Friday, November 22, 2024
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4. Governo – um mal desnecessário

Como o peso do poder governamental tem grande influência na estrutura e no funcionamento de qualquer sociedade, as ideias sobre a organização social geralmente se centram na estrutura do governo da sociedade proposta. A maioria dos “pensadores sociais”, entretanto, considera o governo um dado predeterminado. Eles debateram sobre a forma particular de governo que desejavam que suas sociedades ideais tivessem, mas raramente tentaram examinar a própria natureza do governo. Mas se não se sabe claramente o que é o governo, dificilmente se pode determinar quais as influências que os governos terão na sociedade.

O governo é um monopólio coercitivo que assumiu poder e certas responsabilidades sobre cada ser humano dentro da área geográfica que reivindica como sua. Um monopólio coercitivo é uma instituição mantida pela ameaça e/ou uso de força física – a iniciação da força – para proibir concorrentes de entrar em sua área de atuação. (Um monopólio coercitivo também pode usar a força para obrigar a “lealdade do cliente”, como, por exemplo, um esquema mafioso de “proteção”.)

O governo tem posse e controle exclusivos dentro de sua área geográfica de quaisquer funções que seja capaz de relegar a si mesmo, e mantém esse controle pela força de suas leis e suas armas, tanto contra outros governos quanto contra quaisquer indivíduos privados que possam se opor à sua dominação. Na medida que controla qualquer função, ele proíbe a concorrência (como faz com a entrega de correspondência) ou permite-a apenas de forma limitada (como com o sistema educacional americano). Ele obriga seus cidadãos-clientes por força da lei a comprar seus serviços ou, se eles não quiserem, a pagar por eles de qualquer maneira.

Embora seja óbvio que qualquer governo deve deter o monopólio de pelo menos algumas atividades (por exemplo, legislar) dentro de seu território geográfico para que possa ser chamado de governo, alguns pensadores sustentaram que um governo “devidamente limitado” não iniciaria a força e, portanto, não seria um monopólio coercitivo. O governo assim idealizado ficaria restrito ao que seus defensores consideram funções governamentais essenciais mínimas, como a defesa da vida, da liberdade e da propriedade contra agressão doméstica e estrangeira (polícia e forças armadas), arbitragem de disputas (tribunais) e a administração da justiça (tribunais e sistema penal).

Alguns desses defensores do governo limitado perceberam que tributação é roubo (roubo é o ato de tomar a propriedade legítima de outra pessoa pela força, furto ou fraude) e tentaram se proteger contra a iniciação governamental da força proibindo seus governos teóricos de arrecadar impostos – quaisquer impostos. Mas seus argumentos em favor do sistema de governo voluntário não só são um tanto nebulosos e pouco convincentes, mas mesmo que tal governo não tributador pudesse funcionar, a iniciação governamental da força ainda não teria sido eliminada. Um governo, para ser um governo em vez de simplesmente outra empresa em um mercado aberto com concorrência real ou potencial, deve manter um monopólio nas áreas em que pretende atuar. A fim de assegurar a continuidade de sua existência, esse monopólio deve ser coercitivo – ele deve proibir a competição. Assim, o governo, para existir como um governo, deve iniciar a força a fim de proibir qualquer cidadão de fazer negócios competindo com ele nos campos que afirma ser exclusivamente seus.

Se pudesse ser provado aos empresários que essas “funções governamentais básicas” de proteção e defesa da pessoa e da propriedade, arbitragem de disputas e retificação de injustiças poderiam ser desempenhadas de forma muito satisfatória por empresas privadas de livre mercado (e este livro irá provar que elas podem), qualquer governo supostamente não coercitivo e limitado enfrentaria um dilema crucial. Ou teria que iniciar o uso de força para impedir a livre iniciativa de entrar em seu(s) “mercado(s)”, ou a livre iniciativa superaria o governo em seu “negócio” e, assim, o levaria à extinção. Como será mostrado, o governo é inevitavelmente ineficiente e caro. Se o governo não obrigasse seus cidadãos a recorrer a ele (mantendo-se como um monopólio coercitivo), o livre mercado poderia oferecer serviços realmente eficazes, de forma eficiente e a preços mais baixos, e o governo perderia todos os seus “clientes”.

