N. do T: o artigo a seguir apresenta aquela que talvez seja a melhor e mais clara explicação sobre o que é realmente o livre mercado – esse arranjo econômico tão vilipendiado e deturpado pelo establishment acadêmico e midiático, não obstante ambos não tenham a mínima ideia do que ele seja.
Todos nós já nos deparamos, ao navegar pela internet, com algumas postagens de blog completamente ignaras. Na maioria das vezes, você simplesmente ignora o ignorante. Afinal, você poderia passar o resto da sua vida corrigindo esses robôs automatizados que são incapazes de apresentar algum pensamento original ou inconvencional não importa o quanto você os estume. Todas as bobagens que o professor da sétima série os ensinou continuam absolutamente intactas em suas mentes.
Entretanto, ocasionalmente, para o bem da sua própria consciência e para o bem daqueles leitores que suspeitam que toda a ladainha está errada, mas que não sabem exatamente onde está o erro, você vai à forra e solta uma resposta completa. E é isso que estou fazendo aqui em resposta a um tópico chamado “Peter Schiff: Os Usuários do Medicare [espécie de seguro-saúde financiado pelo governo dos EUA] São Preguiçosos que se Recusam a Pagar Pela Própria Saúde”
Este artigo é um pouco mais longo do que os meus artigos tradicionais, mas espero não testar demasiadamente a paciência do leitor. Em negrito estão as palavras do autor da postagem, que se identifica a si próprio, curiosamente, simplesmente como “Che”.
Aqui vamos nós.
Adoro quando economistas de direita falam sobre “forças de mercado” e “deixar o livre mercado gerir a economia.” Eles fazem parecer como se o livre mercado fosse algum ser altruísta que sempre sabe exatamente o que fazer e quando fazer.
Eu não conheço ninguém que endosse essa caricatura típica de ginasial. Em primeiro lugar, nenhum economista pró-livre mercado é idiota o suficiente para usar uma frase como “deixar o livre mercado gerir a economia.” O livre mercado é simplesmente uma matriz onde os indivíduos praticam trocas livres e voluntárias. Como pode uma matriz onde há essa liberdade de trocas “gerir” alguma coisa?
Segundo, nenhum economista pró-livre mercado crê que o mercado “sempre sabe exatamente o que fazer e quando fazer”. Se esse fosse o caso, como esses economistas iriam explicar o fenômeno das falências empresariais?
O verdadeiro argumento defendido pelos economistas pró-livre mercado é que, no livre mercado, as decisões relativas a (1) o que produzir, (2) em quais quantidades, (3) utilizando quais métodos e (4) em quais locais, são tomadas visando satisfazer às mais urgentes demandas dos consumidores. As empresas, desde que operando em ambiente concorrencial, descobrem rapidamente o que os consumidores querem e o que eles não querem – e elas ajustam suas decisões de produção em conformidade com esses desejos manifestados pelos consumidores.
Quando uma determinada indústria aufere lucros, isso significa que ela está utilizando seus fatores de produção de uma maneira que agrada aos consumidores. Como resultado, a produção naquela indústria tende a expandir. Da mesma forma, quando uma indústria está tendo prejuízos, isso significa que seus fatores de produção estão sendo empregados em linhas de produção que não estão satisfazendo os consumidores adequadamente. Logo, essa indústria está destruindo riqueza. A única solução que lhe resta é deslocar seus fatores de produção para outras linhas de produção que possam produzir algo mais em sintonia com o real desejo dos consumidores.
Há ilimitadas maneiras de as empresas combinarem seus fatores de produção de modo a produzir um igualmente ilimitado arranjo de bens. Felizmente, o mercado faz com que as empresas não tenham de tatear no escuro, sem saber quais dessas trilhões de decisões devem ser tomadas.
Se o processo de produção implantado por elas utiliza um determinado insumo que está sendo mais urgentemente demandado em outra linha de produção, esse insumo lhes custará mais caro, o que as obrigará a encontrar um substituto. Se elas produzirem algo em excesso, os prejuízos resultantes irão induzi-las a produzir menos, o que irá liberar recursos para a produção de algum outro bem que os consumidores estejam desejando mais urgentemente. A todo o momento, os recursos estão sendo direcionados – de acordo com os desejos dos consumidores – para aqueles processos de produção em que eles são mais urgentemente demandados.
