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Sobre a quantidade de dinheiro necessária para uma economia

N. do T.: o texto a seguir é o resumo de uma palestra feita por Mises na década de 1960 na Foundation for Economic Education (FEE).  As anotações foram feitas por um ouvinte.  Consta que Mises não gostava muito de ter suas observações orais publicadas, pois elas, obviamente, não traziam o rigor, o cuidado e a precisão que ele sempre dedicava aos seus escritos.  Entretanto, mesmo a maneira despretensiosa e informal presente no texto abaixo é capaz de mostrar o poder e acuidade de suas ideias.

 

Muitos famosos professores de economia acreditam que a oferta de dinheiro em uma economia, qualquer economia, tem sempre de estar crescendo.  É inacreditável, mas desde há muito temos vários livros-texto que dizem, a cada nova edição, que a quantidade de dinheiro deve aumentar anualmente a uma taxa de 5%, ou 10%, ou 15%.  Esses valores estão sempre mudando – algo de menor importância, pois a quantidade que eles recomendam é o de menos para o nosso objetivo aqui.  O que realmente importa é que eles dizem que tal aumento é bom e necessário para suas políticas.

Ótimo.  O problema é que o governo e os bancos podem sim distribuir mais dinheiro; o que eles não podem, pois são incapazes disso, é distribuir maisbens.  E esse é justamente o problema.  À medida que esse dinheiro adicional eleva os preços dos bens, aquelas pessoas que não recebem esse dinheiro recém-criado são prejudicadas.  E é isso o que as pessoas não percebem, é isso que elas não veem.  Se a quantidade de dinheiro aumenta ano após ano, isso significa apenas que haverá grupos beneficiados e grupos prejudicados.  Os grupos prejudicados dirão: “Por que nós não recebemos mais?”  E então o governo terá de lhes dar uma quantia adicional também, o que fará apenas com que outros grupos também exijam seu quinhão, e assim sucessivamente.  Mas a questão sempre será: Para quem dar essa quantia adicional?  Pois se a quantia adicional é dada para terceiros, você sairá prejudicado.

Eu não digo que a quantidade de dinheiro deve ser aumentada e nem que ela deve ser diminuída.  Não faz sentido que os economistas reclamem em seus livros-texto sobre a disparidade de renda, sobre o aumento da riqueza de determinados grupos da população e sobre o empobrecimento de outros grupos da população e, ato contínuo, passem a recomendar políticas que produzirão exatamente as condições que eles consideram erradas.  Do ponto de vista da maioria das pessoas, das massas, um aumento da oferta monetária é ruim.

Entretanto, esses métodos inflacionários são muito populares.  Eles são populares pois são muito confortáveis para o governo.  Eles também são muito confortáveis para os membros da câmara legislativa.  Um membro do parlamento não quer ser responsabilizado por uma carga tributária maior, mas ele aceita com prazer a responsabilidade por gastos maiores.  Por conseguinte, é fácil perceber como a maioria dos membros dos parlamentos é bastante rápida em sugerir gastos adicionais, bem como impostos do tipo que seus eleitores nãopagam.  Ao mesmo tempo, eles demonstram pesar em relação àqueles impostos que consideram ser uma sobrecarga injusta sobre seu eleitorado.

Certa vez ouvi um alto funcionário de um governo, o ministro das finanças de um país famoso por sua inflação e por mais nada, dizer “O ministro da educação diz que precisa de mais dinheiro.  Como sou o ministro das finanças, tenho de fornecer o dinheiro.  Tenho de imprimir o dinheiro.”  Não interessa se o propósito é bom ou ruim.  A consequência é que haverá agora no mercado uma demanda adicional por bens e serviços, demanda essa que foi criada do nada.

Há várias coisas cujo aumento em sua quantidade seria muito bom – por exemplo, um aumento na oferta daqueles bens e serviços que são proveitosos e benéficos.  Por outro lado, um aumento na oferta de ratos e baratas, por exemplo, não seria algo muito profícuo.  Felizmente, esse não é um problema sobre o qual os homens têm de debater, uma vez que os interesses de todos coincidem quanto a este caso específico.  Entretanto, seus interesses não coincidem quando se trata de dinheiro.  O que ilude e corrompe o pensamento de muitas pessoas, e infelizmente também daquelas que controlam nossas atividades políticas e governamentais, é a ideia de que a quantidade de dinheiro na economia é importante.

