Por pura sorte, na semana passada, em uma viagem aérea, calhei de sentar-me ao lado de um homem que havia sido meu benfeitor durante toda a minha vida e durante boa parte da vida dele; e, no entanto, jamais havíamos nos conhecido. Com efeito, embora ele já venha me servindo cordial e lealmente há três décadas, cuidando do meu bem-estar e sempre tentando aprimorar meu padrão de vida, ele nem sequer sabia meu nome. Na realidade, ele ainda não sabe, pois é um tanto quanto excêntrico tornar-se muito intimo de alguém que se senta ao seu lado em um avião. Todos sabemos disso. Ainda assim, fiz questão de deixá-lo saber de toda a minha gratidão por tudo o que ele já fez.
Este homem trabalha para uma das seis fábricas dos EUA que produzem polipropileno orientado para uso em embalagens, e sua função é vender o produto. Esta substância, o polipropileno orientado, é chamada de PPO. A função deste homem é ir atrás de empresas que fabricam coisas como bebidas, doces e outros produtos e explicar a elas as vantagens do PPO — sobre as quais falarei mais abaixo.
Este homem está sempre viajando e possui uma pilha de cartões de benefícios aéreos para comprovar isso. Ele é como o personagem de George Clooney no filme Amor Sem Escalas — um viajante experiente casado com sua profissão. Seu trabalho é ser os olhos e os ouvidos da empresa, pois é ele quem lida diretamente com os compradores de seus produtos. Sua vida é vivida exclusivamente para lidar com as transações entre empresas, as quais são invisíveis para o público consumidor.
Seu vocabulário é específico para o setor industrial, repleto de neologismos que ninguém de fora do mundo das embalagens consegue entender. Ele é capaz de dizer quais as propriedades químicas de qualquer embalagem que esteja a um metro e meio de distância. Ele é capaz de explicar por que uma embalagem é fácil de abrir quando rasgada em uma direção mas extremamente difícil quando rasgada em outra direção. Ele conhece a história, o processo, a concorrência e o nome de todas as empresas que compram embalagens em larga escala, e ele adora falar sobre isso.
Qual é sua função? Ele é o sujeito que faz com que as invenções se tornem parte de nossas vidas. Sem uma pessoa na linha de frente para vender o produto inventado, tudo o que fosse inventado e produzido seria inútil. Ele é a interface entre a matéria-prima e o produto final, o homem que tem de ter todas as respostas capazes de unir a grande cadeia produtiva, fazendo com que o primeiro estágio de produção possa se conectar ao estágio final.
Quanto ao seu produto, você e eu conhecemos o PPO muito bem, embora provavelmente nem soubéssemos como ele era chamado. O PPO é o produto utilizado para fazer aquelas embalagens de batatas “chips”. Ele é a razão por que o conteúdo destas embalagens permanece crocante não importa qual seja a temperatura externa. Você pode mergulhar a embalagem na água e absolutamente nada será alterado. O ar pode estar quente ou frio, e ainda assim o conteúdo dentro da embalagem permanecerá inalterado. Este mesmo material é utilizado para embrulhar doces como o Snickers e o Kit Kat, e o efeito é o mesmo.
O PPO é também o motivo de estas embalagens conseguirem ser tão bonitas e chamativas. O PPO se dá muito bem tipografias e estampagens. Ele é um molde perfeito para designers gráficos. O resultado jamais se desmancha em seus dedos, jamais gera borrões. Tampouco as imagens somem com a luz do sol. Estas embalagens aceitam até mesmo as mais sutis gradações de cores. Você pode estampar uma obra de Michelangelo em um PPO e exibi-la em um museu por milênios.
Acontece que batatas fritadas em óleo são extremamente vulneráveis e se tornam rançosas com muita facilidade. Talvez você tenha pensado que eram os conservantes (glórias também a esta invenção!) que impediam isso. Isso é parte da resposta, mas não é toda a resposta. O real motivo é o PPO. É ele quem impede o processo degenerativo. Outros itens fritos, como torresmos, não sofrem deste problema, e é por isso que frequentemente os vemos serem vendidos em sacos plásticos transparentes. Já o PPO não é transparente, e isso é bom. O produto que está ali dentro não gosta de luz. O PPO impede completamente a entrada de luz.