Portanto, não, os mercados não sabem “exatamente o que fazer e quando fazer” – uma caricatura infantil. Porém, as respostas fornecidas pelos consumidores, que com suas decisões escolhem o que consumir e o que não consumir, estão constantemente levando os mercados a uma utilização mais eficiente dos recursos limitados.
O governo, por outro lado, não tem uma base racional para determinar o que produzir, em quais quantidades, com quais métodos, e daí por diante. Ele não adquire seu dinheiro fornecendo algum bem que as pessoas voluntariamente escolhem comprar; ele adquire seu dinheiro simplesmente confiscando os fundos de sua população vassala.
Dado que o governo não precisa seguir as respostas fornecidas pelo mecanismo de lucros e prejuízos, cada decisão que ele toma sobre algum processo de produção é inteiramente arbitrária, e necessariamente implica o desperdício de recursos. Ele opera completamente no escuro. Ele não pode se ajustar às demandas do consumidor, uma vez que não há como o governo calcular qual a melhor e menos esbanjadora maneira de produzir. Mais do que isso, ele nem mesmo pode saber o que produzir.
O livre mercado não é uma entidade sem emoção e que sabe de tudo. Ele é controlado por humanos suscetíveis à ganância, à corrupção e à exploração. O livre mercado é tão puro quanto os falíveis seres humanos que o controlam.
Como vimos, o livre mercado é apenas uma matriz de trocas. Portanto, ninguém em seu perfeito juízo o descreveria como algum tipo de “entidade”, seja ela “sem emoção”, “que sabe de tudo” ou “amarela com pontinhos roxos”.
Vamos lidar com a questão da “corrupção” e da “exploração” mais abaixo. Mas no que tange a encantadora devoção de Che ao governo, ele parece não considerar que seus próprios funcionários podem estar suscetíveis à ganância, à corrupção e à exploração. Mais adiante ele sugere que os políticos corruptos podem simplesmente ser retirados de seus cargos por meio do voto (Ei, Che, na sua opinião, como essa ideia vem funcionando até agora?). Ele não considera a possibilidade de que as empresas que não produzem aquilo que os consumidores querem podem, da mesma forma, ser democraticamente retiradas da economia – bastando para tal que os consumidores se abstenham de comprar seus produtos.
Se os princípios de livre mercado pudessem atuar desimpedidamente, como Schiff preconiza, o que ocorreria é que tudo seria baseado na maximização do lucro.
Nesse ponto todos nós supostamente deveríamos arregalar os olhos, aterrorizados com tal panorama. Afinal, tanto Michael Moore quanto nosso professor da sétima série já nos alertaram para a perversidade dos “lucros”. De fato, o que mais há para ser dito?
Porém, como vimos acima, o lucro é simplesmente a maneira de a sociedade aprovar as decisões de produção adotadas por uma empresa. O lucro indica aquilo que os consumidores querem, bem como – por meio do processo de imputação [teoria que diz que os preços dos fatores são determinados pelos preços dos produtos] – o melhor processo para se produzir tal bem ou serviço.
Os lucros atraem mais investimentos para uma dada linha de produção. Isso vai levar a um aumento dos bens produzidos. Tal processo vai continuar ocorrendo até que esse aumento da oferta de bens naquela indústria acabe por trazer a taxa de retorno de volta ao nível existente em outros setores da economia. É assim que garantimos que nossos limitados recursos não serão desperdiçados, e que os bens mais urgentemente desejados serão produzidos.
Na ausência do lucro como força motriz, como exatamente Che gostaria de ver os recursos sendo alocados? Podemos ou permitir que as preferências dos consumidores guiem a produção, ou deixar que as preferências pessoais de um monopolista (ou seja, o governo) determinem o que deve ser produzido e como. Quando a questão é colocada dessa forma, a escolha torna-se muito clara – e é exatamente por isso que a questão nunca é formulada dessa maneira.
Só de curiosidade, será que Che preferiria basear as decisões econômicas na maximização dos prejuízos? Será que tal arranjo seria melhor?
Surgem dois grandes subprodutos quando o único interesse de uma economia é o lucro.
