Friday, November 22, 2024
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8. Proteção da Vida e da Propriedade

Como o homem tem direito à vida, ele tem o direito de defender essa vida. Sem o direito à autodefesa, o direito à vida é uma frase sem significado. Se um homem tem o direito de defender sua vida contra a agressão, ele também tem o direito de defender todos os seus bens, porque esses bens são o resultado de seu investimento de tempo e energia (em outras palavras, seu investimento de partes de sua vida) e são, portanto, extensões dessa vida.

Os pacifistas negam que o homem possa moralmente usar a força para se defender, objetando que o uso da força física contra qualquer ser humano nunca é justificável em nenhuma circunstância. Eles afirmam que o homem que usa a força para se defender cai no mesmo nível de seu agressor. Tendo feito essa afirmação, eles não oferecem nenhuma evidência baseada em fatos para prová-la, mas meramente a tratam como um fundamento arbitrário, um padrão pré-estabelecido pelo qual tudo o mais deve ser julgado.

Dizer que todo uso da força é mau é ignorar a diferença moral entre assassinato e autodefesa, e equiparar as ações de um assassino enlouquecido com as de um homem que defende a sua vida e as de sua família. Tal visão absurda, embora supostamente baseada em um princípio moral, na verdade desconsidera completamente o princípio moral da justiça. A justiça exige que se avalie os outros pelo que são, e que se trate cada pessoa como ela objetivamente merece. Aquele que não abre mão da justiça concederá seu respeito e admiração aos homens de virtude, e seu desprezo, condenação e oposição racional aos homens cujo comportamento é prejudicial à existência humana. Objetar verbalmente, ao mesmo tempo que se submete passivamente a uma agressão, é o comportamento de um hipócrita cujas palavras são diametralmente opostas às suas ações. Na verdade, a hipocrisia é a única proteção real do pacifista contra seu código “moral”.

Ignorar o princípio da justiça é penalizar os bons e recompensar os maus. O pacifismo encoraja todo bandido a continuar com suas ações violentas, mesmo que o pacifista deseje piamente que ele não o faça (desejos não criam realidade). O comportamento pacifista ensina ao agressor que o crime compensa e o encoraja a cometer agressões cada vez maiores. Tal sanção de injustiças é imoral e, por ser imoral, também é indesejável na prática. Uma “sociedade livre formada por pacifistas” teria vida curta, se é que poderia vir a existir. Tal sociedade de ovelhas indefesas atrairia, involuntariamente, todos os lobos do mundo para jantar às suas custas. A justiça é indispensável para a perpetuação de uma sociedade livre.

Uma vez que a recusa do pacifismo em se opor ativamente à injustiça é imoral, segue-se que todo homem tem não apenas o direito, mas a obrigação moral de defender sua vida e propriedade contra a agressão, sempre que for viável para ele fazê-lo. Esta é uma obrigação pessoal, porque somente o próprio indivíduo pode saber exatamente o que ele valoriza, o quanto ele o valoriza, e de quais outros valores ele está disposto a abrir mão para defendê-lo.

O fato de a autodefesa ser uma responsabilidade pessoal não significa que todo homem deva transformar sua casa em uma fortaleza armada e portar um três-oitão sempre que sair. Cuidar da saúde também é uma responsabilidade pessoal (certamente ninguém além de mim é responsável por me manter saudável), mas isso não significa que todo indivíduo deva fazer um curso superior de medicina, construir seu próprio hospital e realizar cirurgias em si mesmo sempre que precisar de uma operação. Um homem assume suas responsabilidades cuidando ele mesmo do assunto ou, se isso for impossível ou inviável, contratando outra pessoa para fazer isso por ele. Isso significa que o direito e a responsabilidade de um homem defender a si mesmo e aos seus valores podem ser exercidos por um agente contratado, desde que ele próprio escolha esse agente. O agente pode tomar quaisquer ações que o próprio homem teria o direito de tomar, mas não pode fazer nada que o homem não teria o direito de fazer (como a iniciação de força contra outra pessoa).

