O bem que o estado pode eventualmente fazer é bastante limitado, mas o mal que pode provocar é imenso. E o que ele nos retira compulsoriamente com suas intervenções na ordem espontânea dos mercados é, foi e será sempre, em qualquer lugar e em qualquer época, muito mais do que ele repõe em termos de serviços prestados aos que o sustentam, ou seja, aos pagadores compulsórios de tributos, eufemisticamente denominados de “contribuintes”.
Hoje quero dar um exemplo muito simples do arrasa-quarteirão que o Leviatã, em sua modalidade estado-babá, costuma provocar nas vidas dos indivíduos. Vou explicar com o exemplo dos controles de preços, lembrando dois dados históricos a seu respeito: o primeiro é que eles existem desde os tempos do Velho Testamento, passando por Nabucodonosor da Babilônia, por Diocleciano em Roma, pelo período que antecedeu a Revolução de 1789 em França e por muitos outros casos; e o segundo é que todas essas intervenções dos governos fracassaram rotundamente, sem ao menos uma solitária e “robinsoncruseana” exceção.
Vou dar um exemplo muito simples. Suponha dois consumidores com hábitos alimentares peculiares: Peixoto, que não passa sem comer feijão e não suporta lentilhas e Eustórgia, que se delicia diariamente com lentilhas, mas se recusa a comer feijão. Suponha agora que o governo do país em que ambos vivem resolve estabelecer uma política de preços máximos para o feijão, alegando que se trata de um bem essencial para a população e que seu preço de mercado é muito alto, o que, segundo os tecnocratas e demagogos de todas as épocas “prejudica os pobres e favorece os ricos”. Medidas assim costumam ser populares e dão votos para o governo, daí sua insistência nelas ao longo da História.
Os bons economistas sabem que qualquer medida do governo provoca dois efeitos, um de curto prazo, que é o efeito que se vê na nomenclatura de Bastiat e outro que aparece depois, que é o efeito que não se vê, mas que se pode e se deve prever. Sabem também que na maioria das vezes, se os resultados iniciais são bons, os que se lhes seguem são ruins e vice-versa. Bons economistas sabem discernir entre ambos; maus economistas apenas enxergam o primeiro, aquilo que se pode identificar “a olho nu”.
Bem, o governo, então, decreta que o feijão não poderá ser vendido por mais do que certo preço P1, inferior ao preço de mercado P0 (que os economistas não austríacos costumam chamar de “preço de equilíbrio”). Felicidade geral em toda a nação! Comentaristas econômicos festejam, economistas intervencionistas aplaudem, consumidores de feijão gritam urra! E o governo, de olho nas eleições que já se aproximam, comemora.
O bom Peixoto, no entanto, que ficara feliz porque o bem que tanto aprecia ficou mais barato, começa a perceber que está ficando difícil encontrar o feijão de sua marca preferida no supermercado em que costuma fazer suas compras. Resolve ir a outros mercados e observa o mesmo fenômeno. Tenta então outra marca, mas também não consegue. Eustórgia, por enquanto, está “na dela”, porque a medida do governo não afetou o preço do produto que tanto lhe agrada, as lentilhas.
No momento mesmo em que o governo tabelou o preço do feijão qualquer economista da tradição austríaca já sabia de cor e salteado todas as etapas que se sucederiam. Sabiam que o preço P0 era, naquele momento, o que melhor traduzia as transações voluntárias, as ações dos agentes nos mercados e que ele, como qualquer preço, certamente se alteraria de maneira natural ao longo do tempo, porque as complexas circunstâncias que influenciam o processo de mercado estão em permanente mutação. Sabiam também que o “preço” estabelecido pelas autoridades — P1 — não é um preço, mas uma ficção criada em gabinetes, um pseudo preço, como o denominava Mises.
