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O que fazer em caso de quebras bancárias generalizadas?

y186186765888713Um leitor envia a seguinte pergunta a respeito do colapso bancário da Islândia:

Tenho uma dúvida que gostaria que dirimisse com um artigo no sítio. É sobre a falência da Islândia na crise de 2008. Li que os 3 bancos do país que operavam mui alavancados foram à falência. E como quase 100% da população tinha conta nos 3 bancos em simultâneo, o país quebrou. Quando os bancos se tornaram insolventes, o dinheiro de cada islandês derreteu. Então os bancos foram nacionalizados.

Eu gostaria de uma explicação acerca de como agir nesta situação sem apelar para intervenção. Sei que não permitir o ajuste consequente a um crack é apenas adiá-lo. Mas não consigo visualizar como proceder sem imprimir dinheiro e nacionalizar os bancos, pois de uma hora para outra o dinheiro islandês deixou de existir. Os bancos não podiam restituir os depósitos, e isto foi generalizado a todo um país. Já entendo que estas intervenções vão gerar mais do mesmo, mas não estou conseguindo aplicar o individualismo metodológico a esta questão em particular. Espero que isto renda um bom artigo para o sítio. Atenciosamente, Pedro Ivo.

O interessante do caso da Islândia é que se trata de um exemplo prático completo da teoria dos ciclos econômicos: um sistema bancário de reservas fracionárias, operando sob a proteção de um banco central, expande acentuadamente a oferta monetária; isso gera uma grande expansão da economia; vários investimentos errôneos são empreendidos (no caso da Islândia, nas indústrias de alumínio e construção, além do setor financeiro, que se expandiu alucinadamente); a inflação de preços começa a incomodar; os juros sobem; investidores começam a sacar dinheiro; há uma contração da oferta monetária; a contração da oferta monetária gera não apenas uma recessão como também faz com que todos os bancos do país vão à falência; consequentemente, grande parte do dinheiro literalmente some da economia (a temida deflação monetária); o país entra em uma severa depressão.

Na grande maioria dos exemplos práticos de ciclos econômicos, a oferta monetária apenas para de crescer, o que já causa uma recessão.  Em alguns exemplos mais extremos, há a quebra de alguns bancos, que imediatamente são incorporados por outros ou encampados pelo governo, como ocorreu em 2008-2009 nos EUA e no Reino Unido, o que faz com que a crise bancária seja momentaneamente contida.  No caso da Irlanda, os principais bancos — cujos ativos se depreciaram em decorrência do estouro da bolha imobiliária do país — foram completa ou parcialmente estatizados, mas não houve quebradeira.

No caso da Islândia, o contágio foi geral.  Os três principais bancos do país quebraram.  (É como se o Bradesco, o Itaú e o Banco do Brasil quebrassem).  Um ciclo econômico levado ao seu extremo, com todos os seus elementos característicos: um aparentemente forte crescimento econômico seguido de quebras bancárias pirotécnicas, deflação monetária e depressão severa.

O que fazer nesse caso extremo?

Consequência de um sistema bancário de reservas fracionárias

Em primeiro lugar, sempre é bom enfatizar que o dinheiro que sumiu da economia islandesa era um dinheiro que não existia fisicamente.  Era um dinheiro fictício (eletrônico) criado pelo processo de reservas fracionárias.  Quando operam com reservas fracionárias, os bancos criam dinheiro do nada, colocando em circulação mais dinheiro do que de fato existe em suas reservas — no caso, criam mais dinheiro do que a quantia originalmente depositada pelos correntistas.

Nesse cenário, quando ocorre uma corrida bancária — no caso da Islândia, a corrida foi originada pela crise econômica mundial —, os correntistas (nativos e estrangeiros) sacam todo o dinheiro que podem de suas contas.  Tal processo obriga os bancos a cancelarem as contas-correntes e a restituírem dinheiro em espécie para os correntistas.  Porém, como a quantidade de dinheiro (eletrônico) nas contas-correntes era maior do que a quantidade de dinheiro físico que os bancos possuíam em suas reservas, muitos correntistas ficam sem receber de volta o dinheiro que haviam depositado.  Logo, a quantidade total de dinheiro na economia é reduzida.  O dinheiro literalmente some.

Esse processo é chamado de deflação monetária — isto é, a quantidade total de dinheiro na economia reduz-se abruptamente.  Ato contínuo, os bancos ficam totalmente insolventes, pois agora têm mais passivos do que ativos.  Contabilmente, isso provoca uma redução no seu capital.

