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Notas sobre o II Seminário de Escola Austríaca do IMB

2MB_1100E que sucesso de público e crítica foi o II Seminário de Economia Austríaca realizado pelo Instituto Mises Brasil durante os dias 9 e 10 de abril, em Porto Alegre.

Se o I Seminário, realizado ano passado, trazia consigo o frescor e a ousadia da inovação, o deste ano serviu para consolidar em definitivo as raízes do movimento libertário no Brasil.  Se tivéssemos de apontar o que há de mais auspicioso nesse movimento, sem dúvida apontaríamos para o fato de a esmagadora maioria de seus entusiastas serem jovens entre 16 e 30 anos.  Em um país que acha comum ver suas crianças sendo inoculadas pelo vírus do marxismo ainda no ensino fundamental, e que acha perfeitamente normal que estas, ao crescerem, tornem-se adolescentes e jovens universitários mimados e acostumados a exigir benesses estatais como se estas fossem um direito natural — direito esse financiado pelos desdentados e famélicos do país —, é alentador ver uma nova leva de jovens abraçando com vigor a ideia da liberdade, bem como toda a responsabilidade individual e autonomia que isto implica.  Se isso tivesse ocorrido com a juventude das décadas de 1970 e 1980, o Brasil seria hoje um país mais avançado e rico.

Embora seja um clichê inevitável e já bastante gasto, sempre vale a pena repeti-lo: é justamente a juventude quem irá decidir os rumos futuros do país no qual viverão nossos filhos e netos.  Daí toda a importância da força desse incipiente e crescente movimento libertário.

1º dia

E não haveria melhor maneira de coroar a consolidação desse movimento do que anunciando o relançamento da magistral obra-prima de Ludwig von Mises, Ação Humana.  O presidente do IMB, Helio Beltrão, que comandou a abertura do Seminário, deu as boas novas: a versão em português de Ação Humana foi relançada, com nova diagramação e bem mais bonita.  Quase todos os 100 exemplares colocados à venda no local do Seminário se esgotaram ainda no primeiro dia.  Houve gente que comprou até seis livros, pois queria “distribuir para os amigos próximos, para ver se eles finalmente entendem como realmente funciona a economia e por que esta tem de ser livre”.  Em breve, o livro estará disponível na loja virtual do IMB (estamos apenas resolvendo pendências com a atual editora).

Após o anúncio do presidente, deu-se sequência ao início do Seminário.  O primeiro palestrante foi o professorUbiratan Jorge Iorio.  Iorio, em 45 minutos, traçou quatro séculos da história do pensamento econômico da Escola Austríaca, a qual, antes de ser oficialmente criada por Carl Menger em 1871, remonta a São Tomás de Aquino e, depois, aos escolásticos espanhóis da Escola de Salamanca, prosseguindo com David Hume, Adam Smith e David Ricardo, finalmente culminando em todos os escritos de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.  Desgraçadamente, o pensamento econômico da Escola Austríaca viria a ser descartado nas primeiras décadas do século XX, com o avanço das ideias positivistas.  O quanto isso custou em termos de liberdade e progresso para a economia mundial é incalculável.

O segundo palestrante do dia foi o professor Peter Klein.  Klein, um palestrante fenomenal, de dicção clara, segura e sequenciada, falou sobre a função do empreendedor na economia.  Curiosamente, esse agente crucial para o desenvolvimento econômico sequer é citado nos livros de microeconomia, que pressupõem tacitamente a existência dele, sem se preocupar em estudar suas motivações e muito menos os empecilhos à sua atividade.  Não fosse o empreendedor, simplesmente não haveria progresso econômico.  Sem o empreendedor, não há a produção e a consequente oferta de bens e serviços.  Logo, sem o empreendedor, simplesmente não há como haver bem-estar econômico e material.  O simples descarte da figura do empreendedor já bastaria para condenar ao ostracismo todos os atuais livros-texto de microeconomia.  Klein é, atualmente, o principal economista austríaco a estudar profundamente o papel do empreendedor na economia.  O recém-lançado livrode Klein sobre o assunto também estava à venda no Seminário.  Obviamente, não durou muito nas prateleiras.