O governo é, e necessariamente deve ser, um monopólio coercitivo, pois, para existir, deve privar os empreendedores do direito de fazer negócios concorrendo com ele, e deve obrigar todos os seus cidadãos a recorrerem a ele, exclusivamente, nas áreas de que se apropriou. Qualquer tentativa de conceber um governo que não inicie a força é um exercício de futilidade, porque é uma tentativa de fazer funcionar uma contradição. O governo é, por sua própria natureza, uma agência de iniciação de força. Se deixasse de iniciar força, deixaria de ser um governo, e se tornaria simplesmente mais uma empresa em um mercado competitivo. Tampouco pode haver algo como um governo que seja parcialmente um negócio de livre mercado, porque não pode haver meio termo entre liberdade e força bruta. Ou uma organização é um negócio, vencendo a concorrência através da excelência em satisfazer os desejos do cliente, ou é uma gangue de ladrões, existindo através da força bruta e impedindo a competição pela força quando puder. Não pode ser os dois.[1]

Além disso, uma vez que o governo não é um monopólio de mercado, ele só pode ser um monopólio coercitivo – não existe uma terceira alternativa.

A proibição da competição da qual o governo depende para sua existência é uma interferência agressiva no livre mercado, e é a base de todas as outras interferências no mercado de que o governo é culpado. Visto que o governo deve infringir o direito de livre comércio para existir, como se pode esperar que ele se abstenha de outras interferências no mercado e nos direitos de seus cidadãos-súditos?

Pessoas que crescem em meio às “tradições democráticas do Ocidente” tendem a sentir que esta iniciação de força e perturbação do mercado por parte do governo é justificável, desde que o governo seja “escolhido pelo povo através do processo democrático de eleições livres.” Eles acham que sob um governo democrático, tudo o que o governo faz é feito “por nós mesmos, para nós mesmos” e é, portanto, permitido. Mas a falácia dessa noção fica clara quando se considera o povo do país democrático como indivíduos, ao invés de fragmentos insignificantes de um todo coletivo.

A crença de que o povo de uma democracia governa a si mesmo por meio de seus representantes eleitos, embora tenha sido santificada pela tradição e seja venerada após ter sido repetida tantas vezes ​​, é na verdade um misticismo sem sentindo. Em qualquer eleição, apenas uma porcentagem do povo vota. Aqueles que não podem votar por causa da idade ou outras desqualificações, e aqueles que não votam por causa da perplexidade, apatia ou repulsa diante de uma escolha entre dois patetas do mesmo calibre, não têm qualquer influência na aprovação das leis que os governam. Nem os indivíduos que ainda não nasceram, que serão governados por essas leis no futuro. E, entre aqueles que “exercem seu direito a voto”, a grande minoria que votou no perdedor também fica privada de influência, pelo menos durante o mandato do vencedor contra o qual votou.

Mas mesmo os indivíduos que votaram no candidato vencedor não estão realmente se governando em nenhum sentido da palavra. Eles votaram em um homem, não nas leis específicas que os governarão. Os próprios eleitores do candidato vencedor ficariam irremediavelmente confusos e divididos, se tivessem que votar para as leis em si. Seu representante não poderia ser obrigado a acatar seus desejos, mesmo que tais “desejos coletivos” pudessem ser identificados. E, além de tudo isso, uma grande porcentagem do poder real em uma democracia madura, como a dos EUA, está nas mãos de dezenas de milhares de burocratas sem rosto, que não respondem à vontade de cidadãos comuns e sem influência.

Sob uma forma democrática de governo, uma minoria dos governados seleciona o candidato vencedor. O candidato vencedor então se põe a decidir sobre as questões do dia, guiando-se principalmente pela pressão de grupos de interesse. O que isso realmente significa é um domínio dos que possuem influência política sobre aqueles que não possuem. Ao contrário da lavagem cerebral que recebemos nas escolas administradas pelo governo, a democracia – o governo do povo por meio de seus representantes eleitos – é uma farsa cruel!