Essa deflação monetária faz com que os bancos, além de terem de restringir novos empréstimos, tenham de requisitar a quitação antecipada de empréstimos pendentes, pois seu capital sofreu uma brutal redução.  Isso intensifica ainda mais o processo deflacionário, pois se está requisitando a devolução de um dinheiro que foi criado do nada – um dinheiro cuja criação expandiu a oferta monetária e cuja extinção agora contrai a oferta monetária.  Tal processo gera uma espiral deflacionária na economia.  Os bancos quebram, pois parte de seus ativos (os empréstimos criados com moeda fictícia, os chamados meios fiduciários) literalmente evaporou-se.

No caso da Islândia, o processo de quebra bancária e consequente sumiço do dinheiro só não se consumou inteiramente — isto é, com os três bancos efetivamente sendo liquidados e a oferta monetária reduzindo-se ao valor da base monetária — porque o Banco Central interveio e injetou dinheiro no sistema bancário.  O governo completou o processo nacionalizando os bancos.  Os três principais bancos do país representavam mais de 80% de todo o sistema bancário.  Outros três novos bancos foram criados para assumir os ativos domésticos que estavam nas carteiras dos bancos que quebraram.  Em um desses bancos, o governo detém ações majoritárias

Este livro detalha absolutamente tudo sobre a economia islandesa, com fartos dados sobre o processo do colapso.

Vale notar, por exemplo, o ritmo de crescimento totalmente instável da oferta monetária.  Eis a taxa de crescimento anual do M1 e do M2, de 2000 a 2010:

Ano

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

M1

4%

6%

12%

43%

24%

22%

17%

  100%

29%

-6%

-1%

M2

-3%

12%

9%

27%

23%

22%

20%

82%

59%

-3%

-4%

Tal expansão fez com que o setor bancário, já em 2007, fosse 8 vezes maior que o PIB da Islândia!

Eis o comportamento da inflação de preços:

inflation_march iceland.png

Após tamanha expansão da oferta monetária, a contração de M1 e M2 durante o colapso só não foi maior justamente por causa da intervenção do Banco Central e da nacionalização dos bancos — os quais começaram a ser reestruturados em 2009.

Como o leitor corretamente apontou, esse processo de salvamento bancário simplesmente irá aumentar o risco moral e estimular mais comportamentos imprudentes no futuro — afinal, os bancos sabem que, não importa o que façam, serão socorridos pelo governo.  Ademais, quando a economia voltar a crescer e os bancos voltarem a emprestar, há o risco de uma severa inflação de preços — caso as injeções monetárias do Banco Central no sistema bancário tenham sido vultosas; e tudo indica que foram.

Outro detalhe que foi pouco discutido: tal medida do governo islandês significou um amplo e explícito processo de transferência de renda da população para os bancos, os quais, no final das contas, se deram muito bem com todo esse processo: mantiveram pra si os lucros durante o crescimento econômico artificial da economia islandesa, e socializaram os prejuízos com a população quando a conta da farra chegou — os gastos do governo subiram para 57,8% do PIB (na Suécia, por exemplo, os gastos são de 52,5%) e a carga tributária total está em 40% do PIB.  Ou seja, o déficit orçamentário está em incríveis 18% do PIB.  Tudo isso para salvar os bancos e tentar keynesianamente reativar a economia.

Não vou aqui me alongar nas causas do colapso islandês, pois estas já foram detalhadamente expostas neste artigo (muito recomendado para quem se interessa por questões monetárias).  É válido apenas ressaltar que o Banco Central da Islândia, além de expandir a base monetária — e, com isso, comandar a expansão do crédito —, também sempre deixou explícita a sua função de emprestador de última instância, o que serviu para encorajar os bancos a praticarem destemidamente a expansão monetária via reservas fracionárias.

Como Jésus Huerta de Soto sempre faz questão de enfatizar, mesmo após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, o setor financeiro e bancário de todos os países do mundo continua fazendo parte de um esquema que envolve planejamento central (feito pelos bancos centrais), intervencionismo extremo (via fixação de juros pelo banco central) e monopólio estatal (o papel-moeda de curso forçado emitido pelos governos).  A própria existência de um banco central manipulando o preço mais importante de uma economia — os juros — é o símbolo precípuo do planejamento central e da economia socialista.