O terceiro palestrante foi o argentino Gabriel Zanotti, seguidor da linha kirzneriana (Israel Kirzner).  O tema foi mais árido: apesar de abordar a epistemologia econômica, Zanotti fez um panorama da fenomenologia, abordando pensadores como Edmund Husserl, Max Scheler, Jean-Paul Sartre e Immanuel Kant.  Para os mais iniciados em filosofia, a palestra foi um prato cheio, e, devido à fartura de informações despejadas em apenas 45 minutos, merece ser vista e revista várias vezes, com interesse (aguardem a publicação dos vídeos).  Não é um tema comum, muito menos corriqueiro, daí a dificuldade inicial que muitos na plateia manifestaram.  Porém, para os mais interessados em abordagens epistemológicas — ferramenta essencial para o raciocínio econômico —, trata-se de uma palestra indispensável.

O quarto palestrante foi o inigualável Hans-Hermann Hoppe.  Como esperado, a palestra foi brilhante.  Exímio — e inigualável — na arte de construir argumentações de modo cartesiano, Hoppe explicou minuciosamente — partindo de um exemplo básico de Robinson Crusoé em sua ilha e chegando até o atual arranjo da sociedade moderna — por que uma sociedade de leis estatais é boa apenas para os indivíduos que estão incrustados na máquina burocrática, sendo consequentemente um péssimo arranjo para os indivíduos que fazem parte do setor produtivo da sociedade.  Hoppe tem o dom especial de saber como irritar seus detratores: por mais que estes não concordem com ele, simplesmente não há como apontar incorreções lógicas em seu raciocínio.  Criador da chamada “ética da argumentação”, não há como um indivíduo dizer que não concorda com a teoria desenvolvida por Hoppe sem que ele caia em autocontradição — o que é tecnicamente classificado como “contradição performática”.  Quando não se consegue debater logicamente com alguém, resta apenas o artifício da calúnia e da difamação.  Daí as vituperações das quais frequentemente ele é alvo.

2MB_1059.jpgHoppe discorreu com desenvoltura e segurança sobre temas como monopólio estatal judicial, agências de segurança privadas e o papel das seguradoras em um arranjo social sem estado, o qual ele chama de “ordem natural” ou “sociedade de leis privadas”.  Na sessão de perguntas e respostas, Hoppe pontificou sobre questões da atualidade, como o porte de armas, e comentou o recente massacre em Realengo, no Rio de Janeiro.  Uma sociedade só é genuinamente livre quando seus cidadãos podem se armar.  Cidadãos desarmados são alvos fáceis tanto de bandidos quanto de seus governos, os quais podem mais facilmente implantar medidas totalitárias, sem nenhuma contra-reação da população.  Uma verdadeira aula de civilização.

O último palestrante do dia foi o sensacional Jörg Guido Hülsmann.  Além de ser o autor da magistral e completabiografia de Ludwig von Mises, impecavelmente escrita, e de ser considerado o principal teórico monetário da atualidade, Hülsmann comprovou que domina vários campos das ciências sociais.  Sua palestra foi um compêndio sobre o progresso (e retrocesso) da liberdade ao longo da história humana, bem como o papel da religião nesses eventos.  Hülsmann pontificou sobre a Idade Média e o Iluminismo, e sobre como este último na verdade representou um ataque às liberdades individuais e religiosas dos indivíduos, criando as bases para o posterior agigantamento do estado.  Já a Idade Média, ao contrário do que prega o senso comum, longe de ser a Idade das Trevas, representou um período de amplo florescimento das liberdades individuais.  Paralelamente, a exposição de Hülsmann traçou um painel do pensamento econômico ao longo de séculos, que atingiu o ápice da correção teórica com os liberais clássicos do século XVIII e XIX, mas que desgraçadamente culminou noneoliberalismo da atualidade, o qual é apenas uma fachada para a adoção das políticas socialistas de sempre, mas agora sob um novo rótulo.  Os neoliberais são meros estatistas em nova roupagem, e devem ser atacados e desmascarados como o que realmente são: inimigos das liberdades econômicas e individuais.

