Quando a União Soviética começou a colapsar em 1989, o mundo testemunhou a descentralização e a secessão em larga escala.
Nos anos seguintes, regimes fantoches e estados que eram apenas nominalmente independentes romperam com a dominação soviética e formaram estados soberanos. Alguns estados que haviam deixado completamente de existir – como os Estados Bálticos – declararam independência e tornaram-se estados por direito próprio. Em seu apogeu, a União Soviética tinha três vezes o tamanho dos Estados Unidos, e era controlada por um regime com poder quase inabalável consolidado em um estado centralizado. Em seu lugar surgiu uma série de novos regimes que eram menores em tamanho e menores em população.
No total, a secessão e a descentralização nesta época trouxeram mais de uma dúzia de novos estados independentes.[1]
Decisões políticas que antes eram tomadas unilateralmente em Moscou agora estão sendo tomadas em vários lugares: lugares como Riga, na Lituânia, Kiev, na Ucrânia, e Yerevan, na Armênia.
Esse período serviu como um lembrete importante de que a história humana não é, na verdade, apenas uma história de poder e centralização cada vez maiores do estado.
Desde então, no entanto, o mundo testemunhou poucos movimentos de secessão bem-sucedidos. Um punhado de novos países surgiram nos últimos vinte anos, como Timor-Leste e Sudão do Sul. Mas, apesar de muitos esforços de separatistas em todo o mundo, houve poucas mudanças nas linhas dos mapas.
Este tem sido certamente o caso na Europa e nas Américas, onde do Quebeque à Escócia, passando pela Catalunha e Veneza, as demandas por independência foram recebidas com apreensão e, por vezes, ameaças diretas de violência por parte dos governos centrais.[2]
Benefícios da grandeza: mais fontes de riqueza para instituições estatais caras
A oposição estatal a qualquer movimento de desmembramento se deve, em parte, ao fato de as organizações estatais – isto é, as pessoas que as controlam – serem motivadas a não largar os benefícios conferidos pela grandeza.
Muito disso decorre da natureza dos próprios estados. A ideologia subjacente ao estado soberano moderno – também conhecido como “Estado Westfaliano” – baseia-se, em grande parte, na ideia de que os estados devem assegurar e proteger o monopólio dos meios de coerção num território específico. Esse processo de construção do estado muitas vezes envolvia a invasão física de regiões e territórios independentes dentro do território de um estado em potencial, e a neutralização de quaisquer forças militares submetidas a nobres locais ou governos municipais. À medida que os governantes de um estado procuravam consolidar o poder, eles buscavam novas maneiras de limitar o poder dos centros locais, como cidades, guildas, organizações religiosas e a nobreza local. Quando bem-sucedida, essa estratégia permitiu que os governantes estatais controlassem os recursos diretamente, e não indiretamente, por meio de instituições locais. Idealmente, os governantes estatais construíram grandes burocracias estatais submetidas ao – e financiadas diretamente pelo – estado central. Mais especificamente, os estados devem, como descreve o cientista político Charles Tilly:
Produzir organizações distintas que controlem os principais meios concentrados de coerção dentro de territórios bem definidos e exerçam prioridade em alguns aspectos sobre todas as outras organizações que operam dentro desses territórios. Os esforços para subordinar os vizinhos e combater rivais mais distantes criam estruturas estatais na forma não apenas de exércitos, mas também de pessoal civil que reúne os meios para sustentar exércitos e que organiza o controle diário do governante sobre o resto da população.[3]
De acordo com Tilly, essas “organizações distintas” incluem claramente exércitos, mas também incluem organizações como a polícia, uma burocracia para a cobrança de impostos e um sistema prisional. O mais importante são as instituições que asseguram o controle físico sobre os potenciais inimigos do estado, tanto estrangeiros quanto domésticos. Como observou Murray Rothbard:
O que o estado teme acima de tudo, é claro, é qualquer ameaça fundamental ao seu próprio poder e à sua própria existência. A morte de um estado pode ocorrer de duas maneiras principais: (a) através da conquista por outro estado, ou (b) através da derrubada revolucionária por seus próprios súditos – em suma, pela guerra ou revolução. A guerra e a revolução, sendo as duas ameaças básicas, invariavelmente despertam nos governantes do estado seus esforços máximos e a propaganda máxima entre o povo.[4]
A necessidade ocasional de “propaganda máxima” também destaca a necessidade de um estado ter um “poder sutil”. Isso geralmente inclui instituições educacionais e outras organizações que empregam intelectuais para convencer a população de que um estado é benéfico e necessário.
