Um dos aspectos mais criticados em nossa ordem social é a desigualdade da distribuição da riqueza e da renda. Há ricos e pobres; há os muito ricos e os muito pobres. Para esses lamuriantes, a solução é simples: a igual distribuição de toda riqueza.
A primeira e mais trivial objeção a esta proposta é que ela não será de muita serventia, pois os pobres superam, em muito, o número de ricos, de tal modo que cada indivíduo nada poderia esperar dessa distribuição, a não ser um aumento insignificante de seu padrão de vida. Este argumento, sem dúvida, é correto, mas incompleto.
Os que defendem a igualdade de distribuição de renda desconsideram um ponto extremamente importante: o total disponível para a distribuição não é algo estático; a riqueza total não é independente da maneira pela qual é dividida. Dizendo de outra maneira, a riqueza total de uma sociedade será diretamente afetada caso ela sofra uma redistribuição compulsória.
A igualdade de renda como um postulado ético
O desejo de que “todos os homens devem ter rendimentos iguais” é um postulado que nada tem de científico; seu aspecto é meramente ético. E, como tal, só pode ser avaliado subjetivamente. Tudo o que a ciência econômica pode fazer é mostrar o quanto tal objetivo iria custar para a humanidade, e de quais outros objetivos deveríamos abrir mão em nosso esforço para tentar alcançar este.
A maioria das pessoas que exige a maior igualdade possível de rendas não percebe que o objetivo que elas desejam só pode ser alcançado pelo sacrifício de outros objetivos. Elas imaginam que a soma de todas as rendas permanecerá inalterada e que tudo o que elas precisam fazer é apenas distribuir a renda de maneira mais uniforme do que a distribuição feita pela ordem social baseada na propriedade privada. Os ricos abdicarão de toda a quantia auferida que estiver acima da renda média da sociedade, e os pobres receberão tanto quanto necessário para compensar a diferença e elevar sua renda até a média. Mas a renda média, imaginam eles, permanecerá inalterada.
É preciso entender claramente que tal ideia baseia-se em um grave erro. Não importa qual seja a maneira que se conjeture a equalização da renda — tal medida levará, sempre e necessariamente, a uma redução extremamente considerável da riqueza total disponível e, consequentemente, da renda média de cada indivíduo.
Quando se compreende isto, a questão assume uma complexidade bem distinta: temos agora de decidir se somos a favor de uma distribuição equânime de renda a uma renda média mais baixa, ou se somos a favor da desigualdade de renda a uma renda média mais alta.
A decisão irá depender essencialmente, é claro, de quão alta será a redução estimada na renda média causada pela alteração na distribuição social da renda. Se concluirmos que a renda média será mais baixa do que aquela que é hoje recebida pelos mais pobres, nossa atitude provavelmente será bem distinta da atitude da maioria dos socialistas sentimentais. Se aceitarmos o que já foi demonstrado sobre o quão baixa tende a ser a produtividade sob o socialismo, e especialmente a alegação de que o cálculo econômico sob o socialismo é impossível, então este argumento do socialismo ético também desmorona.
É incorreto dizer que alguns são pobres simplesmente porque outros são ricos. Se uma sociedade capitalista fosse substituída por uma sociedade baseada na igualdade de renda, todos os cidadãos se tornariam mais pobres. Por mais paradoxal que isso possa soar, os pobres só recebem o que recebem porque os ricos existem. Não fossem os ricos, os pobres estariam em situação muito pior.
O homem moderno sempre teve perante si a possibilidade de enriquecer por meio do trabalho e do empreendedorismo. Nas sociedades econômicas mais rígidas do passado, isto era mais difícil. As pessoas eram ricas ou pobres desde o nascimento, e assim permaneciam por toda a sua vida, a menos que tivessem a chance de mudar de posição em decorrência de algum fato inesperado, o qual não poderia ser causado ou evitado pelo seu próprio trabalho ou iniciativa. Consequentemente, tínhamos os ricos caminhando nas alturas e os pobres, nas profundezas. Mas não é assim em uma sociedade capitalista.
