Apesar das ações concertadas dos governos e bancos centrais mundiais, as bolsas seguem caindo e a recessão mundial já bate à porta. Parece que apenas os seguidores da Escola Austríaca de economia não se surpreendem que tais atitudes não apenas são incapazes de impedir recessões, como, ao contrário, acabam por agravá-las.
Na quarta-feira, 8 de outubro, o Banco Central americano (o Fed), o Banco Central Europeu (BCE) e quatro outros bancos centrais diminuíram suas taxas básicas de juros em um lance emergencial coordenado cuja intenção era abrandar os efeitos econômicos da crise financeira.
O Fed, o ECB, o Banco da Inglaterra e o Banco Central sueco (o Riksbank) cortaram cada um suas taxas básicas em meio ponto percentual. Além disso, o banco central da China diminui a sua em 0,27 pontos percentuais. De acordo com uma declaração conjunta feita pelos bancos centrais,
A recente intensificação da crise financeira elevou os riscos de queda do crescimento econômico e, desta maneira, diminuiu ulteriormente os riscos à estabilidade dos preços. Um apaziguamento das condições monetárias globais é, portanto, justificável.
Datando de 29 de outubro, o Fed está com sua taxa básica de juros em 1%; o BCE já diminuiu a sua para 3,75%; a do Canadá caiu para 2,5%; o Reino Unido derrubou a sua para 4,5%; e a taxa sueca declinou para 4,25%. A China cortou suas taxas de juros pela terceira vez em seis semanas, reduzindo a sua taxa básica para 6,66%. O Banco Central da Austrália já tinha diminuído a sua para 6%.
No dia 7 de outubro, o presidente do Fed Ben Bernanke anunciou que o banco central americano estava pronto para intervir no mercado de títulos comerciais. O Fed agora passará a comprar títulos comerciais que foram emitidos por corporações e que estão com baixa liquidez – o que significa que o banco central americano agora fará empréstimos diretamente para corporações.
Parece que Bernanke está disposto a jogar trilhões de dólares no mercado para manter o sistema monetário vivo.
Bernanke é da visão de que uma das grandes causas da Grande Depressão dos anos 1930 foi a omissão do banco central americano, que, segundo ele, não agiu rapidamente para reativar o então paralisado mercado de crédito. Por “ação rápida”, Bernanke está se referindo a maciças injeções monetárias.
O presidente do Fed faz questão de nos relembrar continuamente que pelo menos ele aprendeu a lição da Grande Depressão e garantirá que o erro cometido pelo Fed não será repetido novamente.
Na conferência em homenagem ao aniversário de noventa anos de Milton Friedman, Bernanke pediu desculpas a Friedman em nome do Fed por não terem injetado dinheiro suficiente para impedir a Grande Depressão:
Deixe-me finalizar meu discurso abusando levemente de meu status de funcionário representativo do Federal Reserve. Gostaria de dizer a Milton e a Anna que, em relação à Grande Depressão, vocês estão certos: nós a causamos. Sentimos muito. Mas graças a vocês, não faremos isso de novo.
(Milton Friedman e Anna Schwartz escreveram que o fator chave por trás da Grande Depressão foi a omissão do Fed em injetar doses maiores de dinheiro na economia).
Os estrategistas econômicos dos bancos centrais gostam de dizer que o segredo para o crescimento econômico sustentável é um fluxo de crédito suave e estável. Para eles (e para Bernanke, em particular), é o crédito que fornece as bases para o crescimento econômico e eleva o padrão de vida dos indivíduos. Dessa perspectiva, faz muito sentido que os bancos centrais queiram que o crédito flua novamente.
Seguidores dos ensinamentos de Friedman e Keynes, é quase unanimidade entre eles que, quando os emprestadores estão relutantes a emprestar, é dever do governo e do banco central entrar em campo e manter ativo o fluxo de empréstimos.
Por exemplo, se, no mercado de títulos comerciais, os emprestadores não estão muito ativos, então o Banco Central deveria entrar em cena e assumir esse papel. O importante, dizem eles, é que os vários negócios que dependem do mercado de títulos comerciais para manter suas atividades operantes devem ter acesso irrestrito aos financiamentos necessários.
Mas será que o aumento das injeções monetárias feitas pelos bancos centrais irá descongelar os mercados de crédito? Os experts acreditam que sim. Se a atual dose de injeção monetária não funcionar – como não está funcionando – então os bancos centrais devem continuar jorrando mais dinheiro até que os mercados de crédito voltem a se mexer – é nisso que eles acreditam.