A democracia não apenas é um misticismo sem sentido, mas também é imoral. Se um homem não tem o direito de impor seus desejos a outro, então dez milhões de homens não têm o direito de impor seus desejos a um, uma vez que a iniciação de força é errada (e o consentimento, mesmo da maioria mais esmagadora, nunca pode torná-la moralmente permitida). As opiniões – mesmo as opiniões da maioria – não criam a verdade nem alteram os fatos. Uma turba de linchamento é a democracia em ação. Essa é a realidade do governo das massas.

A própria palavra “governo” significa alguns homens governando – dominando – outros.[2] Mas, na medida em que os homens são governados por outros homens, eles vivem em escravidão. A escravidão é uma condição em que não é permitido ao homem exercer seu direito de autopropriedade, pois ele é governado por outra pessoa. O governo – o domínio de alguns homens sobre outros pela iniciação da força – é uma forma de escravidão. Defender o governo é defender a escravidão. Defender um governo limitado é se colocar na posição ridícula de defender a escravidão limitada.

Para simplificar, o governo é o domínio de alguns homens sobre outros através da iniciação de força, que é escravidão, que é errada.

Aqueles que afirmam que o governo é uma instituição que detém o monopólio do uso da força retaliatória (em uma determinada área geográfica) cuidadosamente evitam mencionar que tipo de monopólio tal instituição seria, e por razões óbvias. Afirmar que um governo é um monopólio de mercado é patentemente absurdo, uma vez que a competição deve ser proibida; com a competição, não seria um monopólio, e, portanto, não seria um governo (de acordo com a própria “definição” usada por eles). Se eles admitem que o governo é um monopólio coercitivo, não podem deixar de ver que estão defendendo uma instituição que é inerentemente má e que defender o que é errado é, em si, mau. É perfeitamente claro que todo governo que já existiu, incluindo os governos de hoje, manteve sua existência pela iniciação de agressão contra seus cidadãos-súditos e, além disso, não poderia continuar a existir sem tal agressão, que viola os direitos humanos. Afirmar, portanto, que o governo detém o monopólio do uso da força retaliatória é render-se à iniciação de força e tolerá-la; uma instituição de iniciação de força dificilmente poderia, por qualquer esforço de imaginação racional, deter o monopólio do uso da força retaliatória. Essa noção é mais que absurda, pois ajuda a sustentar a ideia de que o governo é bom.

O governo, sendo um monopólio coercitivo, deve manter sua posição de monopólio pela iniciação de força, o que requer que o governo seja um repositório de poder. Por causa dessa concentração de poder, acredita-se que alguma restrição deve ser imposta ao governo para impedi-lo de abusar de seus cidadãos. Visto que o governo é um monopólio com o qual seus cidadãos devem ser forçados a negociar, ele não pode permitir nenhuma competição que possa impor restrições externas, como ocorre com as instituições de livre mercado. Qualquer força externa forte o suficiente para controlar efetivamente o poder do governo destruiria sua posição de monopólio. As restrições devem, portanto, ser internas, na forma dos chamados freios e contrapesos. Mas qualquer sistema de freios e contrapesos governamentais é necessariamente grande, pesado e caro, o que coloca um fardo muito mais pesado sobre aqueles que devem sustentá-lo do que seria justificado pelas funções que exerce (mesmo se ignorarmos o fato de que as funções governamentais são coercivas).

Além disso, mesmo uma posição com pouco poder sobre os outros é atraente para homens que desejam exercer poder sobre os outros. Um homem racional – um homem produtivo com alto grau de autoestima – não desejará tal poder; ele tem coisas mais interessantes e plenas para fazer com sua vida (e ele abomina a escravidão … de qualquer tipo). Mas um homem que fracassou em estabelecer e alcançar metas produtivas, um homem que nunca fez nada que valha a pena pelos seus próprios padrões, muitas vezes procurará disfarçar seus sentimentos de inadequação assumindo uma posição de poder na qual possa desfrutar de uma pseudo-autoestima, dizendo aos outros como viver suas vidas. Portanto, o governo, por sua própria natureza, tende a atrair os piores homens, em vez dos melhores, para suas fileiras. Mesmo se um governo fosse iniciado pelo melhores homens com as melhores das intenções,[3] quando os homens bons morressem e as boas intenções passassem, homens com sede de poder assumiriam o controle e trabalhariam incessantemente para aumentar a influência e autoridade do governo (sempre pelo “bem público”, é claro!).