Vários defensores da liberdade propuseram que esse agente poderia ser (ou mesmo deveria ser) um governo “voluntário”. O que eles querem dizer é que os indivíduos de uma sociedade, vendo que precisam de uma agência de autodefesa, se uniriam e estabeleceriam um governo que se limitaria a atuar como um agente de defesa. Cada um concordaria em renunciar ao uso da força de retaliação em seu próprio nome (exceto em situações de emergência) e deixar o governo defendê-lo e ser o árbitro final em quaisquer disputas que surgissem. Tal governo “voluntário”, agindo como nada mais que um agente de autodefesa individual, pode parecer bom à primeira vista, mas ao ser examinado, mostra-se inviável: pois o governo, mesmo o governo mais limitado, é um monopólio coercitivo. Uma instituição não pode ser ao mesmo tempo coercitiva e voluntária. Mesmo que conseguisse sustentar-se sem impostos, e mesmo que não obrigasse as pessoas a comprar os seus serviços, ainda assim teria de proibir a concorrência em seu território, ou deixaria de existir como governo. Esse governo “voluntário” estaria na mesma posição de um dono de mercearia que dissesse às pessoas de sua cidade: “Você pode voluntariamente comprar seus mantimentos de mim; você é livre para não comprar seus mantimentos de mim; mas você não pode comprá-los de qualquer outra pessoa.” Assim, um governo “voluntário” iria “defender” seus cidadãos forçando-os (de forma ostensiva ou sorrateira) a renunciar à autodefesa, e a comprar sua defesa apenas dele… e a essa altura, os cidadãos precisariam de alguém para defendê-los desses “defensores”.

O direito à autodefesa e a responsabilidade de se defender andam de mãos dadas. Um homem pode participar de uma transação voluntária, contratando outra pessoa para fazer o trabalho para ele, mas não pode ceder a responsabilidade a um monopólio coercitivo e ainda estar livre para exercer o direito. O homem que “contrata” um governo para ser seu agente de autodefesa, pelo próprio ato de se relacionar com esse monopólio coercitivo, tornar-se-á indefeso contra seu “defensor”. Um “governo voluntário, agindo como agente de autodefesa”, é um conceito contraditório e sem sentido.

Os partidários do governo respondem que a autodefesa não poderia ser objeto de uma transação de mercado porque “a força é diferente de todos os outros bens e serviços – é por sua própria natureza um fenômeno extra-mercado e nunca pode fazer parte do mercado.” Essa afirmação é baseada em dois fatores – quando a força é usada, 1) a troca não é voluntária e 2) não há benefício mútuo para os envolvidos na troca.

O erro nesta afirmação está na falha em distinguir entre força iniciada e força de retaliação. Um fenômeno de mercado é uma troca voluntária de bens e/ou serviços que não envolve o uso de coerção pelas partes da transação contra ninguém. É verdade que a força agressiva não é e nunca poderá ser um fenômeno de mercado, pois seu uso destrói o mercado. Mas a força retaliatória não só não destrói o mercado, como também reprime os agressores que o destruiriam, e/ou lhes cobra reparações.

Quando um indivíduo usa força retaliatória em seu próprio benefício, sua ação, é claro, não é um fenômeno de mercado, assim como não é um fenômeno de mercado quando ele conserta seu próprio carro. Mas se ele contrata um agente para protegê-lo (com o uso da força retaliatória, se necessário), essa ação é um fenômeno de mercado, assim como a contratação de um mecânico para consertar seu carro.

Por exemplo, suponha que um esforçado cunhador de moedas privado acredita que pode ser atacado e seu negócio ser roubado. O cunhador realiza uma transação de mercado – ele contrata um guarda alto e parrudo. O contrato entre o cunhador e o guarda envolve a troca voluntária do dinheiro do cunhador pelos serviços do guarda. Os serviços do guarda consistem na proteção e, se necessário, na defesa ativa da pessoa e dos bens do cunhador; isto é, o guarda concorda em tomar qualquer ação de retaliação viável para proteger e defender seu novo empregador de possíveis danos, sempre que for iniciada força contra ele. Na noite seguinte, um ladrão armado invade a casa de cunhagem e ataca o cunhador, que está trabalhando até tarde. O guarda repele o ataque com o uso de força retaliatória, e captura o ladrão. Ao fazê-lo, o guarda cumpre neste caso particular o seu acordo contratual com o cunhador. É óbvio que a força de retaliação utilizada pelo guarda faz parte de um fenômeno de mercado, em virtude de seu contrato com o cunhador.

