Uma das mais importantes leis sociológicas existentes é a “Lei de Ferro da Oligarquia”: toda e qualquer área do empreendimento humano, todo e qualquer tipo de organização, sempre será liderada por uma relativamente pequena elite. Essa condição prevalece em todos os campos, seja em uma empresa, em um sindicato, no governo, em uma organização de caridade ou em um clube de xadrez. Em cada área, as pessoas mais interessadas e capazes, aquelas mais adaptáveis ou mais bem ajustadas para a atividade, irão constituir a elite destacada.
Recorrentemente, tentativas utópicas de se formar instituições ou sociedades isentas da Lei de Ferro sempre acabaram sendo vitimadas por essa mesma lei: as comunidades utópicas, os kibbutz em Israel, a “democracia participativa” durante a era da Nova Esquerda no final dos anos 1960, ou aquele vasto “experimento laboratorial” (como costumava ser chamado) que constituiu a União Soviética. O que deveria ser almejado não é o absurdo e antinatural objetivo de erradicar tais elites, mas sim, para utilizar a expressão de Pareto, fazê-las “circular”. Essas elites circulam ou se tornam arraigadas e fortificadas?
O mercado versus o governo
A economia de livre mercado fornece um exemplo sem paralelos dessa contínua e saudável circulação das elites. Em uma economia de mercado dinâmica, as elites que não conseguirem acompanhar seus concorrentes, que não conseguirem satisfazer as demandas dos consumidores da melhor maneira possível, serão rapidamente derrubadas, dando lugar a novas elites que se estabelecerão e farão um melhor trabalho. Ludwig von Mises escrevia seguidamente sobre o quão inapropriado era os esquerdistas se referirem a determinados magnatas como “o Rei do Aço” ou “o Rei dos Automóveis”, pois os consumidores frequentemente destronavam esses supostos monarcas. Há inúmeros exemplos ao longo da história de várias grandes empresas que não foram capazes de compreender a importância de um novo produto ou de recentes transformações na economia, o que as fez perder mercado para pequenas empresas recém-criadas. Apenas para citar um exemplo mundialmente famoso, a incapacidade da antiga “monopolista” do setor de fotografias, a Eastman-Kodak, em captar a enorme significância, após a Segunda Guerra Mundial, tanto da fotografia instantânea quanto da xerografia, o que abriu espaço para concorrentes novos e mais alertas às mudanças.
Por sua natureza, o governo não está sujeito aos mecanismos de lucros e prejuízos do livre mercado, isto é, à soberania dos consumidores. Mesmo uma organização sem fins lucrativos, embora não esteja buscando maximizar seus lucros, ao menos tem de ser eficiente o bastante para evitar prejuízos severos e uma consequente falência. Ademais, embora tais organizações voluntárias não tenham necessariamente de satisfazer os usuários dos seus bens ou serviços, como ocorreria em um mercado lucrativo, elas ao menos têm de satisfazer os princípios e demandas de seus doadores. Por outro lado, o governo é a única organização dentre todas as organizações que obtém suas receitas por meio da coerção dos cidadãos. Consequentemente, o governo não tem de se preocupar com prejuízos ou risco de falência; ele não precisa servir a ninguém senão a ele próprio. O único limite que restringe um governo é o risco — bastante amplo, é verdade — de os cidadãos se revoltarem e se recusarem a obedecer às suas ordens (inclusive o pagamento de impostos). Fora essa revolução, no entanto, há pouco ou nada que possa ser feito para se limitar um governo ou para restringir o encastelamento ou o crescimento de sua elite. (Os extraordinários eventos ocorridos em Moscou e em outros países da União Soviética entre 1989 e 1991 foram um glorioso exemplo desse limite à tirania sendo alcançado).
