Os meios de troca e a moeda são fenômenos de mercado. O que faz com que alguma coisa se torne um meio de troca ou moeda é o comportamento das partes nas transações de mercado. A rigor, as autoridades só deveriam envolver-se com problemas monetários quando fossem chamadas a se manifestar, como em qualquer situação em que tivesse havido uma troca de outros objetos; ou seja, quando fossem chamadas a decidir se o não cumprimento de obrigações contratuais justifica ou não o emprego de compulsão pelo aparato governamental, para fazer com que a parte inadimplente cumpra o que foi pactuado. Se ambas as partes cumprem as suas mútuas obrigações simultaneamente, via de regra não surgem conflitos que levem as partes a recorrerem ao judiciário. Mas se as obrigações de uma das partes, ou de ambas, são diferidas, pode ocorrer que os tribunais sejam chamados a decidir como deveriam ser interpretados os termos do contrato. Se a questão envolve o pagamento de uma soma em dinheiro, torna-se necessário definir o significado dos termos monetários usados no contrato.
Cabe, assim, às leis e aos tribunais do país definir o que as partes contratantes tinham em mente ao se referirem a uma soma em dinheiro e ao estabelecerem como deve ser cumprida essa obrigação de pagar. Devem, portanto, determinar o que é e o que não é moeda de curso legal. Ao se desincumbirem dessa tarefa, as leis e os tribunais não estão criando moeda. Um certo bem só pode vir a se tornar moeda se as pessoas que trocam mercadorias e serviços passarem a usá-lo frequentemente como meio de troca. Numa economia de mercado não obstruído, as leis e os juízes, ao atribuírem a qualidade de curso legal a alguma coisa, estarão simplesmente confirmando aquilo que, segundo as práticas comerciais vigentes, era o que as partes tinham em mente ao fazerem referência no seu contrato a um determinado tipo de moeda. Interpretam as praxes comerciais da mesma maneira que definem o significado de qualquer outro termo usado no contrato.
Já há muito tempo a cunhagem de moedas vem sendo considerada prerrogativa dos governantes do país. Entretanto, essa atividade governamental, originalmente, tinha por objetivo padronizar e certificar os pesos e as medidas. A efígie da autoridade gravada numa moeda metálica representava um certificado de garantia do seu peso e de sua pureza. Mais tarde, quando os governantes recorreram à substituição de parte do metal precioso por metais menos nobres e mais baratos, fizeram-no furtivamente e com plena consciência do fato de estarem engajados numa operação fraudulenta, em prejuízo dos governados. As pessoas, tão logo perceberam esse artifício, passaram a só aceitar as moedas adulteradas mediante um desconto em relação às antigas. Os governos reagiram, recorrendo à compulsão e à coerção.
Tornaram ilegal a discriminação entre moeda “boa” e “má”, tanto nas transações à vista como nas a prazo, e determinaram a paridade da moeda “má”. O resultado obtido, entretanto, não foi o que os governos pretendiam. Seus decretos não conseguiram impedir que os preços das mercadorias (em termos da moeda desvalorizada) se ajustassem ao efetivo estado da relação monetária.
A manifestação mais simples e mais antiga de intervencionismo monetário consiste na diminuição do teor de metal nobre nas moedas ou a diminuição de seu peso e tamanho, visando a favorecer a posição dos devedores. As autoridades atribuem às moedas adulteradas o mesmo poder liberatório das moedas verdadeiras. Todos os pagamentos a prazo podem ser efetuados com as moedas de menor valor e pelo seu valor nominal. Os devedores são favorecidos à custa dos credores. Mas, ao mesmo tempo, as futuras operações de crédito ficam mais onerosas para os tomadores. A taxa bruta de juros no mercado tende a subir, tendo em vista a possibilidade de que se repita esse favorecimento aos devedores. Se por um lado beneficia os que já são devedores, por outro dificulta a situação dos que desejam ou precisam contrair uma dívida.
