As ciências naturais se baseiam, em última análise, em fatos constatados por experiências em laboratório. As teorias físicas e biológicas são colocadas em confronto com esses fatos e são rejeitadas quando conflitam com eles. A perfeição dessas teorias tanto quanto o aperfeiçoamento da tecnologia e da terapêutica dependem de pesquisas de laboratório cada vez maiores e melhores.
Essas experiências consomem tempo, esforços árduos de especialistas e gastos materiais vultosos. A pesquisa não pode mais ser conduzida por cientistas sem recursos, por mais talentosos que sejam. A pesquisa, hoje em dia, é feita em enormes laboratórios financiados pelos governos, pelas universidades, por fundações e por grandes empresas. O trabalho nessas instituições tornou-se uma rotina profissional.
Os técnicos que lá trabalham registram fatos e experiências que serão usados pelos pioneiros — os quais às vezes são os próprios experimentadores — na elaboração de suas teorias.
No que concerne ao progresso das teorias científicas, a contribuição do pesquisador comum é apenas auxiliar. Às vezes, entretanto, suas descobertas têm aplicação prática imediata para a melhoria de métodos utilizados na atividade econômica e na terapêutica.
Por ignorarem a diferença epistemológica radical entre as ciências naturais e as ciências da ação humana, as pessoas pensam que para aprimorar o conhecimento econômico é necessário organizar a pesquisa econômica segundo os já testados métodos dos institutos de pesquisa médica, física e química. Grandes somas são gastas no que é denominado de pesquisa econômica. Na realidade, esses institutos não fazem mais do que estudar a história econômica do passado recente.
É certamente louvável que se estimule o estudo da história econômica. Entretanto, por mais instrutivo que seja o resultado de tais estudos, não se deve confundi-los com o estudo da economia. Deles não se pode esperar que resultem fatos ou dados no sentido com que esses termos são usados em relação a eventos testados em laboratório. Não fornecem material para a construção a posteriori de hipóteses e teoremas. Ao contrário, esses estudos são desprovidos de qualquer significação se não forem interpretados à luz de teorias elaboradas a priori sem qualquer referência a eles. Nenhuma controvérsia relativa às causas de um evento histórico pode ser esclarecida com base no exame de fatos, sem que se recorra a específicas teoriaspraxeológicas.
A criação de institutos para a pesquisa do câncer pode eventualmente contribuir para a descoberta de métodos destinados a combater e prevenir essa doença maligna. Mas um instituto de pesquisa sobre o ciclo econômico não pode oferecer qualquer ajuda a quem deseja evitar a recorrência de depressões. Por mais exatos e confiáveis que sejam, os dados apurados em relação às depressões econômicas do passado são de pouca utilidade para o nosso conhecimento. Os especialistas não discordam quanto aos dados; discordam quanto aos teoremas a que devem recorrer para interpretá-los.
Mais importante ainda é o fato de ser impossível coletar dados relativos a um evento concreto sem considerar quais são as teorias adotadas pelo historiador desde o início de seu trabalho. O historiador não relata todos os fatos, mas apenas aqueles que considera relevantes, em função das suas teorias; omite os dados que considera sem importância para a interpretação dos eventos. Se adotar teorias erradas, seu relato torna-se praticamente inútil.
Nenhuma análise de um momento da história econômica, ainda que de um período muito recente, por mais fiel que seja, pode substituir o raciocínio econômico. A economia, da mesma maneira que a lógica e a matemática, é um exercício de raciocínio abstrato. A ciência econômica não pode ser experimental e empírica. O economista não precisa de instalações custosas para realizar os seus estudos. Precisa apenas da capacidade de pensar lucidamente e de discernir, diante da infinidade de eventos que lhe são apresentados, entre os essenciais e os meramente acidentais.
Não há nenhum conflito entre a história econômica e a ciência econômica. Cada ramo do conhecimento tem seu próprio mérito e utilidade. Os economistas nunca pretenderam subestimar a importância da história econômica. Os autênticos historiadores também nunca se opuseram ao estudo da economia. O antagonismo entre essas duas disciplinas foi deliberadamente provocado pelos socialistas e pelos intervencionistas, que não puderam refutar as objeções, levantadas pelos economistas, às suas doutrinas. A Escola Historicista e os Institucionalistas tentaram desvirtuar a ciência econômica e substituí-la por estudos “empíricos” com o evidente propósito de neutralizar os argumentos dos economistas. A história econômica, para eles, foi um meio de destruir o prestígio da ciência econômica e de difundir as teses do intervencionismo.