Os supostos benefícios do poder estatal para o público em geral também podem ser exibidos por meio de um estado de bem-estar social. Esse aspecto de ampliação do poder estatal não desenvolveu muita sofisticação até o século XIX, quando o alemão Otto von Bismarck “estabeleceu o seguro obrigatório contra acidentes, doenças e velhice para os trabalhadores”.[5] Ou seja, ele deu os primeiros passos em direção a uma “rede de segurança” permanente e burocrática para a população dentro do recém-criado império alemão de Bismarck. Mas, como Robert Higgs reconheceu, “Bismarck não era altruísta. Ele pretendia que seus programas sociais desviassem os trabalhadores do socialismo revolucionário e comprassem sua lealdade ao regime do Kaiser; em grande medida, ele parece ter alcançado seus objetivos.”[6]
Os estados de bem-estar social não precisam ser estabelecidos por motivos cínicos, é claro, mas seu efeito final é o mesmo. Como observa Martin van Creveld, o estado de bem-estar social foi essencial para “endurecer o controle do estado sobre a economia”, que tinha o benefício adicional de “erradicar ou, pelo menos, enfraquecer muito as instituições menores” que haviam fornecido caridade e benefícios econômicos em tempos anteriores.[7]
Naturalmente, tudo isso é muito caro para o estado, de modo que os estados tenderão a buscar acesso direto a fontes confiáveis de riqueza e poder geopolítico. Isso geralmente pode ser aumentado por meio do crescimento de seu tamanho físico ou do aumento da população — ou ambos.
Por essa forma de pensar, os estados mais seguros e protegidos são aqueles que melhor podem controlar fisicamente os meios de defesa militar, punir os desobedientes, obter benefícios econômicos e fornecer financiamento a professores e intelectuais.
Por exemplo, maior tamanho significa uma fronteira maior que pode atuar como um escudo físico entre os inimigos do estado e seu núcleo econômico. O tamanho físico também é útil em termos de busca de autossuficiência tanto na produção de energia quanto na agricultura. Mais terra significa maior potencial de extração de recursos e área dedicada à produção de alimentos. Os salários e a acumulação de capital que advém dessas atividades também podem ser tributados, expropriados ou controlados de outra forma para beneficiar o próprio estado.
Em termos de tamanho populacional, o controle estatal sobre populações maiores significa mais trabalhadores humanos para tributar. Populações maiores também fornecem pessoal para uso militar.
Naturalmente, as organizações estatais não estão inclinadas a abandonar essas vantagens levianamente, mesmo que uma parcela considerável da população comece a se mover na direção da secessão.
Por que os estados às vezes ficam menores?
Às vezes, porém, os estados são forçados a contrair em tamanho e escopo. Isso geralmente acontece quando o custo de manter o status quo se torna maior do que o custo de permitir que uma região ganhe autonomia.
Historicamente, o custo para o estado de manter a unidade é elevado através de meios militares. Uma vez que uma região em rebelião se torna suficientemente cara, ela é abandonada pelo governo central cessante.[8] Exemplos dessa tática sendo empregada com sucesso incluem os casos dos Estados Unidos, da República da Irlanda e de alguns dos estados sucessores da Iugoslávia.[9]
Mas a secessão e a descentralização também têm sido frequentemente conseguidas através de meios sem sangue, ou quase sem sangue. Este foi o caso na Islândia em 1944 e na maioria dos estados pós-Cortina de Ferro.