A inflação e a deflação não devem ser consideradas apenas do ângulo dos seus efeitos sobre os pagamentos a prazo. Já foi demonstrado que as mudanças de origem monetária do poder aquisitivo não afetam os preços das várias mercadorias e serviços ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, e foi mostrado também o papel que essa desigualdade tem no mercado. Mas se a inflação e a deflação forem consideradas um meio de reordenar as relações entre credores e devedores, é preciso levar em conta que os objetivos buscados pelo governo ao usá-las como tal não serão atingidos, a não ser de forma muito imperfeita, e que, além disso, as consequências paralelas serão, do ponto de vista do próprio governo, muito indesejáveis. Como acontece sempre que o governo intervém na estrutura de preços, os resultados obtidos são não apenas o oposto do que se pretendia, mas também engendram uma situação que, na própria opinião dos governantes, é mais indesejável do que a que teria prevalecido sem a intervenção.
Se o objetivo do governo ao recorrer à inflação é favorecer os devedores à custa dos credores, só terá êxito em relação aos pagamentos diferidos que já tenham sido estabelecidos anteriormente. A inflação não torna os novos créditos mais baratos; ao contrário, torna-os mais caros, pelo surgimento de um prêmio compensatório positivo. Se a inflação for levada às suas últimas consequências, o crédito desaparece em decorrência da impossibilidade de se aceitarem pagamentos a prazo.
A expansão do crédito
Já assinalamos anteriormente que seria um erro considerar a expansão do crédito exclusivamente como uma forma de interferência do governo no mercado. Os meios fiduciários não surgiram na forma de uma política de governo, visando deliberadamente a aumentar os preços e os salários nominais e a diminuir as taxas de juros e as dívidas.
Surgiram como uma evolução do funcionamento da atividade bancária. Quando os banqueiros, cujos recibos emitidos em troca dos depósitos em conta-corrente eram utilizados pelo público como substitutos de moeda, começaram a emprestar uma parte dos fundos que lhes haviam sido confiados, estavam fazendo apenas o que lhes parecia a melhor gestão do seu próprio negócio.
Consideravam que não haveria inconveniente em não manter em seus cofres, como reservas líquidas, o montante total dos recibos emitidos. Tinham confiança em que nunca lhes faltaria o numerário necessário ao atendimento de suas obrigações, e que poderiam recomprar à vista as notas bancárias emitidas, mesmo que tivessem emprestado uma parte dos depósitos. As notas bancárias tornaram-se meios fiduciários pelo próprio funcionamento do mercado não obstruído. O pai da expansão de crédito foi o banqueiro e não a autoridade pública.
Hoje, entretanto, a expansão de crédito é exclusivamente uma prática governamental. A participação dos bancos e banqueiros privados na emissão de meios fiduciários é subalterna e limitada a aspectos técnicos. São os governos que comandam o funcionamento da atividade bancária; são eles que determinam as circunstâncias de todas as operações creditícias.
Enquanto os bancos, no mercado não obstruído, têm a sua capacidade de expandir o crédito estritamente limitada, os governos procuram expandir ao máximo o volume de créditos injetados na economia. A expansão do crédito é a principal ferramenta do governo na sua luta contra a economia de mercado. É a varinha de condão que trará a abundância de bens de capital, que diminuirá a taxa de juros ou a abolirá de uma vez por todas, que financiará o desperdício dos gastos públicos, que expropriará os capitalistas, que conseguirá promover o boom permanente e tornar prósperas todas as pessoas.