O PPO possui outras características interessantes. Ele possui uma baixa capacidade de ‘deformidade’, e é por isso que, quando você dobra ou amassa uma destas embalagens, ela rapidamente retorna ao seu formato original. Isso é para proteger o conteúdo que está lá dentro. É por isso que, nos anos 1960, as batatas chips vinham totalmente amassadas e quebradas, ao passo que hoje elas vêm praticamente intactas e perfeitas. Você pensava que era porque as embalagens vinham preenchidas com ar? Então pergunte a si mesmo por que o ar não escapa. A resposta, de novo: PPO. Ele veda perfeitamente. Essa coisa é impenetrável.
E veja só: este é um produto feito à base de petróleo. É isso mesmo, é feito de um material derivado do petróleo. Sendo assim, o preço deste bem flutua de acordo com o preço do petróleo. Quando o preço do petróleo sobe, suas batatas chips se tornam mais caras em decorrência principalmente das embalagens. É por isso também que a indústria de PPO defende firmemente a ideia de se liberalizar as regulamentações sobre a prospecção e o refino de petróleo. Meu benfeitor é extremamente interessado neste assunto.
Agora, tudo isso é muito legal e interessante. Mas vamos ao que interessa. Por que estou fazendo todo esse estardalhaço? Por que o PPO foi inventado, por que ele é comercializado e por que ele é utilizado abundantemente ao redor do mundo? Por que este homem passa sua vida viajando e está sempre se informando a respeito de todas as notícias do mundo industrial? Qual o objetivo de tudo isso?
Um só motivo: o meu bem-estar. O seu também. É para nos agradar e tornar nossas vidas muito mais aproveitáveis. É para o consumidor que o produtor produz, e é para o consumidor que todos, em todos os estágios da produção, se esforçam para produzir produtos cada vez melhores. Tudo se resume àquela embalagem utilizada para empacotar e conservar vários alimentos, desde batatas chips até sanduíches de presunto, tomate e vegetais. É por isso que milhões de pessoas que trabalham na indústria de PPO ao redor do mundo têm de estar sempre seguindo as demandas do mercado. É por isso que batatas são cultivadas, cortadas, fritadas, empacotadas e transportadas para milhões e milhões de destinos.
A grande injustiça de tudo isso é que estas pessoas não recebem nenhum crédito pelo que fazem. Em nenhuma embalagem você verá escrito: esta embalagem foi feita pela fábrica de PPO do João. Essas pessoas são benfeitoras anônimas da sociedade. Dificilmente alguém já parou para pensar nelas. No entanto, se você comprasse um pacote repleto de batatas esmigalhadas e rançosas, você certamente notaria a diferença. Você se irritaria enormemente com a loja que lhe vendeu o produto, com a empresa que o produziu, e talvez até mesmo com o sistema econômico que permite que pessoas lucrem com a venda de coisas ruins. São os produtores privados de PPO que impedem que isso aconteça, milhões e milhões de vezes por dia.
Você e eu estamos no controle deste mercado e nem sequer sabíamos disso. Os produtores destas embalagens estão nos servindo diariamente, de maneira servil, e nem sequer sabemos disso ou nos importamos. E, de alguma forma, tudo isso acontece sem nenhum planejador central, sem decretos governamentais, sem fábricas estatais e sem burocratas no topo da cadeia produtiva dirigindo o processo do início ao fim. Para se criar este complexo e brilhante sistema é necessário apenas que tenhamos um só desejo: uma boa batata chips. O resto acontece por conta própria — um sistema autogerenciável que responde aos mais ínfimos sinais.
Portanto, eu gostaria de enviar uma mensagem para meu benfeitor que dedicou toda a sua vida a explicar aos produtores de alimentos os méritos do PPO. Minha mensagem é ‘muito obrigado’. Ouso crer que devo ter sido o primeiro consumidor a dizer isso, mas, em meu mundo ideal, bilhões de pessoas ao redor do mundo estariam dizendo obrigado a você e a todos como você. Vocês são todos servos de uma nobre causa: tornar o mundo um lugar melhor para se viver.