Jeffrey M. Herbener
[Jeffrey M. Herbener (jmherbener@gcc.edu) é professor de economia e presidente do departamento de economia do Grove City College. Ele é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute e editor associado do The Quarterly Journal of Austrian Economics.]
Toda criança que estuda aprende que, para se chegar a uma conclusão verdadeira, deve-se começar com premissas verdadeiras e usar lógica válida. A lição, infelizmente, geralmente é esquecida quando crescem. A maioria não possui inteligência, interesse ou coragem para aplicar a lição de forma rigorosa. Muitos quebram ou distorcem as regras para promoverem suas próprias agendas ou carreiras. Outros só encontram a força de vontade necessária para seguir a regra parcialmente, ou apenas em alguns casos. É rara a pessoa que domina a lição.
Hans-Hermann Hoppe demonstrou a estatura intelectual que pode ser alcançada ao se empregar a lição com uma mente brilhante, devoção fervorosa à verdade, e inabalável coragem moral. O que se segue é um relato resumido de como ele pôs nos trilhos toda a área da economia do bem-estar.[1]
A antiga economia do bem-estar tentou invalidar as conclusões laissez-faire da Escola Clássica, baseando-se na teoria da utilidade marginal introduzida pela revolução marginalista. Se a utilidade pode ser comparada interpessoalmente, através de diversos pressupostos como a utilidade cardinal ou tabelas de utilidade idênticas ou utilidade do dinheiro entre as pessoas, os antigos economistas do bem-estar alegaram que a utilidade marginal decrescente implicava um ganho de bem-estar social com a redistribuição de riqueza dos ricos para os pobres – entre outras intervenções estatais. Esta linha de argumentação mostrou-se inadequada com a demonstração de que a subjetividade do valor impede comparações de utilidade interpessoais. Portanto, só pode ser dito que o bem-estar social inequivocamente melhora com uma mudança se ela faz com que pelo menos uma pessoa fique em situação melhor, e nenhuma outra em situação pior. Esta regra de Pareto proibiu que os economistas alegassem que intervenções estatais melhoram o bem-estar social, uma vez que elas deixam alguns em situação melhor e outros em situação pior.
Os novos economistas do bem-estar tentaram defender a intervenção do estado dentro dos limites da regra de Pareto. As conclusões dos novos economistas de bem-estar podem ser obtidas de seus principais teoremas. O primeiro teorema de bem-estar afirma que um equilíbrio geral perfeitamente competitivo é um ótimo de Pareto. A partir deste teorema, os novos economistas de bem-estar concluíram que um desvio da economia real em relação a essa condição hipotética justifica a intervenção estatal para melhorar o bem-estar social. Revistas acadêmicas de economia estão repletas de casos demonstrando como a economia de mercado não consegue alcançar um equilíbrio geral perfeitamente competitivo, e quais intervenções o estado deveria fazer para remover a ineficiência do mercado.
O segundo teorema do bem-estar diz que qualquer solução de ótimo de Pareto pode ser alcançada por um equilíbrio geral perfeitamente competitivo. Para cada padrão de dotação inicial de renda entre pessoas, a economia de mercado perfeitamente funcional iria alcançar um resultado diferente de ótimo de Pareto de produção e troca. A partir deste teorema, os novos economistas de bem-estar concluem que o estado pode distribuir renda, em qualquer padrão que desejar, e.g., para alcançar um conceito específico de igualdade, sem prejudicar a propriedade maximizadora de bem-estar social da economia de mercado perfeitamente funcional.
Em seu artigo sobre economia de bem-estar e utilidade de 1956, Murray Rothbard demonstrou que os novos economistas do bem-estar estavam errados em pensar que um caso contra o laissez-faire poderia ser construído baseado na subjetividade do valor.[2] Ele argumentou que os novos economistas do bem-estar estavam corretos ao inferir a impossibilidade de comparações de utilidades interpessoais a partir da subjetividade do valor. Valor é um estado mental sem uma extensão física que possa ser objetivamente analisada. Como tal, não existe nenhuma unidade comum de valor entre as pessoas pela qual seus estados mentais possam ser mensurados e, desta forma, comparados. Uma vez que aceitaram a subjetividade do valor como razão para a impossibilidade de comparações de utilidade interpessoais – as quais tinham sido um pilar da economia do bem-estar – os novos economistas do bem-estar se comprometem também com outros corolários do valor subjetivo. Particularmente, afirma Rothbard, eles devem adotar o conceito de preferência demonstrada. Como as preferências existem apenas na mente de uma pessoa, outra pessoa pode adquirir conhecimento objetivo sobre elas somente inferindo a partir de suas ações. Uma vez que não existe nenhum outro conhecimento objetivo das preferências de uma pessoa, apenas a preferência demonstrada pode ser usada na análise da economia do bem-estar.