As inevitáveis consequências da teoria da expansão do crédito são mostradas pela teoria do ciclo econômico. Nem mesmo os economistas que ainda se recusam a reconhecer a correção da teoria monetária das flutuações cíclicas da atividade econômica se atrevem a pôr em dúvida as conclusões irrefutáveis dessa teoria em relação aos efeitos da expansão do crédito. Tais economistas também são obrigados a reconhecer que a alta é inteiramente condicionada pela expansão do crédito, que não pode subsistir sem que o crédito continue a se expandir e que se transforma em depressão tão logo cesse a expansão do crédito. Sua própria explicação do ciclo econômico se resume em afirmar que o que verdadeiramente produz a alta são outros fatores e não a expansão de crédito. Embora reconhecendo que não poderia haver uma alta generalizada sem que houvesse expansão do crédito, esta não seria, dizem eles, o resultado de uma política que visasse à redução da taxa de juros e o encorajamento dos investimentos adicionais para os quais faltam os necessários bens de capital. Seria algo que, sem uma interferência ativa das autoridades, surge, de uma maneira milagrosa, sempre que aqueles outros fatores entram em funcionamento.
É óbvio que esses economistas incorrem em manifesta contradição quando se opõem à ideia de eliminar as flutuações econômicas abstendo-se de expandir o crédito. Os que defendem uma ingênua visão inflacionista da história são pelo menos consistentes ao inferirem de sua doutrina — inteiramente falaciosa e contraditória, é claro — que a expansão do crédito é a panaceia econômica. Mas aqueles que reconhecem que sem a expansão creditícia não haveria o boom econômico — condição indispensável da depressão — contradizem sua própria doutrina ao se oporem às medidas que restringem a expansão do crédito.
Tanto os porta-vozes dos governos e dos poderosos grupos de pressão como os defensores da “heterodoxia” dogmática que dominam os departamentos de economia das universidades concordam com a ideia de que se deveria tentar evitar a ocorrência de depressões e com a de que, para isso, seria necessário não provocar períodos de boom. Apesar de não conseguirem apresentar argumentos plausíveis contra as propostas que recomendam a rejeição de políticas favoráveis à expansão do crédito, recusam-se teimosamente a escutar qualquer sugestão nesse sentido. Menosprezam apaixonadamente qualquer plano que impeça a expansão creditícia, baseados na suposição de que isso perpetuaria a depressão. Tal atitude demonstra claramente a correção da tese de que o ciclo econômico é fruto de políticas que intencionalmente visam a diminuir a taxa de juros e a engendrar crescimentos econômicos artificiais.
É um fato inegável o de que hoje em dia as medidas que favorecem a redução da taxa de juros são geralmente consideradas altamente desejáveis, e o de que a expansão do crédito é um meio eficaz para atingir esse objetivo. É esse preconceito que impele todos os governos a lutarem contra o padrão-ouro. Todos os partidos políticos e todos os grupos de pressão estão firmemente comprometidos com uma política de dinheiro fácil.[i]
O objetivo da expansão do crédito é favorecer os interesses de alguns grupos da população à custa de outros. Efetivamente, isso é o que de melhor se pode obter com o intervencionismo, quando não são todos os grupos que saem prejudicados. Mas, apesar de empobrecer a comunidade em geral, pode ainda enriquecer alguns estratos da população; que grupos serão privilegiados é algo que depende das circunstâncias específicas de cada caso.
A ideia que deu origem ao que costuma ser denominado de controle qualitativo do crédito consiste em canalizar o crédito adicional de tal maneira que só alguns grupos privilegiados tenham acesso aos seus supostos benefícios. Os novos créditos, argumenta-se, não deveriam ser utilizados na bolsa de valores e não deveriam provocar uma alta dos preços das ações. Deveriam, preferivelmente, beneficiar as “legítimas atividades produtoras” da indústria, da mineração, do comércio “genuíno” e, sobretudo, da agricultura. Outros defensores do controle qualitativo do crédito procuram impedir que os créditos adicionais sejam usados para investimentos em capital fixo e, portanto, imobilizados; em vez disso, preferem vê-los utilizados em ativos líquidos. Conforme seja o plano que resolvam adotar, as autoridades indicam concretamente aos bancos os tipos de empréstimos que devem ser concedidos ou recusados.