Findado o primeiro dia de palestras, os estrangeiros foram apresentados à típica culinária gaúcha, fartando-se em um infindável rodízio de carnes.  “Se eu comer mais uma fatia de carne, vou explodir”, confessou Klein, pedindo arrego.  “Vou pegar mais um pouco de salada para contrabalançar essa sobrecarga protéica”, disse um indômito Robert Murphy.  “Muito bom!”, vaticinou Hoppe.  “Isso é um paraíso!  Mais carne, por favor”, implorou um insaciável Hülsmann.

2º e último dia

No dia seguinte, o Seminário foi reiniciado com uma palestra de Leonidas Zelmanovitz, sobre políticas de meta de inflação, as quais, embora propagandeadas como modernas e eficazes, não são nem uma coisa nem outra.  Mestre e doutorando em Economia Austríaca pela Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, Zelmanovitz expôs os principais problemas e as principais falácias por detrás das políticas de metas de inflação, as quais são adotadas em todo o mundo, porém com ainda mais pompa no Brasil, onde aparentemente apenas a imprensa ainda acredita nelas.  Foi uma palestra cheia de dados históricos relevantes sobre políticas monetárias, e que deve ser revista com atenção.

2MB_0734.jpgNa palestra seguinte, novamente o impecável Peter Klein, desta vez falando sobre a internet e como esta vem revolucionando a economia mundial.  A internet simplesmente revoga a distância entre pessoas, tornando todas as transações econômicas mais transparentes, além de instantâneas.  Ao passo que há poucas décadas era praticamente impossível um cidadão comum transacionar com outra pessoa do seu próprio estado sem que isso exigisse uma enorme operação logística, hoje qualquer um pode comprar um produto de um vendedor de Hong Kong, por exemplo, bastando para isso poucos cliques no mouse.  As implicações econômicas dessa recente facilidade não podem ser enfatizadas o bastante.  Porém, sempre sóbrio, Klein discorreu também sobre alguns mitos que cercam esse mesmo fenômeno econômico criado pela internet, o qual está longe de ser uma panacéia.

O painel seguinte trouxe um debate entre Dalton Gardimam e Antony Mueller.  Gardimam é economista-chefe do Bradesco BBI (Bradesco Corretora) e responsável e chefe da área de Pesquisa de Renda Fixa.  Mueller é professor de economia da Universidade Federal de Sergipe, acadêmico adjunto do Ludwig von Mises Institute.  O debate entre ambos teve como tema o cenário futuro da economia mundial: haverá inflação ou deflação de preços?  Mueller, baseando-se na teoria quantitativa da moeda, argumentou em prol do cenário inflacionário: todo o dinheiro que vem sendo criado pelos bancos centrais mundiais inevitavelmente chegarão à economia real e pressionarão os preços para cima.  Já Gardiman aposta em um cenário não necessariamente de deflação contínua, mas sim de calmaria e poucas flutuações nos preços.  Seu argumento é que, a despeito das pretensões hiperinflacionistas dos bancos centrais, os mercados neutralizarão o crescimento da base monetária, desalavancando essa estrutura de crédito ao mesmo ritmo ou até mesmo mais rapidamente que os bancos centrais são capazes de criar reservas bancárias à força.  A conferir.

O palestrante seguinte foi o impagável Robert Murphy.  Uma das principais estrelas da atual Escola Austríaca, Murphy é uma enciclopédia econômica.  Responsável por escrever os “manuais de interpretação” dos tratadosAção Humana e Man, Economy and State, de Murray Rothbard, Murphy teve sua fama alavancada recentemente ao desafiar Paul Krugman para um debate sobre a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos e a atual crise econômica.  Obviamente, Krugman se recusa a atender o convite, não obstante todo o dinheiro levantado para a realização do debate (já em quase 70.000 dólares) tenha sido prometido a instituições de caridade caso Krugman atenda ao pedido.  Aparentemente, o keynesiano Krugman não possui consciência social.