Por que Peixoto começou a encontrar dificuldades para comprar sua comida favorita? Evidentemente, é porque o governo, ao reduzir “na marra” o preço, criou uma escassez, ou seja, provocou um aumento na demanda de feijão, ao mesmo tempo em que desestimulou a oferta desse produto. Esses fatos, que nada mais são do que efeitos líquidos e certos da ação humana, farão o preço verdadeiro (que não é o que foi fixado pelos burocratas) do feijão subir de P0 para P2 e esse aumento vai alargar a diferença (ágio) entre o preço verdadeiro e o falso, de (P0 – P1) para (P2 – P1). O resultado é que Peixoto e todos os demais “peixotos” do país — ou seja, os consumidores de feijão — perderão. Só poderão consumir esse produto os que tiverem condições para pagar o ágio — que certamente não são os pobres que o governo alegou estar protegendo ao baixar a medida. Ou então quem se plantar em uma fila no supermercado por volta das três horas da madrugada, na expectativa de que, quando o estabelecimento abrir suas portas, ele conseguirá o produto, desde que tenha bom preparo físico para correr e chegar à frente dos demais…
E quanto a Eustórgia, “a papa-lentilhas”? Bem, ao estabelecer um preço máximo para o feijão, o governo não mexeu diretamente no preço da lentilha, mas o preço relativo entre os dois produtos se alterou artificialmente: agora, as lentilhas estão relativamente mais caras do que o feijão (porque o preço deste caiu e o da lentilha permaneceu constante). Esse fato, um acontecimento espontâneo nos mercados em reação à agressão que o governo praticou sobre eles, reduzirá a demanda de lentilhas e aumentará ainda mais a demanda de feijão! Portanto, Peixoto e todos os consumidores de feijão perdem, assim como Eustórgia e todos os demais compradores com o seu perfil “lentilhesco”.
Os efeitos do controle do preço do feijão pelo governo não param aí. Quer saber por quê? Vou usar um exemplo muito fácil de entender: admita que Peixoto não tenha uma renda alta, mas que goste tanto de feijão a ponto de abandonar a academia em que fazia musculação, para que possa, com o dinheiro que não gastará deixando de “malhar”, possa pagar o ágio sobre o preço do feijão e assim não ficar sem seu prato diário favorito. Nesse caso, o dono da academia perderá receita, isso por sua vez afetará seus fornecedores que fabricam aparelhos de treino, bem como funcionários e professores de seu ginásio. É evidente que, quando pensamos em um indivíduo isolado – Peixoto – sua saída da academia produziria distorções bem menos fortes, mas, se pensarmos em todos os consumidores de feijão (cuja demanda, por sinal, é inelástica no Brasil) e nos sacrifícios que vão fazer para continuarem consumindo seu produto predileto, seja abandonando a musculação, seja comprando menos laranjas, menos aparelhos celulares, menos pizzas, etc., podemos formar uma pálida ideia da desordem que a tirania dos controles de preços desencadeia em toda a economia. É evidente que com Eustórgia e os consumidores de lentilhas aconteceriam efeitos semelhantes. Esta é a história de Peixoto e Eustórgia, ou seja, a história vista pelo lado da demanda. Mas falta o da oferta.
Mas antes de olhar para a oferta, é bom notar que no exemplo eu utilizei dois bens substitutos, mas poderia ter escolhido bens complementares, como, por exemplo, aparelhos de som e DVDs e os efeitos seriam bem parecidos, embora com alguns sinais trocados: se o governo resolvesse fixar o preço dos primeiros abaixo de seu preço de mercado, sua demanda aumentaria e a demanda de DVDs também, o que faria os preços absolutos de ambos os bens subirem. Quanto ao preço relativo, nada podemos afirmar a priori, mas muito provavelmente ele também mudaria.