Ora, todos esses projetos são inúteis. Essa discriminação nos empréstimos não substitui a contenção da expansão do crédito, a única maneira de realmente impedir uma alta nas cotações da Bolsa e uma expansão nos investimentos em capital fixo. A maneira pela qual a quantidade adicional de crédito encontra o seu caminho no mercado financeiro é de importância secundária. O que importa é a existência de um fluxo de crédito recém-criado. Se os bancos concederem mais crédito aos agricultores, estes podem liquidar empréstimos recebidos de outras fontes e pagar suas compras à vista. Se concederem mais empréstimos como capital de giro para as empresas, liberam recursos que estariam até então sendo assim utilizados. De qualquer maneira, criam uma disponibilidade adicional de moeda para a qual seus proprietários procuram encontrar a aplicação mais rentável. Logo esses fundos estarão sendo investidos na Bolsa ou se materializarão em ativos fixos, como imóveis. A noção de que seja possível proceder a uma expansão do crédito sem provocar uma elevação dos preços das ações e sem expandir os ativos imobilizados é absurda.
Dois fatos condicionavam a típica evolução dos acontecimentos nos períodos de expansão do crédito até algumas décadas atrás: a) a expansão se processava sob um regime de padrão-ouro, e b) não existia uma ação coordenada entre os vários países e seus respectivos bancos centrais. O primeiro desses fatos significava que os governos não estavam dispostos a abandonar a conversibilidade de suas notas bancárias segundo uma paridade rigidamente fixada. O segundo fato resultava em não ser a expansão do crédito, nos diversos países, quantitativamente uniforme. Alguns países eram mais rápidos do que outros e seus bancos viam-se logo diante do risco de sofrer uma drenagem de suas reservas em ouro e em divisas.
Para poder preservar a sua própria solvência, esses bancos eram forçados a restringir drasticamente o crédito. Instauravam assim o pânico e tinha início a depressão no mercado interno. O pânico logo se alastrava para os outros países. Os homens de negócio desses outros países, assustados, pediam mais empréstimos para aumentar a sua liquidez e poder enfrentar qualquer contingência. A crescente demanda por novos créditos fazia com que as autoridades monetárias, já alarmadas pela crise no primeiro país, recorressem também à contração. Em alguns dias ou semanas, a depressão se tornava um fenômeno internacional.
A política de desvalorização alterou, numa certa medida, essa sequência de eventos. As autoridades monetárias, quando ameaçadas por uma drenagem externa, já não recorrem à restrição de crédito e à elevação da taxa de juros cobrada pelo Banco Central. Elas desvalorizam a moeda. Mas a desvalorização não resolve o problema. Se o governo não se importa com o nível que as taxas de câmbio possam atingir, poderá continuar, durante algum tempo, a sua política de expansão do crédito. Mas, um dia, a alta desastrosa aniquilará o sistema monetário. Por outro lado, se as autoridades querem evitar que as desvalorizações ocorram a intervalos de tempo cada vez menores, terão de evitar que a sua expansão creditícia supere a praticada pelos outros países com cujas moedas pretende manter uma taxa de câmbio estável.
Muitos economistas supõem que, toda vez que as autoridades recorrerem à expansão do crédito, períodos deboom e de depressão se sucederão, numa alternância quase regular.
Presumem eles que os efeitos futuros da expansão do crédito serão idênticos aos que vêm sendo observados desde o fim do século XVIII na Inglaterra e desde meados do século XIX na Europa ocidental e central e na América do Norte. Mas devemos questionar se as circunstâncias ainda seriam as mesmas. Os ensinamentos da teoria monetária do ciclo econômico já são hoje em dia tão conhecidos, até mesmo fora do círculo acadêmico, que o otimismo ingênuo — que, no passado, inspirou os empresários no período de boom — provavelmente foi substituído por certo ceticismo. Pode ser que os empresários, no futuro, reajam à expansão do crédito de uma forma diferente da que reagiram no passado. Pode ser que não queiram expandir suas atividades usando o dinheiro fácil disponível, por terem em mente as consequências do inevitável fim do período de boom. Alguns sinais pressagiam essa mudança. Mas ainda é cedo para se saber ao certo.
