuando numa área, durante muito tempo, extremamente lucrativa, bem como a lei de informática, proibindo o consumidor brasileiro de ter acesso aos enormes avanços tecnológicos, ilustram também essa ocorrência do jogo de soma negativa gerado pela interferência do estado nas relações de troca, que, se tivessem sido livres, teriam provocado um jogo de soma positiva e um aumento de satisfação para a grande maioria do povo brasileiro.
Mas, certamente, em nenhum outro caso os inconvenientes da presença de coerção nas trocas voluntárias foram mais desastrosos e mais duradouros do que os ocorridos no grande período da inflação brasileira. A inflação brasileira, com seus enormes malefícios sobre os mais necessitados, só pôde ter tido a dimensão e a extensão catastrófica que teve porque o estado brasileiro nos obrigou, coercitivamente, a usar as suas diversas moedas de curso legal — seja o cruzeiro, o cruzado ou o real. Tivesse-nos sido possível recorrer a outras moedas nas nossas transações particulares, a moeda podre de curso legal teria ficado restrita ao uso do estado e, como tal, teria tido vida curta, encurtando correspondentemente os danos causados aos cidadãos que foram forçados a usá-la por tanto tempo.
Um regime que nos permita escolher livremente a moeda a ser usada nas nossas transações é, sem dúvida, o que maiores benefícios traria a todos, sobretudo por evitar que, por falta de alternativa, tivéssemos que sofrer as consequências de um estado irresponsável. Se um país é capaz de gerar uma moeda de curso legal decente e estável, a questão da livre competição entre moedas perde muito de sua relevância. Um país como a Suíça, a Alemanha ou os estados Unidos, onde é livre a circulação de capitais e onde há uma tradição de zelar pela consistência de sua moeda, pode, sem grandes consequências, adotar uma moeda de curso legal; mas, se suas autoridades políticas vierem a cometer os desatinos que as nossas cometeram, aqui como lá será muito melhor abolir a moeda de curso legal e permitir a livre competição entre moedas.
De consequências mais amenas e menos duradouras são aquelas em que a troca é influenciada por algum tipo de fraude. O uso de meios fraudulentos para obter vantagens não consegue mais do que resultados efêmeros e pouco importantes. Afinal, como ressaltou Lincoln, num célebre discurso, “é possível enganar alguns durante todo o tempo e enganar todos durante algum tempo, mas não é possível enganar todos durante todo o tempo”. Nos tempos modernos, o recurso à fraude ocorre com mais freqüência através da publicidade enganosa; seus mentores geralmente só conseguem ser bem-sucedidos por um prazo curto, até que a farsa seja desmascarada. Onde há liberdade e vigora uma economia de mercado isso não chega a assumir uma dimensão que provoque maiores apreensões.
A terceira hipótese em que as trocas voluntárias podem resultar numa diminuição de satisfação ocorre quando prevalece um razoável grau de ignorância. Ignorância, naturalmente, em relação ao nível de conhecimento já existente, que, portanto, poderia ter sido superada. As consequências da ignorância que ultrapassa o conhecimento existente não têm como ser evitadas. São apenas um dado de nossas circunstâncias. Ao efetuar uma troca, uma das partes — ou ambas —, por ignorância das consequências que advirão, pensa estar fazendo uma transação que lhes proporcionará um aumento de satisfação e só mais tarde, às vezes bem mais tarde, percebe que cometeu um equívoco e, se pudesse voltar atrás, não faria de novo a mesma opção. Essas circunstâncias estão presentes e têm mais importância em escolhas de natureza pessoal, como a escolha do cônjuge ou do sócio, ou, ainda, na escolha de nossos representantes no processo político e do consequente sistema de organização da sociedade — mais ou menos autoritário e/ou intervencionista — que deverá prevalecer. No plano econômico, sua ocorrência é geralmente identificada como tendo sido um “mau negócio”.
