O exemplo americano
Trabalhando em meu próximo livro sobre a Grande Depressão, percebi algo intrigante sobre a taxa de redesconto do Fed. Antes, um esclarecimento: estou referindo-me ao Federal Reserve de Nova York, pois, no início, os 12 bancos que pertencem ao sistema da Reserva Federal (o Federal Reserve System, que em conjunto formam o banco central americano) tinham muito mais autonomia do que atualmente, portanto não se podia falar da taxa de redesconto “do Fed”.
O que percebi é que, desde quando foi inaugurado, em 1914, até 1931, o Fed de Nova York cobrou suas taxas mais baixas exatamente no final desse período. A “taxa de redesconto” era a taxa de juros que os bancos do Fed cobravam nos empréstimos que faziam – sempre em troca de alguma garantia – aos bancos comerciais. O Fed de Nova York variou suas taxas desde sua fundação, mas elas nunca estiveram acima de 7 por cento e nunca estiveram abaixo de 3 por cento, até 1929.
Isso mudou após o crash da bolsa de valores. Em 1° de novembro, apenas alguns dias após a Segunda-Feira Negra e a Terça-Feira Negra – quando o mercado caiu quase 13 por cento e logo em seguida mais 12 por cento – o Fed de Nova York começou a cortar sua taxa. Ele estava cobrando dos bancos 6% antes do Crash; alguns dias depois, ele cortou a taxa em um ponto percentual.
E então, durante os anos seguintes, o Fed de Nova York periodicamente foi cortando suas taxas até chegar ao nível recorde de 1,5% em maio de 1931. Ele manteve a taxa nesse nível até outubro de 1931, quando começou a aumentá-la novamente para estancar a fuga que estava ocorrendo em suas reservas de ouro, fuga essa causada pelo abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha um mês antes. (Os investidores mundiais temiam que os EUA iriam fazer o mesmo, o que os levou a redimir seus dólares em ouro enquanto isso ainda era possível).
O Fed aumentou os juros durante a depressão de 1920-1921
Até aqui minha história parece convencional. Afinal, “todo mundo sabe” que um banco central deve cortar os juros para suavizar as crises de liquidez durante um pânico financeiro. Isso ajuda a amainar a crise e permite uma “aterrissagem mais suave” do que aquela que ocorreria caso a oferta de crédito fosse fixa.
Mas adivinhe só? Durante o período que estamos considerando, a taxa mais alta cobrada pelo Fed de Nova York foi de 7 por cento. E a única vez que isso aconteceu foi exatamente no meio da depressão de 1920-1921.
Embora você provavelmente não tenha ouvido falar sobre ela, essa depressão foi bastante severa, com o desemprego atingindo uma média de 11,7% em 1921. Felizmente, essa depressão acabou rapidamente; o desemprego caiu para 6,7% em 1922 e depois para uma incrivelmente baixa taxa de 2,4% em 1923.
Após ter estudado esse fenômeno para escrever meu livro, tudo se tornou óbvio para mim: as altas taxas de juros durante a depressão de 1920-1921 certamente foram dolorosas, mas promoveram uma limpa completa na estrutura de produção da economia, liquidando os investimentos insolventes. A oferta monetária americana e os preços haviam praticamente dobrado durante a Primeira Guerra Mundial, e a taxa de redesconto, levada em junho de 1920 ao nível mais alto de sua história, funcionou como uma verdadeira máquina de lavar os maus investimentos que pulularam durante o boom econômico artificial gerado pela guerra.
Já em 1923, a estrutura do capital da economia americana era uma máquina enxuta, sóbria e producente. Em combinação com os incríveis cortes de impostos promovidos pelo Secretário do Tesouro Andrew Mellon, os anos 1920 – conhecidos como “Os Vibrantes 20s” – foram provavelmente o período mais próspero da história americana. O americano médio não apenas enriqueceu durante a década de 20. Sua vida mudou. Muitas famílias adquiriram durante essa década, pela primeira vez, carros e eletricidade.
Por que os bancos centrais devem aumentar os juros durante um pânico
Em contraste, durante o início da década de 1930, o corte de juros implementado pelo Fed “por alguma razão” parecem não ter funcionado. Na realidade, eles plantaram as sementes da pior década da história econômica americana.
Deixe-me esclarecer uma coisa: não estou meramente argumentando por meio de correlações históricas. Há uma explicação teórica plenamente satisfatória que explica por que as altas taxas do início dos anos 20 foram a política correta, ao passo que as taxas historicamente baixas do início dos anos 30 foram a política errada. Citemos Lionel Robbins, que em 1934 tinha uma perspectiva privilegiada para escrever sobre o assunto e aplicou a teoria dos ciclos econômicos de Mises e Hayek ao mundo que desmoronava ao seu redor:
“Nas depressões que ocorriam antes da Primeira Guerra, uma política muita clara havia sido desenvolvida para lidar com essa situação. A máxima adotada pelos bancos centrais para lidar com crises financeiras era a de comprar livremente os títulos comerciais bons, mas sempre mantendo a taxa de redesconto alta. Paralelamente, não se fazia qualquer tentativa de se facilitar artificialmente as condições quando ocorriam grandes flutuações na produção e nos preços das commodities. Os resultados dessa política eram simples. Empresas que eram fundamentalmente sólidas conseguiam o alívio necessário. Tendo confiança no futuro, elas estavam preparadas para pagar a conta. Já as empresas fundamentalmente insolventes percebiam que o jogo tinha acabado para elas e, consequentemente, eram liquidadas. Após um curto período de aflição, o cenário estava mais uma vez preparado para a recuperação econômica.”