A quimera das políticas anticíclicas
Um elemento essencial das doutrinas “heterodoxas”, defendidas por socialistas e intervencionistas, consiste na afirmativa de que a recorrência das depressões é um fenômeno inerente ao próprio funcionamento da economia de mercado. Mas enquanto os socialistas sustentam que só a substituição do capitalismo pelo socialismo pode cortar o mal pela raiz, os intervencionistas atribuem ao governo o poder de corrigir o mau funcionamento da economia de mercado de maneira a instaurar o que eles denominam de “estabilidade econômica”. Esses intervencionistas teriam razão se o objetivo de seus planos fosse a renúncia total a políticas de expansão do crédito. Entretanto, essa ideia é rejeitada de antemão. O que propõem é expandir o crédito cada vez mais e impedir as depressões adotando “medidas anticíclicas”.
No contexto desses planos, o governo parece ser uma divindade situada fora da órbita dos assuntos humanos, uma divindade que independe das ações dos seus súditos e que tem o poder de interferir nas aspirações destes. Imaginam os intervencionistas que o governo dispõe de meios e de recursos próprios que não provêm dos governados e que podem ser usados, sem restrições, da maneira que os dirigentes entendam ser mais conveniente. Para fazer o melhor uso desse poder, basta seguir os conselhos dos especialistas.
O mais preconizado desses remédios consiste em contrariar a tendência do ciclo pela execução de um programa de obras públicas e de investimentos em empresas estatais. A ideia não é nova, como seus defensores gostariam de nos fazer crer. No passado, quando surgia a depressão, a opinião pública sempre pedia que o governo realizasse obras públicas a fim de criar empregos e evitar a queda nos preços. Mas o problema está em como financiar essas obras públicas. Se o governo tributar os cidadãos ou tomar-lhes um empréstimo, nada estará acrescentando ao que os keynesianos denominam de despesa agregada. Estará apenas restringindo o poder de os cidadãos consumirem ou investirem, na mesma medida em que aumenta o seu. Entretanto, se o governo recorrer aos sedutores métodos inflacionários, as coisas, em vez de melhorarem, pioram mais ainda. A deflagração da crise poderá ser retardada por algum tempo. Mas quando chega o inevitável desfecho, a crise é tanto maior quanto mais tempo o governo a tenha adiado.
Os teóricos do intervencionismo não chegam a perceber quais são os verdadeiros problemas a serem analisados. O fundamental para eles é “planejar os investimentos públicos com bastante antecedência e ter sempre uma estante cheia de projetos bem estudados, que possam ser iniciados logo que necessário”. Essa, dizem eles, “é a política certa, cuja adoção recomendamos a todos os países”. Entretanto, o problema não é elaborar projetos, mas dispor dos meios materiais para executá-los. Os intervencionistas acreditam que isso poderia ser facilmente obtido diminuindo-se os gastos do governo no período de boom e aumentando-os no momento da depressão.
Ora, restringir os gastos de governo pode ser, certamente, uma boa medida. Mas não provê os fundos de que um governo precisará mais tarde para expandir suas despesas. Um indivíduo pode assim proceder; pode acumular poupança quando sua renda é alta e gastá-la mais tarde quando sua renda diminuir. Mas a situação não é a mesma quando se trata de uma nação ou do conjunto de todas as nações. O Tesouro pode guardar uma parte considerável das abundantes receitas fiscais que são arrecadadas no período de boom. Enquanto mantiver esses fundos fora de circulação, sua política é realmente deflacionária e anticíclica, e pode enfraquecer o boom criado pela expansão do crédito. Mas esses fundos, quando novamente postos em circulação, alteram a relação monetária e geram uma tendência de queda do poder aquisitivo da unidade monetária. De forma alguma esses fundos podem prover os bens de capital necessários à execução das obras públicas já projetadas.