O que poderia ter sido feito

O leitor então pergunta qual deveria ser a solução de livre mercado para o colapso bancário islandês.  A solução apresentada abaixo seria válida para qualquer sistema bancário falido, de qualquer país.  O objetivo é obter um sistema monetário e bancário sólidos, e as medidas implementadas devem seguir três critérios: elas devem ser éticas, ser baseadas em uma teoria econômica sólida e, obviamente, devem criar um arranjo econômico fundamentado em bases sólidas.

Antes de tudo, é essencial esclarecer um ponto que sempre confunde as pessoas, inclusive vários economistas: quando há uma deflação monetária, o que muda na economia é apenas a quantidade de dinheiro, e não a sua riqueza.  A riqueza real da economia não se altera quando a oferta monetária é reduzida, da mesma forma que ela não se altera quando a oferta monetária é elevada.  O que realmente ocorre é uma redistribuição de renda.

Como explicou Bastiat, a riqueza de uma economia é medida pela sua abundância de bens e serviços, e não pela sua quantidade de dinheiro.  Um automóvel, um trator, um computador, um imóvel, uma televisão, um martelo, um tomate são bens; logo, representam riqueza.  E isso independe da quantidade de dinheiro na economia.  O dinheiro nada mais é do que uma maneira de se mensurar essa riqueza, assim como uma régua mensura um comprimento.  A distância real entre São Paulo e Porto Alegre é a mesma não importa se você a mensura em quilômetros, milhas, léguas ou jardas.  O instrumento utilizado para a mensuração, bem como sua escala, não altera em nada a distância física real entre as duas cidades.

Porém, imagine que o Sistema Internacional de Unidades alterasse o sistema métrico, de modo que o comprimento de um quilômetro passasse a ser a metade do que é hoje.  Repentinamente, a distância mensurada entre São Paulo e Porto Alegre passaria a ter o dobro de quilômetros.  Porém, a distância real obviamente não seria alterada.  É exatamente isso que acontece quando o banco central e o sistema bancário de reservas fracionárias expandem a oferta monetária: o padrão de mensuração é alterado.  Se a oferta monetária dobra, o preço do automóvel, do tomate, do imóvel, da televisão, do computador etc. pode dobrar, mas todos continuam sendo exatamente o mesmo bem.  O valor deles para seus proprietários não foi alterado em absolutamente nada.  A única coisa que aconteceu foi que o aparelho de mensuração foi modificado.  Absolutamente o mesmo raciocínio é válido quando a oferta monetária é reduzida.  (Exatamente por isso o ouro é um mensurador de riqueza melhor do que o dinheiro de papel, pois sua oferta altera-se muito pouco).

Tendo entendido esse detalhe essencial, fica mais fácil agora entender por que uma deflação na oferta monetária não deixa — ao contrário do que dizem outros economistas — as pessoas mais pobres.  No caso da Islândia, a redução da quantidade de dinheiro na economia não representaria, em si, um problema, desde que, é claro, os preços e salários também pudessem ser livremente reajustados para baixo, algo que o governo e os sindicatos não deixam.

Logo, a primeira medida a ser tomada quando há uma quebra bancária é permitir a total liberdade de preços e salários.  É reconhecer que, com a deflação monetária, a quantidade real de riqueza da economia permanece a mesma, apenas o seu mensurador foi alterado.  Logo, preços e salários têm necessariamente de ser reajustadas para baixo.  Se ambos não puderem cair, então a depressão econômica será dolorosamente prolongada, exatamente como aconteceu na Grande Depressão americana.

Entretanto, apenas tal medida evidentemente não seria suficiente, pois ainda temos um sistema financeiro e bancário completamente paralisados.  Sendo assim, é urgente restaurar a confiança nos mercados e nas instituições financeiras.  Isso pode ser feito em três etapas.

Em primeiro lugar, os bancos devem reconhecer oficialmente que estão falidos.  Ato contínuo, seus ativos devem se tornar propriedade de seus depositantes.  Em seguida, o sistema bancário deve ser dividido em duas modalidades independentes: um sistema bancário com 100% de reservas para todos os depósitos à vista (depósitos cujo dinheiro pode ser sacado a qualquer momento ou utilizado via cheques ou cartão de débito) e um sistema bancário voltado para poupança e investimentos (isto é, um sistema de fundos de investimento), sem necessidade de manter reservas bancárias — com o óbvio detalhe de que o dinheiro investido nesses fundos não pode ser utilizado pelo emprestador e pelo tomador de empréstimo ao mesmo tempo.  Ou seja, o emprestador abre mão desse dinheiro pelo período de tempo do empréstimo.