1. A qualidade diminui porque as arestas precisam ser aparadas a fim de se poupar dinheiro e poder competir (veja a China)
Che, pense nisso por um minuto. Suponha que você tenha uma economia na qual o lucro não desempenhasse absolutamente nenhuma função. A qualidade aumentarianesse caso? Será que desfrutaríamos de produtos de qualidade crescente caso as empresas não tivessem de satisfazer o público consumidor (que é o que ‘obter lucros’ significa) para poderem continuar operando no mercado?
Você não acha que se as empresas fossem liberadas da necessidade de obter lucros elas se tornariam preguiçosas ou indiferentes às demandas do consumidor? Você acha que elas trabalhariam horas extras para fazer produtos de alta qualidade apenas pelo bem da humanidade, ou da pátria-mãe ou de qualquer outra abstração que o regime viesse a inventar?
Se os consumidores querem mercadorias de alta qualidade, os produtores irão competir entre si para atendê-los. Se todas as empresas estiverem produzindo porcarias de baixa qualidade, haverá aí uma enorme oportunidade de lucro à espera daquele que entrar no mercado e simplesmente melhorar a qualidade do produto. Você não crê que essas diabólicas corporações iriam agarrar essa chance de lucro? Por que, em seu imaginativo cenário, esses personagens perversos, maliciosos e gananciosos repentinamente perdem sua motivação de obter lucros?
Você dirá que os consumidores não pagariam preços mais altos por mercadorias de qualidade. Mas de onde vem tão arbitrária declaração? Se eles não vão pagar os preços mais altos, então isso significa que eles estão satisfeitos com o atual nível de qualidade, e que o dinheiro que eles poderiam gastar com esses produtos aperfeiçoados será, na visão deles, melhor utilizado caso seja gasto em outras coisas – em produtos básicos e sem luxo, por exemplo.
Você, Che, não está em posição de julgar a decisão deles. Se os consumidores estão dispostos a pagar preços mais altos, então empresas mais sofisticadas irão atender aos anseios deles – e caso você faça um mínimo de esforço e consiga olhar ao seu redor, verá que é exatamente assim que a economia de um país minimamente livre funciona.
Afinal, não há um limite para a potencial qualidade das mercadorias. Por exemplo, uma pessoa pode comprar uma casa toda feita de ouro. Mas isso não significa que todas as outras pessoas que não querem viver em uma choça de palha só irão se contentar com moradias banhadas a ouro. Há inúmeras possibilidades para um meio termo. Não há uma maneira – que não seja totalitária – de decidir qual deve ser a proporção entre qualidade e acessibilidade que as pessoas podem escolher. Apenas os gastos voluntários praticados pelos consumidores, bem como as decisões de produção baseadas nesses gastos, podem fazer essa decisão.
De qualquer forma, mais uma vez tudo o que precisamos fazer é olhar ao redor para encontrarmos a refutação para essa estranha afirmação de Che. Os automóveis de hoje são de pior qualidade do que eram em, digamos, 1977? Será que alguém hoje se disporia a trocar seu Blu-ray por um videocassete de 1981? Eu poderia acrescentar que o Blu-ray também custa um pouquinho menos, em termos reais, do que o videocassete custava em 1981. Acredito em você quando diz que há algo de perverso em tudo isso, Che, mas eu simplesmente não consigo ver.
2. Os salários diminuem, pois a ânsia de lucro da parte dos empregadores coloca os trabalhadores em luta entre si. Por exemplo, se não houver regulamentações trabalhistas, eu posso pagar significativamente menos a uma mulher para ela fazer o mesmo trabalho de um homem. Isso força os salários para baixo, pois agora um homem terá de aceitar um salário menor caso ele queira um emprego.
É por isso que aqueles que não entendem de química não escrevem sobre química, e os não botânicos ficam longe da botânica. Nesse ponto, nosso autor está simplesmente criando coisas.
Uma enormidade poderia ser dita aqui, inclusive o fato óbvio de que, embora os trabalhadores realmente compitam entre si (assim como o fazem todos os fatores de produção), os empregadores têm de competir pelostrabalhadores, assim como eles têm de competir pelo aço ou por qualquer outro insumo. Porém, para uma simples réplica à alegação de que sob condições concorrenciais os salários vão cair, façamos a seguinte pergunta: isso de fato ocorreu?
Nos EUA, por exemplo, durante o século XIX, sem que houvesse nenhuma das instituições que Che acredita serem indispensáveis para fazer os salários subirem, os salários reais quadruplicaram. Isso não poderia ter acontecido, de acordo com ele – a concorrência entre os trabalhadores deveria ter derrubado os salários. Mas em quem você vai acreditar, em Che ou em seus próprios olhos?