Em qualquer dessas circunstâncias que provocam indesejadamente um aumento de desconforto, em vez de um aumento de satisfação, a melhor alternativa para diminuir a sua ocorrência ou minimizar-lhes as consequências é fazer prevalecerem a liberdade e a responsabilidade individual, o que implica, como consequência, a prevalência da democracia representativa no plano político e da economia de mercado no plano econômico. Se assim for, através do feedback negativo (que é, reconhecidamente, entre os diversos métodos que podem ser utilizados pela humanidade para reduzir a ignorância, o mais eficaz e o mais utilizado) as pessoas sofrerão as consequências de seus atos e, tendo liberdade, adotarão um novo comportamento mais compatível com o objetivo intrínseco de toda ação humana, que é obter um aumento de satisfação.
As consequências de sermos levados a trocar 10 por 9
As consequências mais graves de sermos levados a trocar 10 por 9 ocorrem em virtude do uso prolongado do poder de coerção do estado com o propósito de impor relações de troca diferentes daquelas que prevaleceriam num ambiente institucional em que as trocas fossem voluntariamente pactuadas. Em situações dessa natureza, as consequências transcendem de muito os prejuízos individuais das partes envolvidas e assumem uma dimensão verdadeiramente desastrosa, geralmente por impedir ou inviabilizar a realização de trocas individuais que, não fora a malsinada intervenção do estado, poderiam estar ocorrendo e, portanto, propiciando um aumento de satisfação. O mal maior não decorre das transações feitas, e sim das transações que poderiam estar sendo feitas e que deixam de ser feitas.
E, se num primeiro momento essa intervenção aparentemente favorece uma das partes — a parte tida como mais “fraca”, em detrimento da parte mais “forte” — e por esse motivo geralmente receba um razoável apoio popular e, por conseguinte, da classe política, num segundo momento os grandes prejudicados são invariavelmente os da classe que se pretendia amparar.
Duas situações bastante conhecidas da realidade brasileira serão suficientes para ilustrar esse verdadeiro “tiro pela culatra” da intervenção estatal, quando medidas que restringem a liberdade de troca, tomadas com razoável, se não amplo, apoio popular resultaram numa verdadeira tragédia para os menos favorecidos. E, como sempre, por estarem os efeitos distantes das causas, passam desapercebidas as relações de causa e efeito, fazendo com que essas intervenções sejam mantidas e até mesmo louvadas, apesar de suas desastrosas consequências.
A primeira é a que decorre da promulgação da “lei do inquilinato”, há mais de 50 anos. Naqueles idos o investimento em apartamentos ou casas — geralmente casas de vila ou casas de cômodos — com o propósito de auferir uma renda através do aluguel era uma forma de poupança bastante simples e disseminada, bem de acordo com as nossas origens portuguesas. Quem dispunha de recursos fazia logo umas casinhas ou comprava uns apartamentos para garantir uma renda na velhice. Estatísticas indicam que mais de 50% das unidades construídas àquele tempo o eram para aluguel.
Sendo muito difícil para quem está começando a vida adquirir uma casa, a solução de alugar a sua moradia apresentava-se como uma alternativa viável, até que a ascensão social permitisse o passo maior da aquisição da casa própria, livrando-se do aluguel e até mesmo gastando com a prestação de um possível financiamento o valor até então pago a título de aluguel.
As condições de locação eram livremente pactuadas; e o mercado e a lei da oferta e da procura se encarregavam de adequar o tipo e a localização das unidades em função da capacidade de pagamento de cada um, como ocorre em qualquer segmento da atividade econômica em que prevalecem a liberdade econômica e a livre interação dos indivíduos na busca incessante do seu aumento de satisfação. Raramente, àquele tempo, a taxa de retorno sobre o investimento feito em imóveis para aluguel ultrapassava 10% ao ano.
Foi então promulgada a lei do inquilinato, que, com o propósito de proteger os inquilinos da “ganância” dos proprietários, determinava que os valores do aluguel pactuado não poderiam ser modificados no tempo. Tal provisão, prevalecendo ao mesmo tempo em que o fenômeno inflacionário assumia proporções alarmantes, fez com que a renda dos aluguéis se tornasse verdadeiramente ridícula diante do investimento que havia sido feito. Para os proprietários dos imóveis já construídos não havia alternativa; mas ninguém mais poderia se dispor a fazer investimentos dessa natureza, e o número de imóveis construídos para aluguel reduziu-se a ínfimos 3% do total de habitações construídas.
