Um imposto em cascata é aquele imposto que incide sobre todas as etapas de fabricação de um produto, de modo cumulativo. Ao incidir sobre cada etapa da cadeia produtiva, esse imposto acaba sendo incidido sobre o próprio imposto que foi pago na etapa anterior — daí o efeito cascata.
Isso, é óbvio, aumenta enormemente os custos de produção e, consequentemente, encarece o produto final para o consumidor.
No Brasil, os principais impostos em cascata são a COFINS e o PIS/PASEP (gostosamente classificados como “contribuições”). A CPMF também era considerada um, mas felizmente foi abolida em dezembro de 2007.
O ICMS, estadual, por sua vez também acaba funcionando como um imposto em cascata, pois seu valor incide sobre o valor acumulado de todos os impostos acima — e quando o produto é importado, o ICMS incide sobre o valor declarado mais o imposto de importação.
Dito isso, analisemos a notícia a seguir:
Fusões envolvendo empresas brasileiras crescem 75% no 1º trimestre
Foram 145 anúncios de operações de janeiro a março. Total é de mais de US$ 23 bilhões em negócios.
O volume financeiro de fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras deu um salto de 75% no primeiro trimestre de 2010 em relação ao mesmo período do ano passado, segundo levantamento da Thomson Reuters.
De janeiro a março, foram 145 anúncios, com um montante somado de US$ 23,39 bilhões. Nos primeiros três meses de 2008, as 118 operações tornadas públicas somavam US$ 13,38 bilhões.
Considerado o volume financeiro, o setor de energia foi o líder em transações anunciadas, com 43% do total, seguido por matérias-primas (29%) e consumo (19%).
Entre as operações no período estão a associação entre Shell e Cosan, a incorporação da Quattor pela Braskem e a aquisição dos ativos de fertilizantes da Bunge no Brasil pela Vale.
Entre os bancos coordenadores, o BTG Pactual ficou na liderança do ranking, seguido por JPMorgan, Deutsche Bank, Credit Suisse e Morgan Stanley.
Normalmente, um surto de fusões é mais comum naqueles setores que passaram muito tempo protegidos e, repentinamente, se veem obrigados a enfrentar a concorrência externa. Nesse caso, as empresas que precisam sobreviver frente a concorrentes mais fortes acabam tendo de juntar forças. Porém, sabemos que não foi isso o que ocorreu no Brasil recentemente — não temos uma rodada de nova abertura (significante) da economia desde o Plano Real.
Ademais, como a economia mundial esteve em recessão em 2009, essa explicação da concorrência externa forte não convence. Logo, a justificativa para esse surto de fusões (muitas delas, inclusive, entre empresas pequenas, que não têm ambições internacionais) tem de estar em outro lugar.
Em época de recessão mundial, as empresas têm de cortar custos e enxugar. É aí que a carga tributária, especialmente quando assume a forma dos impostos em cascata, funciona como um catalisador. Ela possui um grande peso em explicar esse repentino surto de fusões, pois funciona como um incentivo adicional em meio a todo esse cenário de crise, como veremos mais abaixo.
Um grande negócio
Como foi dito, impostos em cascata como o COFINS e PIS-PASEP incidem sobre cada etapa do processo produtivo, provocando aumento de custos em cada etapa e, consequentemente, fazendo com que o preço final do produto tenha necessariamente de ser maior. Para se ter uma ideia do tamanho desse confisco, vale dizer que, em 2009, as arrecadações do governo federal com COFINS e PIS-PASEP totalizaram R$ 150 bilhões de reais, ao passo que o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica amealhou “meros” R$ 83,5 bilhões.
Ou seja, impostos em cascata são um ótimo negócio para o governo, pois, além de arrecadarem quase o dobro do IRPJ, eles possibilitam que se extraia mais dinheiro da população sem que ela perceba — como o imposto é indireto (ou seja, o consumidor não vê), o governo pode perfeitamente se esquivar de qualquer responsabilidade pelos preços finais, responsabilidade essa que pode ser facilmente imputada aos empresários e capitalistas gananciosos.
Outra consequência direta desse confisco aparece nos salários, que não conseguem crescer — a produtividade teria de aumentar muito para que fosse possível dar aumentos salariais sem que isso prejudicasse os investimentos futuros das empresas.
Estimulando as fusões e as integrações verticais
Uma integração vertical é quando uma empresa fornecedora de um determinado componente se une à empresa que necessita deste componente para a fabricação de seus produtos. Por exemplo, quando uma empresa fabricante de computadores adquire ou se funde a uma empresa fabricante de microchips.
Vejamos um exemplo de como os impostos em cascata estimulam as fusões e as integrações verticais — e, consequentemente, como eles reduzem a concorrência.
Imagine uma simples empresa que vende presuntos. Tudo o que você precisa fazer para adquirir seus produtos é ir até o supermercado. Você vai até a gôndola, pega a iguaria com a marca da empresa, vai até o caixa e paga. Dificilmente você pára pra pensar em todo o processo produtivo por trás daquele simples presunto. Muitos acham que fazer um presunto é algo simples. Muito pelo contrário.