Detalhando os passos

Sendo mais específico, todos os depósitos à vista de cada banco devem ter seu valor nominal reduzido até o nível das reservas bancárias da cada banco (reservas tanto em seus cofres quanto na forma de depósitos compulsórios junto ao Banco Central).  Cada correntista teria o valor nominal de sua conta-corrente reduzido nessa mesma proporção.

Assim, cada depósito à vista estará 100% lastreado por papel-moeda.  Isso significa que todos os correntistas poderão simultaneamente demandar todo o seu dinheiro em espécie e os bancos serão plenamente capazes de restituí-los.  Qualquer pedido de restituição em espécie por parte dos depositantes, bem como todo e qualquer acesso aos depósitos via cheque ou cartão de débito, não criaria problema para os bancos, que estariam sempre aptos a restituir toda e qualquer quantia demandada.  Desta forma, o M1 estaria definitivamente estabilizado.  Não haveria mais riscos de deflação monetária e nem de expansão de crédito sem poupança.

Da mesma forma, a propriedade dos empréstimos e investimentos (ativos) nas carteiras dos bancos deve ser transferida para seus correntistas — se os bancos foram responsáveis pelo colapso, então eles devem restituir seus correntistas, assim como uma empresa que quebra deve ter seus ativos distribuídos entre seus credores.  A maneira mais correta de se fazer isso é distribuindo quotas de fundos de investimento para cada depositante, com a quantidade de quotas sendo igual à diferença entre o valor original de seus depósitos à vista (o valor de antes da quebra dos bancos) e o novo valor de sua conta-corrente.  O exemplo a seguir vai ajudar a esclarecer melhor essa proposta:

Suponha que o Banco A tivesse, antes da quebra, um total de $100 em seus depósitos à vista e $30 como reservas.  Como explicado dois parágrafos acima, o total de depósitos à vista nesse banco seria reduzido para $30 (o valor das reservas), de modo que seus depósitos à vista agora estarão 100% lastreados.  A diferença de 100 para 30 — isto é, 70 — seria transformada em quotas em fundos de investimento para os depositantes.  A quota de cada depositante nesses fundos poderia ser livremente comercializada no mercado, e tal processo determinaria o valor final de mercado dessas quotas, o qual dependeria da qualidade do portfólio de cada fundo.

Cada fundo de investimento poderá vender quotas para restituir em dinheiro seus investidores (poupadores) e, da mesma forma, poderá comprar e vender ativos financeiros — com cujo rendimento irá remunerar seus investidores —, bem como criar empréstimos.  Os custos da operação dos fundos de investimento poderão ser pagos tanto com o diferencial entre os juros recebidos nos investimentos e os juros pagos aos poupadores ou com a cobrança de taxas de administração.  A escolha, obviamente, é livre.

Desta forma, todos os bancos estariam separados em duas instituições independentes entre si: um sistema bancário apenas para depósitos à vista (contas-correntes) com 100% de reservas (cujo dinheiro pode ser sacado a qualquer momento ou utilizado via cheques ou cartão de débito) e um sistema bancário voltado para poupança e investimentos (um sistema de fundos de investimento), sem necessidade de manter reservas bancárias.  Os depositantes decidiriam livremente qual quantidade de seu dinheiro iriam manter em conta-corrente, para uso imediato, e qual quantidade iriam querer emprestar, depositando em fundos de investimento.  Nesse segundo caso, o depositante não poderia utilizar o dinheiro depositado até uma determinada data, definida em contrato.  Em caso de emergência, caso o depositante inesperadamente precise da quantia investida, o fundo de investimento venderá suas ações para outro investidor e restituirá o depositante, cobrando obviamente uma taxa (multa).

Assim, finalmente haveria um sistema bancário sólido, com os bancos desempenhando dois serviços bem definidos e totalmente distintos entre si: o serviço de mera armazenagem e de transferência de moeda de um titular a outro apenas quando ordenado, e o serviço de intermediação de crédito entre poupador e tomador de empréstimo.  Nesse segundo caso, o dinheiro emprestado não poderia ser utilizado pelo credor e pelo devedor ao mesmo tempo — que é o que ocorre no sistema bancário de reservas fracionárias e que gera os ciclos econômicos.

Consequências

A implementação desse programa, como dito, geraria uma acentuada deflação da oferta monetária, a qual seria reduzida ao nível da base monetária — isto é, à quantidade de dinheiro fisicamente existente tanto no bolso das pessoas quanto nas reservas bancárias.  Tal deflação, entretanto, ocorreria de uma só vez, sem gradualismos, e o sistema bancário daí resultante seria sólido e incompatível com a geração de ciclos econômicos.  Da mesma forma, tal arranjo bancário impossibilitaria a ocorrência de futuras deflações.