A economia como profissão
Os primeiros economistas se dedicavam apenas ao estudo dos problemas de economia. Sua preocupação, ao fazer conferências e escrever livros, era a de transmitir aos seus concidadãos os resultados de suas reflexões. Tentavam, assim, influenciar a opinião pública para que prevalecessem as políticas mais consistentes. Nunca imaginaram que a economia pudesse ser concebida como uma profissão.
O desenvolvimento da profissão de economista é uma sequela do intervencionismo. O economista profissional é o especialista ao qual se precisa recorrer para que sejam elaboradas as várias medidas de intervenção do governo na atividade econômica. É um especialista no campo da legislação econômica, a qual, nos dias de hoje, tem invariavelmente o objetivo de perturbar o funcionamento da economia de mercado.
Existem milhares e milhares desses especialistas profissionais empregados nos órgãos do governo, nos diversos partidos políticos e grupos de pressão, nas redações dos jornais e revistas. Outros são contratados por empresas como consultores ou têm seu escritório independente. Alguns gozam de reputação nacional ou internacional; muitos acham-se entre as pessoas de maior prestígio de seu país. Ocorre serem frequentemente convidados a dirigir grandes bancos ou grandes empresas; são eleitos para o legislativo; são designados ministros do governo. Como grupo profissional, chegam a rivalizar com os advogados no comando político do país. O papel destacado que representam é uma das características mais marcantes dessa nossa época de intervencionismo.
Não há dúvida de que uma classe de homens tão influentes compreende indivíduos extremamente talentosos, até mesmo pessoas das mais eminentes de nosso tempo. Mas a filosofia que inspira as suas atividades limita-lhes a visão. Em virtude de suas relações com partidos políticos e grupos de pressão, que procuram obter privilégios especiais para os seus membros, passam a ter uma visão unilateral. Fecham os olhos às consequências de longo prazo das políticas que defendem; só se importam com os interesses imediatos do grupo a que estão servindo.
O objetivo final de seus esforços é a prosperidade de seu cliente à custa de outras pessoas. Procuram convencer-se de que o destino da humanidade coincide com os interesses de curto prazo de seu grupo; tentam vender essa ideia para o público. Ao lutarem por um preço maior da prata, do trigo ou do açúcar, por salários maiores para os membros do seu sindicato ou por uma tarifa sobre produtos estrangeiros mais baratos, proclamam estar lutando pelo bem supremo, por liberdade e por justiça, pelo florescimento de sua nação e pela civilização.
O público encara a prática de lobby com desconfiança e suspeição, e culpa os lobistas pelos aspectos funestos da legislação intervencionista. Entretanto o mal tem raízes mais profundas. A filosofia dos vários grupos de pressão está entranhada nas assembléias legislativas. Nos parlamentos de hoje existem representantes dos pecuaristas, das cooperativas agrícolas, das minas de prata, dos vários sindicatos, das indústrias que não podem suportar a concorrência com produtos estrangeiros sem a adoção de tarifas protecionistas, e de muitos outros grupos de pressão. Poucos são os que colocam os interesses da população acima dos interesses do seu grupo.
O mesmo ocorre nos vários órgãos da administração pública. O ministro da agricultura se considera um defensor dos interesses dos produtores agrícolas; seu principal objetivo consiste em aumentar o máximo possível os preços dos produtos agrícolas. O ministro do trabalho se considera um defensor dos sindicatos; sua primeira meta é fazer com que os sindicatos sejam temidos e respeitados. Cada ministério cuida de sua própria vida e seus interesses conflitam com os de outros ministérios.
Muita gente atualmente deplora a falta de verdadeiros estadistas. Ora, onde predominam as ideias intervencionistas, só aqueles que se identificam com os objetivos de um grupo de interesse podem fazer uma carreira política. A mentalidade de um líder sindical ou de um dirigente de associação rural não é a mesma que a de um estadista de visão. O verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo. A causa do lamentável fracasso do regime de Weimar e da Terceira República francesa foi o fato de seus políticos não serem mais do que representantes dos interesses de grupos de pressão.