Mas agora prossigamos para a segunda afirmação: em um livre mercado, Che poderia pagar a uma mulher menos do que a um homem, o que significa que consequentemente os homens teriam de aceitar salários mais baixos.
Não me surpreende que Che creia que os salários são determinados pelos caprichos arbitrários dos empregadores – este é, afinal, o pensamento convencional que perpassa o público em geral, e seria inimaginável se afastar dele. Evidentemente, devemos nos apegar incontestavelmente a tudo aquilo que nosso professor de ciências sociais nos ensinou.
Mas, se em um genuíno livre mercado as empresas podem arbitrariamente diminuir os salários das mulheres, política essa que logo depois inevitavelmente se estenderia aos homens, por que então elas não diminuem os salários de ambos hoje mesmo? A legislação que impõe igualdade de pagamento para ambos os sexos não diz nada sobre a diminuição dos salários; portanto, por que os empregadores não vão adiante e utilizam seus poderes mágicos para reduzir os salários agora mesmo? Por que eles deveriam esperar que a legislação de igualdade de pagamento seja repelida para só então seguir o convoluto caminho de Che (primeiro diminuir os salários da mulheres e então obrigar os homens a também aceitar os salários mais baixos?)
A resposta óbvia é que os salários não são arbitrários. Se as empresas tentassem fazer aquilo que Che propõe, o resultado não seria a redução dos salários dos homens. A disputa pela mão-de-obra iria inevitavelmente voltar a elevar os salários das mulheres.[1]
Não há razão em fingir que o nível de pagamento que os trabalhadores usufruem atualmente tem alguma coisa a ver com o salário mínimo ou com os sindicatos; a vasta maioria dos americanos, por exemplo, ganha bem acima do salário mínimo, e os sindicatos sempre foram um fator negligenciável nos EUA. Por toda a história, os salários dos trabalhadores americanos sempre superaram os salários dos países europeus, muito mais fortemente sindicalizados. Che não consegue explicar nada disso; segundo sua lógica, todos deveriam estar ganhando salário mínimo.
Também, completamente negligenciada na análise de Che está a tendência de os salários reais aumentarem no livre mercado.
Como ocorre esse processo? Quando as empresas aumentam e melhoram os equipamentos e maquinários à disposição dos trabalhadores, sua mão-de-obra torna-se mais produtiva. Imagine uma pessoa utilizando suas próprias mãos para empilhar paletas ao invés de uma empilhadeira; ou produzindo livros com uma impressora do século XVI ao invés de equipamentos mais modernos. A quantidade de produção da qual a economia é capaz é dessa forma aumentada, de maneira quase sempre acentuada, e esse aumento na produção pressiona para baixo os preços dos bens de consumo (em relação aos salários).
Contudo, não há nada de natural ou de inevitável quanto à disponibilidade desses bens de capital capazes de intensificar a produção. Eles não caem do céu. Eles advêm da decisão dos perversos capitalistas de se absterem do consumo. Ao se absterem do consumo (pouparem), eles estão liberando capital para outras atividades. E é essa realocação dos recursos não consumidos que será transformada em investimentos em bens de capital.
Esse processo é a única maneira de possibilitar um aumento geral do padrão de vida. Apenas dessa maneira pode o trabalhador comum aumentar sua produtividade. Como conseqüência, apenas dessa maneira pode ele ser capaz de consumir mais daquilo que ele está acostumado a consumir. Pois o aumento da produtividade da mão-de-obra, possibilitada pelo capital adicional, reduz os preços dos produtos em relação aos salários. Como? Ao se aumentar a quantidade de bens produzidos, passa a haver uma maior quantidade de bens de consumo em relação à oferta de mão-de-obra. Colocando de maneira mais simples, melhorias no processo de produção que levem a um aumento da oferta de produtos tornam esses produtos mais baratos e mais fáceis de serem adquiridos pelas pessoas.
É por isso que, para se ganhar o dinheiro necessário para a aquisição de uma grande variedade de bens, são necessárias hoje menos horas de trabalho do que eram no passado. Graças aos investimentos em bens de capital, que é o que as empresas fazem quando seus lucros não lhes são confiscados (para delírio de pessoas como nosso amigo Che), as economias de hoje são muito mais fisicamente produtivas do que costumavam ser, e, como consequência, os bens de consumo existem hoje em uma abundância muito maior e são correspondentemente menos caros do que antes.