Tanto a impossibilidade de comparações de utilidade interpessoais quanto a preferência demonstrada são deduzidas diretamente da subjetividade do valor; portanto, os novos economistas do bem estar não podem, legitimamente, aceitar uma e rejeitar a outra. A impossibilidade de comparações de utilidade interpessoais limita a economia do bem-estar pela regra do ótimo de Pareto, tornando mais difícil justificar intervenções estatais, mas a preferência demonstrada aumenta muito mais essa dificuldade. De acordo com os novos economistas do bem-estar, o nível estabelecido pela regra de Pareto é determinado pelos desvios do mercado em relação ao ideal de um modelo de equilíbrio geral perfeitamente competitivo; mas a preferência demonstrada elimina qualquer uso de valores hipotéticos, incluindo as funções de utilidade dos agentes econômicos, que fundamentam esses modelos. Para ser científica, a economia do bem-estar deve se limitar a declarações sobre preferências que pessoas reais demonstram em suas ações. Rothbard disse,
[A] preferência demonstrada, lembramos, elimina imaginações hipotéticas sobre as escalas de valor individuais. A economia do bem-estar até hoje sempre considerou valores como valorações hipotéticas de “estados sociais” hipotéticos. Mas a preferência demonstrada trata valores como revelados apenas através de ações escolhidas.[3]
O primeiro teorema do bem-estar, reconstituído sobre os preceitos rothbardianos, não se refere ao estado de equilíbrio geral dos modelos inventados por economistas. Ele se refere à economia real, na qual é mais difícil demonstrar melhorias de bem-estar social causadas por intervenções estatais. Se os resultados de mercado são comparados com outras condições concebíveis alcançadas em sistemas econômicos reais, ao invés de resultados irrealizáveis de modelos fictícios perfeitos, então falhas de mercado parecem improváveis. E, como Rothbard mostrou, o mercado supera os níveis de bem-estar social alcançados em outros sistemas econômicos reais.
No entanto, o segundo teorema de bem-estar pareceu passar incólume pela crítica de Rothbard. Os novos economistas do bem-estar ainda podiam defender uma intervenção do estado. Sem afetar a eficiência do mercado em alcançar um ponto ótimo de Pareto, o estado ainda poderia distribuir renda para alcançar seu conceito de igualdade. Rothbard respondeu que a propriedade privada era a distribuição de riqueza inicial apropriada a partir da qual a atividade do mercado proporciona um resultado ótimo de Pareto. E como a distribuição inicial de propriedade privada não é arbitrária, mas segue a auto-propriedade do trabalho, a apropriação original da terra e a propriedade dos bens por aquele que os produziu, a intervenção estatal sobre direitos de propriedade não poderia produzir um resultado compatível em bem-estar social com o resultado ótimo de Pareto do laissez-faire.
Porém, os novos economistas de bem-estar, não sendo aderentes à teoria de propriedade de direito natural de Rothbard, negam que a distribuição estatal de direitos de propriedade levaria a um resultado de mercado inferior em bem-estar social ao do mercado desimpedido. Mesmo alguns economistas favoráveis ao laissez-faire concordaram que a distribuição de direitos de propriedade em uma sociedade é arbitrária em relação à capacidade do mercado atingir um resultado ótimo de Pareto; consequentemente, o estado pode reordenar essa distribuição sem consequências nocivas ao bem-estar social.
Sobrou para Hoppe aperfeiçoar a lógica do argumento de Rothbard e chegar a uma conclusão definitiva sobre o efeito da distribuição estatal de direitos de propriedade sobre o bem-estar social.[4] Ao fazer isso, ele recolocou a economia de bem-estar em seus verdadeiros trilhos. Embora isso estivesse latente na análise de Rothbard, foi Hoppe quem demonstrou que o método da regra de Pareto na economia de bem-estar social levava, não a um ponto final otimizado, mas a um processo superior de Pareto com um ponto inicial objetivo.
Como Rothbard fizera antes dele, Hoppe confrontou os novos economistas do bem-estar com uma inconsistência lógica em seus argumentos. Eles haviam aceitado um princípio básico, desta vez a auto-propriedade, do qual inferiram consequências de bem-estar de trocas voluntárias, i.e., eles se pronunciaram sobre as consequências de bem-estar social de trocas voluntárias do ponto de vista dos próprios negociadores. Mas, ao adotar a auto-propriedade, eles também têm que aceitar seu corolário lógico, a saber, a aquisição de propriedade lockeana. Hoppe mostrou que a auto-propriedade é uma precondição necessária a toda aquisição e uso de propriedade, e não só à troca voluntária. Portanto, é o ponto inicial para cada passo subsequente da interação social.