Aqueles que afirmam que “a força não é um fenômeno de mercado” avaliam a “troca” de força entre o guarda e o assaltante sem considerar as outras circunstâncias do caso (seu erro é ignorar o contexto). É verdade que a “troca” entre o guarda e o ladrão não é voluntária e que não há benefício mútuo derivado dela – na verdade, nem sequer é uma troca no sentido de mercado. A troca que é um fenômeno de mercado é o dinheiro do cunhador de moedas pelos serviços do guarda; essa troca é voluntária, há benefício mútuo para ambas as partes da transação e nenhuma delas inicia o uso de força física contra ninguém. A relação entre o cunhador e o guarda é claramente um fenômeno de mercado – uma troca voluntária de valores que não envolve o uso de coerção pelas partes da transação contra ninguém.

Embora a força em si não seja um fenômeno de mercado, a contratação de um agente para autodefesa é. A afirmação de que “a força nunca pode fazer parte do mercado” é tão vaga que não tem significado inteligível.

Em uma sociedade laissez-faire, não haveria forças policiais governamentais, mas isso não significa que as pessoas ficariam sem proteção além da que pudessem providenciar por si próprias. O mercado sempre se esforça para atender às necessidades dos clientes através da busca dos empreendedores por inovações lucrativas. Isso significa que surgiriam agências de defesa privadas, algumas, talvez, a partir das agências de investigação privadas que existem hoje. Essas empresas já comprovaram sua capacidade de prestar um serviço eficiente e satisfatório, tanto na proteção de valores quanto na identificação de bandidos.

Em comparação (ou contraste) com uma força policial governamental, quão bem uma agência de defesa privada desempenharia suas funções? Para responder a essa pergunta, é preciso primeiro determinar quais são as funções de uma agência de defesa privada e de uma força policial governamental.

A função de uma empresa privada de serviços de defesa é proteger e defender as pessoas e propriedades de seus clientes da iniciação de força, ou qualquer substituto da iniciação de força. Este é o serviço que as pessoas procuram quando a contratam e, se a agência de defesa não puder fornecer esse serviço tão bem ou melhor do que seus concorrentes, perderá seus clientes e deverá encerrar suas atividades. Uma empresa privada de serviços de defesa, competindo em um mercado aberto, não poderia usar a força para manter seus clientes – se tentasse obrigar as pessoas a contratarem seus serviços, isso as levaria a comprar proteção de seus concorrentes, levando-a à falência. A única maneira de uma empresa privada de serviços de defesa ganhar dinheiro é protegendo seus clientes de agressões, e a motivação do lucro garante que essa será sua única função e que ela desempenhará bem essa função.

Mas qual é a função de uma força policial governamental? Nas ditaduras, é óbvio que a força policial existe para proteger o governo. A pouca proteção (se é que pode ser chamada de tal) que os cidadãos recebem contra bandidos privados é apenas para manter a sociedade em equilíbrio, para que os governantes não tenham suas confortáveis posições ameaçadas. E, é claro, os cidadãos não estão protegidos de seu governo.

Acredita-se, geralmente, que em países democráticos a função da polícia é proteger os cidadãos. A polícia, no entanto, na verdade não protege as pessoas (exceto membros do alto escalão do governo – por exemplo, o presidente) – ela apenas prende e pune alguns dos criminosos após um ato de agressão ter sido cometido. Se você suspeitar que um bandido está planejando roubar sua casa, a polícia lhe dirá: “Desculpe, mas não podemos fazer nada até que um crime seja cometido”. Só depois de ter sido roubado e espancado você pode chamar a polícia para que façam algo sobre a situação. E aí, se pegarem o bandido, não vão nem fazer ele pagar a sua conta do hospital… eles só vão prendê-lo por um tempo em uma “escola do crime”, onde ele vai aprender a roubar você de forma mais eficaz da próxima vez.

