Thursday, November 21, 2024
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A incerteza e suas exigências – o papel crítico das seguradoras em um livre mercado

freefallQualquer tipo de seguro envolve a combinação de riscos individuais.  Sob esse arranjo, há vencedores e perdedores.  Alguns segurados irão receber mais do que pagaram por suas apólices e prestações, e outros irão pagar mais em apólice e prestações do que receberão em retorno.

Trata-se de uma forma de redistribuição de renda, na qual o dinheiro sai do saudável e vai para o enfermo; mas a característica singular do seguro é que ninguém sabe antecipadamente quem serão os perdedores (os que pagam mais do que recebem) e quem serão os vencedores (os que recebem mais do que pagam).  Todos são distribuídos ao acaso e de modo imprevisível, e a resultante redistribuição de renda que ocorre dentro do consórcio de pessoas seguradas é algo espontâneo e não planejado.

Se não fosse assim — ou seja, se fosse possível prever os vencedores e os perdedores líquidos —, os perdedores não iriam querer compartilhar seus riscos com os segurados vencedores; eles iriam querer compartilhar seus riscos com outros “perdedores”, pagando apólices e prestações mais baixas.

Por exemplo, digamos que minha seguradora quisesse agrupar a cobertura do risco de lesões de uma pessoa como eu, que fica sentada atrás de uma escrivaninha o dia todo, com o risco de lesões de um jogador profissional de futebol.  Nesse caso, podemos facilmente prever que eu acabarei sendo um constante perdedor: dificilmente algo acontece comigo, porém muitos acidentes acontecerão com o jogador profissional de futebol, e minhas prestações teriam de cobrir o risco significativamente mais alto de ele sofrer lesões.

Mas mesmo que os próprios segurados não reconhecessem que invariavelmente há os previsíveis vencedores e perdedores, a livre concorrência no mercado de seguros iria eliminar toda a sistemática redistribuição que inevitavelmente ocorre entre os segurados.[1]  Em um livre mercado, qualquer empresa de seguros que incorresse em constantes arranjos de redistribuição de renda (misturando em um único grupo pessoas que concretamente possuem diferentes tipos de risco) perderia espaço para qualquer empresa que não incorresse nesse tipo de prática.  Outras empresas poderiam perceber que existem pessoas que passam o dia todo sentadas atrás de mesas e que raramente caem da cadeira e se machucam.  Elas iriam perceber que poderiam lucrativamente oferecer apólices e prestações mais baixas para esses sedentários e segurá-los em um grupo separado daquele que concentra atletas profissionais.

E ao oferecerem prestações baixas, elas obviamente iriam atrair aquelas pessoas que estão sem seguro.  Como resultado, as várias empresas que vinham misturando sem qualquer critério seus clientes (colocando clientes de baixo risco no mesmo grupo de clientes de alto risco), teriam então de elevar as prestações para os clientes de alto risco, que passariam então a pagar um valor naturalmente mais alto, como tem de ser.

A concorrência no mercado de seguros levaria a um refinamento cada vez maior dos subagrupamentos de pessoas, sendo que cada grupo tenderia a ser internamente o mais homogêneo possível.  A discriminação dos grupos e subgrupos ocorreria de acordo com os riscos reais de cada grupo, e as apólices e prestações de cada grupo iriam refletir os seus genuínos riscos de seguro — e os preços na média tenderiam a cair devido à concorrência.

Para colocar um cliente individual no grupo certo, o segurador tem de discriminar de acordo com vários critérios.  Para os casos de riscos de enchentes, furacões, terremotos ou incêndio, as seguradoras utilizariam critérios regionais ou geográficos.  Para o caso de seguro de saúde, elas poderiam utilizar características biológicas ou genéticas.  Determinados critérios comportamentais ou de estilo de vida também poderiam ser observados: fumantes e não fumantes, pessoas que lidam com certas ocupações que geram maiores ou menores riscos, e assim por diante.

