Muitos leitores dizem que sou um pessimista. Eu não sou pessimista. Ao contrário: sou um otimista para muito além da mais otimista das imaginações. Em termos religiosos, eu sou um pós-milenista escatológico. Não existem muitos de nós. Também creio na ordem social gerada pelo livre mercado — não apenas em sua superioridade teórica, mas em seu inevitável triunfo ao longo da história. Sou da crença de que, um dia, a verdade vencerá.
Mas eu não sou otimista em relação ao caminho entre o destino final e onde estamos. O Big Brother está à espreita, escondido nos arbustos estatais ao longo desse caminho.
Quando uma manada de leões está pacientemente escondida atrás do matagal, pronta para atacar as zebras, algumas zebras serão devoradas. Quando pensamos em burocratas, devemos pensar em leões. E nós somos as zebras.
Haverá várias perdas. Mas o fato é que os leões estão ficando velhos. Eles já não correm tão rapidamente nos dias de hoje. As zebras estão se multiplicando. Pense em “China”. Pense em “Rússia”. E então tente se lembrar de Mao e Stalin. Se todos aqueles campos de concentração entraram em colapso sem que houvesse qualquer resistência armada ou alguma guerra perdida, então não venha me dizer que viver eternamente sob uma tirania é uma inevitabilidade histórica.
O famoso jornalista americano Lincoln Steffens visitou a União Soviética em 1921 e voltou aos EUA dizendo “Acabo de voltar do futuro, e ele funciona.” Não, ele não funcionou. Tampouco irão funcionar os mini-despotismos das várias utopias keynesianas. No final, não haverá dinheiro com o qual pagar as pensões de seus funcionários públicos.
AS DISTOPIAS LITERÁRIAS
A ideia que temos de estados totalitários modernos foi moldada por obras de arte literárias. As mais famosas são 1984, escrita por uma socialista anticomunista, A Revolta dos Bichos, também escrita por ele, e Admirável Mundo Novo, escrita pelo socialista professor de francês da escola britânica de Eton: Aldous Huxley.
Existe uma obra sobre o estado totalitário que é muito melhor que todas essas: Aquela Força Medonha: Um Conto de Fadas para Adultos. Foi publicada em 1945. Seu autor é C.S. Lewis. Recomendo. Eu a releio sempre a cada espaço regular de tempo — uma das duas obras que eu sempre releio. (A outra é Bons Augúrios). A primeira vez que a li foi no primeiro semestre de 1964, aproximadamente quatro meses após as mortes de Lewis, Huxley e Kennedy em 22 de novembro de 1963. Lewis percebeu, ainda em 1945, para onde estávamos indo. Ele também viu como tudo ia terminar: com a debandada dos manda-chuvas.
Na literatura, as utopias positivas sobre uma sociedade boa versavam sobre estados centralmente planejados. Nos últimos 100 anos, ninguém escreveu nenhuma obra assim. As distopias também versam sobre estados centralmente planejados. Elas refletem o declínio da fé do homem moderno nos poderes restauradores da ciência implementada pelo estado.
O poder da ciência é visto como irrefreável. Nas mãos dos burocratas, a ferramenta da ciência produz uma ordem social sem liberdade. Os controles do estado podem ser justificados como racionais e terapêuticos, mas o sistema é tirânico. Essa é a visão das distopias.
Em Admirável Mundo Novo, a ferramenta de controle é uma droga: a soma. Ela mantém as massas submissas. Em 1984, há em todo lugar uma televisão com transmissão de duas vias. Não há privacidade. Em A Revolução dos Bichos, há uma difundida crença na bondade do todo, o que determina o sacrifício individual. Os resultados são os mesmos: uma elite mantém o controle das massas. Não há escapatória.
Esses autores não eram economistas pró-livre mercado. O economista de livre mercado acha muito difícil imaginar que um sistema de economia centralmente planejada possa de alguma forma ter acesso a recursos suficientes para manter as massas coesas. Os fracassos da União Soviética e da China comunista continuam sendo perfeitos exemplos dessa incapacidade. Ambos demonstraram a incapacidade do planejamento central em atingir seus objetivos ou os objetivos da elite planejadora. Ou, como diz o ditado, o dinheiro influencia.
Em 1978, Deng Xiaoping adotou a religião capitalista. Ele anunciou a liberalização da agricultura, a qual sempre foi o elo frágil do socialismo. Em 1979, a economia chinesa começou a crescer.