Ainda assim, diz-se que a polícia protege os cidadãos honestos de forma indireta, porque sua própria presença desencoraja o crime (embora os números de crimes em rápido crescimento estejam começando a fazer as pessoas terem dúvidas sobre isso também). Mas essa teoria não leva em conta o fato de que as proibições governamentais, impostas pela polícia, criam mercados negros, e os mercados negros fomentam o crime organizado em larga escala (ver Capítulo 11). Um mercado negro nada mais é do que uma área normal de comércio que o governo proibiu (geralmente sob o pretexto de “cuidar das pessoas”, as quais presume-se serem estúpidas demais para cuidar de si próprias). As pessoas que negociam no mercado negro estão simplesmente fazendo o que nunca deveriam ter sido proibidas de fazer – estão negociando bens e serviços os quais acreditam que aumentarão sua felicidade, sem se incomodar em pedir permissão aos políticos e burocratas. Mas um mercado negro, embora não haja nada intrinsecamente errado com as mercadorias que estão sendo comercializadas, é um mercado proibido, e isso o torna arriscado. Por causa do perigo, indivíduos pacíficos são expulsos desta área proibida de comércio, e homens violentos, que ousam correr riscos em nome dos altos lucros, são atraídos para ela. Os mercados negros atraem, criam e sustentam criminosos e, especialmente, grandes gangues criminosas. De fato, o crime organizado encontra seu principal apoio nos mercados negros, como jogos de azar, prostituição e drogas. Ao fazer cumprir as leis que proíbem os homens de comerciar pacificamente como quiserem, a polícia cria um ambiente social favorável ao crime. O ladrãozinho que tem medo da polícia é superado em muito pelo chefe da máfia que ganha milhões no mercado negro em prostituição e jogos de azar, cujas atividades são repletas de violência por causa das proibições do governo.

Além da polícia governamental gerar um número maior de crimes do que os que ela previne, ela também aplica uma série de leis invasivas com o objetivo de fazer com que todos se comportem de uma maneira que os legisladores consideram moralmente adequada. Eles certificam-se que você não tenha permissão de poluir sua mente com pornografia (seja lá o que isso for – nem mesmo os tribunais têm muita certeza) ou polua a mente de outras pessoas ao aparecer em público com pouca roupa. Eles tentam impedir que você experimente os perigos imaginários da maconha (nos anos 1920 eles o protegiam do álcool, mas isso não é mais considerado um produto “do mal”). Eles têm até regras sobre casamento, divórcio e sua vida sexual.

Não, a polícia não oferece ao cidadão nenhuma proteção contra tais invasões de privacidade … eles estão muito ocupados fazendo cumprir essas leis invasivas! Tampouco o protegem das muitas outras violações governamentais de seus direitos — se você tentar evitar ser escravizado pelo alistamento militar, a polícia ajudará o exército, não você. A polícia impede o estabelecimento de um sistema de defesa empresarial eficaz e privado que possa oferecer aos seus clientes proteção real (incluindo proteção contra os governos). Na verdade, ela muitas vezes impede que você se proteja, como na cidade de Nova York, onde as mulheres, mesmo nas áreas mais dominadas pelo crime, são proibidas de portar dispositivos eficazes de autodefesa. Armas de fogo, canivetes, sprays de gás lacrimogêneo, etc., são ilegais. É claro que os criminosos ignoram essas leis, mas os cidadãos pacíficos são efetivamente desarmados e deixados à mercê dos bandidos.

Além de não proteger os cidadãos nem de criminosos privados nem do governo, tornar quase impossível para os cidadãos se protegerem, incentivar o crime criando mercados negros e invadir a privacidade com leis “morais” estúpidas e inúteis, a polícia obriga os cidadãos a pagar impostos para sustentá-los! Se um cidadão pedir para ser dispensado da “proteção” policial e recusar-se a pagar impostos para a manutenção do governo e de sua polícia, a polícia iniciará a força capturando-o e o governo o multará e/ou prenderá (a menos que ele tente se defender contra a violência iniciada pela polícia, caso em que seus parentes serão obrigados a enterrá-lo às suas próprias custas). Com todo o peso da lei por trás deles, isso torna a polícia o mais seguro e garantido de todos os esquema mafiosos de “proteção”.

Se a polícia em uma democracia não existe para proteger os cidadãos, qual então é a sua função? É essencialmente a mesma que a da polícia em uma ditadura – proteger o governo. Como em uma democracia o governo atual é sempre o produto da ordem social estabelecida, a função da polícia em uma democracia é proteger o governo protegendo a ordem social estabelecida – o Establishment – ​​seja ela qual for. E a polícia costuma desempenhar muito bem essa função.

