Thursday, November 21, 2024
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Os erros de Keynes

keynes (5)A Escola Austríaca de economia já forneceu ao mundo devastadoras críticas à obra magna de Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (doravante Teoria Geral).  Friedrich A. von Hayek, Jacques Rueff, Henry Hazlitt, Murray Rothbard, Ludwig Lachmann, Ludwig von Mises e William Hutt já contribuíram com importantes e sólidos argumentos contra Keynes e o keynesianismo.

Para o júbilo dos defensores da liberdade, podemos agora acrescentar um novo nome a esta distinta lista.  Em 2012, o espanhol Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana, professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri, e graduado sob a orientação de Jesús Huerta de Soto, publicou uma nova crítica à Teoria Geralcom o título de Los Errores de la Vieja Economía em homenagem à obra de Henry Hazlitt intitulada The Failure of the ‘New Economics’.

Na época de Hazlitt, o programa de Keynes ainda era revolucionário e foi descrito por Hazlitt como sendo um tipo de “Nova Economia” que rompia com as constatações da economia clássica, e especialmente com a Lei de Say.  Hoje, o keynesianismo já se tornou a corrente dominante.  O keynesianismo, e mais especificamente a sua ideia de que os gastos do governo reduzem o desemprego, é o programa majoritariamente ensinado nas universidades, jubilosamente aplicado por políticos (pode haver coisa melhor do que um economista dizendo a um político que ele tem de gastar mais?) e proeminentemente defendido pelo vencedor do Prêmio Nobel de 2008, Paul Krugman.

Com efeito, a imediata resposta política à atual crise financeira do mundo ocidental foi inspirada pela Teoria Geral.  Uma segunda Grande Depressão tinha de ser evitada, diziam os economistas, e as ideias de Keynes foram aplicadas.  Os governos então adotaram uma política monetária expansionista combinada a volumosos estímulos fiscais, e tudo em resposta àquilo que, aos olhos de Krugman, parecia ser uma bolha causada pela ‘especulação temerária estimulada pelo mercado’, fenômeno este que havia sido inspirado pelo “espírito animal” dos agentes de mercado.

Sendo assim, ainda que o livro de Rallo fosse apenas um resumo dos velhos argumentos apresentados contra aTeoria Geral, o momento para a sua publicação seria mais do que apropriado, já que as ideias do passado ainda são a prática do presente.  No entanto, Los Errores de la Vieja Economía é muito mais do que um mero sumário e síntese dos argumentos expostos pelo supracitados autores austríacos.  Rallo aproveita, combina e aprimora estes argumentos de uma maneira metódica e ordenada.  Ainda mais importante, ele acrescenta suas próprias e inovadoras ideias para, no final, produzir um argumento devastador contra a Teoria Geral.

A crítica de Rallo à Teoria Geral utilizando a teoria austríaca é rigorosa, sistemática e profunda.  Importante ressaltar que as ideias de Keynes não são em nenhum momento do livro distorcidas ou mal interpretadas.  A completa ausência de espantalhos faz com que o ataque desferido por Rallo ao cerne das crenças keynesianas seja mais forte e poderoso do que o de seus pares.  Rallo também não sai à procura de contradições e inconsistências terminológicas.  Neste sentido, a crítica de Rallo é ainda mais profunda e devastadora do que, por exemplo, os trechos do brilhante livro de Henry Hazlitt que enfatizam as inconsistências, as imprecisões e toda a falta de clareza de Keynes.  Rallo possui um grande e genuíno interesse em fornecer um retrato claro e coerente do raciocínio de Keynes e, por isso, apresenta a teoria keynesiana sob uma luz extremamente favorável.

Vejamos agora alguns dos argumentos de Rallo, começando pela famosa crítica feita por Keynes à Lei de Say.  Para começar, Keynes distorceu a Lei de Say, e esta versão distorcida, que aparece na Teoria Geral, afirma que a oferta cria sua própria demanda.  Rallo corrige essa distorção e descreve a Lei de Say em sua versão original: no longo prazo, a oferta de bens se ajusta à demanda por eles.  Em última análise, bens são ofertados porque o indivíduo quer adquirir outros bens (entre eles, o dinheiro).  Um indivíduo produz com o intuito de demandar, o que significa que é impossível haver um excesso de produção.

