Apenas o indivíduo possui uma mente; apenas o indivíduo pode sentir, ver, realizar e entender; apenas o indivíduo pode adotar valores e fazer escolhas; apenas o indivíduo pode agir. Este princípio primordial do “individualismo metodológico”, central ao pensamento social de Max Weber, deve fundamentar tanto a praxeologia quanto todas as outras ciências da ação humana. Ele implica que conceitos coletivos como grupos, nações e estados não agem ou não existem realmente; eles são apenas construções metafóricas utilizadas para descrever as ações similares ou conjuntas de indivíduos. Em suma, não existem “governos” por si sós; existem apenas indivíduos agindo harmoniosamente de uma maneira “governamental”. Max Weber coloca de forma cristalina:
Estes coletivos devem ser tratados unicamente como sendo os resultados e os modos de organização das ações particulares de agentes individuais, uma vez que apenas estes podem ser tratados como agentes no curso de uma ação subjetivamente compreensível. . . . Para propósitos sociológicos. . . não existe algo como uma ‘personalidade coletiva que “age”‘. Quando se faz referências, em um contexto sociológico, às . . . coletividades, está-se na verdade se referindo . . . somente a um certo tipo de desenvolvimento das ações sociais possíveis ou efetivas de pessoas específicas.[1]
Ludwig von Mises destaca que o que diferencia a ação puramente individual daquela de indivíduos agindo como membros de um coletivo é o diferente significado atribuído pelas pessoas envolvidas:
É o significado que os agentes individuais, e todos que são afetados pela sua ação, atribuem a uma ação o que determina o seu caráter. É o significado que distingue uma ação como ação de um indivíduo e outra como ação do estado ou da municipalidade. É o carrasco, e não o estado, quem executa um criminoso. É o significado daqueles interessados na execução que distingue, na ação do carrasco, uma ação do estado. Um grupo de homens armados ocupa um local. É o significado destes envolvidos que imputa esta ocupação não aos soldados e oficiais, mas à sua nação.[2]
Em sua importante obra metodológica, o discípulo de Mises, F.A. Hayek, demonstrou que a falácia de se tratar construções coletivas como sendo “conjuntos sociais” (“capitalismo”, “a nação”, “a classe”) sobre os quais se é possível deduzir leis tem origem na insistência objetivista-behaviorista de se considerar os homens apenas a partir de seu exterior, como se fossem pedras, em vez de tentar entender como suas ações são subjetivamente determinadas.
Ela [a visão objetivista] trata os fenômenos sociais não como algo do qual a mente humana faz parte e não como algo cujos princípios organizacionais podemos construir a partir de partes conhecidas, mas sim como se eles fossem objetos diretamente percebidos por nós como conjuntos. . .
Existe a ideia um tanto quanto vaga de quem uma vez que os “fenômenos sociais” devem ser objeto de estudo, o procedimento óbvio é começar a partir da observação direta destes “fenômenos sociais”, em que a utilização popular de termos como “sociedade” ou “economia” é ingenuamente considerada como evidência de que deve haver “objetos” definidos que correspondem a eles.[3]
Hayek complementa dizendo que enfatizar o significado da ação individual revela que, “o que conseguimos entender diretamente dos complexos sociais são apenas as partes, pois o todo nunca é percebido diretamente; ele sempre é reconstruído por meio de um esforço de nossa imaginação”.[4]
