Na sexta-feira, dia 19 de agosto de 2011, a onça troy testou o teto simbólico de US$ 2.000, chegando a bater quase US$ 1.880 e fechando acima de US$ 1.850. Em junho de 2009, quando o autor que vos escreve fez sua primeira aquisição do metal, o preço rondava os US$ 900. Naquela época, os especialistas do mundo de investimento não viam razão para o ouro subir. Mas ele seguiu subindo e contrariando as previsões. Ao alcançar US$ 1.200, consultores de investimento seguiam dizendo que não era um ativo interessante. Tampouco havia justificativa para ultrapassar os US$ 1.500, diziam tais especialistas. Para George Soros, estamos numa bolha. Qualquer investidor deve estar se perguntando: será que o preço do ouro seguirá subindo?
Com certeza Bancos Centrais vêm exercendo uma força na ponta da demanda. Após serem vendedores líquidos por décadas, Bancos Centrais ao redor do mundo passaram a ser compradores líquidos nos últimos 2 anos. Porém, somente os BCs de países emergentes. No primeiro semestre deste ano, o Banco do México aumentou suas reservas em ouro de pouco mais de 6 ton. para quase 100 ton. O Bank of Korea passou a comprar o metal após mais de uma década inoperante. A China comprou 454 toneladas em abril 2009, enquanto a Índia adquiriu 200 ton. do FMI em outubro do mesmo ano. A Rússia vem consistentemente comprando sua produção local e aumentando suas reservas com o metal. As autoridades monetárias do Ocidente ainda não se deram conta do problema. Ou talvez estejam mais alertas. Detentores das maiores reservas de ouro, países Europeus, os principais vendedores líquidos das últimas décadas, estão apenas observando. Pelo menos não vendem mais.
Não podemos desconsiderar a demanda pelo ouro como investimento. Definitivamente o metal tem sido visto como uma alternativa aos mercados de ações, títulos de renda fixa e moedas. Investidores preocupados com o cenário mundial estão enxergando o metal como uma forma de proteção. A procura pelo ouro tem crescido no mundo todo. Seja através da diversificação das reservas internacionais dos Bancos Centrais de países emergentes, ou investidores afoitos com a possibilidade de nova recessão mundial e contínua desvalorização das moedas nacionais.
A pergunta que inquieta: qual o teto do ouro?
A melhor forma de responder esta pergunta é com outra pergunta: qual o piso para o preço do dólar? Essa questão somente Bernanke pode responder. E toda a sua bagagem teórica e teimosia o impelem a continuar aumentando a oferta de dólares ad libitum. Não existe outra política possível dentro do seu aparato teórico. Para ele, a deflação de preços deve ser evitada a qualquer custo. A inflação de ativos é benéfica. Inflação de preços é saudável para o crescimento econômico. Bancos não podem falir. O sistema deve permanecer. A única salvação é mesmo injetar dinheiro no sistema. Salvação para o sistema, não para a economia.
Autoproclamado expert sobre a Grande Depressão, Bernanke concorda com Friedman[1] que o grande problema de 1929 foi o fato de o Fed ter deixado alguns bancos irem à bancarrota. Não os socorreu. Não injetou a liquidez necessária. Não inflacionou o suficiente. Bernanke já afirmou em diversas ocasiões que está comprometido a não cometer os mesmos erros do Fed no passado. E o erro, na sua visão, foi deixar que houvesse alguma contração monetária (deflação). Logo, só ha uma política: inflação. Toda a retórica de ferramental disponível se resume a uma só política: inflação. Independente do eufemismo empregado, a “ferramenta” usada serve somente para um objetivo: inflacionar a moeda.
A força deflacionária é enorme. Nos EUA e na Europa, a desalavancagem que o sistema implora para que aconteça foi impedida pelos BCs desde 2008. Estamos possivelmente testemunhando o mesmo eminente colapso bancário daquele ano — mas, desta vez, devido à crise de dívida soberana da União Européia, a qual afetará os bancos europeus e terá repercussões no resto do mundo financeiro.
Bernanke não deixará a oferta monetária contrair. Jamais. Ele está trancafiado na prisão de sua teoria econômica. E Keynes e Friedman jogaram a chave fora. Bernanke não consegue sair. Não existe estratégia de saída[2].