Em primeiro lugar, a empresa que fabrica o presunto precisa ter instalações adequadas para mantê-los bem conservados enquanto estiverem estocados. Isso significa ter um armazém com um bom sistema de refrigeração. O sistema de refrigeração necessita de manutenção e reparos constantes. Tem-se aí o custo da mão-de-obra. Esse sistema precisa também de peças de reposição, e tais peças são geralmente feitas de aço. E como se obtém o aço? Compra-se de uma siderurgia. E como a siderurgia fabrica o aço? Como o aço é uma liga de ferro e carbono, é preciso antes escavar minas para achar ferro. Portanto, a siderurgia tem de comprar ferro das mineradoras, e as mineradoras têm todo o seu processo de produção. Vamos parar por aqui, pois, caso contrário, poderíamos nos estender infinitamente.
Após ter sido produzido pela siderurgia, o aço precisa ser transportado para a empresa de refrigeração que irá montar todos os insumos para fazer o equipamento de refrigeração. O transporte é feito por uma empresa terceirizada.
Observe que ainda estamos falando apenas do sistema de refrigeração que vai conservar o presunto. Só aí já vimos várias etapas da cadeia produtiva; vários processos de produção, sendo que cada um desses processos tem várias etapas. E sobre cada uma dessas etapas há a incidência de COFINS e PIS-PASEP. Agora vamos falar mais especificamente do presunto.
O presunto, obviamente, não surge do nada. Quem o traz? Uma empresa de transportes. Ela o traz de onde? De um frigorífico. E onde o frigorífico arrumou a matéria-prima (porcos) que se transforma em presunto? Em um abatedouro. Quem fornece pro abatedouro? Um suinocultor. Qual a função do suinocultor? Criar os porcos. Como se cria porcos? Com milho e soja. Onde ele arruma milho e soja? Com agricultores. E estes precisam de fertilizantes, que precisam ser manufaturados por vários outros processos de produção, e assim por diante.
Ou seja, aquele simples presunto que você compra no supermercado só chegou àquela prateleira após passar por várias etapas de uma intrincada cadeia produtiva, toda ela devidamente tributada.
(Um adendo: só com esse exemplo já é possível entender por que uma economia planejada é impossível. Imagine se um comitê central seria capaz de gerenciar todos esses processos necessários para a fabricação de um presunto? O fato de o governo nunca ter se interessado em produzir presunto explica por que nunca houve escassez dessa iguaria).
Como seria fisicamente impossível desenvolver o raciocínio para todas as etapas descritas acima, vamos simplificar o processo e abordar apenas duas etapas. Vamos ver o que seria racional para o açougue e a empresa fabricante do presunto — supondo-se que ambas são distintas — fazerem caso os impostos se tornassem pesados em decorrência de um cenário econômico adverso.
Como são distintas, cada uma das empresas tem de pagar uma determinada quantia de impostos para o governo. O COFINS e o PIS-PASEP são recolhidos sobre o faturamento, sendo que o PIS também incide sobre a folha de salários. Suponha que cada uma das empresas tenha pagado R$ 1.000 de impostos (o valor é baixo só pra facilitar). Sendo assim, pela teoria, aparentemente não faria diferença se ambas as empresas estivessem separadas ou integradas. Afinal, no primeiro caso, cada uma pagaria R$ 1.000, ao passo que, no segundo, essa operação integrada pagaria R$ 2.000.
Só que tal teoria desconsidera todos os custos inerentes à contabilidade e aos registros de informações, além de desconsiderar até mesmo os custos que cada empresa despende apenas para se manter em dia com os impostos. Logo, se as empresas se fundissem e fizessem uma integração vertical, centralizando e unificando o pagamento de impostos, os custos seriam menores. Consequentemente, o mais racional seria que a empresa fabricante do presunto e o frigorífico se fundissem, o que faria com que o frigorífico deixasse de fornecer para outras empresas, reduzindo o número de frigoríficos no mercado e, por conseguinte, a concorrência. E isso ocorreria em toda a economia, em vários setores.
É justamente esse fenômeno que está por trás de todo esse surto de fusões, o qual foi catalisado pelo cenário de recessão mundial. Desnecessário também dizer que tais impostos são muito piores para as pequenas empresas do que para as grandes: estas têm mais facilidade para lidar com todos os custos inerentes ao serviço contábil. Como consequência direta, o mercado vai ficando cada vez mais cartelizado, com as pequenas empresas sendo dizimadas, uma vez que não têm como concorrer com as grandes nesse cenário distorcido pelo governo.
Mais ainda: um bom exemplo de como as grandes empresas não se importam tanto com esses impostos, pois eles podem servir como uma regulamentação protecionista, foi a recente cruzada da FIESP contra a CPMF, explicada em detalhes aqui.
Conclusão
O governo cria um sistema tributário completamente irracional (característica essa inerente a todas as ações do governo), que desvirtua todo o mercado e encarece os processos de produção. Para se manterem solventes e competitivas, não resta outra alternativa às empresas senão a fusão. Isso aniquila a concorrência.
Ato contínuo, a Secretaria de Direito Econômico e o CADE entram em ação e começam a deblaterar que o livre mercado está criando monopólios — monopólios esses que só podem ser impedidos pelo estado, como todos sabem. Após a vociferação, a conclusão é uma só: o mercado não pode de modo algum ficar desregulamentado, pois a tendência à criação de monopólios é total. E ganham aplausos.
Portanto, quando você ler ou ouvir notícias sobre fusões ou aquisições, ao invés de condenar o livre mercado, veja quem realmente está causando tudo isso — e aponte o dedo para os verdadeiros culpados.