É verdade que o crédito é a chave para o crescimento econômico. Entretanto, deve-se fazer uma distinção entre crédito bom e crédito ruim. É o crédito bom que torna possível um real e sustentável crescimento econômico – e que, portanto, melhora de fato a vida das pessoas e seu bem-estar. O crédito falso, por sua vez, é um agente de destruição econômica e que leva ao empobrecimento.
Crédito bom versus crédito ruim
Existem dois tipos de crédito: aquele que seria oferecido em uma economia de mercado composta de moeda estável e sistema bancário robusto (crédito bom); e aquele que é disponibilizado somente através de um sistema composto de um banco central, taxas de juros artificialmente baixas e um sistema bancário de reservas fracionárias (crédito ruim).
O crédito bom não pode ser expandido pelos bancos. Tudo o que os bancos podem fazer na realidade é facilitar a transferência do conjunto da poupança real dos poupadores (emprestadores) para os tomadores de empréstimos. Para entender por que, precisamos primeiramente entender como o crédito bom se torna bom e qual a função dele.
Considere o caso de um padeiro que assa dez pães. Desse seu estoque de riqueza real (dez pães), o padeiro consome dois pães e poupa oito. Ele empresta esses oito pães remanescentes para um sapateiro em troca de um par de sapatos que lhe será entregue em uma semana. Observe que o crédito aqui é a transferência de um “objeto real”, isto é, oito pães poupados pelo padeiro são transferidos para o sapateiro em troca de um futuro par de sapatos.
Da mesma forma, observe que o montante da poupança real determina a quantidade de crédito disponível. Se o padeiro tivesse poupado apenas quatro pães, o montante de crédito teria sido de apenas quatro pedaços ao invés de oito.
Perceba que os pães que foram poupados proporcionam um suporte para o sapateiro – ou seja, eles sustentam o sapateiro enquanto este está ocupado criando sapatos. Isso significa que o crédito, ao sustentar o sapateiro, permite a produção de sapatos e, consequentemente, leva à formação de mais riqueza real. E esse é o caminho para o crescimento econômico real.
Dinheiro e crédito
A introdução do dinheiro não altera a essência do que é o crédito. Ao invés de emprestar seus oito pães ao sapateiro, o padeiro poderá agora trocar os oito pães por oito dólares e, então, emprestar esses dólares para o sapateiro. Com oito dólares, o sapateiro poderá garantir oito pães (ou quaisquer outros bens) que irão sustentá-lo enquanto ele estiver fazendo sapatos. O padeiro está fornecendo ao sapateiro a facilidade de acessar o conjunto da poupança real, que dentre outras coisas inclui os oito pães que o padeiro produziu. Note que sem uma poupança real, o empréstimo de dinheiro é um exercício de futilidade.
Observe que a função do dinheiro é ser apenas um meio de troca. Assim, quando o padeiro troca seus oito pães por oito dólares, ele mantém sua poupança real por meio dos oito dólares. O dinheiro em sua posse irá lhe permitir, quando ele achar necessário, recuperar seus oito pães ou adquirir algum outro bem ou serviço. Mas há uma condição para que esse sistema funcione: o fluxo de produção de bens deve continuar, pois sem a existência de bens, o dinheiro em posse do padeiro de nada lhe será útil.
A existência de um sistema bancário em nada altera a essência do crédito. Ao invés de o padeiro emprestar seu dinheiro diretamente ao sapateiro, o padeiro irá emprestar seu dinheiro a um banco que, por sua vez, irá emprestá-lo ao sapateiro.
Nesse processo, o padeiro irá receber juros por seu empréstimo e o banco irá ganhar uma comissão por facilitar a transferência de dinheiro entre o padeiro e o sapateiro. O benefício para o padeiro é que agora ele poderá obter recursos reais que lhe permitirão se dedicar à manufatura de sapatos.
Apesar da aparente complexidade que o sistema bancário introduz ao cenário, o crédito permanece sendo um ato de transferência de poupança real de um emprestador para um tomador de empréstimo. Se não houver um aumento no conjunto da poupança real, os bancos não poderão criar mais crédito. O crédito bom só poderá ser expandido pelo sistema bancário se houver uma concomitante expansão da poupança real.