Em 1980, Moscou sediou as Olimpíadas. De todas as partes do mundo, ocidentais iam assistir ao espetáculo. Os líderes soviéticos viram, pela primeira vez, quão rico era o Ocidente, e quão pobres eles eram em comparação. Eles viram com seus próprios olhos — primeiro, maravilhados; depois, horrorizados — aquilo que o Ocidente já sabia há 60 anos: as pessoas comuns do Ocidente tinham o poder aquisitivo para se vestir tão bem quanto os burocratas russos do alto escalão. Eles nunca mais se recuperaram psicologicamente. Em uma década, a economia soviética estava quebrada. A esperança havia abandonado a elite. Ela já havia abandonado as massas algumas décadas antes.
A elite publicamente abandonou o sistema. O dinheiro influencia.
E ainda influencia.
O CÁLCULO ECÔNOMICO NO SOCIALISMO
Em 1920, Ludwig von Mises escreveu um pequeno ensaio: O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista.
Ele argumentou que o planejamento econômico socialista é inerentemente cego. Sem os preços de livre mercado, os quais se baseiam na propriedade privada, os planejadores centrais do governo não têm como saber aonde alocar os recursos escassos. Isso é especialmente verdade para os bens de capital. Os planejadores são forçados a copiar os preços das sociedades não-socialistas. Essa era sua teoria. Ela acabou se comprovando correta na prática.
Os socialistas rejeitaram esse argumento por sete décadas. Porém, a cada experimento socialista, a teoria de Mises ia sendo comprovada. O que era óbvio, pois ele argumentava que a lógica econômica é a base para a comprovação econômica, e não os dados históricos. Porém, ele nunca havia sido levado a sério nesse quesito por seus críticos ou até mesmo pela maioria dos seus admiradores. Os infindáveis fracassos do planejamento central comunista em enriquecer a todos, inclusive a elite comunista, finalmente tornaram-se intoleráveis até mesmo para as próprias elites comunistas.
O que me traz à tese central desse meu artigo, a qual é melhor expressada em três questões.
1. Qual o valor de suprimir um dissidente político?
2. Qual o custo?
3. O benefício é maior que o custo?
Suponha que você seja o Big Brother. Você pode monitorar cada indivíduo. Você pode descobrir o que ele possui, quanto ele ganha, onde ele mora, onde ele trabalha, quais cartões de crédito ele usa. Você tem todo um banco de dados sobre ele. Qualquer informação que você porventura não tenha pode ser comprada de empresas privadas que também possuam bancos de dados.
Se você pode monitorar todo mundo, você pode tratar qualquer um como um objeto a ser atingido. Você pode levar praticamente qualquer indivíduo à falência. As contas desse indivíduo irão quebrá-lo. Ele sabe disso. Ele irá se render. O dinheiro influencia.
Quer determinar um precedente legal para dar um veredicto inovador? Atinja alguém com recursos financeiros limitados e sem conexões com poderosos.
Intelectuais e jornalistas comprometidos com a defesa das liberdades individuais têm coletado um portentoso banco de dados de histórias de horror sobre invasões governamentais coercivas, porém legais, à privacidade alheia. Para cada história documentada, há inúmeras histórias similares que nunca chegaram até a mídia.
Assim como as zebras têm certeza de que existem leões atrás do matagal, os cidadãos sabem que os burocratas estão à espreita. Alguns desses burocratas têm acesso aos bancos de dados.
Todos ficamos impressionados com a rapidez com que o agente McGee, do seriado NCIS, consegue descobrir praticamente tudo sobre qualquer suspeito apenas ao digitar entradas em seu computador. E todos sabemos que os bandidos nunca irão escapar.
O problema é que, no mundo real, os bandidos sempre escapam até o momento em que eles finalmente confessam. Pense em “Bernard Madoff”. Ademais, os mocinhos sempre são pegos pela polícia por algo que nunca fizeram.
O caso Madoff é clássico (leia aqui todos os detalhes do escândalo Madoff). Todas aquelas regulamentações governamentais e nenhuma presciência. Os relatórios alertando tudo foram apresentados, a SEC foi avisada de toda a tramóia, e no entanto nada foi feito. Por que não?
Mises nos explicou por quê. O governo não sabe como precificar nada racionalmente. Ele não é capaz de determinar quais casos devem ser prosseguidos, e quais não. Não há diretrizes racionais que possam fornecer algum discernimento.
Eis a regra operacional. Burocratas executam aquelas tarefas que justificam a continuidade do seu emprego. Essa meta inclui a sobrevivência de suas burocracias.
As leis do funcionalismo público protegem a maior parte dos funcionários federais. A imunidade burocrática contra cortes no orçamento protege as burocracias. Assim, os burocratas escolhem alvos fáceis da mesma maneira que os leões escolhem as zebras: os mais jovens, os mais idosos e os doentes.