Os ricos podem mais facilmente se tornar pobres e os pobres podem mais facilmente enriquecer. E dado que cada indivíduo não mais nasce, por assim dizer, com seu destino ou com o destino de sua família já selado, ele tenta ascender ao mais alto que for capaz. Ele jamais poderá ser suficientemente rico, pois em uma sociedade capitalista nenhuma riqueza é eterna. No passado, o senhor feudal era intocável. Quando suas terras se tornavam menos férteis, ele tinha de reduzir seu consumo; porém, desde que ele não se endividasse, ele mantinha sua propriedade.
O capitalista que empresta seu capital e o empreendedor que produz têm de ser aprovados no teste do mercado. Aquele que investir insensatamente, ou produzir a custos altos, estará arruinado. Isolar-se do mercado não mais é uma possibilidade. Mesmo as fortunas fundiárias não podem escapar da influência do mercado; a agricultura, também, tem de produzir capitalisticamente. Hoje, um homem deve obter seu dinheiro em troca do trabalho. Caso contrário, ele empobrece.
Aqueles que desejam eliminar esta necessidade de trabalhar e de empreender precisam entender bem claramente que o que eles estão propondo é o solapamento dos pilares do nosso bem-estar. Que hoje a terra seja capaz de alimentar muito mais seres humanos do que jamais conseguiu em toda a sua história, e que eles hoje vivam em condições muito melhores que as de seus ancestrais, é um fato que se deve inteiramente ao instinto aquisitivo do ser humano. Se o empenho da indústria moderna fosse substituído pelo estilo de vida contemplativo do passado, incontáveis milhões de pessoas estariam condenadas à morte por inanição.
Na sociedade socialista, a arrogância e a preguiça dos funcionários do governo assumirão o lugar da ávida e perspicaz atividade das indústrias modernas. O funcionário público irá substituir o empreendedor vigoroso e dinâmico. Se a civilização vai ganhar com isso é algo que deixaremos para os autonomeados juízes do mundo e de suas instituições julgarem quando estiverem famintos. Seria o burocrata realmente o tipo humano ideal, e deveríamos nós almejar a preencher o mundo com este tipo de gente a qualquer custo?
Muitos socialistas descrevem com grande entusiasmo as vantagens de uma sociedade formada por funcionários públicos em detrimento de uma sociedade formada por indivíduos em busca do lucro. Para eles, em uma sociedade deste último tipo (a Sociedade Aquisitiva), cada indivíduo busca apenas a sua própria vantagem, ao passo que na sociedade daqueles dedicados à sua profissão (a Sociedade Funcional), cada indivíduo realiza suas tarefas visando ao bem de todos. Esta avaliação mais elevada da burocracia é apenas mais uma nova forma de desdém pelo trabalho diligente e meticuloso do empreendedor e do assalariado.
Se rejeitarmos o argumento em prol do trabalho funcional e o argumento em prol da igualdade de riqueza e renda, o qual se baseia na afirmação de que alguns desfrutam sua fortuna e lazer à custa da crescente exploração do trabalho e da pobreza alheios, então os únicos fundamentos que restam para estes postulados éticos é o ressentimento e a inveja. Ninguém deve poder ficar ocioso se eu tiver de trabalhar; ninguém deve ser rico enquanto eu for pobre. E assim se constata, reiteradas vezes, que o ressentimento e a inveja estão por trás de todas as ideias socialistas.
A desigualdade de riquezas e de renda
O nosso nível atual de riqueza não é um fenômeno natural ou tecnológico, independente de todas as condições sociais; é, em sua totalidade, o resultado de nossas instituições sociais. Simplesmente pelo fato de a desigualdade da riqueza ser possível em nossa ordem social, simplesmente pelo fato de estimular a que todos produzam o máximo que possam, é que a humanidade hoje conta com toda a riqueza anual de que dispõe para consumo.
