Uma coisa é dizer aos ricos que eles devem cuidar dos pobres”, escreveu John Stuart Mill, “outra coisa é dizer aos pobres que os ricos devem cuidar deles”. O senso de responsabilidade dos ricos para com os pobres não pode substituir o senso de responsabilidade que os pobres devem ter para com eles próprios.
Não se deve confundir responsabilidade com culpa. Montesquieu dizia que um povo “empobrecido pela dureza do governo” se tornava “incapaz de grandes atos porque sua pobreza fazia parte da sua escravidão”. O pobre não pode responder pela sua própria vida e a de sua família sem antes ter a propriedade sobre a caneta e a folha de respostas.
A legislação brasileira não dá ao pobre a propriedade sobre sua própria casa, a burocracia o impossibilita de se tornar seu próprio patrão, a legislação trabalhista joga sua força de trabalho para o escanteio da informalidade e o sistema tributário faz com que ele tenha que pagar preços escandinavos em produtos de qualidade subsaariana.
“Entre as coisas a serem feitas”, também dizia Mill, “a mais óbvia é remover todas as restrições e todos os obstáculos artificiais que os sistemas legal e fiscal lançam sobre as tentativas das classes trabalhadoras de melhorar sua própria condição”.
Essas coisas começavam a ser feitas quando Mill escrevia na Inglaterra do século XIX. Duzentos anos depois do início do século de Mill, escreve Deirdre McCloskey em A Dignidade da Burguesia,
O mundo sustenta uma população mais de seis vezes e meia maior. E contra a expectativa maltusiana pessimista de que o crescimento populacional seria um problema, o cidadão médio hoje ganha e consome quase dez vezes mais bens e serviços do que o fazia em 1800. O salário real por pessoa no mundo está dobrando a cada geração, e essa tendência está acelerando. A fome mundial nunca esteve com taxas tão baixas, e continua caindo. A alfabetização e a expectativa de vida nunca estiveram tão altas, e continuam subindo. A liberdade está avançando. A escravidão está recuando e, em particular, a escravidão das mulheres. Nos países mais ricos, como a Noruega, o cidadão médio ganha 45 vezes mais do que ganhava em 1800, estupendos U$137 ao dia. O meio ambiente — uma preocupação de uma burguesia bem de vida — está melhorando nesses países ricos.
Meus amigos socialistas olham para os ricos europeus e dizem que o capitalismo está colocando o mundo na miséria. Não sei nem por onde começar: se explicando que as políticas do welfare-state que causam crises não podem ser uma manifestação do capitalismo ao mesmo tempo em que são uma alternativa ao capitalismo, ou se mostrando que uma Europa em crise continua oferecendo um padrão de vida bastante superior a um Brasil em ritmo de Copa.
Em vez disso, convido meus amigos a se preocuparem menos com os países ricos e prestarem mais atenção no que está acontecendo com os países pobres. Nos últimos vinte anos, a pobreza mundial caiu pela metade. Esse é um acontecimento inédito na história humana. Eu olho para a Ásia e a África e vejo um capitalismo tirando o mundo da miséria.
Não é só o ambiente institucional que precisa mudar para enriquecer os pobres. Também temos que mudar o que Tocqueville chamava de “hábitos da mente” e que McCloskey chama de “conversa ética”, ou “hábito dos lábios”. Antes de haver a revolução industrial, houve a revolução retórica. As pessoas pararam de menosprezar o comércio e o empreendedorismo e passaram a admirar e exercitar as virtudes burguesas.
A conversa ética do nosso país precisa mudar. Se jogarmos os pobres contra o capitalismo, como vamos esperar que eles tenham um padrão de consumo capitalista? Afinal, o que querem aqueles que dizem aos pobres que o dinheiro é a raiz de todo o mal? Que os pobres fiquem longe do dinheiro, ou seja, permaneçam pobres? Ou estão ensinando que só se deixa de ser pobre pela prática do mal?
Professores de universidades públicas gostam de ensinar aos filhos dos ricos o pensamento proletário. Melhor fazem os professores de cursos técnicos quando ensinam aos filhos dos pobres as práticas burguesas, com lições em empreendedorismo e produtividade.