Agora, quando o padeiro empresta seus oito dólares, temos de ter em mente que ele trocou os oito pães que ele poupou por esses dólares. Em outras palavras, ele trocou alguma coisa por oito dólares. Portanto, quando um banco empresta esses oito dólares para o sapateiro, o banco está emprestando dólares totalmente “lastreados”, por assim dizer.
O crédito falso é um agente de destruição econômica
Entretanto, o problema todo surge quando, ao invés de emprestar dinheiro totalmente lastreado, um banco começa a praticar reservas fracionárias: a emissão de dinheiro vazio, criado do nada, sem qualquer lastro.
Quando dinheiro é criado do nada, ele inicialmente se faz passar por dinheiro genuíno, dinheiro que supostamente está lastreado por alguma coisa real. Porém, na realidade, nada foi poupado. Portanto, quando esse dinheiro é emitido, ele não pode ajudar o sapateiro, uma vez que pedaços de papel vazio não podem ajudá-lo na produção de sapatos – o que ele de fato precisa é de pão. Porém, como o dinheiro impresso se faz passar por dinheiro legítimo, ele poderá sim ser utilizado para “roubar” o pão que iria para o sustento de outras atividades. E isso irá enfraquecer aquelas atividades.
Ou seja: quando você cria dinheiro do nada e utiliza esse dinheiro para obter algum bem, você está “roubando” esse bem daquela pessoa que de fato trabalhou e poupou para adquiri-lo. Logo, essa pessoa sairá enfraquecida.
É por isso que a criação de dinheiro não lastreado provoca um desvio da riqueza real. Se os oito pães extras não são produzidos e poupados, não será possível criar mais sapatos sem que isso cause danos em algumas outras atividades – atividades essas que estão em um lugar muito alto na lista de prioridade dos consumidores, no que tange a vida e o bem-estar. Isso, por conseguinte, também significa que o crédito não lastreado não pode ser um agente do crescimento econômico.
Ao invés de facilitar a transferência de poupança para atividades geradoras de riqueza, quando os bancos emitem crédito não lastreado eles estão na verdade enfraquecendo o processo de formação de riqueza.
Em uma economia de genuíno livre mercado, onde ninguém imprime dinheiro e onde os indivíduos têm de produzir antes de consumir, nenhum distúrbio econômico pode acontecer. Para que distúrbios econômicos aconteçam, alguns indivíduos têm de conseguir dinheiro a troco de nada e em seguida trocar esse dinheiro por bens e serviços. Via de regra, isso ocorre quando a oferta monetária está se expandindo. Quando uma demanda que não é escorada pela produção aumenta, haverá um sobreaquecimento, que tomará a forma de aumento generalizado de preços.
Por causa dessa expansão monetária, várias atividades que antes não eram viáveis passarão a ser. Assim, várias bolhas surgirão nessa economia. E então, quando o banco central apertar sua postura monetária para impedir a elevação dos preços, essas atividades serão interrompidas. Observe que o que levou a essa postura contracionista do banco central foi justamente sua frouxa política monetária anterior.
Deve ser enfatizado que os bancos não podem perseguir implacavelmente uma política de empréstimos não lastreados se não houver um banco central dando sustento. O banco central, através de suas injeções monetárias, garante que a expansão de crédito fictício não faça com que os bancos quebrem uns aos outros.
Podemos assim concluir que, se o aumento dos empréstimos é totalmente lastreado por um aumento da poupança real, então essa é uma boa notícia, já que esse aumento promove a formação da riqueza real. Já o crédito falso, que é criado do nada, sem qualquer lastro, é uma má notícia: um crédito que não é lastreado por uma poupança real é um agente de destruição econômica.
As ações do banco central e do governo apenas pioram as coisas
Nem o banco central e nem o governo são geradores de riqueza: eles não podem gerar poupança real. Isso significa que toda a injeção monetária que os governos vêm fazendo ultimamente não irá aumentar os empréstimos, a menos que o conjunto da poupança real esteja aumentando. Contrariamente, quanto mais dinheiro o Fed e os outros bancos centrais injetarem, mais eles estarão diluindo o conjunto da poupança real.
No entanto, a maioria dos comentaristas pensa que, dado o presente estado frágil do sistema financeiro, os bancos centrais e os governos devem intervir para impedir o colapso. Mas como os governos e os bancos centrais podem ajudar nesse aspecto? Como os bancos centrais e os governos podem gerar mais poupança real?