Vamos agora ao lado da oferta? Bem, para entendermos melhor o comportamento dos produtores de feijão e lentilhas precisamos ter bem claro algo essencial nos mercados: a oferta é sempre mais lenta do que a demanda! Portanto, os efeitos sobre a oferta da agressão governamental à liberdade econômica provocada pela fixação de um preço máximo para o feijão só acontecem depois dos efeitos sobre a demanda que vimos logo aí em cima. Os efeitos iniciais sobre a demanda são os que se veem, enquanto os impactos sobre a oferta são osque se podem e se devem prever; os primeiros são visíveis a olho nu, os segundos não são. Caso o governo insista com sua política populista de tabelar o preço do feijão, os produtores desse bem terão um desestímulo e, com o tempo, alguns (ou muitos, dependendo da situação) deixarão de produzi-lo (deixando de plantá-lo ou diminuindo a área semeada). Consequentemente, a oferta de feijão vai cair no longo prazo, fato que aumentará ainda mais o ágio. Quanto aos produtores de lentilhas, como a demanda pelas mesmas caiu, também serão desestimulados, o que os levará no longo prazo a produzir outros bens, digamos, batatas. Vão todos plantar batatas, mas o certo seria que todos dissessem ao governo; “Vá você plantar batatas e nos deixe em paz”!…
Agora, além de Peixoto e Eustórgia, vamos introduzir mais dois indivíduos, Azevedo e Macedo. Ambos não suportam nem feijão e nem lentilhas, mas mesmo assim serão afetados, porque o ato do Grande Agressor (o estado) de fixar um preço, seja de que produto for, causa reações ao longo de toda a estrutura de capital da economia. Por exemplo — apenas um entre tantos possíveis! — Azevedo pode ser prejudicado porque, embora não coma feijão e nem lentilhas, gosta muito de grão de bico, cujo mercado, cedo ou tarde, também será afetado pelo aumento do preço relativo do grão de bico comparativamente ao feijão. Então Macedo, que já era um plantador de batatas estabelecido, agora terá que enfrentar novos competidores, aqueles que deixaram de produzir feijão e lentilhas para produzir batatas. Perderam, então, Peixoto, Eustórgia, Azevedo, Macedo, bem como os produtores de feijão, lentilhas e grão de bico. Ganhou o governo, que provavelmente venceu as eleições, pois a fixação do preço máximo foi quase certamente decretada estrategicamente antes das eleições e, portanto, antes que os efeitos nocivos, que lhe roubariam votos, fossem sentidos.
Então, no longo prazo, a boa teoria econômica ensina que: (1) o ágio cresce absurdamente quanto mais tempo durar o controle do preço; (2) os “pobres” não terão mais acesso ao bem, porque não têm condições de pagar o ágio; (3) os “ricos”, que podem pagá-lo, aparentemente serão beneficiados, mas só aparentemente, pois terão que pagar muito mais caro pelo bem; (4) o governo só fez a intervenção no mercado de feijão, mas provocou uma reação em cadeia em muitos outros mercados, tanto os dos bens substitutos (as lentilhas do exemplo, mas também grão-de-bico, soja, ervilhas, grãos de milho, etc.) como os dos bens complementares (toucinho, paio, linguiça, couve, laranja, carne seca, etc.); (5) quando governos tentam substituir os mercados mediante a fixação de preços, os efeitos gerados são tão complexos e se estendem de tal firma por toda a economia que se torna impossível saber tudo o que vai acontecer; (6) controles de preços são atos de tirania, porque eles abolem a liberdade econômica de compradores e vendedores transacionarem a preços voluntariamente acordados. Se imaginarmos então um congelamento geral de todos os preços (como aconteceu no Brasil cinco vezes, entre 1986 e 1991), a tirania é ainda mais cruel, porque desorganiza toda a atividade econômica.
Good intentions and unintended consequences! E olhe que mesmo assim estou supondo que as intenções do governo em meu exemplo tenham sido realmente boas, atributo que, sincramente, não acredito que algum governo possa possuir.
Podemos, a partir desse exemplo, extrair duas conclusões mais amplas: a primeira é que o governo, quando mete sua mão na economia, estraga tudo e a segunda é que a boa teoria econômica é simples e fácil de ser entendida por qualquer leigo, porque ela reflete, como a teoria da Escola Austríaca de Economia, o comportamento de indivíduos comuns, aqueles que não têm diplomas nem láureas de economistas, mas que fazem o mundo real funcionar!
A propósito de que dei esses exemplos? Bom, é que tenho muitas razões para supor que a atual equipe econômica não conhece nossos amigos Peixoto, Eustórgia, Azevedo e Macedo, bem como os efeitos que não se veem, mas que podem e devem ser previstos. Cá entre nós, tenho receios de que muitos erros de um passado não muito distante sejam repetidos no Brasil.