A previsão econômica como profissão
Quando os empresários finalmente se dão conta de que a expansão econômica criada pela expansão artificial do crédito acabará invariavelmente resultando numa recessão, torna-se importante para eles saber quando ocorrerá essa mudança da conjuntura. Procuram então o economista, na presunção de que ele poderá responder a essa questão.
O economista sabe que o boom deverá resultar numa depressão; mas não sabe e nem pode saber quando ocorrerá a crise. Depende das circunstâncias específicas de cada caso.
Inúmeros eventos políticos podem influenciar os acontecimentos. Não existem regras para predizer a duração do boom e quando ocorrerá a consequente depressão. E mesmo que essas regras existissem, de nada adiantariam aos empresários. O que um determinado empresário precisa, a fim de evitar perdas, é saber que a crise é iminente, enquanto os outros empresários ainda estão pensando que o boom irá perdurar. Essa específica percepção lhe permitirá ajustar convenientemente os seus negócios de maneira a passar incólume pela crise. Se o fim do período de boom pudesse ser calculado segundo alguma fórmula, todos os empresários saberiam qual seria esse momento. Seus esforços para se ajustarem a essa informação provocariam imediatamente o surgimento de todos os fenômenos da depressão. Seria tarde demais para que qualquer deles pudesse deixar de ser penalizado.
Se fosse possível saber a situação futura do mercado, o futuro não seria incerto. Não haveria nem lucro e nem perda empresarial. O que as pessoas esperam dos economistas está além da capacidade do ser humano.
A própria ideia de que o futuro seja passível de previsão, de que algumas fórmulas possam substituir aquela percepção específica que é a essência da atividade empresarial, e de que o conhecimento dessas fórmulas possa permitir que qualquer pessoa assuma o comando da atividade econômica é, sem dúvida, uma consequência do conjunto de falácias e equívocos que alimentam as atuais políticas anticapitalistas. Não há, no conjunto da obra habitualmente denominada de filosofia marxista, a menor referência ao fato de que a principal razão de ser da ação humana é preparar-se para um futuro incerto. O fato de o termo especulador ser atualmente utilizado com uma conotação pejorativa demonstra claramente que os nossos contemporâneos nem sequer suspeitam do que consiste o problema fundamental da ação humana.
Discernimento empresarial não é algo que possa ser comprado ou vendido. O empresário bem-sucedido que consegue auferir lucros é precisamente aquele cujas ideias não são as adotadas pela maioria das pessoas. Para obter lucros, não basta fazer uma previsão correta; é preciso prever melhor do que os outros. O prêmio vai para os dissidentes que não se deixaram enganar pelos erros comumente aceitos pela maioria. O que dá origem ao lucro do empresário é o atendimento de futuras necessidades que os seus concorrentes não souberam identificar.
Os empresários e os capitalistas só colocarão em risco o seu próprio bem-estar material se estiverem plenamente convencidos da consistência de seus planos. Jamais arriscariam o seu patrimônio só porque um especialista assim os aconselhou. Os tolos que aplicam recursos nas bolsas de valores ou de mercadorias, seguindo informações confidenciais, estão fadados a perder o seu dinheiro, qualquer que seja a fonte de sua “informação”.
Na realidade, qualquer empresário judicioso tem plena consciência da incerteza do futuro. Tem consciência de que o economista, no máximo, pode elaborar uma interpretação dos dados estatísticos do passado, mas não uma informação segura sobre o que irá ocorrer no futuro. Para o capitalista e para o empresário, as opiniões dos economistas sobre o futuro valem apenas como conjecturas discutíveis. São céticos e não se deixam enganar facilmente.
Mas, como consideram importante e útil conhecer todas as informações de relevância para os seus negócios, interessam-se por jornais e revistas especializados em prognósticos econômicos. Com a preocupação de estar a par de todas as informações disponíveis, as grandes empresas empregam equipes de economistas e estatísticos.
As previsões econômicas não podem fazer desaparecer a incerteza do futuro e nem destituir a atividade empresarial de seu caráter intrinsecamente especulativo. Mesmo assim, podem prestar alguns serviços, uma vez que reúnem e interpretam dados disponíveis sobre as tendências econômicas e sobre a evolução econômica do passado recente.
A economia e o cidadão
A economia não pode ser relegada às salas de aula e aos departamentos de estatística, e nem pode ser deixada a cargo de círculos esotéricos. A economia é a filosofia da vida humana e da ação, e diz respeito a todos e a tudo. É o âmago da civilização e da própria existência do homem.