Fosse tal incentivo destruído, a produtividade seria de tal forma reduzida, que a porção dada a cada indivíduo, por uma distribuição igual, seria bem menor do que aquilo que hoje recebe mesmo o mais pobre.
A desigualdade da distribuição da renda, contudo, tem ainda uma segunda função tão importante quanto a primeira: torna possível o luxo dos ricos.
Muitas bobagens se têm dito e escrito sobre o luxo. Contra o consumo dos bens de luxo tem sido posta a objeção de que é injusto que alguns gozem da enorme abundância, enquanto outros estão na penúria. Este argumento parece ter algum mérito. Mas apenas aparenta tê-lo. Pois, se demonstrarmos que o consumo de bens de luxo executa uma função útil no sistema de cooperação social, este argumento será, então, invalidado. É isto, portanto, o que procuraremos demonstrar.
A defesa do consumo de luxo não deve, naturalmente, ser feita com o argumento que se ouve algumas vezes, a saber: que esse tipo de consumo distribui dinheiro entre as pessoas. Se os ricos não se permitissem usufruir do luxo, assim se diz, o pobre não teria renda. Isto é uma bobagem, pois se não houvesse o consumo de bens de luxo, o capital e o trabalho neles empregados teriam sido aplicados à produção de outros bens: artigos de consumo de massa, artigos necessários, e não “supérfluos”.
Para formar um conceito correto do significado social do consumo de luxo é necessário, acima de tudo, compreender que o conceito de luxo é inteiramente relativo. Luxo consiste em um modo de vida de alguém que se coloca em total contraste com o da grande massa de seus contemporâneos. O conceito de luxo é, por conseguinte, essencialmente histórico.
Muitas das coisas que nos parecem constituir necessidades hoje em dia foram, alguma vez, consideradas coisas de luxo. Quando, na Idade Média, uma senhora da aristocracia bizantina, casada com um doge veneziano, fazia uso de um objeto de ouro que poderia ser chamado de precursor do garfo em vez de utilizar seus próprios dedos para alimentar-se, os venezianos o considerariam um luxo ímpio, e considerariam muito justo se essa senhora fosse acometida de uma terrível doença. Isto devia ser, assim supunham, uma punição bem merecida, vinda de Deus, por esta extravagância antinatural.
Em meados do século XIX, considerava-se um luxo ter um banheiro dentro de casa, mesmo na Inglaterra. Hoje, a casa de todo trabalhador inglês, do melhor tipo, contém um. Ao final do século XIX, não havia automóveis; no início do século XX, a posse de um desses veículos era sinal de um modo de vida particularmente luxuoso. Hoje, até um operário possui o seu. Este é o curso da história econômica. O luxo de hoje é a necessidade de amanhã. Cada avanço, primeiro, surge como um luxo de poucos ricos, para, daí a pouco, tornar-se uma necessidade por todos julgada indispensável. O consumo de luxo dá à indústria o estímulo para descobrir e introduzir novas coisas. É um dos fatores dinâmicos da nossa economia. A ele devemos as progressivas inovações, por meio das quais o padrão de vida de todos os estratos da população se tem elevado gradativamente.
A maioria de nós não tem qualquer simpatia pelo rico ocioso, que passa sua vida gozando os prazeres, sem ter trabalho algum. Mas até este cumpre uma função na vida do organismo social. Dá um exemplo de luxo que faz despertar, na multidão, a consciência de novas necessidades, e dá à indústria um incentivo para satisfazê-las.
Havia um tempo em que somente os ricos podiam se dar ao luxo de visitar países estrangeiros. Schiller nunca viu as montanhas suíças que tornou célebres em William Tell, embora fizessem fronteira com sua terra natal, situada na Suábia. Goethe não conheceu Paris, nem Viena, nem Londres. Hoje, milhares de pessoas viajam por toda parte e, em breve, milhões farão o mesmo.