Portanto, “para onde vai o dólar?” é a pergunta a ser feita. Pois na onda dólar, irá o restante das moedas ao redor do globo. Pelo menos enquanto o mundo não se der conta de que está sendo levado para o buraco. As principais autoridades monetárias do planeta continuam indicando ao mercado que não deixarão o dólar desvalorizar sozinho. Ninguém quer ver sua moeda valorizada. Passou a ser uma maldição dispor de uma moeda forte.
E este é o ponto que analistas de investimentos, economistas, e especialistas da área ainda não entenderam. Não há teto para o ouro, pois a impressora do Fed não tem limites.
Pode haver alguma correção no preço do ouro? Sim. É claro que pode. Entretanto, considerando toda a incerteza com relação à economia americana e européia, a fuga da volatilidade do mercado de ações, e a provável contínua impressão de dinheiro mundo afora, resulta extremamente complicado apostar numa queda considerável do metal. É quase como perguntar: será que um Big Mac nunca mais custará US$ 2,50, como há 10 anos (atualmente está em US$ 4 nos EUA)?
A não ser que aconteça uma contração monetária significativa, ou um surto de produtividade, os preços ao consumidor permanecerão elevados. Não são os bens e ativos que se tornaram altamente escassos. É a abundância do dólar no mercado que os tornou caros. A mesma comparação serve para o ouro. Enquanto sua oferta avança ao redor de 2% ao ano, a base monetária americana vem crescendo a uma taxa 35% a.a. desde julho de 2007 (o M1 no mesmo período cresceu 10% a.a.). O Fed está jorrando dólares no mercado.
A política futura do Fed
Quando perguntado se poderia haver uma terceira rodada de impressão de dinheiro (quantitative easing), Bernanke não balbuciou: “Oh claro, é certamente possível. E, de novo, dependerá da eficácia do programa. Dependerá da inflação. E, finalmente, dependerá de como a economia esteja”[3]. Pergunto: QE2 foi eficaz? Se o objetivo era baixar os rendimentos dos títulos americanos de longo prazo, podemos dizer que sim. Ainda que durante o programa os juros tenham subido. O índice de preços ao consumidor americano (CPI) está em 3,6% nos últimos 12 meses. E a economia, como anda? De fato, a economia não está respondendo como se esperava. A recessão é eminente e o desemprego oficial insiste em manter-se acima de 9%. Serão estes dados suficientes para lançar uma nova rodada de QE?
Difícil adivinhar o que se passa na cabeça de Bernanke. O certo é que a dissidência interna no Fed está crescendo. Na última reunião do FOMC (o COPOM americano), três membros votaram contra sinalizar ao mercado que os juros seriam mantidos em 0-0,25% até meados de 2013. Provavelmente, não haverá consenso no caso de um novo programa de impressão de dinheiro.
Ademais, Bernanke já garantiu que o balanço do Fed não será revertido. A política adotada é seguir comprando títulos lastreados em hipotecas de valor altamente duvidoso e Treasuries.
O cenário é realmente desalentador:
– mais de US$ 1,6 trilhão de reservas em excesso que os bancos ainda não circularam na economia;
– balanço do Fed não será revertido;
– juros em 0-0,25% até meados de 2013;
– economia em recessão e desemprego alto;
– alta possibilidade de novas rodadas de QE;
– déficit fiscal americano em mais de US$ 10 trilhões nos próximos 10 anos;
– possível colapso bancário europeu que forçará o Fed a oferecer mais liquidez ao mercado interbancário;
– Bernanke, crente e convicto de que deflação é um mal, e que alguma inflação é saudável, e determinado a não seguir os passos do Fed dos anos 30.
Caso uma crise no sistema bancário europeu venha a se materializar de fato, ameaçando a insolvência de inúmeras instituições, temo que os banqueiros centrais entrem novamente em modo “desespero”. Neste quadro, qualquer medida será justificada, contanto que se salve o sistema de um novo colapso. Afinal de contas, um prestamista de última instância deve, em última instância, emprestar.
