[Artigo publicado em fevereiro de 1991]
A saída de madame Thatcher do governo britânico se deu de maneira bastante condizente com todo o seu reinado: barulhento em termos de retórica (“a Dama de Ferro jamais renunciará”), mas ínfimo em termos de ações genuinamente concretas (a Dama de Ferro rapidamente saiu de cena).
Margaret Thatcher ascendeu estrondosamente ao posto de primeira-ministra da Grã-Bretanha em 1979 com a promessa de desestatizar a economia, implementar um livre mercado, acabar com os déficits e com a inflação monetária. Suas realizações, no entanto, são outra história, e possuem pontos positivos e negativos.
Do lado positivo, é fato que sua retórica realmente devolveu respeitabilidade às ideias pró-livre mercado na Grã-Bretanha após meio século de crescente estatismo, e é certamente gratificante ver os estimados indivíduos do Institute of Economic Affairs em Londres se tornarem o mais reputado instituto econômico britânico. Também deve ser creditado à era Thatcher o fato de o Partido Trabalhista ter se movido mais para a direita e ter majoritariamente abandonado suas ideias esquerdistas malucas, além do fato de a Grã-Bretanha ter decisivamente abandonado sua psicose pós-Depressão de que o desemprego jamais deve ficar acima de 1%.
Houve também um considerável volume de desestatizações e privatizações, inclusive a venda de moradias públicas para seus respectivos inquilinos, o que fez com que eleitores que tradicionalmente votavam no Partido Trabalhista se convertessem em ferrenhos proprietários eleitores do Partido Conservador. Outro sucesso da ministra foi o de ter quebrado o até então inquebrantável poder dos poderosos sindicatos britânicos.
Infelizmente, estes pontos positivos do histórico econômico de Thatcher são mais do que contrabalançados pelo desolador fato de que o estado britânico chega ao fim da era Thatcher sendo um fardo parasítico ainda maior sobre a economia britânica e a sociedade do que era quando ela assumiu o poder. Por exemplo, ela jamais ousou tocar na vaca-sagrada da medicina socializada, o National Health Service. Os déficits continuaram altos, e a inflação monetária e a inflação de preços estão atualmente em dois dígitos. Apesar de toda retórica thatcherista em prol do monetarismo, seu sucesso no combate à inflação foi moderado e efêmero, e acabou sendo totalmente revertido já no final de seu governo: a expansão monetária, a inflação, os déficits e todo o desemprego por eles gerados estão em níveis alarmantes. Madame Thatcher deixou o poder, após onze anos, em meio a uma infame recessão inflacionária: inflação de preços em 11% e desemprego em 9%. Em suma, o histórico macroeconômico de Thatcher foi abismal.
Como explicar resultados tão desastrosos para um regime supostamente pró-livre mercado? Não é difícil. Os thatcheristas são “burkeanos” e não “leninistas de direita”. Sendo assim, em vez de uma abordagem obstinada, radical e abolicionista para se chegar à liberdade econômica, eles preferiram se entregar às glórias do gradualismo e da moderação. Isso pôde ser comprovado logo nos primeiros anos do governo. Em vez de uma política monetária rígida, em vez da total interrupção da expansão monetária para acabar de vez com a inflação crescente, optou-se por uma contenção monetária bem mais gradual. E qual foi o resultado deste gradualismo na política monetária? O gradualismo gerou uma crônica recessão, o que era inevitável, mas não foi restritivo o suficiente para acabar com a inflação ou para revigorar a economia. Logo, teve-se o pior dos mundos: recessão, desemprego e inflação de preços. E tal cenário perdurou até aproximadamente 1985, quando estes indicadores melhoraram. Mas o bom momento, obviamente, gerou novos afrouxamentos na política monetária, de modo que, já em 1990, todos eles estavam novamente tão ruins quanto no início do governo.
Houve realmente uma redução nas alíquotas mais altas do imposto de renda, mas isto foi imediatamente mais do que compensado por um aumento ainda maior no VAT (imposto sobre o valor agregado, essencialmente um imposto sobre vendas). Desta maneira, os pequenos ganhos obtidos pelos grupos de mais alta renda foram mais do que contrabalançados por um aumento do fardo sobre os pobres e a classe média. Se os esquerdistas quisessem inventar um bicho-papão de direita, eles dificilmente fariam um trabalho mais exitoso e com resultados mais desastrosos para a causa da liberdade econômica.
Para coroar tudo, não nos esqueçamos de sua monumental e decisiva gafe: substituir os impostos municipais sobre propriedade por um imposto único e de igual valor por pessoa (o chamado “poll tax“). Na Inglaterra, o governo central possui autoridade sobre os governos municipais, muitos dos quais são administrados por trabalhistas esquerdistas fanáticos por gastanças. Este imposto único por pessoa, que substituiria os impostos municipais sobre propriedade, foi criado com a intenção de reprimir a gastança descontrolada dos governos locais.