Como o governo atrai o tipo de homem que deseja ter poder sobre os outros, nenhum sistema de freios e contrapesos pode manter o governo permanentemente limitado. Mesmo com uma constituição extremamente rígida, é impossível impor limitações que alguns outros homens não consigam encontrar uma maneira de contornar. O melhor que se pode esperar dos freios e contrapesos constitucionais é limitar o governo por um período de tempo mais longo do que o que já foi alcançado. Os EUA detêm o recorde até agora – cerca de dois séculos … até degenerar em uma mistura de fascismo e socialismo, uma nova espécie de totalitarismo sofisticado.

Há quem diga que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Mas tal vigilância é um custo constante e improdutivo, e não é de forma alguma razoável esperar que os homens gastem continuamente sua energia de forma não produtiva em nome de um “idealismo altruísta”. Não há nenhum aspecto do livre mercado que exija a vigilância constante de toda a população para evitar que acabe mal. Todos ficaríamos chocados e indignados se fôssemos exortados a vigiar, digamos, a indústria de laticínios, para que nosso leite não fosse entregue azedo.

O governo consiste de homens que governam ou dominam outros pela iniciação de força. Isso significa que o governo inevitavelmente coloca os homens uns contra os outros, à medida que cada grupo de interesse busca estar entre os governantes, ou pelo menos em boas relações com os governantes, e não entre os governados. Esse conflito entre grupos de interesse é mais pronunciado em uma democracia, porque em uma democracia o curso do governo é determinado em grande parte por grupos de pressão que têm influência especial e/ou podem entregar votos e dinheiro. Cada grupo de pressão luta para obter o controle do governo por tempo suficiente para forçar a aprovação de uma legislação que o favoreça ou incapacite seus oponentes. A guerra política constante e inevitável torna cada grupo de interesse uma ameaça a qualquer pessoa fora dele, e leva grupos não agressivos a pressionar o governo por uma legislação favorável a eles, como um ato de autodefesa, se não por outro motivo. Dessa forma, o governo cria uma situação em que cada homem deve temer a todos que pertençam a um grupo de interesse diferente ou tenham um estilo de vida diferente. Os negros temem a supressão pelos brancos, enquanto os brancos têm apreensão de que os negros ganhem poder “demais”. Pessoas de classe média, meia-idade, “heterossexuais” temem o dia em que os jovens hippies terão idade e força o suficiente para tomar o poder e forçar uma legislação que favoreça a cultura “descolada”. Os hippies, por sua vez, se ressentem do estilo de vida “correto” que as leis atuais lhes tentam impor. É trabalhadores versus empresários, urbanos versus suburbanos, pagadores de impostos versus consumidores de impostos, em uma batalha sem fim, custosa e totalmente desnecessária. Sem governo, ninguém precisaria temer que o grupo de outra pessoa obtivesse vantagem e usasse o poder da lei para impor sua vontade sobre ele. Pessoas com ocupações, interesses e estilos de vida muito diferentes poderiam viver pacificamente juntas, porque nenhuma seria capaz de usar um político para ameaçar as outras. É o poder do governo que causa a maior parte das lutas entre vários grupos em nossa sociedade.

Os governos sempre acharam necessário usar a força tanto contra seus próprios cidadãos quanto contra outros governos. Isso não é surpresa nenhuma, uma vez que se percebe que qualquer governo pode continuar a existir apenas mantendo um monopólio em sua área de operações, e que só pode manter esse monopólio permanentemente pelo uso da força. Guerras e repressões são subprodutos inevitáveis do governo – são simplesmente a reação normal do monopólio coercitivo às ameaças externas e internas à sua posição. Quanto mais áreas dentro de suas fronteiras um governo busca monopolizar (isto é, quanto mais totalitário ele é), mais repressões ele terá que usar contra seus cidadãos, e mais sangrentas e violentas serão essas repressões. Quanto mais áreas fora de suas fronteiras um governo busca controlar (isto é, quanto mais imperialista ele é), em mais guerras ele terá que se envolver, e mais prolongadas e destrutivas essas guerras serão. Alguns governos são muito mais totalitários e imperialistas do que outros e são, consequentemente, mais cruéis e sangrentos. Mas todo governo deve iniciar o uso de força, porque todo governo é um monopólio coercitivo. Guerras e repressões são inevitáveis ​​enquanto os governos continuarem a existir. A história dos governos sempre foi, e sempre será escrita com sangue, fogo e lágrimas.