A superioridade de uma empresa privada de serviços de defesa decorre do fato de que sua função – sua única função – é proteger seus clientes da coerção, e que ela deve desempenhar essa função com excelência ou ir à falência.

Como o principal objetivo das empresas de serviços de defesa seria proteger seus clientes, seu foco principal seria em prevenir agressões. Elas forneceriam guardas para fábricas e lojas, e homens para patrulhar as ruas (privadas). Elas instalariam alarmes contra roubo com uma conexão direta com sua central, tanto em empresas quanto residências particulares. Elas manteriam centrais telefônicas e carros de patrulha itinerantes e talvez até helicópteros para atender pedidos de ajuda. Elas orientariam os clientes que se sentissem em perigo sobre os dispositivos de proteção mais eficientes e seguros para portarem em cada caso específico (de gás lacrimogêneo a pistolas) e ofereceriam ajuda para obtê-los. Elas provavelmente acabariam por oferecer a seus clientes um pequeno dispositivo de alarme pessoal que poderia ser carregado no bolso e soaria um alarme nas centrais do serviço de defesa quando ativado. Além desses serviços mais comuns, cada empresa se esforçaria para desenvolver novos dispositivos de proteção que fossem melhores do que os de seus concorrentes… o que levaria a tremenda frustração entre possíveis criminosos.

Para uma agência de defesa da iniciativa privada, a prevenção da agressão seria um negócio lucrativo, ao passo que a punição dos agressores em prisões, ao estilo do governo, seria uma opção desvantajosa. (Quem pagaria pela comida e outras despesas dos condenados se as receitas não pudessem ser extraídas dos pagadores de impostos?)[1] Mas em uma sociedade governamental, a polícia não obtém nenhum lucro adicional com a prevenção do crime. De fato, um “excesso” de prevenção ao crime reduziria a verba do departamento de polícia (já que seu negócio é prender e punir criminosos, o que exige uma boa oferta de criminosos). Apesar da propaganda em contrário, dificilmente se pode esperar que a polícia esteja ansiosa para se livrar da alta taxa de criminalidade e das prisões superlotadas – afinal, muitos empregos policiais dependem dessa situação.

Mas, uma vez que nenhuma proteção, por mais excelente que seja, pode impedir toda agressão, as empresas de serviços de defesa teriam que estar preparadas para lidar com a iniciação de força e fraude. Assim, elas manteriam escritórios de detetives, excelentes laboratórios de criminalística, arquivos extensos sobre todos os agressores conhecidos, e manteriam equipes de especialistas em todos os campos da detecção científica de crimes. Elas também teriam homens e equipamentos para apreender agressores perigosos, bem como instalações seguras para mantê-los e transportá-los. Elas também poderiam ter uma participação na administração de instituições correcionais. Todos esses serviços seriam não apenas eficientes e eficazes, em contraste com os impostos pela polícia governamental, como também seriam consideravelmente mais baratos. As empresas que competem em um mercado livre seriam forçadas a produzir com o menor custo possível – ou seja, manteriam seus preços no nível de mercado – ou seus concorrentes as levariam à falência. Isso está em nítido contraste com as instituições socializadas que não têm concorrência. Além disso, as empresas privadas de serviços de defesa não teriam que desperdiçar seus recursos aplicando todas aquelas leis tolas e tirânicas que visam obrigar todos a “viver uma vida decente e moral” (como, por exemplo, as leis contra bebidas alcoólicas, drogas, jogos de azar, prostituição, e nudez), para “proteger o público” (leis de licenciamento e antitruste), ou para sustentar a vasta estrutura da própria burocracia (legislação tributária).