Um indivíduo certamente estará melhor com mais dinheiro do que com menos dinheiro.  Porém, o mesmo não é válido para o sistema econômico com um todo.  A economia não estará melhor caso haja mais dinheiro em todo o sistema.  O dinheiro é um meio de troca.  E isso significa, acima de tudo, que sua quantidade não tem qualquer importância para a perfeição de suas funções.  Se você aumentar a quantidade total de dinheiro, a quantidade total do meio de troca, você não estará melhorando as condições de todos; você estará apenas alterando a maneira como os indivíduos irão avaliar o valor dos bens e serviços em relação àquilo que é utilizado como dinheiro.  Quero deixar isso mais claro utilizando um exemplo extremamente simples que ocorre diariamente em nossas vidas.

O mais sincero defensor e pregador da inflação em nossa época, Lord Keynes, estava certo, do seu ponto de vista, quando atacou aquilo que é chamado de “Lei de Say”.  A Lei de Say é uma das grandes façanhas da teoria econômica.  O francês Jean-Baptiste Say, na chamada Lei de Say, disse que você não pode aprimorar as condições econômicas simplesmente aumentando a quantidade de dinheiro na economia; quando os negócios não estão indo bem, não é porque não há dinheiro suficiente.  O que Say tinha em mente, o que ele disse quando criticou a doutrina de que deveria haver mais dinheiro na economia, era que tudo o que alguém produz representa, ao mesmo tempo, uma demanda por outras coisas.  Se há mais sapatos produzidos, esses sapatos serão oferecidos no mercado em troca de outros bens.  A expressão “a oferta cria demanda” significa que o fator produção é essencial.  Expressada mais acuradamente, ele estava dizendo que “a produção cria consumo”, ou, ainda melhor, que “a oferta de cada produtor cria sua demanda pelas ofertas de outros produtores”.  Dessa forma, um equilíbrio entre oferta e demanda sempre existirá em termos agregados (embora Say reconheça que pode haver escassez e fartura em relação a produtos específicos).

Em última instância, os bens não são trocados por dinheiro – o dinheiro é apenas um meio de troca; os bens são trocados por outros bens.  “Você quer minhas maçãs?  O que você me dá em troca delas?”  Say acreditava que a criação de mais dinheiro simplesmente cria inflação de preços; mais dinheiro perseguindo a mesma quantidade de bens.

E se você aumentar a quantidade de dinheiro, você não estará melhorando a situação de ninguém, exceto daquele indivíduo – ou daquele grupo de indivíduos – para quem você dá esse dinheiro recém-criado; esse indivíduo, ou esse grupo, poderá então comprar mais coisas, retirando mais bens do mercado, privando outras pessoas desses bens, piorando o bem-estar delas.

Quando as pessoas perguntam a um vendedor: “Por que seus negócios estão indo mal?  Por que você não está ganhando mais dinheiro?”, ele responde: “As pessoas não têm dinheiro suficiente e, consequentemente, meus negócios estão insatisfatórios.”  O que ele quis dizer é que seus clientes não têm dinheiro suficiente – e não quetodas as pessoas não têm dinheiro suficiente.  Ele disse: “Meus clientes infelizmente não têm dinheiro suficiente e, consequentemente, eles não podem comprar mais coisas de mim.”  Se o vendedor quisesse ganhar mais, e se seus clientes, todos tomados conjuntamente, não fossem ricos o bastante para propiciar ao vendedor melhores números, o vendedor teria de encontrar mais clientes.  Mas esse vendedor não está querendo dizer que é necessário haver mais dinheiro na economia.  Ele não disse estar interessado no dinheiro de todas as pessoas do mundo.  O que esse vendedor tem em mente é apenas mais dinheiro para seus fregueses.  Essa é a “filosofia de um vendedor”.

É nesse ponto que os governos entram em cena, na crença de que – e vale dizer que eles podem ser inocentes neste ponto, pois estão apenas sendo guiados por “maus” economistas – algo deve ser feito.  E realmente “todo mundo concorda” que deveria haver mais dinheiro para esse ou aquele propósito – seja para mais escolas, mais hospitais, mais pesquisas científicas etc.; o objetivo é o de menos.  Suponhamos que o governo diga que os salários dos funcionários públicos estão muito baixos, e que, por isso, eles devem ganhar um aumento.  Como o governo por si só não produz nada, o único método bem sucedido de implementar esse aumento salarial é tributando as pessoas e utilizando as receitas coletadas pelos impostos para aumentar os salários de certos empregados do governo.  Não há qualquer outra possibilidade de o governo melhorar as condições dos funcionários públicos que não seja por meio da extração de dinheiro do resto da população, medida essa que irá prejudicar o padrão desta.