Reverter o curso do dólar requer enfrentar as consequências traumáticas de uma forte recessão no curto prazo, inúmeras falências e possivelmente um aumento no desemprego. Um prognóstico nada agradável. Cedo ou tarde, a economia americana passará por uma forte reestruturação. Os anos de intensa pujança causaram um excesso de investimentos insustentáveis. O dano já foi causado. A solução é amarga. Politicamente inaceitável. Economicamente inevitável. Esta é a luta ingrata do Fed e do governo americano contra o mercado. Receio que Bernanke não jogará a toalha tão fácil. Ainda há economistas renomados que acreditam que o Fed não fez o suficiente.
A única ferramenta no arsenal de Bernanke é imprimir dinheiro. Não há indicativo de que ele cessará em breve.
A polêmica sobre o alto preço do lingote
O alto preço do ouro se deve então à depreciação do dólar? Por que o lingote está tão caro? Esta mesma questão inquietava economistas e políticos ingleses cerca de 200 anos atrás.
Na Inglaterra do século XIX, este interessante debate tomava conta do cenário político. Era a “Polêmica do Lingote” (The Bullion Controversy). O que era impensável naquela época tornou-se quase regra: o Bank of England estava eximido de restituir suas notas em espécie (ouro). A consequência foi uma inflação de preços, causada por emissão maciça de cédulas do mesmo banco sem nenhum lastro.
Os bullionistas apontavam que a causa da inflação de preços, do aumento do preço do lingote acima do par(valor oficial de resgate), e da depreciação da libra esterlina era a expansão de moeda fiduciária[4]. Além disso, defendiam que o principal responsável pela inflação de preços era o próprio Bank of England, isento de sua obrigação de restituir em espécie.
Do lado oposto do debate estavam os anti-bullionistas, apologéticos do governo que levantavam qualquer hipótese exceto o papel do Bank of England. Problemas no balanço de pagamentos, um aumento na demanda “real” pelo ouro e/ou interrupções da oferta de produtos devido ao esforço de guerra.
A polêmica culminou na primeira publicação de David Ricardo, em 1810, cujo título já concluía as causas do problema: “O Alto Preço do Lingote — Uma Prova da Depreciação das Cédulas Bancárias” (The High Price ofBullion — A Proof of the Depreciation of Banknotes). Em junho daquele mesmo ano, era enviado ao parlamento britânico o famoso “Relatório Lingote” (Bullion Report), o qual concluía, não baseado em teoria, mas empiricamente, que o alto preço do lingote se devia à suspensão da restituição em espécie e à expansão monetária irrestrita por parte do Bank of England. Alguns anos depois, a prática de emissão de moeda fiduciária sem lastro foi cessada. A sanidade monetária foi restaurada e com ela a restituição em ouro.
Desde 1971, o Federal Reserve está totalmente eximido de restituir em espécie. Sua capacidade de emissão de moeda não tem limites. Mesmo assim, ainda há economistas perplexos com a escalada do preço do ouro. Eles não enxergam a relação causal.
A pergunta final: ainda vale a pena comprar ouro?
Perguntar hoje se ainda vale a pena comprar ouro é como se perguntassem no início do século XIX se ainda valia a pena resgatar em espécie. Um indivíduo daquela época ficaria atônito com uma pergunta assim. Ora, é lógico que valia a pena. Aliás, valia tanto a pena que o governo britânico inclusive proibiu o resgate em ouro. O indivíduo de então sabia que a cédula bancária era um mero substituto de dinheiro. Dinheiro mesmo era o ouro lá depositado.
Hoje em dia não podemos mais resgatar em espécie no banco. Mas podemos “resgatar” no mercado. Portanto, independente de para onde vai o preço do ouro, se me perguntarem se vale a pena resgatar em espécie, direi com absoluta certeza que sim. Sempre.
Nota: o autor não tem qualquer vinculação com corretoras, ou empresa similar que opere na compra e venda de metais preciosos. Este artigo não é uma recomendação de investimento e qualquer indivíduo que assim o faça, deve embasar sua decisão em informações e estudos próprios.
[1] Ver este excelente artigo de Rothbard sobre Friedman e a Escola de Chicago.
[2] Ver artigo de Bob Murphy http://mises.org/daily/5110/Three-Flawed-Fed-Exit-Options
[3] Ver artigo de Philipp Bagus http://mises.org/daily/4913/Will-There-Be-QE3-QE4-QE5
[4] Ver Rothbard Classical Economics: An Austrian Perspective on the History of Economic Thought, Volume II. p. 160.