A Lei de Say nos leva diretamente ao mais inovador argumento do livro de Rallo, que aborda a velha crítica ao entesouramento.  Até mesmo alguns severos críticos de Keynes — por exemplo, o pessoal do campo monetarista ou neoclássico — admitem que ele ao menos estava correto na questão de que o entesouramento — mais especificamente, o ato de guardar dinheiro dentro da gaveta — é uma atividade perigosa e desestabilizadora.

Rallo, no entanto, demonstra, comprova e enfatiza a função social do entesouramento.  Se as pessoas estão demandando dinheiro — isto é, se elas estão aumentando a quantidade de dinheiro vivo em seus encaixes — isso não significa que elas não estão demandando nada do mercado.  O entesouramento é uma reação natural dos poupadores e dos consumidores a uma estrutura de produção que não está se ajustando às suas reais necessidades.  Trata-se de um sinal de protesto enviado aos empreendedores: “Por favor, ofertem-nos outros bens de consumo e de capital!  Mudem a atual estrutura de produção, pois os bens que ela nos oferece hoje não nos é adequada.”

Em uma situação de grande incerteza, é mais prudente entesourar do que imobilizar fundos para o longo prazo.  Rallo nos oferece um exemplo visual.  Suponhamos que a incerteza aumente porque as pessoas estão à espera de um terremoto.  Consequentemente, elas começam a entesourar, ou seja, elas aumentam seus encaixes em dinheiro vivo, o que dá a elas mais flexibilidade.  Tal atitude é completamente racional e benéfica do ponto de vista dos participantes do mercado.  A alternativa keynesiana seria dar este dinheiro para o governo para que ele pudesse gastar.  A construção de arranha-céus estatais não apenas iria contra a vontade da maioria das pessoas prudentes, como também se comprovaria desastrosa casso o terremoto ocorresse.

Entesourar é um seguro contra incertezas futuras.  Rallo argumenta que, se a demanda por dinheiro aumentar (em termos técnicos, se a preferência por liquidez aumentar) por causa desta maior cautela, as taxas de juros de curto prazo tenderão a cair, ao passo que as de longo prazo irão subir.  As pessoas irão investir mais em ativos de curto prazo e menos em ativos de longo prazo, pois elas querem se manter líquidas.  Isso leva a um reajuste na estrutura de produção.  Mais recursos serão direcionados para a produção de bens que apresentarem maior liquidez (em um padrão-ouro, por exemplo, este bem seria o ouro), e para a produção de bens de consumo.  A estrutura de produção será alterada, apresentando agora um maior número de processos mais curtos e menos arriscados e um menor número de processos mais longos e mais arriscados.

O entesouramento, portanto, não faz com que os fatores de produção fiquem ociosos.  No cenário acima, tais fatores serão alocados para a produção de ouro e para outros projetos de curto prazo.  Rallo insiste que não é nada irracional querer entesourar.  Com efeito, quando projetos de longo prazo são mantidos e as condições econômicas se alteram, estes projetos talvez tenham de ser liquidados.  Por exemplo, o terremoto destruiria o arranha-céu que está sendo construído.

Vale observar que a maioria dos austríacos não é adepta de uma teoria híbrida que diz que a taxa de juros é determinada tanto pela preferência pela liquidez quanto pela preferência temporal.  Rallo, porém, é adepto desta teoria híbrida, e acredita que a taxa de juros, ou a estrutura das taxas de juros, é determinada tanto pela preferência temporal quanto pela preferência pela liquidez.  A maioria dos austríacos defende apenas a teoria da preferência temporal como formadora das taxas de juros.  Devido à incerteza, um agente prefere estar líquido em vez de ilíquido.  E devido à preferência temporal, um agente prefere estar mais líquido agora do que no futuro.  Consequentemente, em condições normais, os juros de curto prazo tendem a ser menores do que os juros de longo prazo.  Quando a incerteza aumenta, os juros de longo prazo tendem a ficar ainda maiores.  No entanto, em uma crise financeira, um outro efeito tende a prevalecer sobre esta tendência.  Quando a sociedade em geral se torna ilíquida — em consequência do início da crise —, surge uma maior demanda por empréstimos de curto prazo.  Esta busca por liquidez imediata tende a fazer com que os juros de curto prazo aumentem e se tornem maiores do que os juros de longo prazo.