Mencionar este fato não significa ceder à fraqueza tão comum que consiste em supervalorizar a importância de seu próprio ramo do conhecimento. Não são os economistas que atribuem essa importância à ciência econômica; são as pessoas em geral.
Todos os temas políticos da atualidade tratam de problemas comumente denominados de econômicos. Todos os argumentos usados hoje em dia nos debates sociais e políticos são de natureza essencialmente praxeológica e econômica. Todas as mentes se preocupam com doutrinas econômicas. Filósofos e teólogos parecem estar mais interessados em problemas econômicos do que nos problemas que as gerações passadas consideravam objeto da filosofia e da teologia. Os romances e as peças teatrais de hoje tratam, todos, de temas humanos — inclusive as relações sexuais — sob o ângulo de doutrinas econômicas. O mundo todo, consciente ou inconscientemente, pensa em economia. Ao se filiar a um partido político, ao colocar o seu voto, o cidadão implicitamente está manifestando-se sobre teorias econômicas.
Nos séculos XVI e XVII, a religião era o tema central das controvérsias políticas européias. Nos séculos XVIII e XIX, na Europa como na América, a questão dominante era governo representativo versus absolutismo. Hoje, é economia de mercado versus socialismo.
Esse é, certamente, um problema cuja solução depende inteiramente da análise econômica. É inútil recorrer aslogans vazios ou ao misticismo do materialismo dialético.
Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem — seja quem for — não usar o melhor de sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos “entendidos” e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação de outras pessoas. Para o homem consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua descendência.
São muito poucos os que podem contribuir com alguma ideia que produza consequências para o acervo do pensamento econômico. Mas todos os homens sensatos precisam familiarizar-se com as lições da economia. Nos dias que correm, esse é um dever cívico primordial.
Queiramos ou não, o fato é que a economia não pode continuar sendo um esotérico ramo do conhecimento, acessível apenas a um grupo de estudiosos e de especialistas. A economia lida com problemas fundamentais da sociedade; concerne a todos e pertence a todos. É a preocupação mais importante e mais característica de todos os cidadãos.
A economia e a liberdade
O papel proeminente que as ideias econômicas representam na administração pública explica por que os governos, os partidos políticos e os grupos de pressão procuram restringir a liberdade de pensamento econômico. Procuram propagar a “boa” doutrina e silenciar as “más” doutrinas. Para eles, a verdade não tem força suficiente para impor-se por si mesma. Para poder prevalecer, a verdade precisa ser respaldada pela ação violenta da polícia ou de outros grupos armados. A verdade de uma doutrina depende de que seus defensores sejam capazes de derrotar pela força os partidários das outras doutrinas. F ica implícita a noção de que Deus ou alguma entidade mítica dirige o curso das atividades humanas e confere a vitória aos que lutam pela boa causa. O poder vem de Deus e sua missão sagrada é exterminar os heréticos.
Não vale a pena repisar as contradições e inconsistências dessa doutrina de intolerância e perseguição de dissidentes. Jamais em tempo algum o mundo conheceu um sistema de propaganda e de opressão tão bem arquitetado como o que é adotado pelos governos contemporâneos, pelos partidos políticos e pelos grupos de pressão. Apesar disso, todos esses edifícios desmoronarão como castelos de cartas, tão logo uma grande ideologia os enfrente.
Não só nos países governados por bárbaros ou por déspotas, mas também nas assim chamadas democracias ocidentais, o estudo de economia está praticamente proscrito. A discussão pública sobre os problemas econômicos ignora quase que inteiramente tudo o que os economistas disseram nos últimos duzentos anos. Preços, salários, juros, lucros são manipulados como se sua determinação não estivesse sujeita a qualquer lei. Os governos decretam e tentam impor valores máximos para as mercadorias e mínimos para os salários. As autoridades exortam os empresários a reduzir os lucros, a diminuir os preços e a aumentar os salários, como se esses assuntos dependessem apenas da boa vontade dos indivíduos.
Nas relações econômicas internacionais, as pessoas recorrem irresponsavelmente a um mercantilismo primário. São poucos os que têm consciência dos erros de todas essas doutrinas em voga, e que compreendem por que tais políticas invariavelmente provocam desastres.
Esta é a triste realidade. Mas só há uma maneira de modificá-la: prosseguir, sem descanso, na busca da verdade.