Sempre que uma burocracia é ameaçada com cortes no orçamento, as primeiras áreas a sofrerem costumam ser os serviços de ambulâncias, de polícia, de coleta de lixo e outras coisas que imponham a máxima inconveniência para o público. É uma espécie de esquema de extorsão por meio do qual os burocratas, que detêm o monopólio da oferta desses “serviços”, diminuem a oferta de tais serviços até que a opinião pública comece a espernear pedindo mais verbas para a burocracia em questão.
Certa vez li um artigo sobre a atuação de um experiente piloto de caças na Guerra da Coréia. Ele revelou o segredo do seu sucesso. Ele fazia uma rápida sondagem no esquadrão de caças MIGs-15 inimigos, procurando por aquele que parecesse um pouco mais instável, que oscilasse mais. Caso ele visse um, ele sabia que seu piloto era inexperiente. E então ele ia atrás deste.
Essa estratégia pode transformá-lo em um ás. Ela não irá fazê-lo ganhar guerras. A Guerra da Coréia terminou em um cessar-fogo. Porém, oficialmente, ela ainda continua.
A ORDEM SOCIAL ESPONTÂNEA
A maior contribuição intelectual de F.A. Hayek não foi O Caminho da Servidão (1944). Foi o artigo publicado no ano seguinte: O Uso do Conhecimento na Sociedade.
Ele argumentou que a quantidade de conhecimento descentralizado e altamente especializado presente na sociedade é enorme quando comparada ao conhecimento ao alcance de um comitê governamental. Isso deveria ser óbvio para qualquer um. O que não era óbvio para os intelectuais ocidentais era sua conclusão: o planejamento governamental é incapaz de se equiparar à eficiência do planejamento individual em uma sociedade de livre mercado.
Essa é uma variação do argumento de Mises. Hayek enfatizou o sistema de lucros e prejuízos do livre mercado. Tal sistema é capaz de obter informações de indivíduos que, de outra forma, não as forneceriam ou não as colocariam para usos socialmente positivos. Um comitê de planejamento é incapaz de obter essas mesmas informações, argumentou Hayek. Mises havia enfatizado que, mesmo se o comitê pudesse obter tais informações, ele não saberia o que fazer com elas. Ele não conseguiria utilizar essas informações da maneira mais proveitosa possível.
Surge então a questão: pode um comitê utilizar essas informações para proveito do próprio comitê? Podem seus membros enriquecer assim? É possível obter resultados que sejam tão suficientemente benéficos para o comitê e para os líderes a quem ele serve, de modo a tornar irrelevante o fato de que o comitê não é capaz de solucionar o problema da alocação para as massas? Em suma, seria o comitê capaz de encontrar uma resposta positiva para a pergunta universal: “O que eu vou ganhar com isso?”
Os resultados para todos os esquemas econômicos comunistas — exceto dois — no século XX apontam para uma resposta negativa. As duas exceções foram a Coréia do Norte e Cuba. Até o momento, esses dois sistemas continuam comunistas. Porém, está ficando cada vez mais aparente que isso irá acabar em algum momento da próxima década. A pobreza nesses dois países é opressiva.
A única maneira de os ditadores manterem essas informações longe das massas é controlando a informação. A Coréia do Norte faz isso melhor do que Cuba. Mas ela é também um país mais pobre. Voltamos assim à análise dos economistas austríacos sobre a escassez de informações confiáveis.
Para gerirem uma tirania realmente exitosa, os líderes precisam ter uma riqueza em constante crescimento, bem como dados confiáveis. Eles precisam da riqueza para contratar os programadores, os coletores de dados, e sistema repressor. Os custos dos computadores caem ano após ano, mas eles caem bem mais rapidamente no setor privado (microcomputadores) do que no setor estatal (computadores centrais, mainframes).
Os sistemas computacionais do governo não são integrados. Nem mesmo a Receita Federal possui um sistema contínuo, sem rupturas. (As duas maiores mentiras da publicidade computacional são essas: “transferência ininterrupta de dados” e “de fácil utilização”).
Sim, os governos têm acesso a uma quantidade sempre crescente de dados. Porém, o público tem um acesso muito maior a informações de baixo custo que ele irá utilizar para aumentar a complexidade global da sociedade. A tarefa de monitorar o que está acontecendo torna-se cada vez mais utópica. O governo está sempre ficando pra trás, pelos motivos que Hayek descreveu. Quanto maior a complexidade da sociedade, mais incapaz é o estado para monitorá-la, analisá-la e utilizar dados para controlá-la.