O governo, em suma, está particularmente sujeito aos bem conhecidos malefícios gerados por uma arrogante, mesquinha, tacanha, ineficiente, morosa e sempre crescente “burocracia”. Os socialistas, mesmo durante o aparente apogeu da União Soviética, frequentemente se preocupavam com o problema da burocracia, e tentaram em vão separar o governo do seu aspecto burocrático. Mas Mises, de maneira vigorosa e direta, já havia demonstrado em sua clássica obra Burocracia que tais esperanças eram inúteis. A burocracia, com todos os seus evidentes malefícios, anda de mãos dadas com um governo.
Uma empresa lucrativa poupa e investe seu dinheiro, sempre buscando obter lucros e evitar prejuízos; a maneira como ela irá utilizar esses fundos poupados é flexível, dependendo sempre de como serão suas decisões, as quais estarão sempre visando ao lucro. Já as agências burocráticas recebem seus fundos diretamente do orçamento do governo. É o governo quem aloca o dinheiro para cada setor da burocracia. Sendo assim, uma estrita, precisa e minuciosa obediência às regras estipuladas pela burocracia se torna vital para que cada burocrata e sub-burocrata possam demonstrar que eles utilizaram os fundos exatamente da maneira designada pelo Congresso ou pelo Executivo, e que não os embolsaram ou desviou para gastos em outras áreas não autorizadas. Não há autonomia; não há como fazer alocações mais eficientes. Não há um sistema de preços e um mecanismo de lucros e prejuízos guiando as decisões da burocracia.
Mises aponta uma diferença crucial entre o gerenciamento burocrático e o gerenciamento que visa ao lucro. Os gastos e os produtos empreendedoriais são calibrados de acordo com as valorações dos consumidores, cujos julgamentos, nas palavras de Mises, “são transmitidos e solidificados por um fenômeno impessoal: os preços de mercado”. Ademais, os julgamentos dos consumidores incidem sobre bens e serviços, e não sobre os produtores em si. “O vínculo vendedor-comprador, bem como a relação empregador-empregado, em uma relação empreendedorial que visa ao lucro”, declarou Mises, “é um arranjo do qual ambos os lados se beneficiam”. Por outro lado, no governo, uma organização burocrática, o que a nação “obtém em decorrência das despesas, dos serviços prestados, não pode ser avaliado em termos monetários, por mais importante e valoroso que tal ‘produto’ seja.” Em vez disso, afirma Mises, “a avaliação depende dos critérios do governo” — ou seja, das decisões pessoais e arbitrárias. Mises acrescenta que “o vínculo entre superior e subordinado é pessoal. O subordinado depende do julgamento que o superior fará de sua personalidade, e não do seu trabalho.” Em suma, na burocracia estatal, não há apreço pela realidade.[1]
Segundo a análise de Mises para a diferença entre sucursais estatais e privadas, em uma sucursal estatal,
Não é por causa da meticulosidade que as regulamentações administrativas determinam quanto pode ser gasto por cada agência ou aparato estatal em coisas como limpeza, reparo de móveis e equipamentos, iluminação e sistema de ar condicionado. Em uma grande empresa privada, tais coisas podem ser deixadas, sem hesitação, aos critérios do administrador local. Ele não irá gastar mais do que o necessário porque ele está utilizando, de certo modo, seu próprio dinheiro. Se ele desperdiçar o dinheiro da empresa, ele colocará em risco os lucros daquela sucursal e estará assim indiretamente prejudicando seus próprios interesses. Por outro lado, a situação é diferente para o chefe local de uma agência estatal. Ao gastar mais dinheiro, ele poderá aprimorar os resultados de seu departamento. A parcimônia terá de ser imposta a ele por controle governamental. E isso quase nunca funciona.[2]
Em uma empresa privada que opera concorrencialmente no mercado, os desejos e objetivos dos administradores estão atados aos objetivos lucrativos dos proprietários. Como explica Mises, o administrador de uma sucursal tem de garantir que sua divisão irá contribuir para os lucros da empresa. Por outro lado, uma vez abolido esse regimento dos lucros e prejuízos — isto é, movendo-se para o âmbito estatal —, os desejos e objetivos dos administradores, limitados somente pelas ordens e pelo orçamento da legislatura central ou do comitê de planejamento, passarão a falar mais alto. E esses desejos e objetivos, guiados somente pela ambígua rubrica do “interesse público”, significam na verdade aumentar a renda e o prestígio do burocrata-chefe daquela divisão. Em uma burocracia restringida por regulamentos, essa renda e status inevitavelmente vão depender de quantos sub-burocratas estão subordinados ao burocrata principal. Quanto mais sub-burocratas estiverem sob o comando de um alto burocrata, maior será a renda e o prestígio desse burocrata.