Movimentos de secessão sem sangue, no entanto, tendem a ter mais sucesso quando o estado-mãe é enfraquecido por eventos maiores além do próprio movimento de secessão. A Islândia, por exemplo, separou-se em 1944, quando a Segunda Guerra Mundial garantiu que a Dinamarca não estava em posição de se opor.[10] Os estados pós-soviéticos se separaram quando o estado soviético havia se tornado impotente por décadas de declínio econômico e (em 1991) por um golpe de estado fracassado.[11] Também não é coincidência que a Índia tenha conquistado a independência do Reino Unido nos anos imediatamente seguintes à Segunda Guerra Mundial. É provável que o Reino Unido pudesse ter segurado a Índia mediante meios militares indefinidamente, mas isso teria tido um custo muito elevado para a economia e o nível de vida britânicos.
É possível imaginar separações em grande parte “amigáveis”. O modelo para isso é a separação do Canadá, Austrália e Nova Zelândia do Reino Unido. Mas, mesmo nesses casos, o controle britânico sobre a política externa desses Estados da Commonwealth não foi totalmente abandonado até depois da Segunda Guerra Mundial, quando o estado britânico foi enfraquecido pela depressão e pela guerra. Além disso, o estado britânico supôs que esses novos estados independentes permaneceriam aliados geopolíticos e econômicos altamente confiáveis indefinidamente. Assim, o custo geopolítico da separação foi percebido como baixo.
Megaestados são o estado ideal (do ponto de vista do estado)
Nos casos em que o estado secessionista é percebido como tendo interesses culturais, econômicos ou geopolíticos diferentes – o que é verdade para a esmagadora maioria dos casos – o estado-mãe é, tudo o mais sendo igual, suscetível de atender às demandas de secessão com muita hostilidade.
Embora a ideologia liberal tenha diminuído a percepção entre grande parte da população mundial de que quanto maior melhor, a maioria dos agentes governamentais – que são, por natureza, decididamente iliberais – vê as coisas de forma diferente. Para eles, o estado ideal é certamente um estado grande.
Aqueles que se deleitam com a aplicação generosa da violência estatal notaram que não é uma coincidência que os estados mais poderosos do mundo – por exemplo, EUA, Rússia, China – sejam frequentemente aqueles que controlam grandes populações, grandes centros econômicos e grandes áreas geográficas com fronteiras consideráveis. A combinação desses três fatores em várias configurações garante que as ameaças existenciais ao regime sejam poucas e distantes entre si. A economia relativamente pequena da Rússia – apenas uma fração do tamanho da economia da Alemanha – é mitigada por suas enormes fronteiras geográficas. Sua economia é, no entanto, grande o suficiente para manter um arsenal nuclear. A riqueza per capita da China é muito pequena, mas o território chinês, seu arsenal nuclear limitado e o tamanho de sua economia geral garantem um alto grau de proteção contra ataques estrangeiros. A enorme economia dos EUA e suas enormes fronteiras oceânicas os tornam essencialmente imune a todas as ameaças existenciais além da guerra nuclear em larga escala.
Grandes estados como estes são limitados apenas pelas capacidades militares de outros estados e pela ameaça de agitação interna e resistência.
Estados totalitários exigem grandeza
Essa relação entre grandeza e poder estatal tem sido ilustrada no fato de que os estados totalitários são quase sempre grandes estados.
Em seu livro As origens do totalitarismo, Hannah Arendt examina uma série de ditaduras não totalitárias que surgiram na Europa antes da Segunda Guerra Mundial. Estas incluíam (entre outros) os Estados Bálticos, Hungria, Portugal e Romênia. Em muitos desses casos, Arendt afirma que os regimes tentaram se transformar em regimes totalitários, mas fracassaram. Isso se deveu em grande parte à sua falta de tamanho:
Embora [a ideologia totalitária] tivesse servido bem o suficiente para organizar as massas até que o movimento tomasse o poder, o tamanho absoluto do país então forçou o pretenso governante totalitário de massas aos padrões mais familiares de ditadura de classe ou partido. A verdade é que esses países simplesmente não controlavam material humano suficiente para permitir a dominação total e suas inerentes grandes perdas populacionais. Sem muita esperança na conquista de territórios mais populosos, os tiranos desses pequenos países foram forçados a uma certa moderação antiquada para não perderem o povo que tinham para governar. É também por isso que o nazismo, até à eclosão da guerra e à sua expansão sobre a Europa, ficou tão atrás do seu homólogo russo em consistência e crueldade; mesmo o povo alemão não era numeroso o suficiente para permitir o pleno desenvolvimento dessa nova forma de governo. Somente se a Alemanha tivesse vencido a guerra ela teria conhecido um governo totalitário totalmente desenvolvido.[12]
Arendt não era economista, mas, se fosse uma, poderia ter notado que a necessidade de tamanho é tão central para os regimes totalitários porque eles são tão economicamente ineficientes. Ao contrário das promessas de eficiência semelhante a máquinas feitas por defensores de estados cada vez mais poderosos, os estados totalitários são absurdamente perdulários tanto em termos de capital quanto de vida humana. O mesmo vale – em diferentes graus – para todos os regimes. Mas como os mais centralmente planejados – totalitários ou não – rapidamente se tornam casos de bancarrota, o tamanho grande é necessário.[13] Um estado menor esgotaria rapidamente seu capital e sua população, e o regime entraria em colapso. O tamanho pode proporcionar a aparência de sustentabilidade por mais tempo.