Os funcionários dos serviços privados de defesa não teriam a imunidade legal que tantas vezes protege os policiais governamentais. Se cometessem um ato de agressão, teriam que pagar por isso, da mesma forma que qualquer outro indivíduo. Um detetive de um serviço de defesa que espancasse um suspeito não poderia se esconder atrás de um uniforme do governo, ou se refugiar em uma posição de poder político superior. As empresas de serviços de defesa seriam tão responsáveis por seus próprios atos de iniciação de força e fraude quanto padeiros ou fabricantes de espingardas. (Para uma prova completa dessa afirmação, veja o Capítulo 11.) Por causa disso, os gerentes das empresas de serviços de defesa demitiriam rapidamente qualquer funcionário que mostrasse qualquer tendência a iniciar força contra qualquer pessoa, incluindo prisioneiros. Manter um empregado assim seria um risco potencialmente muito caro para elas. Um emprego em uma agência de defesa não conferiria uma posição de poder sobre os outros, como é o caso de um emprego na força policial, então não atrairia o tipo de pessoa que gosta de exercer poder sobre os outros, como é o caso da polícia do governo. Na verdade, uma agência de defesa seria o pior e mais perigoso lugar possível para os sádicos!

A polícia do governo pode se dar ao luxo de ser brutal – eles têm imunidade contra processos judiciais em todos os casos, exceto os mais flagrantes, e seus “clientes” não podem abandoná-los em favor de uma agência de proteção e defesa competente. Mas para uma empresa de serviços de defesa de livre mercado, ser culpada de brutalidade seria desastroso. A força — mesmo a força retaliatória — seria usada apenas como último recurso; nunca seria usada primeiro, como é feito pela polícia governamental.

Além das próprias agências de defesa, há um tipo de empresa que tem um interesse particular e explícito em garantir que os valores sejam protegidos, e que a violência agressiva seja reduzida ao mínimo; esse setor de atividade, em uma sociedade laissez-faire, teria uma conexão natural com o negócio da defesa. Este é o setor de seguros.

Há duas razões principais para o interesse das seguradoras no negócio de defesa: 1) atos de violência agressiva resultam em despesas para as seguradoras e 2) quanto mais segura e pacífica a sociedade, mais produção de valor haverá; e quanto mais produção de valor houver, mais coisas precisarão ser seguradas, o que significa mais vendas de apólices e mais lucros (que é o principal objetivo das companhias de seguros). Além disso, a preocupação das seguradoras com um ambiente seguro e pacífico abrange toda a economia; isto é, seu interesse se estende até onde forem seus negócios atuais e potenciais.

Em uma sociedade laissez-faire, as seguradoras venderiam apólices cobrindo os segurados contra perdas decorrentes de qualquer tipo de coação. Essas apólices seriam populares pela mesma razão que são os seguros de automóveis ou contra incêndio – elas forneceriam um meio de evitar o desastre financeiro resultante de turbulências inesperadas. Uma vez que as companhias de seguros não poderiam se dar ao luxo de segurar clientes de alto risco pelas mesmas taxas que cobram de seus outros clientes, as apólices de seguro provavelmente especificariam certas medidas de proteção mínimas que o segurado deve tomar para comprar a apólice com as taxas mais baixas – alarmes contra roubo conectados à central da empresa de serviços de defesa, por exemplo. As apólices também estabeleceriam que o segurado deva comprar sua proteção de uma agência de defesa que atendesse aos padrões da seguradora, para evitar que ele contratasse uma agência de defesa ineficaz ou não confiável a um preço barato, contando com seu seguro para compensá-lo por qualquer perda que a incompetência da agência possa lhe causar.

Um homem que tivesse seguro contra coação poderia pedir ajuda a uma empresa de defesa em qualquer emergência coberta pela apólice, e seu seguro pagaria a conta. Mesmo que um homem não tivesse seguro contra coação e nenhum acordo contratual com qualquer empresa de defesa, se ele fosse atacado por um bandido, ele seria ajudado por qualquer agente de uma empresa de defesa que estivesse próximo, e cobrado posteriormente. Isso não é um problema diferente do atendimento médico de emergência. As vítimas de acidentes são sempre levadas rapidamente para um hospital e recebem atendimento de emergência, independentemente de estarem em condições de pedir ajuda ou pagar por ela. As vítimas de ataques de bandidos seriam auxiliadas pelas empresas de defesa de maneira semelhante, tanto pelo respeito à vida humana quanto pela boa publicidade para as empresas de defesa envolvidas.