Como consequência, todos os departamentos e agências estatais irão se engalfinhar em seguidas contendas, cada um tentando aumentar suas funções e seu número de empregados, além de tentar se apossar das funções de outras agências. Portanto, ao passo que a tendência natural de empresas e instituições que operam no livre mercado é ser a mais eficiente possível em atender às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia estatal é crescer, crescer e crescer, e tudo à custa dos espoliados, extorquidos e ignorantes pagadores de impostos.
Se o lema da economia de mercado é o lucro, o lema da burocracia é o crescimento. Como esses respectivos objetivos devem ser alcançados? A maneira de se obter lucro em uma economia de mercado é superando seus concorrentes no dinâmico e continuamente volátil processo de satisfazer as demandas dos consumidores da melhor forma possível: criar restaurantes self-service em vez de restaurantes à la carte, notebooks em vez de computadores, ou mesmo inventar fotocopiadoras e máquinas fotográficas digitais. Em outras palavras, produzir bens ou serviços concretos, pelos quais os consumidores estarão dispostos a pagar. Por outro lado, para conseguir seu crescimento, o chefe da burocracia estatal terá de convencer a legislatura ou o comitê de planejamento de que seus serviços serão, de alguma maneira indefinida, benéficos ao “interesse público” ou ao “bem-estar da população como um todo”.
Dado que o cidadão é obrigado a pagar impostos, não somente não há nenhum incentivo ou motivo para que o burocrata seja eficiente, como também não há como um burocrata possa, mesmo que ele fosse dotado das melhores intenções do mundo, descobrir o que os consumidores querem e como ele pode satisfazer suas demandas. No geral, investidores não têm a permissão de se aventurar em uma concorrência contra um serviço estatal. Consequentemente, os consumidores terão simplesmente de permitir que os burocratas lhes ofertem seus serviços, queiram eles ou não.
Ao construir e operar uma barragem, por exemplo, o governo está fadado a ser ineficiente, a subsidiar alguns cidadãos à custa de outros, a alocar recursos inadequadamente e, no geral, a comportar-se como um navio à deriva no mar, sem uma bússola e sem um leme, tentando fornecer serviços sem estar sendo guiado pelo mecanismo de lucros e prejuízos. Ademais, para alguns cidadãos, a represa pode não representar benefício algum; no jargão dos economistas, para algumas pessoas, a represa, em vez de ser um “bem” será um “mal”. Assim, para ambientalistas que são filosoficamente contra represas, ou para agricultores e populações ribeirinhas cujas propriedades serão confiscadas e inundadas pelo governo, este “serviço” é claramente negativo. O que dizer de seus direitos e propriedades? Logo, a ação governamental não somente está fadada a ser ineficiente e coerciva contra os pagadores de impostos, como também não passa de um mero esquema de redistribuição de renda para alguns grupos à custa de outros.
O principal grupo beneficiado pelos burocratas, obviamente, são os próprios burocratas. Toda a sua renda é extraída coercivamente dos pagadores de impostos. Burocratas não pagam impostos; suas supostas “contribuições” tributárias são uma mera ficção contábil. Se uma quadrilha rouba dinheiro de um indivíduo e fica com 10% para si e repassa os 90% restantes para terceiros, não se pode dizer que estes estão pagando 10% de imposto. Eles não ganharam seu dinheiro voluntariamente no mercado, ofertando serviços desejados pelos consumidores; apenas receberam uma fatia do dinheiro alheio que foi espoliado pela quadrilha, a qual determinou autonomamente como o butim seria dividido.