Em 1950, por exemplo, um americano tinha de trabalhar seis minutos para ganhar o dinheiro suficiente para uma unidade de pão; em 1999, esse tempo havia caído para três minutos e meio. Para poder comprar uma dúzia de laranjas em 1950, eram necessários 21 minutos de trabalho. Em 1999, esse tempo já havia caído para 9 minutos. Pagar por 100 quilowatts de eletricidade requeria duas horas de trabalho em 1950, mas apenas 14 minutos em 1999. Uma pessoa, no ano de 1900, teria de trabalhar nove horas para comprar uma calça jeans. Em 1950, esse tempo havia caído para quatro horas; e em 1999, para três horas. Para um frango de 1,4 kg, eram 160 minutos em 1900, 71 em 1950 e 24 em 1999.[2]
Quando Che quer tributar as empresas, como você pode ter certeza de que ele quer, ele está defendendo a sabotagem aberta do processo que permite aumentar o poder de compra de todos os indivíduos de uma sociedade. As sociedades mais industrializadas de hoje seriam muito mais ricas caso as alíquotas mais altas de seus respectivos impostos de renda tivessem sido menores ao longo de todo o século XX.
Caso os governos não tivessem confiscado tantos recursos para em seguida desperdiçá-los em gastos de consumo, esses recursos estariam livres para investimentos que teriam tornado as economias permanentemente capazes de produzir mais riquezas do que as atuais. Como resultado, o padrão de vida de todos seria hoje muito maior.
Se não há regulação das “forças de mercado” pelo governo, você essencialmente coloca o poder nas mãos de executivos que não têm de prestar contas a ninguém, exceto a seus acionistas. E para manter os acionistas satisfeitos, o lucro deve ser maximizado por qualquer método possível. Se isso significar exploração e corrupção, então que assim seja.
Como “exploração” e “corrupção” não foram definidos, não há como saber do que Che está falando. Por “exploração” ele presumivelmente está se referindo à teoria marxista de que uma concorrência intensificada leva a menores salários, uma besteira que já abordamos.
Por “corrupção” ele pode ter querido dizer uma de duas coisas. Ele pode estar se referindo ao uso da fraude, do roubo ou de alguma outra violação da lei. Se esse é o caso, então ele não mais está falando do mercado livre e desimpedido, que pune comportamentos criminosos e antimercados como esses. Portanto, seu comentário seria irrelevante. Se alguém viola a lei, ele deve ser punido. Se esse alguém é culpado, mas não é punido, isso dificilmente seria culpa do mercado – afinal, quem monopoliza a oferta de tribunais e de serviços policiais? (Vou lhe dar uma dica: não é o livre mercado).
Ele pode também estar se referindo ao uso de lobistas para se conseguir privilégios especiais do governo, ou para prejudicar os concorrentes. Mais uma vez, ele não está realmente criticando o livre mercado, ainda que pense estar. Nesse caso sua crítica não cabe ao livre mercado, mas sim ao próprio governo.
O livre mercado não possui nenhum mecanismo de coerção capaz de conceder privilégios especiais a algum grupo. Apenas o governo tem o poder de iniciar coerção. Você quer que haja uma única e monopolística instituição dotada de plenos poderes para organizar a sociedade da maneira que mais a apeteça, e depois fica surpreso quando ela passa a ser dominada por forças antissociais e anticoncorrenciais?
Se permitissem que as regulamentações governamentais controlassem uma economia, aqueles que instalarem as regulamentações podem ser responsabilizados caso as regulamentações sejam muito intrusivas.
Peguemos novamente o exemplo dos EUA. Existe um calhamaço chamado Code of Federal Regulations, que lista todas as regras e regulamentações vigentes no país. A cada ano, esse registro federal acrescenta mais de 70.000 páginas de detalhadas regulamentações federais. Pela lógica, se apenas uma dessas páginas fosse eliminada, todos os americanos morreriam instantaneamente. Afinal, as regulamentações foram criadas para mantê-los a salvo! De acordo com Che, nenhuma dessas regulamentações pode ser considerada “muito intrusiva” – pois se fosse, certamente ela já teria sido revogada!