Ao criticar a posição de Kirzner sobre a economia de bem-estar, Hoppe escreve,
Todavia, se o critério de Pareto for ligado firmemente à noção de preferência demonstrada, ele de fato pode ser utilizado para mostrar qual é aquele ponto inicial e servir, então, como um critério de bem-estar perfeitamente irrepreensível: a apropriação original que alguém faz de recursos sem donos, como demonstrado pela sua própria ação, aumenta sua utilidade (ao menos ex ante). Ao mesmo tempo, ela não deixa ninguém em situação pior, porque ao se apropriar destes recursos a pessoa não tira nada dos outros. Pois obviamente, outros poderiam ter se apropriado originalmente destes recursos também, se eles tivessem apenas reconhecido que eram escassos. Mas eles na realidade não fizeram isso, o que demonstra que eles não atribuíram nenhum valor a estes recursos, e consequentemente não pode ser dito que eles perderam utilidade devido a este ato. Então, partindo desta base ótima de Pareto, qualquer ato posterior de produção, utilizando recursos apropriados originalmente, é igualmente ótimo de Pareto sob fundamentos da preferência demonstrada, contanto apenas que ele não afete indesejavelmente a integridade física dos recursos apropriados originalmente por outros, ou produzidos com esses meios. E, finalmente, toda troca voluntária que se inicie nessas bases também deve ser considerada como uma mudança ótimo de Pareto, pois ela só pode ocorrer se ambas as partes esperam se beneficiar dela. Portanto, ao contrário do que diz Kirzner, a otimização de Pareto não é apenas compatível com o individualismo metodológico; juntamente com a noção de preferência demonstrada, ela também fornece a chave para a economia do bem-estar (austríaca) e sua demonstração de que o livre mercado, operando de acordo com as regras aqui descritas, sempre e invariavelmente aumenta a utilidade social, enquanto cada desvio dele a diminui.[5]
Hoppe mostrou que a regra de Pareto precisava ser aplicada às consequências sobre o bem-estar social das aquisições de propriedade, e não somente do seu uso. Auto-propriedade é o ponto inicial imutável para o processo de adquirir e então usar propriedade. A distribuição estatal de renda para alcançar uma dotação “inicial” de recursos supostamente mais equitativa entre as pessoas não satisfaz a regra de Pareto. Em outras palavras, o segundo teorema do bem-estar, reconstituído sobre os preceitos hoppeanos, é falso. Apenas uma dotação inicial, a lockeana, é capaz de produzir um resultado ótimo de Pareto.
Além disso, o argumento de Hoppe aniquila completamente a noção de a otimização de Pareto ser um estado final maximizador de bem-estar social. A economia do bem-estar começa com o fato objetivo da auto-propriedade e então demonstra que cada passo de aquisição voluntária e uso de propriedade satisfaz a regra de Pareto e, deste modo, melhora o bem-estar social. Ademais, todo caso de intervenção sobre a aquisição ou uso de propriedade beneficia uns e prejudica outros, assim, não pode melhorar o bem-estar social. O mercado real, então, não é comparado a algum ponto final que possa alcançar eventualmente. Se este fosse o caso, poder-se-ia dizer que algumas intervenções do estado poderiam facilitar o caminho do mercado real até alcançar o maior nível de bem-estar social em seu ponto final. Ao invés disso, a economia do bem-estar está restrita a comparar o mercado real à intervenção estatal real. Nenhum espaço sobra para a afirmação de que o mercado falha na realização de algum ideal, o que poderia ser usado para justificar intervenções estatais. Hoppe estabelece definitivamente que o mercado desimpedido é superior no aperfeiçoamento do bem-estar social.
A economia do bem-estar é discutivelmente a menor das realizações de Hoppe. Em toda área que chamou sua atenção, ele, assim como Ludwig von Mises e Murray Rothbard antes dele, exemplificou o raciocínio sólido na análise social. Ele aperfeiçoou o edifício que eles construíram, primeiro esclarecendo os princípios, e então, implacável e intrepidamente, delineando as implicações lógicas desses princípios até suas conclusões. Ele é um exemplo para todos aqueles que amam a verdade.
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Notas
[1] Sobre o desenvolvimento da economia do bem-estar, veja Mark Blaug, “The Fundamental Theorems of Welfare Economics, Historically Considered,” History of Political Economy 39, no. 2 (2007): pp. 185–207 e Jeffrey M. Herbener, “The Pareto Rule and Welfare Economics,” Review of Austrian Economics 10 (1997): pp. 79–106.
[2] Murray N. Rothbard, “Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics”, The Logic of Action, One (Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1997), pp. 211-54.
[3] Ibid., p. 240.
[4] Hans-Hermann Hoppe, “Review of Man, Economy, and Liberty,” Review of Austrian Economics 4 (1990): pp. 249–63.
[5] Ibid., pp. 257–58.