Consequentemente, a existência de uma burocracia estatal cria na sociedade duas grandes classes conflitantes: os pagadores líquidos de impostos e os consumidores líquidos de impostos. Quanto maior a dimensão dos impostos e do governo, maior será o inevitável conflito de classes criado na sociedade. Como explicou o brilhante John C. Calhoun em seu livro Disquisition on Government:
Portanto, o inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo. Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.
Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas. Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa. E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.
O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].[3]
Sendo assim, resta a pergunta: como os burocratas conseguem alcançar seu objetivo prioritário, qual seja, aumentar o número de funcionários públicos subalternos e com isso aumentarem suas próprias rendas? Apenas se persuadirem a legislatura ou a opinião pública de que sua agência estatal em específico é digna de um aumento em seu orçamento. Porém, como seria possível fazerem isso, uma vez que tal agência não vende seus serviços no mercado e, mais ainda, suas atividades são necessariamente redistributivas e prejudicam, em vez de beneficiar, a maioria dos consumidores? A resposta é que os burocratas têm de “criar um consentimento”, isto é, eles têm de falsamente persuadir o público ou a legislatura de que suas atividades representam um luminoso benefício, e não um enorme prejuízo, para os pagadores de impostos. E, pra criar esse consentimento, é necessário utilizar ou empregar intelectuais — a classe formadora de opinião da sociedade — para persuadir o público ou a legislatura de que a burocracia é uma bênção universal. E se estes intelectuais, ou propagandistas, forem eles próprios empregados do estado, então isso será duplamente insultuoso para os pagadores de impostos: pois agora eles serão forçados a pagar por sua própria e deliberada enganação.
É intrigante que os esquerdistas invariavelmente vituperem os anúncios publicitários feitos pelo mercado, dizendo que são enganosos, estridentes e que “incentivam” artificialmente o consumo, sendo que a publicidade é justamente o método indispensável por meio do qual informações vitais são transmitidas para os consumidores — sobre a natureza e a qualidade do produto, e sobre seu preço e local de oferta. Incrivelmente, os esquerdistas nunca direcionam essa sua crítica para justamente aquela área onde ela mais se aplica: as propagandas de exaltação do estado, as relações públicas e as tolices baratas e vulgares difundidas pelo governo. A diferença é que, no mercado, todas as propagandas são rapidamente submetidas a um teste prático: será que essa televisão funciona? Será que esse aparelho elétrico é realmente bom? Por outro lado, para o governo, não existe esse teste direto junto ao consumidor: não há maneira de o cidadão ou o eleitor descobrirem rapidamente como uma determinada política realmente funcionou. Além disso, em eleições, ao eleitor não são apresentados programas específicos para ele escolher: ele tem necessariamente de escolher um pacote inteiro criado por um burocrata, o qual irá durar X número de anos e fará com que o eleitor fique preso a este pacote por aquele período de tempo. E dado que não há como testar diretamente as políticas propostas, torna-se possível entender por que o moderno processo democrático é incapaz de discutir questões políticas, preferindo concentrar-se meramente na demagogia televisiva, a qual é de mais fácil digestão e surte muito mais efeito.
A estrutura e os objetivos da burocracia
A burocracia é necessariamente hierárquica — primeiro por causa da Lei de Ferro da Oligarquia, e segundo porque a burocracia se expande ao multiplicar camadas subalternas. Uma vez que, sem um mercado, não há como testar genuinamente os “méritos” dos serviços prestados pelo governo aos consumidores, em uma burocracia amarrada por regulamentos, o tempo de serviço passa a ser adotado, com grande júbilo, como um substituto para o mérito. Aumentar o tempo de serviço, portanto, leva a promoções a cargos superiores, ao passo que a expansão do orçamento do governo leva a uma multiplicação dos cargos abaixo de você, o que gera um aumento do seu salário e do seu poder. O crescimento da burocracia ocorre, portanto, pela multiplicação dos níveis da burocracia.