Murphy palestrou sobre como a atual crise econômica é um exemplo prático tanto da superioridade da teoria austríaca dos ciclos econômicos quanto da total incapacidade da teoria keynesiana em explicar esses eventos.  Para comprovar a aplicação prática da teoria austríaca, Murphy citou vários dados econômicos fornecidos pelo próprio Krugman em seu blog, e mostrou como os mesmos confirmam — ao invés de refutar, que era a intenção de Krugman — a teoria austríaca.  A própria empiria mostra de maneira incontestável a acurácia da teoria austríaca, ao mesmo tempo em que joga uma pá de cal sobre a teoria keynesiana, a qual ignora totalmente a estrutura do capital e o fator tempo, concentrando-se exclusivamente em agregados mecanizados e amorfos — os quais, justamente por serem agregados mecanizados e amorfos, não possuem nenhuma capacidade explicativa.  Uma aula em 45 minutos.

Por fim, a última palestra.  E que maneira melhor de encerrar o Seminário senão com mais uma palestra deHans-Hermann Hoppe, desta vez fazendo uma explicação minuciosa de toda a mecânica dos ciclos econômicos, os quais são criados pelos bancos centrais e suas impressoras de dinheiro e consequente manipulação dos juros.  Novamente, a exposição se deu de maneira completamente minuciosa, narrada como se fosse um romance, começando com um cenário de economia de escambo até chegar ao atual arranjo moderno, com bancos centrais que detêm o monopólio da criação de dinheiro de papel sem nenhum lastro.  Hoppe explicou em detalhes como esse mecanismo de criação de dinheiro gera períodos de expansão econômica, os quais serão necessariamente seguidos de crises e recessões.  Sempre.

Ademais, o principal metodologista vivo da Escola Austríaca também explicou por que a abolição do padrão-ouro e a consequente implementação desse atual sistema bancário — o qual é totalmente cartelizado pelos bancos centrais — é perfeito para os governos, que assim conseguem financiar seus déficits por meio da mera criação de dinheiro, sem jamais ter de quitar suas dívidas, as quais sempre podem ser continuamente roladas.  Tudo isso para o benefício das classes burocráticas e em detrimento do setor produtivo da economia, que é quem gera riqueza e prosperidade.  Aplausos de pé.

Conclusão

2MB_0970.jpgAs palestras deste ano trouxeram temas mais profundos e complexos que as palestras realizadas ano passado.  Se no ano passado a intenção principal foi fazer um apanhado mais geral da Escola Austríaca e de suas ramificações, como a teoria libertária, as palestras desse ano tiveram o objetivo da fazer exposições mais profundas sobre temas da atualidade.  As pessoas menos iniciadas tiveram um pouco de dificuldade em algumas palestras, o que é perfeitamente compreensível.  Para nós, os realizadores, ficou a satisfação de constatarmos que os elogios foram gerais e as críticas, apenas pontuais — em tudo que é humano, nada pode ser perfeito.

Gostaríamos de agradecer a presença de todas as quase duzentas pessoas que compareceram ao evento, dentre elas gente que se deslocou de cidades distantes de Porto Alegre, como Manaus, Fortaleza, Recife e Salvador — vôos que exigem conexão em São Paulo.  É realmente gratificante notar essa disposição e boa vontade de vocês para com o nosso evento.

Aos outros que não puderam ir, também estendemos nossos cordiais agradecimentos.  São vocês que fazem o sucesso desse site, em contínuo crescimento — certamente em decorrência da propaganda boca a boca, a mais eficaz que existe.  E esperamos ver um número ainda maior de pessoas no Seminário do ano que vem.

Obrigado por tudo, novamente.

 

P.S.: aos interessados, eis aqui as quase duas mil fotos do evento.

Fotos: Daniela Villar

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