Isso me lembra de uma aluna que tive certa vez e que, ao descobrir que o Job Corps [programa de treinamento vocacional e educacional administrado pelo governo americano] era um completo e absoluto fracasso sob todos os parâmetros imagináveis, inocentemente perguntou por que ele não havia sido revogado. Eu não culpo a aluna – com essa pergunta ela estava começando a descobrir as coisas pela primeira vez. Já Che gerencia um blog sem jamais fazer uma única pergunta atípica.
No mundo de Che, toda a literatura sobre a “captura” de agências reguladoras, que descreve como as indústrias e as grandes empresas influenciam as regulamentações para benefício próprio, não existe. A regulação está ali unicamente para o bem público.
Na caricatura típica, se você defende o livre mercado, então você defende a poluição e várias outras formas de invasão de propriedade. Mas a realidade, obviamente, é oposta. Alguém que acredita no livre mercado se opõe a essas coisas porque elas danificam a propriedade alheia sem o consentimento de seus donos. Isso não significa que a única solução é a “regulamentação”. Eis um aqui uma maneira genuinamente pró-livre mercado de se pensar nessas questões.
Che também pode estar se referindo às regulamentações dos mercados financeiro e bancário, as quais são bastante rígidas, não obstante toda aquela conversa sobre “desregulamentação”. A desregulamentação é quase sempre falsa, como quando as instituições financeiras são autorizadas a fazer apostas arriscadas ao mesmo tempo em que o governo segue garantindo seus depósitos.
Reclamações sobre falta de regulamentação também são irrelevantes. Se você tem um castelo de cartas desmoronando, você não precisa de cola ou fita adesiva – o equivalente a “mais regulação”. Você precisa é de uma casa nova, construída sobre fundações solidas. Em outras palavras, você precisa de um sistema monetário rígido que não possa ser manipulado por governos ou por seus bancos centrais. Essa opção não existe no mundo de Che, já que em seu mundo o sistema existente já é um de livre mercado.
Ademais, os atuais reguladores não viram nada de errado com a maneira como o modelo de securitização estava funcionando. E, com efeito, várias instituições financeiras estavam de acordo com as várias exigências de capital propostas pelos padrões regulatórios internacionais. O próprio sistema regulatório deu aos bancos incentivos para praticar a securitização de empréstimos, elevando os riscos inerentes a essa prática. Seria a solução acrescentar mais reguladores? Ou será que há algo de errado com o próprio sistema – um sistema em guerra com o livre mercado, um sistema que gera a extrema alavancagem e a enorme instabilidade que periodicamente observamos?
Outra questão óbvia e rotineiramente negligenciada nesse contexto é: por que um regulador sem nenhuma participação financeira em uma empresa saberia melhor como satisfazer a demanda dos consumidores do que um legítimo proprietário empreendedor cuja riqueza depende de seus acertos? Quão supersticioso você precisa ser para acreditar nisso?
Entretanto, comentaristas ignorantes que clamam por mais regulação atribuem poderes mágicos a pessoas que, no mundo real, são indignas desses encarecimentos. Como Robert Higgs explicou, “Tivessem eles sido agraciados com maiores poderes, orçamentos e equipes, qual feitiçaria iria transformar os reguladores em defensores obstinados e sagazes do interesse público, ao invés dos parasitas servis e protetores das empresas reguladas que eles sempre foram?”
Quantos formandos de faculdades de administração ou de outras áreas ambicionam se tornar reguladores? Vamos colocar as coisas de forma generosa e apenas observar que são os mais lentos que acabam indo para as agências reguladoras, e são os mais brilhantes que acabam se tornando empreendedores de sucesso. É de se esperar que um sujeito que se formou na posição #505 de uma turma com 508 pessoas tenha seus cadarços amarrados por um sujeito que se formou em #12?
Por último, o livre mercado não injeta dinheiro e derruba as taxas de juros a níveis que promovem bolhas insustentáveis. Sem um Fed, não teria havido uma bolha imobiliária. E sem essa bolha, não haveria o atual colapso. O livre mercado pune os tomadores de risco imprudentes, ao passo que o governo os socorre (algo que, por sua vez, os encoraja a assumir riscos maiores no futuro). Foi do Fed, e não do livre mercado, que emergiu a “Doutrina Greenspan” – a promessa implícita de sempre socorrer os grandes players de Wall Street. OFinancial Times alertou que essas garantias estavam estimulando investimentos perigosamente arriscados.