A teoria da burocracia estatal hierárquica é que a informação é coletada nos postos mais baixos da organização e, a cada posto sucessivamente superior, o chefe escolhe as informações mais importantes coletadas por seus subordinados, separa o joio do trigo, e passa a informação selecionada para seus superiores. O problema é que favores burocráticos, especialmente nos mais altos escalões, só geram novas gentilezas caso o subordinado saiba agradar aos seus superiores.
Todas as atividades humanas, bem como todas as instituições, tendem a recompensar aqueles que se mostram mais proficientes em adotar o melhor caminho para o sucesso naquela atividade. No mercado, empreendedores bem sucedidos serão aqueles que souberem antecipar e atender mais corretamente as demandas dos consumidores. Já o sucesso na burocracia, ao contrário, depende de o indivíduo se mostrar competente em (a) fazer uma eficaz propaganda pessoal de si próprio para persuadir seus superiores de que possui grandes méritos; e, portanto, em (b) entender que a maneira de ascender na carreira é dizendo aos seus superiores exatamente aquilo que eles querem ouvir. Logo, quanto maior o posto hierárquico da burocracia, maior o número de pessoas subservientes e dispostas a fazer tarefas para você. Consequentemente, cada superior frequentemente será menos informado do que os burocratas dos escalões mais baixos.
A explicação padrão quanto ao porquê de o governo crescer é que, à medida que o tempo passa, há mais trabalho para o governo realizar; por conseguinte, a “demanda” do povo por mais governo cresce. Muito mais correta, no entanto, é a explicação de que no mundo da burocracia funciona uma espécie de Lei de Say invertida, na qual a oferta — ou melhor, os ofertantes de “serviços” estatais, a burocracia — constitui ela própria a “demanda” por seus serviços, e que ela consegue manipular perfeitamente seus superiores, ou a legislatura, fazendo com que eles lhe forneçam cada vez mais recursos oriundos de impostos.
Daí surgiu a hilariantemente satírica, porém extremamente perceptiva, descrição da “Lei de Parkinson” da burocracia. O professor Parkinson afirmou que, em uma burocracia estatal, “não é necessário haver nenhuma relação entre o trabalho a ser feito e o tamanho da equipe para a qual ele deve ser designado.”[4] O contínuo aumento no total dos funcionários públicos “seria praticamente o mesmo caso o volume de trabalho aumentasse, diminuísse ou até mesmo desaparecesse.”[5] Parkinson identificou duas fundamentais forças “axiomáticas” responsáveis por esse crescimento: (1) “Um burocrata quer multiplicar seus subordinados, e não seus rivais”; e (2) “Burocratas criam serviços uns para os outros.”
Parkinson começa seu “modelo” descrevendo um burocrata que se sente estafado por estar trabalhando demais. O burocrata poderia perfeitamente pedir demissão, mas isso seria impensável, pois ele perderia seu direito a uma magnânima pensão. Pedir para um novo colega recém-promovido dividir com ele sua carga de trabalho é igualmente impensável, pois assim seu prestígio ficaria reduzido; pior ainda, ele estaria promovendo um perigoso rival, o qual passaria a disputar com ele o cargo de seu chefe quando este se aposentasse. Ele poderia pedir a contratação de um assistente, mas isso seria perigoso, pois o novato poderia se revelar competente e conquistar o mesmo status que o seu. Logo, sua escolha mais sensata será pedir a contratação de dois assistentes, os quais iriam então competir entre si por seu favor e atenção; em pouco tempo, ambos os assistentes irão reclamar de carga de trabalho excessiva, e cada um deles irá pedir a contratação de dois novos assistentes. O burocrata original agora terá a satisfação de ter seis homens subordinados diretamente a ele, o que significa que ele já está pronto para uma promoção e um consequente aumento substancial no seu salário.