Alfred Schütz, o notório construtor do método da fenomenologia aplicado às ciências sociais, nos relembrou da importância de se retornar “ao ‘homem esquecido’ das ciências sociais, ao agente do mundo social cujos afazeres e sentimentos residem na origem de todo o sistema. Nós, então, procuramos entendê-lo a partir destes afazeres e sentimentos e do estado de espírito que o induziu a adotar atitudes específicas relativas ao seu ambiente social”. Schütz acrescenta que “para uma teoria sobre a ação, o ponto de vista subjetivo deve ser conservado ao máximo, sendo que, na ausência deste, esta teoria perde suas fundamentações básicas, qual seja, sua referência ao mundo social da vida cotidiana e da experiência”. Desprovida desta fundamentação, as ciências sociais tendem a substituir o “mundo da realidade social” por um irreal mundo fictício, todo ele construído pelo cientista observador. Ou, como Schütz coloca sucintamente: “Eu não posso entender algo social sem antes reduzi-lo à atividade humana que o criou; mais ainda, sem remeter esta atividade humana aos motivos que a originaram”.[5]
Arnold W. Green demonstrou recentemente como o uso de conceitos coletivos inválidos prejudicou a disciplina da sociologia. Ele destaca o crescente uso de “sociedade” como uma entidade que pensa, sente e age, e, em anos recentes, foi a responsável por perpetrar todas as desgraças sociais. Por exemplo, é a “sociedade”, e não o criminoso, quem geralmente é considerada a responsável pelos crimes. Para muitos, a “sociedade” é considerada quase que demoníaca, uma “vilã materializada” que “pode ser atacada à vontade, acusada aleatoriamente, ridicularizada e escarnecida com uma fúria virtuosa e fanática, [e] pode até ser derrubada por decreto ou pelo anseio utópico — e, de alguma forma, tudo continuará funcionando perfeitamente.” Green complementa dizendo que “se, por outro lado, a sociedade é vista como pessoas cujas relações sociais instáveis são preservadas apenas pela submissão às regras morais, então a área de livre escolha permitida, na qual se pode fazer demandas, questionar e solapar desejos com impunidade, está severamente restringida.”
Ademais, se entendermos que “a sociedade” não existe por si só, mas é uma criação feita a partir de indivíduos, então dizer que “a sociedade é a responsável pelos crimes, e os criminosos não são os responsáveis pelos crimes que cometem, é o mesmo que dizer que apenas os membros da sociedade que não cometeram crimes devem ser considerados os responsáveis pelos crimes. Este óbvio absurdo só pode ser contornado caso se considere a sociedade como o diabo encarnado, um mal exterior e isolado das pessoas e do que elas fazem”.[6]
A ciência econômica está repleta de falácias que surgiram quando metáforas sociais coletivas passaram a ser tratadas como se fossem objetos reais. Assim, durante a era do padrão-ouro, era comum o temor de que “a Inglaterra” ou “a França” corriam grande perigo porque “elas” estavam perdendo ouro. O que realmente aconteceu foi que ingleses e franceses estavam voluntariamente enviando ouro para o exterior e, com isso, ameaçando os banqueiros de seus países com a necessidade de cumprirem suas obrigações de restituir depósitos em um volume de ouro que eles não mais possuíam. Porém, o uso da metáfora coletiva transformou um grave problema do setor bancário em uma confusa crise nacional pela qual cada cidadão era, de alguma forma, o responsável.
Similarmente, durante os anos de 1930 e 1940, muitos economistas proclamaram que, diferentemente das dívidas contraídas no exterior, o tamanho da dívida pública nacional era irrelevante porque “nós devemos para nós mesmos”. A implicação era a de que o indivíduo, do ponto de vista nacional e coletivo, devia dinheiro “para ele mesmo”, bastando para saldar esta dívida mover o dinheiro que estava no bolso do lado direito da calça para o bolso do lado esquerdo. Esta explicação, no entanto, obscurecia o fato de que faz uma enorme diferença saber a qual dos dois pronomes coletivos você pertence: ao “nós” (o infeliz pagador de impostos) ou ao “nós mesmos” (aqueles que vivem da renda oriunda dos impostos).