As limitações da segurabilidade

Existem riscos contra os quais nós simplesmente não podemos nos segurar?  Mises define os eventos contra os quais podemos nos segurar como “eventos de risco”, e ele utiliza um conceito que ele chama de “probabilidade de classe” para definir esses eventos de risco seguráveis:

Probabilidade de classe significa o seguinte: sabemos ou presumimos saber tudo sobre o comportamento de uma classe de eventos ou fenômenos; mas, quanto a específicos eventos singulares, não sabemos nada, a não ser que são elementos dessa classe.[2]

E então ele dá alguns exemplos:

Suponhamos uma estatística sobre mortalidade registrada em uma determinada área, num certo período de tempo. Se considerarmos que não haverá variação em relação à mortalidade, podemos dizer que sabemos tudo em relação à mortalidade da população em questão. Mas, quanto à expectativa de vida de um determinado indivíduo, nada podemos afirmar, a não ser que este indivíduo faz parte daquele grupo de pessoas.

Outro exemplo:

Imaginemos que uma caixa contenha bilhetes com o nome de dez pessoas e que o nome sorteado teria de pagar cem dólares. Quem contratasse um seguro com todos os participantes, mediante um prêmio de dez dólares cada, poderia garantir ao perdedor uma indenização integral, uma vez que haveria arrecadado cem dólares e pagaria esta importância a um deles. Mas, se segurasse apenas um deles pelo mesmo prêmio de dez dólares, não estaria fazendo uma operação de seguro e, sim, jogando.

E então ele diz, concluindo:

O aspecto característico de uma operação de seguro consiste em lidar com toda a classe de eventos. Supondo que conhecemos tudo sobre o comportamento de todos os elementos da classe, deixa de haver risco comercial numa operação de seguro.

Tampouco existe o risco na operação de um cassino ou de uma loteria. No caso da loteria, o resultado é previsível, se todos os bilhetes foram vendidos. Se alguns bilhetes não foram vendidos, o empresário da loteria está, em relação a esses bilhetes, na mesma situação que um comprador qualquer em relação aos bilhetes que este comprou.

Agora observe novamente que essa definição do que ele chama de “probabilidade de classe” implica a ausência de qualquer redistribuição sistemática de renda: se eu nada sei sobre o risco individual de qualquer indivíduo em particular, exceto o fato de que ele é membro de algum grupo conhecido por ser um grupo de risco, então toda a redistribuição terá de ser necessariamente aleatória.  Isso também implica que os casos individuais que são agrupados em um grupo de risco são homogêneos.  Dentro do grupo, não é possível dizer qual a diferença entre um indivíduo e outro.  Isso implica também que o real evento contra o qual se fez o seguro irá ocorrer acidentalmente — um evento imprevisível para o indivíduo.

Agora, por exclusão, podemos também abordar as questões complementares: quais tipos de eventos não são seguráveis?  Quando o agrupamento de riscos é impossível?

Um risco não segurável é aquele que apresenta as seguintes condições: se, em relação a um determinado risco, eu conheço alguns ou todos os fatores que determinam seu resultado, então tal risco deixa de ser acidental; se sua probabilidade pode ser individualmente afetada, então consequentemente esse risco não pode ser segurado.  Formulando de outra maneira, tudo aquilo que está sob controle parcial ou total de um indivíduo não pode ser segurado — não pode ser agrupado em categorias de risco —, pois cai dentro do âmbito da responsabilidade pessoal ou individual.

Qualquer risco que pode ser influenciado pelas ações do indivíduo não pode, portanto, ser segurável; somente aquilo que não é controlável por meio de ações individuais é segurável — e apenas se houver distribuições de frequências no longo prazo.  Da mesma forma, se algo que inicialmente não era controlável torna-se controlável, então esse algo perderá a condição de segurável.  Com relação ao risco de um desastre natural — enchentes, terremotos, furacões, incêndios —, o seguro é obviamente possível.  Esses eventos estão fora do controle de um indivíduo, e eu nada sei sobre meu risco individual, exceto o fato de eu ser ou não um membro de um grupo que está, como um grupo, exposto a um determinado risco de enchente ou de terremoto ou de incêndio.

Em contraste, peguemos por exemplo o risco de se cometer suicídio.  Seria possível uma pessoa adquirir um seguro (compartilhar seu risco com outras) contra suicídio?  A resposta deveria ser óbvia: tal coisa não é uma iniciativa viável para uma empresa de seguros.  Afinal, eu tenho total controle sobre se eu vou ou não deliberadamente me matar.  Uma seguradora que oferecesse seguro contra suicídio iria obviamente atrair potenciais suicidas.  Eu poderia ir até essa seguradora — porque quero fazer um grande favor à minha esposa —, pagar a apólice e depois dar um tiro na minha cabeça.  E então minha esposa tornar-se-ia uma milionária.  Empresas de seguro que se dispusessem a oferecer seguros desse tipo iriam rapidamente desaparecer do mercado.