Devido à estreita conexão entre seguros e defesa, algumas das maiores companhias de seguros provavelmente criariam suas próprias agências de serviços de defesa para oferecer a seus clientes a conveniência de comprar todas as suas necessidades de proteção em um só pacote. Outras companhias de seguros formariam laços estreitos com uma ou mais agências independentes de serviços de defesa que considerassem eficazes e confiáveis, e recomendariam essas agências a seus segurados. Essa estreita afinidade entre seguro e defesa forneceria um controle muito eficaz sobre qualquer agência de defesa que se sentisse tentada a ultrapassar os limites do respeito aos direitos humanos, e usar sua força de forma coercitiva – ou seja, de maneira não defensiva. Atos coercitivos são destrutivos de valores, e a destruição de valor é cara para as companhias de seguros. Nenhuma companhia de seguros acharia de seu interesse ficar de braços cruzados enquanto alguma agência de defesa exercesse agressão, mesmo que os valores destruídos fossem segurados por uma empresa concorrente – eventualmente os agressores iniciariam o uso de força contra seus próprios segurados… com resultados custosos!

As companhias de seguros, sem qualquer recurso à força física, poderiam ser um fator muito eficaz para controlar uma agência de defesa indisciplinada por meio de boicote e ostracismo empresarial. Em uma sociedade industrializada e laissez-faire, o seguro é de vital importância, especialmente para os negócios e a indústria, que são o segmento mais importante da economia e os maiores clientes de qualquer prestador de serviço. Seria muito difícil qualquer empresa de defesa sobreviver se as grandes companhias de seguros se recusassem a vender apólices, não apenas para ela, mas para qualquer um que lidasse com ela. Tal boicote acabaria em pouco tempo com a maior parte do mercado da empresa de defesa; e nenhuma empresa pode sobreviver por muito tempo sem clientes. Não haveria como uma agência de defesa furar tal boicote pelo uso da força. Quaisquer ações ameaçadoras ou agressivas em relação às companhias de seguros envolvidas apenas espalhariam o boicote, pois outras empresas e indivíduos procurariam ficar o mais longe possível da agência agressiva. Em uma sociedade laissez-faire, onde os indivíduos são sempre livres para agir em seu próprio interesse racional, a arma não pode vencer a mente.

É claro que as companhias de seguros relutariam em realizar tal boicote, porque causaria atritos e provavelmente levaria à perda de alguns clientes. Isso significa que elas não seguiriam tal curso a menos que pudessem mostrar claramente que a agência de defesa em questão estava realmente errada; se elas não pudessem provar a culpa da agência, o boicote poderia se voltar contra elas, e elas teriam serrado o próprio galho em que estavam sentadas. Mas onde houvesse evidência clara de intenção coercitiva, seu medo de novas agressões mais cedo ou mais tarde superaria sua cautela e elas fariam uma investigação, analisariam os fatos e tomariam uma posição. A mídia de notícias estaria ansiosa pela história, é claro, e seria de grande ajuda na divulgação do ocorrido.

As poderosas companhias de seguros, com seus vastos e variados recursos e seu interesse material em ver os valores protegidos e a violência agressiva reduzida ao mínimo, agiriam como um controle natural sobre as agências de serviços de defesa. (Outras formas de controle das agências serão examinadas no Capítulo 11.) Este é um exemplo de como o mercado, quando não é obstruído, move-se constantemente em direção a uma situação de ordem e produtividade máximas. O mercado tem embutido seu próprio mecanismo de balanceamento, que o mantém funcionando previsivelmente com os melhores resultados de longo prazo para todos os indivíduos pacíficos. Esse mecanismo funcionaria tão bem na área de proteção de valor quanto em qualquer outro ramo de atividade… o governo não passa de areia nas engrenagens.

 

_____________________________

Notas

[1] As instituições correcionais que se desenvolveriam em uma sociedade laissez-faire serão examinadas no Capítulo 10.

Morris & Linda Tannehill
Morris & Linda Tannehill
são dois ativistas e pensadores libertários que, no início dos anos 1970, fizeram avanços surpreendentemente profundos na teoria da sociedade sem estado. Seu manifesto de livre mercado, O Mercado da Liberdade, foi escrito logo após um período de intenso estudo dos escritos de Ayn Rand e Murray Rothbard; tem o ritmo, a energia e o rigor que você esperaria de uma discussão de uma noite com qualquer um desses dois gigantes.
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