O raciocínio fica mais fácil se você, ao invés de pensar num banco central, apenas imaginar que estamos vivendo nos bons e velhos tempos em que os bancos concorriam verdadeiramente entre si, não havendo esse agente cartelizador que a tudo regula. Assim sendo, nesse ambiente, quando um pânico se iniciasse e a maioria das pessoas percebesse que não poupou o suficiente – ou seja, elas gostariam de ter nesse momento muito mais fundos (ativos líquidos) do que realmente têm -, o que os ofertantes desses fundos deveriam fazer?
A resposta é óbvia: esses ofertantes deveriam aumentar seus preços. Houve um aumento na escassez de fundos líquidos após o estouro da bolha, e o preço desses fundos deveria refletir essa nova condição. As pessoas precisam de informações para saber como devem alterar seu comportamento, e os preços de mercado são os sinais que irão precisamente coordenar essas informações, de modo que os recursos sejam alocados da maneira mais eficiente possível.
Mas nesses tempos mais modernos, graças não apenas a Keynes, mas principalmente a Milton Friedman, os banqueiros centrais agora creem que durante uma repentina crise de liquidez eles supostamente têm de disponibilizar “o seu produto” para todos. Mas é claro que, para lograr êxito – isto é, fazer com que seu produto esteja disponível para todos – eles têm de diluir a potencialidade do seu produto. É como se um fornecedor de vinho repentinamente experimentasse um aumento acentuado na demanda por uma safra muito rara, da qual ele tem apenas 3 garrafas, e sua resposta fosse manter essa safra à venda sem qualquer alteração no preço. Para fazer isso de modo a atender a todos os clientes, ele teria de diluir o vinho em, digamos, 9 partes de água para 1 parte de vinho. Dessa maneira ele poderia vender para todos os seus ansiosos fregueses sem precisar aumentar o preço do vinho.
Sim, eu sei que há uma grande contenda no mundo acadêmico austro-libertário sobre se os bancos, em um livre mercado legítimo, teriam suas contas-correntes lastreadas 100% em alguma commodity guardada em seus cofres ou se eles poderiam emprestar parte dos depósitos em conta-corrente de seus clientes para terceiros. Não estou tomando qualquer posição aqui.
Mas o que estou dizendo, entretanto, é que se decidirmos que os bancos podem praticar reservas fracionárias – de modo que a oferta total de crédito possa ser expandida caso os bancos queiram diminuir suas reservas – então concordamos que o preço unitário desse crédito que foi expandido deve ser maior.
Se o dono de uma empresa de caminhões vivencia um enorme aumento na demanda por seus serviços, ele pode decidir adiar a manutenção essencial de sua frota a fim de lucrar com essa demanda sem precedentes. Mas durante esse período ele estará cobrando preços recordes de frete, de modo a compensar por essa alteração em sua maneira normal e “segura” de gerir seus negócios. Ele somente estará disposto a correr esse risco extra (tanto para a segurança de seus motoristas como pelo maior tempo de operação dos caminhões) caso esteja sendo compensado por isso.
O mesmo é válido para os bancos. Assim como todos os outros negócios querem reforçar suas reservas financeiras durante uma recessão, as empresas que emprestam suas reservas financeiras também o querem. Se houver um furacão, as lojas que vendem lanternas e geradores deveriam aumentar os preços desses itens essenciais de modo que eles sejam racionados corretamente. O mesmo se aplica para a liquidez – assim que a comunidade se descobre muito necessitada dela, seu preço tem de aumentar.
Conclusão
Foi uma boa coisa para os americanos que Herbert Hoover – não obstante suas outras desastrosas políticas – não tenha tirado os EUA do padrão-ouro. Como as reservas de ouro estavam despencando, o Fed não teve outra escolha que não reverter seu desastroso percurso no final de 1931. Os dois anos seguintes foram horríveis, mas o foram porque uma quantidade excessiva de capital havia sido desperdiçada durante o boom econômico, que levou ao colapso do crédito fácil.
Franklin Roosevelt foi empossado em março de 1933. Tivesse ele seguido o mesmo padrão de Warren G. Harding e Calvin Coolidge – isto é, tivesse ele basicamente mantido o governo federal fora da economia – os americanos hoje poderia classificar aquela período como sendo apenas a Grande Interrupção, referindo-se ao hiato de apenas três anos entre os “Vibrantes 20s” e os “Acelerados 30s”.
Voltando para hoje, o triste fato é que não há qualquer restrição sobre Ben Bernanke e os outros banqueiros centrais do mundo. Não há um declinante estoque de reservas de ouro para sinalizar que eles estão cometendo algo terrivelmente errado. Como todos os planejadores centrais, eles estão tateando no escuro, já dizia Mises.
O preço em dólar do ouro irá explodir assim que os investidores entenderem que ninguém, nem mesmo um cara tão astuto quanto Bernanke, pode ter o destino da economia mundial em suas mãos.