Ou peguemos outro exemplo.  Seria possível adquirir seguro contra incêndio proposital — isto é, contra o risco de eu incendiar toda a minha casa intencionalmente?  De novo, a resposta parece muito clara: qualquer evento que eu possa deliberadamente provocar (ou cuja probabilidade eu possa afetar) não é, a rigor, um evento segurável.  O risco de minha casa pegar fogo em decorrência de um relâmpago é um evento segurável; o risco de eu colocar fogo propositalmente em minha casa não é um evento segurável.

Agora peguemos o exemplo do desemprego.  Como você sabe, existe algo chamado “seguro-desemprego”.  No mundo moderno inventamos a arte de nomear incorretamente as coisas, de aplicar termos que são completamente inapropriados e, em seguida, tentar enganar as pessoas, fazendo-as acreditar que, por termos mudado as palavras, mudamos também a natureza das coisas.

O desemprego é um risco não segurável.  Eu tenho total controle sobre estar empregado ou não estar empregado.  Tudo o que tenho de fazer é dizer ao meu chefe o que eu realmente penso dele e rapidamente eu estarei desempregado.  Por outro lado, se eu estiver disposto a aceitar reduções salariais ou se eu me dispuser a trabalhar por um salário baixo, eu estarei constantemente empregado.  Se eu aceitasse trabalhar de graça, eu estaria empregado.  Portanto, obviamente esse não é um risco segurável.  Ele cai no âmbito da responsabilidade individual.

Eis um exemplo que vai começar a nos levar em direção à questão do seguro de saúde, um dos principais e mais importantes seguros que existem: o risco de não se sentir bem pela manhã e não se levantar da cama.  Nenhuma seguradora poderia jamais cobrir tal “risco”, pois as pessoas têm ao menos algum controle sobre como elas se sentem pela manhã.  Se eu possuísse seguro contra esse risco — cujo prêmio me seria pago sempre que eu não me sentisse bem —, você pode ter certeza de que eu passaria muito mais tempo na cama do que passo atualmente.

Com relação a todos esses riscos, portanto, eu não posso dizer: “Eu não sei nada sobre um determinado risco, exceto o fato de que sou uma pessoa e todas as pessoas são afligidas por esses riscos com uma certa frequência”.  Com efeito, eu sei consideravelmente mais sobre meus riscos particulares, assim como você sabe consideravelmente mais sobre os seus riscos particulares.

Peguemos um exemplo sobre o qual temos ao menos um controle parcial.  Poderia eu fazer seguro contra o risco de ter prejuízos em minha empresa?  É óbvio que não.  Embora eu não possa exercer qualquer controle direto sobre as ações dos compradores e não compradores dos meus produtos (que são quem determinam diretamente meus lucros e prejuízos), eu tenho algum controle sobre o sucesso ou o fracasso do meu empreendimento.  Eu tenho controle dos meus custos de produção, assim como do tipo, qualidade e preço dos produtos que produzo.  Aliás, posso deliberadamente ter prejuízos caso eu queira.  Seria impossível eu compartilhar meus riscos com outros empreendedores, como se prejuízos fossem algo tão aleatório quanto ser atingido por um raio.

Agora que fizemos esta distinção entre eventos acidentais, que são seguráveis, e eventos que não são seguráveis porque a ação individual pode afetar sua probabilidade, o que então podemos dizer sobre a possibilidade do seguro de saúde?

A primeira coisa que podemos dizer é que a enfermidade é segurável somente na medida em que o risco de saúde para um determinado grupo é puramente acidental.  Tal é o caso com certas formas de seguro contra acidentes, ou mesmo para eventos como câncer.  Porém, para a maioria dos riscos de saúde teríamos de dizer que eles caem no domínio do controle individual, e muito pouco desse âmbito é realmente segurável.  Tais riscos devem ser assumidos individualmente e devem ser pagos pela poupança do indivíduo.

Sempre que se debate algo relacionado a seguros de saúde, raramente se menciona o fato de que certas coisas são completamente não seguráveis.  Mises foi a exceção.  Em 1922, muito antes de qualquer debate público amplo sobre seguros de saúde, Mises abordou essas questões em seu livro Socialism.  Aqui vai uma citação altamente reveladora:

Os intelectuais defensores da seguridade social — assim como para os políticos que a implementaram —, creem que doença e saúde são duas condições do corpo humano claramente separadas uma da outra, e sempre diagnosticadas sem qualquer dúvida ou dificuldade.  Qualquer médico poderia diagnosticar as características da “saúde”.  Já a “doença” seria um fenômeno corpóreo que aparece independentemente da vontade humana e que não é suscetível às influências dessa vontade.

