Friday, November 22, 2024
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Como o CADE está destruindo a suinocultura no Brasil

monopolio_sadia_perdigaoEm 13 de julho de 2011, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) finalmente aprovou, por 04 votos a 01, a fusão  da Sadia com a Perdigão, após um processo de negociações que vinha se arrastando por cerca de dois anos, e que ao fim resultou em uma série de medidas tão gravosas que por apenas um pouco mais inviabilizaram definitivamente a operação.

Da fusão entre as duas bem-sucedidas empresas, nasceu a holding BRF — Brasil Foods, amputada ainda na maternidade, sendo obrigada a alijar uma parte substantiva dos seus ativos, além de ter sido submetida a uma severa dieta de participação no mercado.

Nada menos que 10 fábricas de alimentos, 04 abatedouros, 12 granjas, 02 incubadoras de aves, 08 centros de distribuição e 04 unidades de produção de ração terão de ser vendidos, e para uma única compradora; além disso, o conglomerado também terá de se desfazer de nada menos que 12 marcas consagradas pelo público consumidor: Resende, Wilson, Doriana, Texas Burguer, Confiança, Patitas, Escolha Saudável, Fiesta, Delicata, Light & Elegant, Tekitos e Freski.

Acabou? Mal começou: o conglomerado ficou ainda impedido de entrar em campo por três anos para a produção e comercialização no mercado interno de presunto, linguiça, paio, palheta, pernil, lombo e produtos natalinos,em especial, suínos (grifos meus); 04 anos para o salame, e 05 anos para comidas prontas, tais como almôndegas.

Mais: a marca Batavo ficou proibida de produzir e comercializar produtos de origem em carne animal, tendo sido limitada ao setor dos produtos lácteos.  Por fim, à holding BRF restou resignar-se com a proibição de substituir as marcas alienadas e de estabelecer parcerias com o varejo para vendas com exclusividade ou criar pontos de vendas exclusivos.

Será que me esqueci de algum detalhe? No total, a BRF foi decepada em uma capacidade operacional de 730 mil toneladas por ano, o equivalente a 80% da capacidade produtiva da antiga Perdigão. (Fonte: Veja Economia)

Uma pausa para um suspiro e uma reflexão…

Estamos em 2012, exatamente um ano depois, faceando as seguintes manchetes:

Em MT, criadores de suínos desistem da atividade ou buscam alternativas;

Suinocultura: Crise assombra o Oeste catarinense;

Santa Catarina registra R$ 1 bilhão de prejuízo com a crise da suinocultura;

Governo discute medidas de apoio à suinocultura nesta terça-feira (10);

Crise na Suinocultura: ACCS mobiliza produtores para o Manifesto Público em Brasília nesta quinta-feira (12) e outras…(fonte: Notícias Agrícolas)

Será que alguém conseguiu enxergar no cotejo entre as duas notícias alguma relação de causa e efeito? Pois é…

Com o impedimento da BRF de participar do mercado e, de forma agravante, de ter sido obrigada a vender um substancial conjunto de ativos para os quais ainda não encontrou um comprador único, naturalmente criou-se um enorme vácuo na cadeia econômica, especialmente danoso para o setor da suinocultura, que tem no estado de Santa Catarina o principal produtor nacional.

Sem haver quem compre a produção, que a beneficie e a distribua para todo o país, naturalmente, somente restou ao suinocultor ver os preços de sua produção despencarem na cratera logística aberta pelo governo.  Mas, pasmem, o preço ao consumidor final, no varejo, longe de ter diminuído proporcionalmente, como seria de se esperar segundo um raciocínio mais ligeiro, curiosamente tomou o rumo inverso e encareceu significativamente, tanto mais quanto mais afastado o mercado consumidor das regiões produtoras.

Isto só pode ser explicado, logicamente, pelo duro golpe na estrutura logística promovido pela pretensiosa mão estatal do “Super CADE”.  Moral da história: o consumidor saiu (muito) mais lesado do que se a fusão entre as duas empresas não tivesse sido submetida a nenhum óbice.