O livre mercado não proporciona tais garantias, o que consequentemente cultiva uma classe mais cuidadosa e sensata de empreendedores. Será que há alguma lição aqui?
Responsabilizar o governo por suas ações chama-se Democracia.
Responsabilizar um presidente de empresa por suas ações chama-se impossível.
Difícil algum outro raciocínio superar esse em termos de comicidade involuntária. Che absorveu toda a propaganda que lhe foi infundida na escola sem um pingo de pensamento independente. Nossos sábios servidores públicos estão genuinamente preocupados com o bem comum, e qualquer coisa que eles porventura venham a fazer contra os interesses do povo são aberrações desafortunadas – uma mera “corrupção” que pode ser punida na próxima eleição. Afinal, o nosso sistema político democrático mantém o governo subordinado ao povo!
O Banco Central, que desfruta de um monopólio dado pelo governo sobre a criação de papel-moeda de curso forçado, criou as condições que geraram a atual crise econômica. (Apresentei alguns dos contornos teóricosaqui). Alguém foi “responsabilizado” por isso? Aliás, quem no governo americano foi responsabilizado porqualquer coisa relacionada à crise financeira?
Você está nos dizendo que os pacotes de socorro do governo foram um exemplo de virtuoso espírito público ao invés de um explícito “presentinho” dado para os amigos e aliados do regime? Os socorros, na realidade, foram um exemplo de intervenção estatal com o intuito de impedir que o livre mercado responsabilizasse e punisse os executivos incautos.
Quer manter um executivo ou presidente de empresa subordinado a você? Pare de comprar seus produtos. Agora me diga: como eu paro de comprar os “produtos” do governo? Ah, sim, eu havia me esquecido, eu não os compro – o dinheiro para financiá-los é confiscado de mim.
Existe um mercado para o controle das corporações, diga-se de passagem. Porém, as mesmas pessoas que reclamam ruidosamente sobre executivos subordinados a nada e a ninguém, tendem a ser as que mais se opõem e mais criam barreiras contra as aquisições corporativas. Aqui, mais uma vez, temos o governo impedindo o mercado de fazer suas tentativas de corrigir as más alocações de recursos.
Agora, você pode dizer que estou sendo muito duro com Che. O pobre garoto está apenas repetindo o que aprendeu no ensino fundamental. Como posso culpá-lo? É esse tipo de propaganda que ensinam às crianças, e não podemos criticar Che por estar simplesmente repetindo tudo aquilo que seu professor falou.
Eu o culpo apenas por ser tão incorrigivelmente apático e desinteressado. Os garotos mais perspicazes são capazes de perceber que estão sendo alimentados pelo tipo mais grosseiro e óbvio de propaganda, a qual é esquematizada para torná-los pequenos servos obedientes a seus senhores supremos, que alegam estar protegendo-os daqueles maléficos exploradores sobre os quais eles lêem em seus livros-texto. Os garotos perspicazes vão em busca da verdade e descobrem que os reais exploradores são os próprios senhores supremos, parasitas da economia produtiva, e que vivem dos frutos do trabalho alheio ao mesmo tempo em que dizem que os resultantes malefícios sociais são culpa dos vários espantalhos que as crianças foram ensinadas a odiar.
Os garotos mais lentos, em contraste, apenas se limitam a memorizar toda a logorréia vomitada por seus professores, a transcrever roboticamente tudo em suas provas e a repetir monotonamente todas essas parvoíces pelo resto de suas vidas.
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[1] A precificação dos fatores no mercado, inclusive de fatores originais como mão-de-obra, ocorre por meio de imputação reversa: da valoração que os consumidores fazem do produto final. A teoria da produção é coberta por Murray Rothbard em Man, Economy, and State: A Treatise on Economic Principles (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1993 [1962]), caps. 5-9. Os vários mitos sobre a desigualdade do poder de barganha da mão-de-obra e sobre a importância dos sindicatos para o bem-estar material dos trabalhadores são discutidos em meu livro The Church and the Market (Lanham, Md.: Lexington, 2005), pp. 73-78.
[2] Michael Cox and Richard Alm, Myths of Rich and Poor (New York: Basic Books, 1999), p. 43.