Mas e quanto ao trabalho a ser feito? A quantidade original de trabalho não foi agora dividida entre sete pessoas? Sendo assim, não seria correto dizer que cada homem estará agora absurda e manifestamente ocioso, com pouco trabalho para fazer? Não — e eis aqui um dos cintilantes vislumbres de Parkinson quanto à teoria da burocracia —, pois um aspecto da Lei de Parkinson é que “o trabalho se expande de modo a preencher todo o tempo disponível para sua realização”. Ou, como Parkinson também coloca, “A tarefa a ser feita aumenta em importância e complexidade em uma proporção direta ao tempo a ser gasto para realizá-la.”[6]
E aqui entra o segundo aspecto da Lei de Parkinson do crescimento da burocracia: “todo funcionário público cria trabalhos improdutivos para todos os outros”. Prossegue Parkinson: “Estes sete burocratas criam tanto trabalho uns para os outros, que no final todos estão completamente ocupados,” e o burocrata original, o superior, “estará na realidade trabalhando mais do que nunca.” Documentos e papeladas têm de ser enviados e lidos por todos os burocrata, cada qual em sua vez. E cada um deles tem de comentar os documentos e enviar seus comentários para todos os outros. Todos têm de conferir cada documento, bem como as várias emendas propostas. E o burocrata original, o superior, agora estará envolto nos inevitáveis problemas de relacionamento interpessoal entre ele e sua equipe, e entre os próprios membros de sua equipe, coisa que sempre surge nestes ambientes.
Finalmente, após um longo processo de interação, escreve Parkinson, o burocrata original dá ao documento a mesma resposta que teria escrito caso todos os seus subordinados “jamais tivessem nascido”. “Um número muito maior de pessoas”, conclui Parkinson, “levou muito mais tempo para produzir o mesmo resultado. Nenhum ficou ocioso. Todos fizeram o seu melhor.”[7]
Conclusão
Por que afinal há uma tendência constante de agigantamento do estado, tanto em tamanho quanto em autoritarismo? Porque, do ponto de vista dos burocratas, a vantagem de um estado grande e poderoso é clara, direta e inquestionável, ao passo que para os cidadãos comuns, meros pagadores de impostos cuja atenção dificilmente está voltada para o governo, o custo desse estado, não apenas em termos de dinheiro mas também de liberdade, a qual é perdida quando se concede autoridade a burocratas, é muito vago e nebuloso. São poucos aqueles que realmente têm ideia do quão alto é esse custo.
Consequentemente, dado que os burocratas sabem exatamente o que eles querem, dado que eles trabalham para seu imediato e exclusivo interesse, e dado que os outros cidadãos não têm ideia do quanto estão sendo espoliados — com efeito, sequer prestam atenção a isso —, resta óbvio qual grupo irá prevalecer e dominar o outro.
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NOTAS:
[1] Ludwig von Mises, Bureaucracy (New Haven: Yale University Press, 1944), p. 53.
[2] Ibid., p.46. À medida que as empresas foram sendo submetidas a regulamentações e cargas tributárias cada vez mais altas, sua administração foi se tornando cada vez mais burocrática. Como explicou Mises, “nenhuma empresa que visa ao lucro, por maior que seja, possui a tendência de se tornar burocrática. Isso só irá acontecer caso sua administração se torne mais restringida por interferências governamentais. A tendência a uma rigidez burocrática não é algo inerente à evolução das empresas. Tal rigidez será resultado, isto sim, da interferência governamental sobre o ambiente empreendedorial.” Ibid., p.12
[3] John C. Calhoun, A Disquisition on Government (New York: The Liberal Arts Press, 1953), pp. 17-18.
[4] C. Northcote Parkinson, Parkinson’s Law (Cambridge, MA: Houghton Mifflin, 1957), p. 2.
[5] Ibid., p. 4.
[6] Ibid., p. 2.
[7] Ibid., p. 6.
Texto muito interessante, com bastante fundamento, porém eu achei muito longo, me desculpe, não estou acostumado a leituras longas no celular. Gostaria de compartilhar mas meus conhecidos também enfrentarão essa dificuldade. Talvez adicionar um “abstract” sobre as matérias ajudasse.