Para o êxito de tal programa, essa súbita contração monetária — todos os depósitos à vista seriam reduzidos da noite para o dia na mesma porcentagem — deve ser acompanhada por reajustes equivalentes nos preços e salários, os quais devem ser reajustados para um nível compatível com a nova oferta monetária.  É claro que tal processo seria doloroso.  Várias perturbações econômicas ocorreriam até que preços e salários chegassem ao nível ideal.  Várias dívidas teriam de ser renegociadas.  É bastante provável que empreendimentos sólidos e viáveis quebrassem nesse processo.  Porém, quem mais perderia seriam justamente aqueles que mais ganharam durante o período do crescimento insustentável que gerou a depressão.  E quanto maior fosse a liberdade de reajustes de preços e salários, mais rápida seria a correção econômica.

Após essa reforma, o Banco Central — que já teria devolvido todo o dinheiro do compulsório (que constituem parte das reservas bancárias) aos bancos — não mais poderia fazer compra de títulos públicos no mercado aberto.  A quantidade de dinheiro na economia ficaria constante.  Tudo que o BC se limitaria a fazer — por meio da Casa da Moeda — seria trocar cédulas antigas e gastas por cédulas novas, da mesma denominação.  O mesmo ocorrendo com as moedas metálicas.

No devido tempo, os bancos de depósito e os fundos de investimentos — agora em posse de seus depositantes — seriam vendidos a investidores privados domésticos ou estrangeiros.

Essa reforma bancária e monetária iria interromper a desvalorização da moeda do país, fenômeno típico para economias cujo sistema bancário foi à bancarrota — no caso da Islândia, a quebra dos bancos, a qual foi seguida de injeções monetárias e pacotes de socorro, causou uma desvalorização tão acentuada da coroa islandesa, que o país teve dificuldade até para importar comida.

Essa reforma iria não apenas interromper a desvalorização, como também iria fortalecer a moeda, a qual iria se valorizar em decorrência dessa contração monetária, elevando seu poder de compra, algo fundamental em economias depressivas.

Esse ambiente de estabilidade bancária e monetária, com a taxa de câmbio em constante apreciação, atrairia fortes investimentos externos — uma moeda nacional em constante valorização permite grandes retornos em moeda estrangeira.  Da mesma forma, o setor exportador do país, ao contrário do que se pode pensar, seria também beneficiado, pois os baixíssimos preços dos produtos nacionais seriam agora extremamente atraentes para os consumidores estrangeiros.

Com o tempo, à medida que a economia voltasse a crescer, esse processo seria intensificado: com a oferta monetária constante, a maior oferta de produtos geraria uma suave e contínua queda nos preços, incentivando exportações, não obstante a também contínua apreciação da moeda nacional nos mercados de câmbio.  Da mesma forma, as importações também seriam estimuladas.  Os investimentos estrangeiros, por causa da solidez da economia e da perspectiva de altos retornos por causa da contínua valorização da moeda nacional, seriam crescentes.

A economia agora estaria com fundamentos sólidos.

Conclusão

É claro que tal solução jamais seria aceita pelo setor bancário, obviamente.  Afinal, o sistema bancário é infinitamente mais lucrativo quando opera com reservas fracionárias — o que pode ser melhor do que poder criar moeda do nada, emprestar e ainda cobrar juros sobre essa criação fictícia?

Seria de se esperar que o setor bancário brigasse intensamente junto ao governo pela manutenção de seus privilégios.  Eles jamais abririam mão facilmente de uma atividade tão lucrativa.  Já o governo, por sua vez, também não teria o menor interesse nesse tipo de reforma do setor bancário — afinal, os governos dependem do sistema de reservas fracionárias para financiar seus déficits a juros baixos; os governos têm total interesse em ter sempre um acesso imediato a qualquer dinheiro adicional e barato, o qual o sistema de reservas fracionárias é ótimo para entregar.

Por fim, o fornecimento desse dinheiro adicional e barato para o governo é um serviço que bancos operando com 100% de reservas são incapazes de oferecer.

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Leia também:

A crise bancária da Islândia: o colapso de um sistema financeiro intervencionista

Deflação: os maiores mitos

Deflação, prosperidade e padrão-ouro

Leandro Roque
Leandro Roque
Leandro Roque é tradutor e estudioso de Economia Austríaca.
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