E então ele faz um comentário sobre essa postura:

Ocorre que cada afirmação dessa teoria é falsa.  Não existe uma fronteira claramente definida entre a saúde e a doença.  Estar doente não é um fenômeno independente de vontade consciente e de forças psíquicas atuando no subconsciente.  A eficiência de um homem não é meramente o resultado de sua condição física; ela depende amplamente de sua mente e de sua determinação.  Assim, toda a ideia de que é possível, por meio de exames médicos, separar o incapaz dos capazes e dos fingidores, bem como separar aqueles que são aptos a trabalhar daqueles que não são, é insustentável.

Aqueles que acreditam que seguro-saúde e seguro contra acidentes podem se basear em meios totalmente eficazes de certificar doenças, ferimentos e suas consequências estão redondamente enganados.  O aspecto destrutivo do seguro-saúde e do seguro contra acidentes está, acima de tudo, no fato de que tais instituições promovem (subsidiam) acidentes e doenças, retardam a recuperação, e muito frequentemente criam — ou de alguma forma intensificam e prolongam — os distúrbios funcionais que se seguem às doenças ou aos acidentes.

Voltando ao exemplo que dei antes: suponha que pudéssemos adquirir seguro contra o fato de não estarmos nos sentindo bem o bastante para levantar da cama pela manhã.  É fácil ver que isso iria criar uma classe de malandros fingidores e iria desestimular as pessoas a saírem da cama, independentemente de quais fossem as suas condições físicas.

Agora, à luz de tudo isso, quando olhamos para a questão do seguro de saúde seria de se esperar que a maioria dos riscos fosse assumida individualmente.  O seguro (o ajuntamento de riscos em grupos) teria de ser limitado àquelas variedades de riscos que são estritamente acidentais — e mesmo assim ainda haverá indivíduos que poderão fraudulentamente provocar “acidentes”, como é bem frequente nos casos que envolvem indenizações trabalhistas.

E, é claro, as empresas de seguro teriam de oferecer coberturas estritamente limitadas: não haveria coberturas para riscos recém-descobertos, por exemplo.  Também não haveria algo como “custo a mais” — no qual, por exemplo, minha casa se incendeia completamente e eu posso obrigar a seguradora a comprar pra mim uma casa maior.  A seguradora iria segurar a casa somente até o valor contratado.  Tal tipo de “custo a mais” ocorre no setor de saúde sempre que uma seguradora é obrigada a cobrir qualquer procedimento que os médicos recomendam aos seus pacientes.

Em um amplo sentido, os prêmios dos seguros seriam na forma de indenizações ou de pagamentos à vista.  Algumas seguradoras poderiam oferecer serviços em espécie por meio de prestadoras de serviço específicas e restritas, mas essa opção seria menos atrativa tanto para a maioria dos clientes quanto para a maioria das seguradoras.

Qualquer expansão adicional do setor de seguros na área da saúde estaria severamente restrita a pouquíssimos grupos de indivíduos extremamente homogêneos (indivíduos esses que comprariam, de um fornecedor específico, serviços de saúde individuais).  Podemos imaginar, por exemplo, que as pessoas iriam criar serviços de seguridade mútua caso seu grupo pudesse exercer um extremo controle social sobre os membros.  Para garantir que malandros não seriam incluídos, os membros de tal grupo teriam de ter uma visão de mundo bastante similar.

Porém, se olharmos para a realidade do mercado de seguros de saúde, imediatamente percebemos que a atual situação em quase nada se parece com aquela que seria esperada em um livre mercado de seguros.  A característica principal da atual situação é que grupos de risco manifestamente distintos são agrupados conjuntamente na mesma vala.  Ademais, o atual sistema de seguro-saúde cobre riscos que são, a rigor, não seguráveis.

Em grande medida, o sistema de seguros de saúde tornou-se uma forma de assistencialismo, um mecanismo de redistribuição de renda.  O que provocou isso?  A regulação do setor.

A regulação estatal do setor de seguros

O mercado de seguros sofre várias distorções decorrentes das regulamentações impostas pelo estado.  Mas, como sempre acontece com mercados regulados, as imposições estatais trazem vantagens e desvantagens para as seguradoras.