O erro fundamental desses intervencionistas consiste no fato de ignorarem a escassez de bens de capital. Para eles, a depressão é causada simplesmente por uma misteriosa debilidade da propensão das pessoas a consumir e a investir. Enquanto o verdadeiro problema consiste unicamente em produzir mais e gastar menos, a fim de aumentar a quantidade de bens de capital disponíveis, os intervencionistas querem aumentar ao mesmo tempo o consumo e o investimento. Querem que o governo realize projetos que são antieconômicos, precisamente porque os fatores de produção necessários à sua execução terão que ser retirados de outras linhas de utilização nas quais estariam atendendo a desejos cuja satisfação os consumidores consideram mais urgente. Não percebem que essas obras públicas agravam o verdadeiro problema, que é a escassez de bens de capital.
Caberia ainda imaginar outro modo de utilizar as reservas acumuladas pelo governo no período do boom. O Tesouro poderia investir o seu excedente na compra de grandes estoques de materiais de que irá precisar mais tarde, quando a depressão vier, e que serão necessários para executar as obras públicas planejadas, assim como estocar os bens de consumo de que irão necessitar as pessoas a serem empregadas nessas obras. Mas, se as autoridades agissem dessa maneira, intensificariam ainda mais o boom, acelerariam a erupção da crise e tornariam as consequências ainda mais sérias.[ii]
Toda essa conversa sobre medidas governamentais, anticíclicas, tem apenas um objetivo: desviar a atenção do público da verdadeira causa das flutuações cíclicas da atividade econômica. Todos os governos estão firmemente comprometidos com a política de dinheiro barato, expansão de crédito e inflação. Quando surgem as inevitáveis consequências dessas políticas de curto prazo, recorrem sempre ao mesmo remédio: adotam novas medidas inflacionárias.
[i] Se um banco não expandir o crédito emitindo meios fiduciários adicionais (sob a forma de depósitos em conta-corrente sem o equivalente lastro em dinheiro padrão), não poderá gerar um boom econômico, mesmo se cobrar uma taxa de juros menor do que a estabelecida no mercado não obstruído. Estará apenas fazendo uma doação aos seus tomadores de empréstimos. Aqueles que desejam impedir a ocorrência de booms e sua inevitável consequência, a depressão, não devem inferir da teoria do ciclo econômico que os bancos não deveriam diminuir a taxa de juros; o importante é que eles se abstenham de expandir o crédito. É claro que a expansão do crédito provoca necessariamente uma redução da taxa de juros no mercado.
[ii] Ao referirem-se às políticas anticíclicas, os intervencionistas invocam sempre os supostos êxitos dessas políticas na Suécia. É verdade que entre 1932 e 1939 o governo sueco efetivamente duplicou os seus gastos e investimentos. Mas isso foi um efeito e não a causa da prosperidade da Suécia na década de 30. Essa prosperidade deveu-se inteiramente ao rearmamento alemão. Esta política dos nazistas, por um lado, aumentou a demanda alemã por produtos suecos e, por outro lado, restringiu a capacidade de a Alemanha competir com os próprios produtos suecos no mercado mundial. Assim, as exportações suecas cresceram de 1932 a 1938 (em milhares de toneladas): minério de ferro, de 2.219 para 12.485; ferro gusa, de 31.047 para 92.980; ligas ferrosas, de 15.453 para 28.605; outros tipos de ferro e aço, de 134.237 para 256.146; máquinas, de 46.230 para 70.605. O número de desempregados, que era de 114.000 em 1932 e de 165.000 em 1933, caiu, com o impulso do rearmamento alemão, para 115.000 em 1934, para 62.000 em 1935, atingindo 16.000 em 1938. O autor desse “milagre” não foi Keynes e sim Hitler.