Às vezes, o conceito coletivo é tratado descaradamente como um organismo biológico. Assim, o conceito popular de crescimento econômico implica que toda economia está, de alguma forma, como um organismo vivo, destinada a “crescer” de uma maneira predeterminada. O uso de tais termos análogos é uma tentativa de ignorar, e até mesmo de negar, a vontade e a consciência individual nos assuntos econômicos e sociais. Como escreveu Edith Penrose em uma crítica ao uso do conceito de “crescimento” no estudo de empresas:
Quando analogias biológicas explícitas surgem na ciência econômica, elas são extraídas exclusivamente daquele aspecto da biologia que lida com o comportamento imotivado dos organismos . . . não existe nenhuma razão para se acreditar que o padrão de crescimento de um organismo biológico é determinado pela vontade do próprio organismo. Por outro lado, temos todos os motivos do mundo para acreditar que o crescimento de uma empresa é determinado pela vontade daqueles que tomam as decisões da empresa . . . e a prova disso está no fato de que ninguém pode descrever o desenvolvimento de uma dada empresa qualquer . . . a não ser que seja em termos das decisões tomadas por indivíduos.[7]
Não há melhor maneira de resumir a natureza da praxeologia e o papel da teoria econômica em relação a eventos históricos concretos do que aquela presente na discussão de Alfred Schütz sobre a metodologia econômica e Ludwig von Mises:
Nenhuma ação econômica pode ser concebida sem alguma referência a um agente econômico, mas este último é absolutamente anônimo; ele não é você, nem eu, nem um empreendedor, nem mesmo um “homem econômico”, mas um puro e universal “indivíduo”. É por esta razão que as proposições da teoria econômica possuem aquela “validade universal” que confere a elas a idealidade do “e assim por diante” e “posso fazer novamente”.
No entanto, pode-se estudar o agente econômico como tal e tentar descobrir o que se passa em sua mente; logicamente, não se estaria fazendo teorizações econômicas, mas sim história econômica ou sociologia econômica. . . . Entretanto, os enunciados destas ciências não podem reivindicar nenhuma validade universal, pois elas lidam tanto com sentimentos econômicos de específicos indivíduos históricos quanto com tipos de atividades econômicas para as quais as ações econômicas em questão são manifestações.
. . .
De acordo com nossa visão, a ciência econômica pura é um exemplo perfeito de um complexo de significado objetivo sobre uma configuração de significado subjetivo — complexos, em outras palavras, de um significado objetivo — estipulando as típicas e invariáveis experiências subjetivas de qualquer pessoa que aja dentro de uma estrutura econômica. . . . Teria de ser excluído de tal cenário qualquer consideração acerca do uso a que os “bens” serão destinados depois de terem sido adquiridos. Porém, tão logo voltamos nossa atenção para o significado subjetivo de um indivíduo real, deixando o anônimo “qualquer um” de lado, então logicamente faz sentido falar de comportamento atípico. . . Não há dúvida de que este comportamento é irrelevante do ponto de vista da ciência econômica, e é neste sentido que os princípios econômicos são, nas palavras de Mises, “não uma declaração do que geralmente ocorre, mas uma declaração sobre o que necessariamente deve ocorrer”.[8]
[1] Max Weber, The Theory of Social and Economic Organization (Glencoe, Ill.: The Free Press, 1957), citado em Alfred Schütz, The Phenomenology of the Social World (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1967), p. 199. Para uma aplicação do individualismo metodológico à política externa, veja Parker T. Moon, Imperialism and World Politics (New York: Macmillan, 1930), p. 58. Para aplicações políticas mais gerais, veja Frank Chodorov, “Society Are People,” in The Rise and Fall of Society (New York: Devin- Adair, 1959), pp. 29?37.
[2] Mises, Ação Humana, p. 70
[3] Hayek, Counter-Revolution of Science, pp. 53?54.
[4] Ibid., p. 214.
[5] Schütz, Collected Papers, vol. 2, pp. 7, 8, 10.
[6] Arnold W. Green, “The Reified Villain,” Social Research 35 (Winter, 1968): 656, 664. Sobre o conceito de “sociedade”, veja também Mises, Theory and History, pp. 250ff.
[7] Edith Tilton Penrose, “Biological Analogies in the Theory of the Firm,” American Economic Review (December 1952): 808.
[8] Schütz, Phenomenology of the Social World, pp. 137, 245.
Tradução: Fernando Fiori Chiocca