Porém, em vez de reduzir drasticamente o volume de tributação imposta pelos municípios, algo sobre o qual Thatcher tinha total autoridade, ela simplesmente não impôs limite algum, e deixou que os gastos e demais impostos municipais ficassem a cargo das assembléias municipais. Logo, aconteceu exatamente aquilo que poderia ter sido previsto de antemão: estas assembléias, Trabalhistas e Conservadoras, agora sem as receitas do imposto sobre propriedade, elevaram seus outros impostos substancialmente, de modo que o cidadão britânico comum se viu obrigado a pagar aproximadamente um terço a mais em impostos. Enquanto os governos locais aumentavam seus gastos e seus impostos, o imposto único seguiu mordendo furiosamente a renda dos pobres e da classe média. Ato contínuo, e como era de se esperar, os governos locais simplesmente, e de maneira muito efetiva, jogaram a culpa pelos altos impostos sobre o governo Thatcher. Não é de se surpreender que tenham ocorrido violentos protestos nas ruas de Londres em março de 1990. O que é realmente intrigante é que as manifestações não tenham sido muito severas.
Ademais, em meio a todas estas manobras, os thatcheristas se esqueceram de um ponto essencial a respeito do imposto único por cabeça: para ele ser implantado, todos os outros impostos têm de ser drasticamente reduzidos, de modo que até o mais pobre dos mais pobres possa pagá-los. Suponha, por exemplo, que nossos atuais impostos federais fossem repentinamente unificados sob a forma de um imposto único por cabeça, mas de modo a manter a mesma receita de antes. Isso significaria que o cidadão médio, e particularmente o cidadão de baixa renda, repentinamente teria de pagar uma quantia enormemente maior de impostos por ano — aproximadamente $5.000. Logo, o grande charme da tributação única por cabeça é que ela necessariamente forçaria o governo a reduzir drasticamente seus níveis de tributação e de gastos. Assim, se o governo instituísse, por exemplo, um imposto universal e igual de $10 por ano, confinando suas receitas totais à magnífica soma de $2 bilhões anuais, todos nós viveríamos perfeitamente bem com este novo imposto.
Agora, implantar o imposto único por cabeça no lugar do antigo imposto sobre propriedade, e permitir que ele seja elevado, é uma insanidade política e econômica, e Madame Thatcher recebeu a punição adequada por este erro egrégio.
Por que então o governo Thatcher, ao implantar seu imposto único, não decretou que os governos municipais reduzissem drasticamente suas alíquotas de impostos para cada cidadão? Se fizesse isso, as massas certamente teriam recebido com prazer o imposto único em vez de tê-lo combatido vigorosamente. A resposta thatcherista é que, se fizesse isso, o governo central teria então de se responsabilizar pelo financiamento de determinadas atividades fornecidas pelos governos locais, como educação, o que, por sua vez, faria com que o governo central tivesse de elevar seus impostos — ou incorresse em maiores déficits.
Mas esta resposta simplesmente empurra a análise um passo adiante: por que então o governo Thatcher não estava preparado para cortar seus próprios gastos, já substancialmente inchados? Claramente, a resposta é que os thatcheristas jamais acreditaram genuinamente em sua própria retórica. Ou isso, ou eles não tiveram a coragem de levantar a questão. Por esta e por várias outras razões, os gastos e as receitas do governo britânico chegaram ao fim do governo Thatcher sendo mais fartos do que nunca.
Infelizmente, o thatcherismo é muito similar ao reaganismo: retórica livre-mercadista mascarando um conteúdo estatizante. Exceto pelas privatizações, o fardo estatal aumentou sob Thatcher. Os gastos absolutos e a porcentagem das receitas tributárias em relação ao PIB aumentaram durante seu regime, e a inflação monetária nunca foi contida. Compreensivelmente, o descontentamento básico com o governo aumentou, e o aumento dos impostos locais permitidos pelo “poll tax” foi apenas a gota d’água.
Parece-me claro que um critério mínimo para que um regime receba a alcunha de “pró-livre mercado” seja o fato de ele cortar seus gastos totais, cortar impostos em geral e, consequentemente, reduzir suas receitas. Além disso, é imprescindível que ele interrompa decisivamente sua própria criação inflacionária de dinheiro. Mesmo por este certamente muito modesto padrão de medida, a administração Thatcher passou longe de ser digna de tal alcunha. Por isso, Madame Thatcher mereceu seu destino final.