Só uma minoria pode dispor de recursos para comprar ou construir sua própria casa; a grande maioria, não dispondo de recursos, não existindo sistema de financiamento a longo prazo e tendo deixado de haver uma oferta de imóveis para aluguel, ficou completamente sem alternativa. Isso num quadro de população urbana crescendo explosivamente. A consequência natural foram as favelas: não podendo construir sua casa própria e não havendo oferta de imóveis para locação, a única alternativa para esses mais desfavorecidos foi invadir terrenos e construir barracos — inicialmente, de tábuas e caixotes; hoje, as favelas têm edifícios de cinco andares em concreto armado, construídos de forma totalmente ilegal. É importante notar que nas favelas sempre existiram “barracos” ou quartos para aluguel cuja rentabilidade econômica é bastante satisfatória. Isso só é possível porque nas favelas, construídas ilegalmente, convém reafirmar, nunca prevaleceu a lei do inquilinato; os aluguéis são estabelecidos em dólares — e ai daqueles que não pagá-los.
Não era isso o que se pretendia com a promulgação da lei do inquilinato, mas foi essa a inexorável consequência de se interferir em relações livremente pactuadas com o propósito de obrigar uma das partes a trocar 10 por 9. A consequência foi muito mais danosa aos menos favorecidos, já que os detentores de recursos deixaram de investir em imóveis e passavam a fazer novos tipos de investimentos. No caso brasileiro, uma boa parte desses investimentos foi absorvida pelo estado e está representada pela enorme dívida pública estatal contraída para cobrir os gastos no mais das vezes suntuosos, eivados de desperdícios e não raro acrescidos pelo fenômeno da corrupção.
É importante ressaltar que a população favelada, na sua maioria, tem poder aquisitivo para pagar um aluguel suficiente para remunerar o investidor; a oferta de imóveis de aluguel é que foi gradualmente desaparecendo, devido à desastrada intervenção do estado. Não fora isso, a nossa geografia urbana seria hoje bastante diferente, porque não nos faltariam recursos, capital e tecnologia para que fossem construídos imóveis de aluguel, legais, economicamente rentáveis, que pudessem abrigar a grande maioria da população favelada.
O segundo caso, também de consequências trágicas, refere-se à nossa legislação trabalhista. A relação de troca entre empregador e empregado é das mais antigas do mundo e também a que envolve o maior número de variáveis: jornada de trabalho, dias de férias (remunerados ou não), assiduidade, condições de rescisão, periculosidade, esforço físico — condições estas que, quando não estão explicitadas, obviamente se refletem no valor do salário. A tentativa de padronizar essas variáveis, determinando como devem ser as condições do contrato de trabalho, ao invés de permitir que as pessoas pudessem livremente pactuar as suas relações de troca, conduziu a resultados que são o oposto do que pretendiam os seus mentores quando introduziram a legislação trabalhista nas relações entre empregadores e empregados.
Convém notar que a introdução da legislação trabalhista resultou num jogo de soma negativa. Ou seja: os empregadores são obrigados a pagar mais pelo serviço contratado, e os empregados recebem menos pelo serviço prestado. Ambos foram obrigados a trocar 10 por 9.
Devemos ter em mente que a legislação trabalhista representa, de uma maneira geral, de um ponto de vista estritamente econômico, uma poupança compulsória que o empregado, queira ou não queira, seja-lhe vantajosa ou não, é obrigado a fazer. Uma parte dessa poupança — férias, 13º salário, aviso-prévio — fica em poder do empregador para ser devolvida ao empregado depois de um ano ou mais. A parte maior, entretanto, é entregue ao estado para ser devolvida 35 anos depois sob a forma de aposentadoria ou ao longo de sua vida, sob a forma de assistência de saúde.
Por que um empregado deve receber um 13º salário no mês de dezembro, em vez de receber essa importância todos os meses e fazer ele mesmo, se assim julgar mais importante e mais conveniente, uma poupança para ser utilizada durante o Natal? Por que não receber o valor das férias todos os meses, dando a esses recursos outras destinações mais urgentes, cabendo-lhe apenas o direito de se ausentar do trabalho durante um certo período, sem receber nada, pois já o recebeu junto com o salário? Ou mesmo não tirar férias e receber mais, o que, para inúmeras pessoas, sobretudo as que estão iniciando sua vida laboral, é uma alternativa bem mais conveniente?