Se o governo tributa, confiscando dinheiro dos pagadores de impostos, então estes serão forçados a restringir seus gastos.  Porém, não há qualquer motivo para que haja, nesse cenário, uma mudança geral nos preços.  Aquelas pessoas para quem o governo concede aumentos salariais estarão agora na posição de poder comprar aquilo que as outras pessoas costumavam comprar, mas que não podem mais comprar porque tiveram de pagar impostos.  As mudanças resultariam do fato de que algumas coisas que o Senhor A, pagador de impostos, costumava comprar agora não mais são por ele compradas, mas sim pelo Senhor B, funcionário público.  Esse novo arranjo tenderia a aumentar os preços de algumas coisas que o Senhor B compra e a reduzir os preços daquelas coisas que o Senhor A não mais pode comprar.  Porém, não ocorre nenhuma alteração revolucionária no nível geral de preços.  Isso é o que ocorre continuamente em um país em que o governo tem um orçamento equilibrado e não recorre à inflação.

Porém, como imaginado, há um outro método.  E o governo utiliza esse método: ele imprime o dinheiro adicional.  E se o governo imprime esse dinheiro, qual o efeito de tal medida?  O efeito é que aqueles para quem o governo dá esse dinheiro adicional – nesse exemplo, os funcionários do governo – estarão agora na posição privilegiada de poder comprar mais bens a preços ainda inalterados.  Nada mudou no mundo; tudo ainda está como ontem; não há mais bens disponíveis; mas há mais dinheiro hoje, pois o governo imprimiu mais dinheiro e o entregou para certos empregados do governo – pode até ter sido com a melhor das intenções; não discutimos os itens no orçamento do governo, mas apenas a quantia total.  E agora o governo entrega esse dinheiro recém-criado para algumas pessoas, e essas pessoas aparecem nos mercados com uma demanda adicional, com uma demanda que não existia ontem.  Lord Keynes era um grande entusiasta desse tipo de demanda; ele a considerava algo maravilhoso.  Ele dizia que essa demanda crescente produzia uma “demanda efetiva“.  Claro, essa é uma descrição correta.  Mas a questão é que os preços estão subindo.  O que isso significa?

Como exemplo, vamos pensar em batatas.  Não houve um aumento do número de batatas no mercado, mas agora há mais dinheiro nas mãos de pessoas que querem comer batatas.  Ao passo que ontem era suficiente para um homem gastar $1 para comprar as batatas de que precisava, hoje ele precisa de mais dinheiro.  Ele precisa hoje de, digamos, $2, unicamente porque há mais dinheiro, e não porque outras coisas mudaram.  Se ele oferecer apenas $1 pelas batatas, o indivíduo que ganhou o dinheiro adicional do governo irá dizer “Ha, ha! Vou pagar $1,10, levarei todas as batatas e você vai voltar pra casa de mãos abanando”.  E isso é vivenciado diariamente em qualquer economia em que esteja havendo expansão monetária, a intensidade da inflação de preços variando de acordo com a intensidade da inflação monetária.

O governo aumenta a quantidade de dinheiro.  Todos os males enfrentados em decorrência de alterações nas condições de mercado se devem ao fato de que o governo acredita ser admissível e natural criar dinheiro para aumentar o poder de gasto dele próprio.  Com o intuito de poder gastar mais, os governos não precisam fazer praticamente nada, exceto dar uma ordem para a casa da moeda: “Imprimam uma determinada quantia de dinheiro”.  Se algum cidadão tentar fazer isso, o governo não vai gostar.  O que impede o cidadão comum de imprimir cédulas de dinheiro é uma série de leis que criminalizam essa prática; e o governo é poderoso o suficiente para impedi-la, detendo e aprisionando todos aqueles que porventura se lancem em tal empreitada.

Porém, se é o próprio governo quem incorre nessa prática de contrafação, então é algo legítimo.  E isso aumenta a quantidade de dinheiro na economia.  E este é exatamente o problema monetário.  A maneira como ocorrem as mudanças na quantidade de dinheiro na economia é diferente para diferentes pessoas e para diferentes coisas; as mudanças não ocorrem de uma maneira neutra; algumas pessoas ganham à custa de outras.  Isso significa, portanto, que se a quantidade de dinheiro é aumentada ou mesmo duplicada, pessoas distintas serão afetadas diferentemente.  Também significa que um aumento na quantidade de dinheiro não pode trazer uma melhora geral nas condições de vida de todos.

Aquelas pessoas que não receberam esse dinheiro adicional ficaram em uma situação pior, tendo agora de lidar com preços maiores, um poder de compra menor e, consequentemente, um padrão de vida mais baixo.

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Para uma explicação completa sobre como o mecanismo da inflação distribui renda dos pobres para os ricos, leia: Sobre a não neutralidade da moeda

Ludwig von Mises
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.
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