No entanto, há uma área da macroeconomia da qual certamente temos de lamentar a saída de Thatcher: ela era a única voz contra a criação de um Banco Central Europeu emitindo uma nova e única moeda europeia. [Veja sua reação à jocosa proposta de ela ser a presidente do BCE]. Infelizmente, e especialmente desde a demissão de seu conselheiro econômico, o monetarista Sir Alan Walters, Madame Thatcher não conseguiu apresentar um argumento convincente contra esta vindoura nova ordem mundial, limitando-se apenas a fazer sua oposição utilizando termos esquisitos, raivosos e fanfarrões, como ‘a glória nacional britânica contra a subordinação à “Europa”‘. Ela, portanto, passou a ser vista apenas como uma tacanha obstrucionista antieuropeia contrária a uma aparentemente iluminada e beneficente “Europa unida”.
O problema presente em praticamente todas as análises da Comunidade Europeia é a típica fusão que fazem entre estado e sociedade. Socialmente e economicamente, à medida que, em teoria, a nova Europa será uma vasta área de livre comércio e livre investimento de capitais, esta nova ordem será benéfica: irá expandir a divisão do trabalho, a produtividade, e o padrão de vida de todas as nações participantes. Mas, infelizmente, a essência da nova Europa não será sua área de livre comércio, mas sim uma monstruosa nova burocracia estatal, sediada em Estrasburgo e Bruxelas, a qual irá controlar, regular e “igualar” as alíquotas de impostos em todos os países, coercivamente impondo a elevação dos impostos naqueles países que possuem uma carga tributária mais baixa.
E o pior aspecto desta Europa unificada é exatamente aquela área na qual Madame Thatcher centrou sua artilharia: a moeda e o sistema bancário. Embora os monetaristas estejam completamente errados em preferir uma Europa (ou um mundo) guiada por diferentes tipos de dinheiro de papel fragmentados em nível nacional em vez de um padrão-ouro internacional, eles estão corretos em alertar sobre os perigos deste novo esquema. Pois o problema é que a nova moeda, obviamente, não será o ouro — que é uma moeda produzida no mercado e pelo mercado —, mas sim uma única moeda de papel, fiduciária e de curso forçado. De modo que o resultado deste esquema neokeynesiano será um dinheiro fiduciário inerentemente inflacionista, cuja emissão será controlada monopolisticamente pelo Banco Central Europeu — isto é, por um novo governo regional.
Este arranjo, por sua vez, irá facilitar ainda mais para que os Bancos Centrais dos EUA, da Grã-Bretanha e do Japão colaborem e atuem coordenadamente com o novo Banco Central Europeu, e assim conduzam o mundo rapidamente para aquele velho sonho de Keynes: um Banco Central Mundial emitindo uma única moeda de papel, de aceitação obrigatória para todos os países. E assim estaremos definitivamente sem ter para onde fugir, com o dinheiro e a macroeconomia mundial estando totalmente à mercê de uma inflação em escala mundial, controlada centralmente por iluminados e autoproclamados mestres keynesianos.
É de se lamentar que Margaret Thatcher não tenha sabido articular sua oposição à nova ordem monetária europeia em tais termos. É de se lamentar também que sua retórica pró-livre mercado não tenha sido efetivamente colocada em prática. No final, a história julgará corretamente seu governo e seus feitos.
O que eu escrevi em um artigo sobre o Reagan de fato, serve igualmente a madam Thatcher. O mestre Rothbard não deixa pedra sobre pedra sobre destes ícones, supostos defensores do livre mercado. É uma dessacralização que no Brasil é necessária fazer com o impostor Roberto Campos. Ele teve seus méritos – poucos, mas virou um ícone para a esquerda estatista bater. É uma tática complexa mas que funciona bem: implantar o socialismo tendo como alvo de negociação um liberal. Sempre se ganha desta maneira, pois se os liberais são a velha esquerda, não existe maneiras objetivas de avançar. O austro-libertarianismo acabou com essa bbilônia de que liberais são amigos da liberdade.
É mesmo que a esquerda globalista faz nos dias de hoje com Trump e Bolsonaro que, nem remotamente fizeram algo de serventia para a liberdade como proposto aqui por Rothbard. Mas a estética que prevalece é de governos desalmados pró-mercado…. piada.
Em tempo. Mais de 30 anos depois Murray fucking Rothbard cert como um relógio suiço:
“Mas, infelizmente, a essência da nova Europa não será sua área de livre comércio, mas sim uma monstruosa nova burocracia estatal, sediada em Estrasburgo e Bruxelas, a qual irá controlar, regular e “igualar” as alíquotas de impostos em todos os países, coercivamente impondo a elevação dos impostos naqueles países que possuem uma carga tributária mais baixa.”