Se no caso da poupança compulsória, deixada à disposição do empregador por pelo menos um ano, a situação já é um absurdo, no caso da poupança entregue ao estado o resultado é calamitoso. Obrigar o trabalhador a poupar cerca de 35% do seu salário durante 35 anos de vida para, ao final, ter direito a uma aposentadoria do INSS é inqualificável. Deve ser a isso que chamam de “justiça social”!
Se considerarmos que não fosse a compulsoriedade do sistema estatal as pessoas poderiam comprar o seu próprio plano de aposentadoria e de saúde e que 10% do salário seriam suficientes para garantir, após 35 anos, uma aposentadoria bem melhor do que à que hoje os trabalhadores brasileiros têm direito; se acrescentarmos 3% a título de seguro para que, em caso de morte antes dos 35 anos, a família possa receber a aposentadoria como se a contribuição houvesse sido feita integralmente e ainda 4% para atender a um seguro saúde, temos que com 17% do salário o trabalhador obteria muito mais do que obtém hoje “poupando” 35% do seu salário! E se, além disso, considerarmos que esse trabalhador não raro veio do Nordeste, trabalhou em diversos empregos, alguns sem carteira assinada, ficou algum tempo desempregado, quando consegue reunir toda a papelada para obter sua aposentadoria já está no limite de sua expectativa de vida — malnutrido que foi e sem acesso a uma assistência médica eficiente — podemos aquilatar a dimensão do disparate que estamos cometendo há mais de 50 anos. É, podemos assim qualificar, um caso de sadismo explícito.
A consequência natural dessa intervenção tão prolongadamente mantida graças ao poder de coerção do estado, impedindo que pudesse prevalecer uma livre negociação entre as partes, consiste no fato de que mais da metade da população brasileira economicamente ativa trabalha na economia informal. E isso por quê? Porque o empregador gasta menos e o empregado ganha mais. A economia informal foi a forma que empregador e empregado encontraram para não ter que trocar 10 por 9 e para poder estabelecer uma relação de troca que lhes seja mutuamente mais vantajosa.
Implementada sob o galardão de ser a “legislação trabalhista mais avançada do mundo”, conseguiu a façanha de colocar metade da força de trabalho na economia informal. É o preço que estamos pagando por não levar em consideração a regra básica do comportamento humano.
A solução para essas mazelas, assim como para inúmeras outras que poderiam ser apontadas, consiste exatamente em não obstruir a liberdade que as pessoas devem ter para, na sua interação com outras pessoas, buscar o que consideram ser um aumento de satisfação — aumento de satisfação esse que só pode ser avaliado pelo próprio indivíduo, uma vez que só ele conhece as suas circunstâncias e o valor que atribui a cada uma delas. E, além disso, fazer valer o princípio da responsabilidade individual para que cada um possa se beneficiar ou sofrer as consequências de suas decisões e, dessa forma, modificá-las e aprimorá-las ao longo da vida nesse processo permanente de remoção da ignorância. Para que o princípio da responsabilidade individual seja efetivo, cabe ao estado zelar pelo cumprimento dos contratos, fazendo com que efetivamente as pessoas sofram as consequências de seus atos; para isso foi-lhe atribuído o monopólio da coerção, e não para determinar quais devam ser as nossas decisões.
A humanidade tem boa consciência das consequências de um comportamento que desrespeite as leis naturais; infelizmente, o mesmo não pode ser dito em relação às leis praxeológicas, ou seja, as leis da ação humana. Seria preciso que a humanidade e, sobretudo, as suas elites intelectuais compreendessem que o desrespeito às leis do comportamento humano provoca consequências que podem ser desastrosas e que poderiam ser evitadas. Mas, se não forem capazes de compreendê-lo, não estarão invalidando as leis do comportamento humano. Estarão apenas empobrecendo a sociedade humana ou impedindo que ela enriqueça tanto quanto poderia, diminuindo-se o grau de satisfação dos indivíduos que a compõem.