A questão dos recursos ociosos é outro tópico importante do livro de Rallo, uma vez que Keynes recomenda a inflação monetária como forma de evitar que os fatores de produção se tornem ociosos e o desemprego aumente.  Rallo pergunta por que, em primeiro lugar, os fatores se tornaram ociosos e o desemprego aumentou?  A resposta é que os proprietários destes fatores — no caso dos bens de capital, os donos das fábricas; e no caso da mão-de-obra, os desempregados — estão demandando um preço por seus serviços que é maior do que o valor presente de seu produto marginal.  Nestas circunstâncias, a inflação monetária irá apenas gerar uma redistribuição de renda em prol dos proprietários destes fatores, em nada ajudando a reestruturar a economia — ou seja, a estrutura de produção continuará desajustada e a economia vivenciará um consumo de capital, isto é, recursos escassos continuarão sendo utilizados em linhas de produção para a qual não há mais demanda.

Por outro lado, quando os fatores de produção têm seus preços reajustados, isto é, quando os preços dos bens de capital caem e os salários diminuem até chegar ao valor de seu produto marginal, a demanda agregada não cai, como sugere Keynes.  Ao contrário: a demanda aumenta porque, em decorrência do maior número de pessoas agora empregadas e do maior nível de investimentos em decorrência da queda no preço das máquinas, a produção total da economia também aumenta.

Rallo ataca impiedosamente outros conceitos keynesianos.  O famoso “multiplicador do investimento” é uma das vítimas.  Segundo esta teoria, um aumento unitário no volume de investimento de uma economia provoca ondas sucessivas de aumento da renda, cuja dimensão depende da propensão marginal a consumir ou poupar.  Esta teoria requer que todos os fatores de produção estejam apresentando alguma ociosidade.  Mais especificamente, para Keynes estar correto, é necessário que haja desemprego voluntário de todos os fatores de produção e que também haja capacidade ociosa nas indústrias de bens de consumo.

Vejamos.  Se não houver desemprego voluntário de todos os fatores, o estímulo governamental a novos projetos de investimentos irá gerar apenas gargalos, uma vez que fatores de produção serão retirados de outros projetos mais lucrativos e direcionados para projetos artificiais.  Os keynesianos concordam com isso.  Se todos os tipos de fatores de produção estiverem apresentando alguma ociosidade, mas não houver mais capacidade produtiva nas indústrias de bens de consumo, então estímulos governamentais irão apenas elevar os preços dos bens de consumo e encurtar a estrutura de produção, tornando-a mais voltada para o presente.  Os keynesianos também concordam com isso.  E, finalmente, se os dois fenômenos ocorrerem conjuntamente — isto é, se houver uma ociosidade geral dos fatores e houver folga na capacidade produtiva das indústrias de bens de consumo, que é o pressuposto da teoria de Keynes —, por que então não há um acordo voluntário entre os proprietários dos fatores de produção e os empreendedores?  Keynes não respondeu a essa questão, e preferiu ir diretamente para a defesa do aumento dos gastos do governo e da inflação monetária para corrigir esta situação.

Outra importante ideia keynesiana que Rallo aborda é a famosa armadilha da liquidez.  Uma armadilha da liquidez ocorre quando, em uma economia em recessão, as taxas de juros estão muito baixas.  Nesta situação, Keynes diz que a política monetária se torna inútil, pois os especuladores irão simplesmente entesourar todo o dinheiro que o governo imprimir.  Os especuladores não irão investir em títulos porque eles já estão com preços máximos (os juros são mínimos), e os preços deles irão cair quando os juros finalmente voltarem a subir.  Neste ponto, a política monetária se torna impotente e o aumento do gasto público se torna necessário para estimular a demanda agregada.

Rallo mostra que, após um período de forte crescimento artificial estimulado pela expansão do crédito, em que vários investimentos errôneos foram feitos, a economia entra em recessão quando esta expansão do crédito é reduzida em decorrência da alta dos preços (que levam a um aumento dos juros cobrados pelos bancos).  Neste cenário, os preços estão mais altos e há um endividamento generalizado das pessoas e empresas.  Consequentemente, praticamente não há demanda por novos empréstimos, mesmo que as taxas de juros sejam acentuadamente reduzidas.  Neste caso, a economia na verdade se encontra em uma armadilha de iliquidez, uma vez que indivíduos e empresas estão preocupados em aumentar sua liquidez.  Eles querem reduzir suas dívidas e não pegar mais empréstimos.  A política monetária de redução dos juros irá na realidade piorar a situação, pois com juros baixos não há incentivo para pagar antecipadamente e cancelar as dívidas (pois uma redução dos juros eleva o valor presente da dívida).  A solução para esta situação de incerteza generalizada é o entesouramento, a estabilidade das instituições, a liquidação dos investimentos ruins e a redução das dívidas.