Por um lado, à medida que as empresas de seguro vão sendo obrigadas pelo estado a cobrir um número cada vez maior de riscos não seguráveis, elas são continuamente forçadas a aumentar os valores das prestações cobradas.  E elas podem aumentar despreocupadamente seus preços porque o setor é extremante regulado, o que significa que praticamente inexiste a ameaça de entrada de novos concorrentes.  Para piorar, a prática de discriminação por parte das seguradoras, que poderiam rejeitar determinados clientes, vem sendo continuamente proibida pelo estado, um fator que também ajuda em muito a elevar os preços.

Porém, à medida que os preços sobem, mais e mais pessoas vão saindo do mercado de seguros.  Elas percebem que a maioria dos riscos que as apólices são obrigadas a cobrir não se aplica a elas, o que as obriga a fazer uma escolha racional entre duas opções: ou elas ficam “ultra-seguradas” e pagando prestações extremamente altas para isso, ou elas ficam sem seguro algum.  Vale lembrar que, sempre que o estado obriga as seguradoras a aceitar qualquer tipo de cliente — sob a justificativa de que as pessoas têm direito à saúde —, os preços sobem e consequentemente mais pessoas ficam impossibilitadas de adquirir um plano.  Logo, o fato de muitas pessoas não terem um plano de saúde é precisamente o efeito das políticas intervencionistas criadas justamente para impedir que isso acontecesse.

É cada vez mais racional para as pessoas não terem um seguro de saúde.

É claro que ficar de fora do mercado de seguros é uma coisa arriscada, mas os indivíduos jovens e saudáveis seriam praticamente loucos se aceitassem pagar as altas prestações cobradas pelas seguradoras — consequência do fato de terem de subsidiar todos os estilos de vida insalubres (os quais as seguradoras não podem discriminar) e de terem de pagar pela cobertura de riscos que eles sabem que não se aplicam a eles.

Essa é uma lição da lógica do intervencionismo.[3]  O primeiro ato intervencionista criou uma enorme bagunça — as apólices e as prestações de seguro estão sempre subindo porque as seguradoras não mais podem discriminar corretamente e são também obrigadas a cobrir riscos não seguráveis.  Isso faz com que um número cada vez maior de pessoas saia do sistema.  Para aquelas que permanecem seguradas, as prestações têm de subir para compensar todas as que saíram.

A etapa seguinte — medida que já está bastante avançada nos EUA, por exemplo — é tornar o seguro-saúde compulsório.  É proibido não ter e é proibido sair!  Se tal medida for adotada — um seguro-saúde compulsório com todas as outras medidas inalteradas —, os preços obviamente vão disparar.

E o que vai acontecer em seguida?  Isso também é algo que pode ser facilmente previsto: imposição de controle de preços.  O público irá se rebelar e gritar, “Os preços estão fora de controle!  O governo tem de fazer alguma coisa!”  Mas tudo o que o governo pode fazer é praticar controle de preços.  O que acontece quando há controle de preços?  Uma enorme escassez em vários serviços — como ocorre em lugares como o Canadá, onde você não consegue certos tipos de tratamentos e há filas de espera de até cinco anos para outros tipos.

Todo o fornecimento de serviços de saúde irá se tornar crescentemente politizado: o governo irá criar uma lista de doenças boas — para as quais você ganha tratamento (como a AIDS, tenho certeza) — e de doenças ruins, como aquelas provocadas pelo tabagismo.  Aqueles que tiverem as doenças ruins, o governo deixará morrer.

Para onde tudo isso leva, portanto?  A intervenção no mercado de seguros gera uma crescente perda do senso responsabilidade individual e estimula um comportamento imediatista e de pouca preocupação para com o futuro.  Permita-me oferecer mais uma citação de Mises, que foi extremamente presciente quanto a tudo isso:

As forças psíquicas que são ativas em todos os seres vivos, incluindo o homem, na forma do desejo de ter saúde e vontade de trabalhar, não são independentes do ambiente social.  Certas circunstâncias fortalecem essas forças; outras, enfraquecem-nas.  O ambiente social de uma tribo africana que vive da caça é decididamente calculado de forma a estimular essas forças.  O mesmo é válido para o ambiente — bem distinto desse último — de uma sociedade capitalista, onde há propriedade privada e os indivíduos praticam a divisão do trabalho.