Ademais, os produtos de ambas as marcas — digo, Perdigão e Sadia —, vinham sendo oferecidos com um certo equilíbrio entre qualidade e custo, de modo que suas concorrentes, até então, vinham buscando a diferenciação pela priorização de uma ou outra  característica.  Agora, dado o novo cenário, as rivais que primavam pelo preço mais acessível viram-se livres para praticar preços mais altos sem ter necessariamente de melhorar a qualidade de seus produtos, ao passo que as concorrentes, que se diferenciavam pela qualidade, não viram motivo para manchar a reputação perante o público-alvo mais seleto (e endinheirado) para o qual se especializaram.

No frigir dos ovos, o consumidor saiu-se triplamente prejudicado: perdeu o bem da marca favorita e viu-se diante da inglória alternativa de comprar um substituto de pior qualidade por um preço majorado!

Da minha experiência pessoal, há várias marcas para as quais não me contentei com os substitutos e, ao final, fossem por ser de qualidade inferior ou de preço não razoável para os meus padrões de consumo, simplesmente abdiquei completamente de adquirir os respectivos gêneros.  Portanto, creio ser possível acreditar que outras pessoas de classe média tenham repetido, em maior ou menor grau, o meu comportamento, o que revela uma forma não contábil de empobrecimento relativo ou diminuição da qualidade de vida.

Como tem sido anunciado, o governo catarinense tem acenado com medidas paliativas, tais como a de incluir a carne suína na merenda escolar e de promover campanhas midiáticas enaltecendo o valor nutritivo e os benefícios para a saúde promovidos pelo seu consumo.  Da parte do governo federal surgiram propostas de facilitação de créditos, prorrogação de dívidas e diminuição de alguns tributos.

Como sempre, remédios absolutamente ineficazes; pior do que isto, geradores de ainda novas distorções, as quais demandarão novas medidas de contenção dos indesejados efeitos colaterais, gerando assim uma insana e infindável espiral intervencionista de insucessos.

Vamos lá, detalhadamente: pra começar, no que me aconselha a prudência a não tomar o lugar de um nutricionista, declino da tarefa de especular o efeito alimentar para as crianças da rede escolar que serão submetidas a tal esperável monotonia em seus cardápios.  Porém, do ponto de vista psicológico, ou ainda do mero bom senso, não há quem aguente ingerir carne suína permanentemente, isto sem falar das que não gostam, não consomem por motivos religiosos, e das que não podem consumir por motivo de alergia.

No meu tempo como aluno da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, passei por uma situação semelhante, de modo que não me é difícil imaginar o cenário a porvir: naquela época, o governo do então presidente José Sarney se negava a pagar ágio pela carne bovina cujo preço havia sido congelado por meio do plano Cruzado, de modo que só nos era servido peixe, dia após dia (Arre!).  Consequentemente, depois de algum tempo, já recusávamos as piscosas porções antes mesmo de nos serem servidas, as quais possivelmente iam acabar parando no lixo.

À parte do empobrecimento não monetário da qualidade de vida dos alunos da rede pública de ensino catarinense, frise-se que uma preferência pela carne suína na merenda escolar só pode ser efetivada por uma concomitante preterição dos outros produtos de origem animal, com injusto prejuízo para os respectivos produtores, resultando afinal que a ação promete ser absolutamente ineficaz do ponto de vista econômico (conquanto o possa ser do político, ou melhor, do politiqueiro…)

Com relação às campanhas midiáticas, difícil imaginar algo que seja mais nonsense! De partida, é extremamente injusto, senão ilegal ou inconstitucional, que o governo pague por propaganda para beneficiar cidadãos particulares com o dinheiro dos impostos tanto de consumidores quanto de não-consumidores de carne suína; complementarmente, a medida teria o mesmo resultado que disparar um tiro no ar, já que não se trata de um problema relacionado à rejeição da carne suína pelos consumidores, mas sim pela impossibilidade ou dificuldade destes de encontrá-la nas gôndolas e balcões frigoríficos, processada ou não processada.

Já o governo federal aponta com soluções ainda mais caquéticas do que o estado sulista, vez que promete encurralar os produtores em uma espiral de endividamentos sem prover-lhes absolutamente nenhuma saída viável da crise que lhes assola.