Uma alta incerteza não implica um alto desemprego, uma vez que até mesmo sob uma alta incerteza a redução dos preços dos fatores de produção faz com que novos projetos sejam mais lucrativos.  Sob uma alta incerteza, estes projetos de investimento serão a produção de ouro (se a economia estiver em um padrão-ouro) e a produção de bens de consumo voltada para o curto prazo.

Rallo demonstra que, ao contrário do que diz a Teoria Geral, não é a oferta agregada ou a demanda agregada o que importa, mas sim a composição das duas.  Em uma depressão em que a estrutura da produção está distorcida e a economia apresenta uma “armadilha da liquidez”, se a demanda agregada for estimulada pelos gastos do governo, a estrutura existente não terá como produzir os bens que os consumidores querem com mais urgência.  Logo, a solução não é mais gastos e mais endividamento, mas sim uma redução da dívida e a liquidação dos investimentos ruins para fazer com que novos e mais sensatos investimentos sejam exequíveis.

Para Keynes, por outro lado, o problema sempre será de ‘demanda insuficiente’.  Sendo assim, o que deve ser feito se consumidores e investidores não quiserem comprar os produtos que as empresas estão oferecendo, preferindo poupar?  Keynes recomenda reduzir os impostos, as taxas de juros e desvalorizar a moeda.  Se isso não funcionar, o governo deve sair comprando os produtos que os consumidores não querem comprar.  Porém, pergunta Rallo, por que os consumidores e investidores deveriam comprar bens que eles não querem?

A resposta de Keynes é que, se isso não for feito, o desemprego aumentará.  E Rallo contra-argumenta: mas se uma pessoa é forçada a gastar seu salário comprando algo que ela não quer, qual seria seu incentivo para trabalhar?  Por que ela sequer deveria ter um emprego?  A alternativa a forçar as pessoas a gastar é reduzir os salários até o valor de seu produto marginal, o que elevaria a produção e a demanda.  Como demonstra Rallo, a sociedade não se torna mais rica se o governo induzir ou forçar as pessoas a comprar bens que elas não querem.

Logo, para Rallo, eis a essência da Teoria Geral: quando as pessoas não querem comprar aquilo que está sendo produzido, o governo deveria obrigá-las a agir contra sua vontade.

As observações sobre o livro de Rallo aqui demonstradas são apenas uma pequena amostra.  Dentre outras coisas, Rallo também apresenta uma análise das principais definições inventadas por Keynes e os erros teóricos de cada uma delas (como, por exemplo, seu viés pró-consumismo).  Ele apresenta uma análise austríaca dos mercados financeiros, discutindo as inter-relações que existem entre a estrutura da curva de juros, as taxa de juros, a taxa de redesconto, a estrutura do investimento, a armadilha da liquidez e a bolsa de valores.  Ele analisa a questão dos salários reais e nominais, os ciclos econômicos, as implicações políticas dos ciclos e todos os antecessores intelectuais da Teoria Geral de Keynes, e tudo utilizando a teoria austríaca.  Também extremamente útil é o guia criado por Rallo para os leitores da Teoria Geral, que torna mais fácil e mais eficiente ler e identificar os principais erros de Keynes, capítulo por capítulo.  Como extra, no final do livro, Rallo também apresenta uma crítica ao modelo IS-LM, desenvolvido por John Hicks e Franco Modigliani, que formalizou a teoria de Keynes e que ainda é maciçamente ensinado nas universidades ao redor do mundo.

O livro de Rallo, além de repleto de observações brilhantes, é hoje a obra que fornece a mais poderosa e completa demolição dos argumentos keynesianos.  Los Errores de la Vieja Economía será, no futuro, a referência, tanto dos estudiosos quanto dos leigos, para encontrar todos os erros no pensamento de Keynes e nas políticas adotadas pelos governos.  O único ponto negativo do livro é que, por enquanto, existe apenas a versão em espanhol.  É de se esperar que a obra rapidamente seja disponibilizada em outros idiomas.

Philipp Bagus
Philipp Bagus
Philipp Bagus é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro A Tragédia do Euro. Veja seu website.
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