Além de todos os seus outros defeitos, a estrutura de qualquer governo é incuravelmente arbitrária e, portanto, não tem razão para assim ser. Qualquer instituição que não faça parte do livre mercado e, portanto, não esteja sujeita às regras do mercado, deve ser criada e operada com base em regras arbitrárias e, portanto, não pode ser justa e orientada à realidade. Os negócios privados são guiados pela realidade na forma de mercado. Um empreendedor bem-sucedido opera seu negócio de acordo com a lei da oferta e da demanda e, portanto, tem razões centradas na realidade para as decisões que toma. Mas o governo está fora do mercado, não é guiado pelas realidades do mercado e, portanto, só pode ser operado por decisões arbitrárias. A verdade disso pode ser vista quando alguém tenta honestamente determinar como a instituição do governo deve ser implementada (o que também explica o porquê de poucos defensores da liberdade terem tentado essa tarefa impossível). Por exemplo, como deveriam ser escolhidos os juízes – por eleição ou nomeação? Se por eleição, por quanto tempo e por qual eleitorado (local, estadual ou nacional)? Designação partidária ou apartidária? Se forem nomeados, por quem e com quais controles? Quais são as regras de votação, quem decide quais serão, e quais são os critérios objetivos para tais decisões? As discussões sobre esses assuntos são intermináveis ​​e infrutíferas, porque não há respostas não arbitrárias.

No caso de uma empresa privada, o objetivo principal de sua existência é obter lucros (o que ela só pode fazer agradando seus clientes). O lucro é o “sinal de sucesso” para qualquer empresário que opera no livre mercado– o sinal que lhe diz que ele está tendo sucesso na tarefa de satisfazer seus clientes. Quando um empresário começa a sofrer perdas, ele sabe que cometeu erros e que os consumidores estão insatisfeitos com seu produto ou serviço. O sinal de lucro orienta infalivelmente os empresários para as ações que produzem a maior satisfação do consumidor.

Mas um governo é uma organização extramercado “sem fins lucrativos”, que se mantém, não pela troca voluntária, mas pela apreensão forçada de bens (tributação). O sinal de sucesso para um político ou burocrata não é o lucro, mas o poder. Um agente do governo tem sucesso, não por agradar os clientes, mas ao aumentar sua esfera de controle sobre a vida de outras pessoas. É por isso que cada político luta tanto para ganhar eleições, aprovar dezenas de novas leis e aumentar a quantidade de favores que tem para oferecer. É por isso que cada burocrata cinzento e anônimo labuta incessantemente para aumentar o tamanho, os poderes e o orçamento de seu departamento, e o número de homens trabalhando sob sua supervisão. O sinal de poder conduz infalivelmente agentes do governo para aquelas ações que produzem mais controle sobre os outros homens.

A iniciativa privada se mantém e se expande oferecendo continuamente às pessoas o que elas desejam. O governo se mantém e se expande privando as pessoas das coisas que elas desejam, por meio da apreensão de seus bens (tributação) e impedindo-as de negociar e viver como desejam (regulamentação). Assim, a empresa privada aumenta continuamente a prosperidade e o bem-estar de seus clientes, enquanto o governo diminui continuamente a prosperidade e o bem-estar de seus cidadãos.

Mas pior do que qualquer outra coisa que ele faz aos seus cidadãos é o fato de que o governo não pode evitar o sacrifício forçado dos justos interesses de pelo menos alguns deles. Qualquer governo deve tomar decisões e agir de acordo com elas, uma vez que não poderia reivindicar nenhuma justificativa para sua existência se nada fizesse. Teoricamente, os líderes deveriam sempre agir “no interesse do povo” porque seria imoral impor ao povo ações contrárias aos seus interesses. Mas, uma vez que nem todos os indivíduos que constituem “o povo” terão os mesmos interesses, segue-se que pelo menos alguns deles devem ter interesses próprios e justos que são diferentes ou até mesmo opostos ao suposto “interesse público.” Isso significa que alguns cidadãos (aqueles sem influência política) devem sacrificar seus interesses, esperanças, ambições e até suas propriedades e vidas para promover o “interesse nacional”. Uma vez que as pessoas não devem abrir mão de tais valores (e geralmente não o fazem voluntariamente), qualquer grupo não baseado na adesão totalmente voluntária deve empregar coerção para forçar os sacrifícios que seus líderes e governantes consideram ser do interesse do grupo.