Na literatura internacional, destacam-se os trabalhos de Dominick Armentano, Thomas DiLorenzo e Mary Bennett Peterson, autores que se empenharam em demonstrar, tanto teórica quanto empiricamente, que todas as empresas que forma processadas pelas leis antitruste nos EUA, longe de estarem diminuindo a produção, aumentando o preço dos seus produtos e serviços e estagnando tecnologicamente, sempre estiveram centradas em proporcionar ganhos para os seus clientes, o que as fez progredir tecnologicamente em uma escala inaudita e baixar os preços vertiginosamente; que o Shermann Act, a primeira lei antitruste do mundo, nasceu de um lobby de empresários mercadologicamente incompetentes mas politicamente influentes que geraram incomensuráveis prejuízos para a sociedade americana, na forma de cotas de participação, gravames aduaneiros, políticas de preços máximos e de preços mínimos, bem como programas estatais de estocagem de grãos — e, pasmem, até mesmo de programas de subsídios para que fazendeiros NÃO produzissem!  Em uma frase genial, a economista Mary Bennett Peterson sintetizou: “a legislação antitruste não nasceu para proteger a concorrência, mas os concorrentes!”.

Nem só de concorrência vive o mercado, mas também de cooperação, parcerias e de coordenação.  Muitas vezes, os concorrentes servem, eles próprios e em conjunto, como fomentadores de um determinado mercado.  Como exemplos, lancemos os olhos à rua 25 de Março, em São Paulo-SP, ou à rua Teresa, em Petrópolis-RJ.  Nestas ruas, compreende-se claramente que o aglomerado de concorrentes favorece o comparecimento da clientela muito mais do que se houvesse um único participante em cada um daqueles lugares.

Nos seus delírios macroeconômicos, os economistas apontam-nos irreais modelos de competição perfeita para defender um cenário de concorrentes atomizados como a solução para o que afirmam ser desejável, isto é, um (jamais alcançável) “equilíbrio do mercado”.  Fogo fátuo!  Um único participante de um dado mercado inteiramente livre de intervenções estatais está mais sujeito à concorrência do que uma dúzia de comensais em um sistema de mercado autarquizado, pois a qualquer momento podem candidatar-se novos participantes, seja com produtos semelhantes, seja com soluções totalmente inovadoras, tal como Mary Bennet Peterson muito bem elucidou-nos:

Quem de fato pôs o ferreiro da vila fora do mercado, ou, mais recentemente, o fez com o vendedor de gelo, ou, ainda mais recentemente, com o doceiro da esquina?  Muitos podem estar inclinados a dizer que estes empreendedores de outra era foram economicamente vencidos pelos gigantes de Detroit, pelas grandes empresas de utilidades públicas, Westinghouse e General Eletric, pelas redes de alimentos A&P, Safeway, Grand Union e por outros grandes conglomerados.  Eu argumentaria, ao contrário, que o real algoz do vendedor de gelo foi o consumidor — a pessoa que comprou um refrigerador elétrico ou a gás. (PETERSON, Mary Bennett. The regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama, 2007).

Assim tem sido com a Brasil Foods, um empreendimento que só terá condições de competir com gigantes globais se munir-se dos ganhos de escala advindos da fusão, o que promete servir aos consumidores preços mais baratos e produtos de maior qualidade e mais inovadores.

Causa-me um desconsolo ter tido conhecimento de que os setores atingidos, mormente o da produção suína, estejam a pedir de joelhos ao governo por ajuda na forma de benefícios e privilégios particularizados que nada têm a proporcionar-lhes senão mais dependência e prejuízos, quando deveriam raciocinar se não estão sendo vítimas de pretéritas e malogradas ingerências estatais na economia, sendo o caso especificamente, como os fatos levam a crer, resultantes da desastrada atuação do CADE.  Que este singelo artigo alimente o debate e sirva como um botão de parada de emergência para tal vicioso ciclo, eis uma das minhas mais caras esperanças.

Até lá, vou tristemente recitando “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra; Tinha uma pedra no meio do caminho;…”

 

 

Klauber Cristofen Pires
Klauber Cristofen Pires
Klauber Cristofen Pires Bacharel em Ciências Náuticas no Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, em Belém, PA. Técnico da Receita Federal com cursos na área de planejamento, gestão pública e de licitações e contratos administrativos. Dedicado ao estudo autodidata da doutrina do liberalismo, especialmente o liberalismo austríaco.
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