SOCIEDADE VS. O ESTADO
A sociedade não é o estado. A sociedade é uma complexa ordem social que se baseia nas trocas voluntárias. O estado é uma instituição que impõe a coerção. O orçamento do estado constitui uma ampla seção de toda sociedade moderna, mas a ineficiência do estado já é legendária. O estado não consegue executar muitas coisas. Por quê? Porque seus empregados são remunerados para seguirem estritamente o manual. Eles não são remunerados por inovação. Mises deixou claro esse ponto em seu livro Bureaucracy, de 1944. O sistema estatal de recompensas é diferente do sistema de recompensas adotado pelo livre mercado.
O livre mercado recompensa os bem sucedidos prognósticos acerca das demandas dos consumidores. Ele está voltado para o futuro: atender às futuras demandas dos consumidores. A sociedade avança por meio da inovação e da formação de capital. Ela prospera por causa do sistema de lucros e prejuízos. Os inovadores bem sucedidos enriquecem. Os mal sucedidos perdem o controle sobre os recursos.
O burocrata bem sucedido ascende na cadeia de comando caso simplesmente não cometa nenhum grande erro. A essência da burocracia é a rejeição ao risco. Ela é lenta. Ela é conscientemente lenta. Ela está sempre na defensiva. Está sempre à procura de regulações. Sua resposta para cada pedido é “não”. Por quê? Porque você pode retroceder de um “não” para um “sim” caso precise, e ninguém ficará irritado. Por outro lado, é impossível escapar de problemas caso você mude do “sim” para o “não”.
A implicação de tudo isso já deveria estar óbvia, mas não está: o estado está rapidamente ficando para trás em sua capacidade de controlar a economia. Essa foi a intuição de Mises em 1920. Libertários e conservadores pró-livre mercado creem nisso em geral, mas não creem nisso especificamente. Eles dão mais crédito do que deveriam à capacidade do estado em expandir seu poder.
Pense no governo americano. Eles estão freneticamente tentando restaurar a taxa de crescimento econômico. Nada está funcionando. A economia está claramente quebrada. O sistema bancário está em processo de retração. Os banqueiros sabem que os balancetes de seus bancos só se sustentam por causa de números falsos. Eles se recusam a conceder empréstimos.
No dia 25 de outubro, o presidente do Banco Central da Inglaterra, Mervyn King, fez um discurso no qual admitiu o seguinte: “De todas as formas possíveis de se organizar o sistema bancário, a pior de todas é justamente essa que temos hoje” (p. 18). Obrigado, Merv, por se expressar tão claramente! Agora queira, por gentileza, mandar uma cópia desse seu discurso para o Fed.
A capacidade que o governo tem de controlar a economia é a mesma que ele tem para controlar movimentos de resistência política. Nos EUA, o Tea Party está criando uma ameaça para o velho esquema de influências que sempre dominou a política americana. Trata-se de algo inevitável. Os eleitores estão começando a se rebelar. Eles não mais estão aceitando jogar de acordo com as regras tradicionais.
A capacidade do establishment de manter seu poder depende de sua capacidade de comprar os eleitores e de cooptar possíveis novas lideranças recém-eleitas. Nos EUA, o fracasso da economia reduziu a capacidade do establishment de se manter agarrado ao poder.
O estado autoritário e controlador está falindo. Suas dívidas são impagáveis. Quando ele quebrar de vez, como ocorreu com a Rússia e com a China comunista, o sistema keynesiano será exposto exatamente como ele é — um sistema totalmente baseado na coerção e na impressão de dinheiro.
Uma horda de zebras firmes e decididas pode correr mais rapidamente do que qualquer manada de leões. Com o tempo, os leões ficarão fracos demais para correr.
As zebras não precisam chutar os leões até a morte. Elas simplesmente precisam correr mais rapidamente.
CONCLUSÃO
O estado autoritário e controlador está condenado. Será impossível ele manter o mesmo ritmo de constante inovação por que passa a sociedade. Ele não consegue obter acesso aos recursos necessários para manter o controle. Ele desperdiça os recursos que ele próprio confisca.
O livre mercado está vencendo. O segredo do controle governamental é a submissão voluntária. Se um governo perde sua autonomia, o governo civil não conseguirá exercer controle. Um governo autônomo depende da ampla confiança dos súditos, muito mais do que do medo deles.
Mas a ampla confiança está desaparecendo. E o medo irá desaparecer junto com ela.
Os charlatães estão sendo expostos no YouTube. Não há nada que eles possam fazer quanto a isso.
A familiaridade cria desprezo. Mal posso esperar pelo desenrolar de tudo.