Limitar um governo às funções de proteção e arbitragem diminuiria os sacrifícios exigidos dos cidadãos, mas nunca poderia eliminá-los. O desperdício de freios e contrapesos e a ineficiência de uma organização fora do alcance da concorrência tornam os serviços governamentais muito mais caros e menos eficazes do que os prestados pelas empresas. Portanto, ser forçado a comprar “serviços de proteção” do governo é certamente um sacrifício. Qualquer governo, se quiser permanecer um governo, deve manter seu status de monopólio por meio de coerção, o que significa que deve impor sacrifícios a seus cidadãos.

Cada pessoa tem a responsabilidade de descobrir quais são seus interesses e trabalhar para alcançá-los. Quando o governo tira parte dessa responsabilidade do indivíduo, ele também tira parte de sua liberdade de ação – ou seja, deve violar os direitos humanos. Além disso, quando o governo força um indivíduo a agir contra seus próprios interesses, ele o está forçando a agir contra seu próprio julgamento racional. Tal ação, efetivamente, coloca as opiniões e caprichos dos outros entre um homem e sua percepção da realidade e, assim, o obriga a sacrificar sua ferramenta básica de sobrevivência – sua mente!

Os governos sempre foram grilhões atrapalhando o progresso e o bem-estar humanos. Já eram ruins o suficiente em tempos primitivos, quando a vida era relativamente simples. Em uma sociedade complexa com uma tecnologia complexa e armas nucleares, são uma idiotice suicida. O governo é simplesmente inadequado para as complexidades da vida moderna, um fato que está se tornando cada vez mais aparente na inépcia desastrada das “soluções” governamentais para os problemas sociais, na perene confusão e contradições das políticas governamentais, e no colapso sucessivo dos programas governamentais. O governo, na melhor das hipóteses, é um anacronismo primitivo que a raça humana superou por volta da época em que os homens saíram de suas cavernas, e do qual deveríamos ter nos livrado há muito tempo.

A maioria das pessoas acredita firmemente que devemos ter um governo para nos proteger da agressão interna e externa. Mas o governo é um monopólio coercitivo que deve exigir sacrifícios de seus cidadãos. É um repositório de poder sem controle externo e não pode ser restringido permanentemente. Atrai o pior tipo de homem para suas fileiras, atrasa o progresso, força seus cidadãos a agirem contra a própria razão, e causa lutas internas e externas recorrentes devido à sua natureza coercitiva. Em vista de tudo isso, a pergunta não é: “Quem nos protegerá da agressão?” mas sim “Quem vai nos proteger dos ‘protetores’ governamentais?” A contradição de contratar uma agência de violência institucionalizada para nos proteger da violência é ainda mais imprudente do que comprar um gato para proteger seu passarinho.

Em vista da natureza real do governo, por que a maioria dos homens ao longo da história o aceitou e até o exigiu? Talvez a razão mais óbvia seja que a grande maioria dos homens não desenvolveu muita habilidade para gerar ou mesmo aceitar novas ideias, particularmente aquelas radicalmente diferentes das ideias familiares que constituem o status quo cultural. Tem havido governos por toda a história registrada; imaginar, com algum nível de detalhe, como viver sem governo requer mais esforço mental do que muitos estão dispostos a fazer. Além disso, o novo, estranho e desconhecido é assustador: é mais confortável esquecer o assunto, simplesmente declarando que não iria funcionar de qualquer maneira (“Esse Santos Dumont[4] nunca vai tirar essa engenhoca do chão!”).