Por outro lado, essas forças são enfraquecidas por uma ordem social que promete que, caso a capacidade de trabalho do indivíduo seja afetada pela enfermidade ou pelos efeitos de algum trauma, ele deverá viver sem trabalhar ou trabalhando pouco, e de modo algum deverá sofrer uma redução perceptível em sua renda.

A seguridade social, dessa forma, fez com que a neurose do segurado se tornasse uma perigosa doença pública.  Caso essa instituição seja ampliada e desenvolvida, a doença irá se espalhar.  E não há reforma alguma que possa ajudar.  Não se pode enfraquecer ou destruir o desejo de se ter saúde sem que isso acabe produzindo mais enfermidades.

Conclusão

Diminuir os preços dos seguros de saúde, ampliar a oferta e universalizar seu acesso é uma tarefa simples, porém trabalhosa.  Envolve uma desregulamentação completa tanto do setor de seguros, quanto das agências reguladoras e das entidades de classe, que servem apenas para cartelizar o setor médico, inibir a maior oferta de serviços e manter os preços artificialmente altos — e com isso garantindo maiores privilégios para a classe.

Para um plano de ação detalhado:

Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

_______________________________________

Notas

[1] A menos, é claro, que haja alguma motivação da parte do segurado em subsidiar outros grupos.  Se eu sou fã de jogadores de futebol e não me importo em pagar prestações mais altas para cobrir os riscos deles, então essa sistemática redistribuição de renda pode ocorrer.

[2] Mises, Ação Humana, Capítulo 6, Seção 3.

[3] “O intervencionismo não pode ser considerado um sistema econômico que veio para ficar.  Ele é apenas um método para a transformação do capitalismo em socialismo por meio de uma série de etapas sucessivas.” Ludwig von Mises, “Políticas conciliatórias levam ao socialismo”

Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe
Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e A Economia e a Ética da Propriedade Privada.
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Joaquim Saad on O Retorno à Moeda Sólida
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Maurício J. Melo on Juízes contra o Império da Lei
Revoltado on George Floyd se matou
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Juan Pablo Alfonsin on Normalizando a feiura e a subversão
Cláudio Aparecido da Silva. on O conflito no Oriente Médio e o que vem por aí
Maurício J. Melo on A economia e o mundo real
Maurício J. Melo on George Floyd se matou
Victor Camargos on A economia e o mundo real
Pobre Mineiro on George Floyd se matou
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Universitário desmiolado on A precária situação alimentar cubana
JOSE CARLOS RODRIGUES on O maior roubo de ouro da história
Historiador Libertário on Rothbard, Milei, Bolsonaro e a nova direita
Pobre Mineiro on Vitória do Hamas
Edvaldo Apolinario da Silva on Greves e sindicatos criminosos
Maurício J. Melo on Como se define “libertário”?
Maurício J. Melo on A economia da guerra
Alexander on Não viva por mentiras
Lady Gogó on Não viva por mentiras
Roberto on A era da inversão
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Samsung - Leonardo Hidalgo Barbosa on A anatomia do Estado
Maurício J. Melo on O Anarquista Relutante
Caterina Mantuano on O Caminho da Servidão
Maurício J. Melo on Mais sobre Hiroshima e Nagasaki
Pedro Lopes on A realidade na Ucrânia
Eduardo Prestes on A verdade sobre mães solteiras
Guilherme on Imposto sobre rodas
José Olimpio Velasques Possobom on Precisamos de verdade e beleza
Ex-microempresario on A OMS é um perigo real e presente
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Maurício J. Melo on Rothbard sobre o utilitarismo
LUIZ ANTONIO LORENZON on Papa Francisco e a vacina contra a Covid
Juri Peixoto on Entrevistas
Maurício J. Melo on Os Incas e o Estado Coletivista
Marcus Seixas on Imposto sobre rodas
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Maurício J. Melo on Imposto sobre rodas
Lucas Q. J. on Imposto sobre rodas
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Joaquim Saad on A justiça social é justa?
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Fernando Chiocca on A ética da liberdade
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Maurício José Melo on Lacrada woke em cima de Rothbard?
José Carlos Munhol Jr on Lacrada woke em cima de Rothbard?
Fernando Chiocca on Lacrada woke em cima de Rothbard?
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Adversário do Estado on Lacrada woke em cima de Rothbard?
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Robertodbarros on Precisamos de verdade e beleza
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