A única coisa que os governos e os bancos centrais podem fazer é tomar a poupança real de outras pessoas e distribuí-la para os bancos. Se o conjunto da poupança real ainda estiver se expandindo, isso pode “funcionar” – e os empréstimos poderão voltar a fluir – mas o conjunto da poupança real como um todo irá enfraquecer como resultado dessa transferência de poupança real do setor não bancário para o setor bancário. Se, contudo, o conjunto da poupança real estiver declinando, então não será possível aumentar o fluxo de empréstimos.
Por que não fazer nada é a melhor política para reativar a economia
Dada a crescente plausibilidade de que o conjunto da poupança real está com sérios problemas, será que isso significa que o fluxo de crédito irá permanecer congelado? A única coisa que pode ser feita para descongelar o fluxo é permitir que as taxas de juros flutuem livremente de modo a encontrarem seu nível correto.
No atual cenário de economia em declínio, os emprestadores apenas estarão dispostos a emprestar a taxas de juros que compensem o risco e que sinalizem corretamente que há uma menor poupança real disponível. A uma taxa de juros bem maior, a “crise financeira” e a escassez de crédito sumirão.
O problema então não está no mercado de crédito em si, mas no fato de que os bancos centrais estão injetando quantias maciças de dinheiro para forçar os juros a ficarem em níveis artificialmente baixos. Isso obviamente faz com que seja ainda menos atraente para os emprestadores entrar no mercado de crédito. Logo, a escassez (isto é, a contração do crédito) é o resultado da política dos bancos centrais de não permitirem que as taxas de juros subam para níveis que estejam de acordo com a realidade.[*]
Por que então as autoridades estão resistindo às forças de mercado e estão permitindo que essa contração do crédito persista?
Porque se permitissem que as taxas de juros subissem naturalmente, muitas bolhas que ainda estão ativas deixariam de ser lucrativas e estourariam.
E os estrategistas políticos, bem como aqueles que têm posições influentes, acreditam que isso levaria a uma séria derrocada econômica; e que, portanto, tal coisa não deveria ser permitida. Criar dinheiro para manter bolhas ativas só faz empobrecer ainda mais os reais geradores de riqueza, além de atrasar as perspectivas de uma significativa recuperação econômica. As injeções monetárias que vêm sendo feitas pelo Fed (ver gráfico) irão distorcer ainda mais a estrutura das taxas de juros e piorar a contração do crédito. A melhor política para solucionar o problema é que o Fed e os outros bancos centrais comecem imediatamente a não fazer nada. Ao fazerem isso, eles irão permitir que os genuínos geradores de riqueza acumulem poupança real. A política de não fazer nada irá fazer desaparecer as várias atividades que pouco ou nada acrescentam ao conjunto da poupança real. Isso fará com que a geração de riqueza seja muito mais recompensadora.
À medida que o tempo for passando, a expansão do conjunto da poupança real irá levar a uma diminuição das taxas de juros. Isso por sua vez irá fornecer a base para uma subseqüente expansão de várias atividades geradoras de riqueza. Portanto, quanto mais cedo os bancos centrais – começando pelo Fed – pararem de interferir, mais cedo se dará a recuperação econômica.
Se por acaso o conjunto da poupança real ainda estiver crescendo, então fazer nada (e permitir que a taxa de juros reflita a realidade) irá fazer com que a recessão seja curta e que a recuperação econômica comece o mais rápido possível. (A uma taxa de juros mais alta, várias bolhas ainda ativas irão desaparecer. Como conseqüência, mais poupança real se tornará disponível para os geradores de riqueza. E isso fará diminuir as taxas de juros).
Sugerimos que temerárias políticas monetárias seguidas pelo Fed durante anos exauriram severamente o conjunto da poupança real. A continuidade ou o aprofundamento dessas mesmas políticas frouxas não poderá melhorar a atual situação. Ao contrário, tais políticas somente irão atrasar ainda mais a recuperação econômica.
Da mesma forma, as atuais políticas seguidas pelos governos e bancos centrais mundiais, ao empobrecerem os geradores de riqueza, correm o risco de transformar uma curta recessão em uma crise severa e prolongada.
_______________________________________________
[*] Outro problema são as políticas de socorro a empresas, que fazem com que empresas insolventes continuem existindo lado a lado com as solventes sem que ninguém saiba qual é qual. E essa incerteza afeta a alocação do crédito. Ver mais detalhes aqui. [N. do T.]
Tradução de Leandro Roque