Os agentes do governo têm usado todas as ferramentas possíveis para convencer as pessoas de que o governo é necessário. Uma de suas armas mais eficazes tem sido a educação mantida pelo governo, que incute o patriotismo no cérebro dos jovens antes que eles sejam capazes de julgar por si próprios, e ao mesmo tempo cria uma classe de intelectuais pró-Estado, cujas ideias criam uma população pró-Estado. Outro truque tem sido investir o governo com tradição e pompa, e identificá-lo com “nosso modo de vida”, de modo que ser contra o governo passa a ser visto como ser contra tudo o que é familiar, nobre e bom.

Outro fator que contribui para a aceitação do governo é que um grande número de pessoas tem um medo persistente, e geralmente enrustido, da auto-responsabilidade – de ser deixado totalmente aos seus próprios meios. Isso é muito mais profundo do que apenas saber que sem governo não haveria cheques de previdência, ou empregos burocráticos luxuosos. É um medo fundamental da responsabilidade e do risco de ter que tomar suas próprias decisões e aceitar as consequências, sem uma autoridade final para a qual se possa apelar para guia-la, e culpar em caso de falha. Este é o motivo de clamores como “Precisamos de uma liderança forte neste tempo de crise”, “Precisamos de líderes novos e melhores” e “Deus, dê-nos um líder!” Pessoas que temem responsabilidade acham mais fácil clamar por líderes, mesmo quando esses líderes podem se tornar tiranos, do que aceitar o risco e o esforço de buscar soluções para os problemas que as afligem (lembre-se do patriotismo “Heil Hitler” da Alemanha nazista e do horror e atrocidades a que levou). Sem um governo para suprir essa liderança, essas pessoas se sentiriam desesperadamente perdidas e à deriva.

Mas mesmo com tudo isso, a maioria das pessoas poderia ter aceitado a ideia de uma sociedade sem governo há muito tempo, se não tivesse sido induzida a acreditar que a única alternativa ao governo é o caos. O governo pode ser um mal, elas pensam, mas, afinal, é um mal necessário.

Além do fato de que não há males necessários, quando se considera todo o caos que os governos causaram com suas violações da liberdade dos homens, interferências arbitrárias no mercado, e guerras por pilhagem e poder, a suposição de que o governo evita o caos parece um pouco ridícula – na verdade, completamente ridícula. O livre mercado é bastante capaz de prevenir o caos, e faria isso sem violar a liberdade dos homens ou travar guerras de agressão … como este livro irá demonstrar. A escolha real não é governo versus caos, mas sim a rigidez caótica gerada por agressões governamentais versus o progresso pacífico e gradual que resulta naturalmente do comércio entre homens livres em um mercado aberto.

O governo é um mal, não necessário, mas desnecessário.

 

________________________

Notas

[1] Como exemplo dessa tentativa de casar o governo e o livre mercado, algumas almas bem-intencionadas propuseram que o governo evitasse forçar seus cidadãos a lidar com ele, tornando a cidadania uma questão de contrato, de modo que apenas aqueles que desejassem comprar serviços governamentais precisassem fazer isso. Mas tal governo, se fosse permanecer um governo, ainda teria que iniciar a força para proibir a competição, ou perderia seu monopólio. Na prática, estaria dizendo ao indivíduo em seu território: “Você não precisa comprar a proteção de que precisa do governo, mas o governo não permitirá que você a compre de outra pessoa”. A possibilidade de não ser vítima de coerção governamental oferecida por tal governo “voluntário” não significaria nada.

[2] O conceito de “um governo de leis, não de homens” é tão místico e sem sentido quanto a democracia. As leis devem ser escritas e aplicadas pelos homens. Portanto, um “governo de leis” é um governo de homens.

[3] Não admitimos, é claro, tal possibilidade. Usamos este argumento apenas para fins ilustrativos.

[4] N. do T.: referência alterada dos irmãos Wright para Santos Dumont, para maior familiaridade com o público brasileiro.

Morris & Linda Tannehill
Morris & Linda Tannehill
são dois ativistas e pensadores libertários que, no início dos anos 1970, fizeram avanços surpreendentemente profundos na teoria da sociedade sem estado. Seu manifesto de livre mercado, O Mercado da Liberdade, foi escrito logo após um período de intenso estudo dos escritos de Ayn Rand e Murray Rothbard; tem o ritmo, a energia e o rigor que você esperaria de uma discussão de uma noite com qualquer um desses dois gigantes.
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