No entanto, os fatores culturais não podem ser ignorados. Arendt admite que esse processo de colapso pode se prolongar por mais tempo em sociedades ideologicamente mais tolerantes a ele:
Por outro lado, as chances de um governo totalitário são assustadoramente boas nas terras do tradicional despotismo oriental, na Índia e na China…[14]
A relativa tolerância daquela região ao despotismo é possibilitada por ideologias locais que fomentam um “sentimento de supérfluo”, que segundo Arendt “prevalece há séculos no desprezo pelo valor da vida humana”.[15]
Nada disso significa que o mundo agora não conte com pequenos estados que tentam maximizar o poder do regime. Alguns pequenos estados, como a Coreia do Norte, mantiveram uma postura economicamente isolacionista e totalitária – alimentada tanto pela paranoia interna quanto por ameaças reais e perenes emitidas pelos inimigos do regime. Na maior parte, no entanto, a disseminação dos mercados (e a ideologia pró-mercado) elevou o custo de oportunidade da expansão militarista do ponto de vista do estado. Se lhes fosse oferecida a oportunidade de expandir a baixo custo, no entanto, praticamente todos os regimes aproveitariam a oportunidade em um piscar de olhos. E é por isso que provavelmente continuaremos a ver regimes resistindo entusiasticamente à secessão dentro de suas próprias fronteiras. Os estados não têm muitas oportunidades de expandir seus territórios e populações. Portanto, eles não estão dispostos a aceitar alegremente a secessão. No entanto, novas realidades econômicas, guerras e mudanças demográficas certamente podem afetar a equação nos próximos anos. E então poderemos voltar a ver um redesenho de mapas de um tipo não visto desde o fim da Guerra Fria.
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Notas
[1] Isso fez parte de uma tendência mundial ainda maior de 1950 a 2000. Durante este período, o número total de nações independentes quase dobrou para 191. Muitos desses novos estados foram formados a partir de impérios baseados na Europa que lentamente entraram em colapso durante as décadas de 1950 e 1960.
[2] Nick Squires, “Veneza se prepara para referendo sobre a secessão da Itália”, The Telegraph. 14 de março de 2014, https://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/ italy/10698299/Venice-prepares-for-referendum-on-secession-from-Italy.html.
[3] Charles Tilly, Coercion, Capital and European States: AD 990– 1992 (Malden, Mass.: Blackwell Publishers, 1992), p. 19.
[4] Murray N. Rothbard, A anatomia do Estado.
[5] Robert Higgs, “The Welfare State and the Promise of Protection”, Mises Daily, 24 de agosto de 2009, p. https://mises.org/library/welfare-state-and-promise-protection.
[6] Ibidem.
[7] Martin Van Creveld, The Rise and Decline of the State (Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 1999), pp. 354-56.
[8] Jörg Guido Hülsmann, “Secessão e a Produção da Defesa”, em O Mito da Defesa Nacional, ed.
[9] A República da Irlanda empregou a violência para obter a independência, embora seja improvável que a Irlanda tivesse obtido a independência quando conseguiu se o estado britânico não tivesse sido enfraquecido pela Primeira Guerra Mundial.
[10] Em um plebiscito de 1918, os eleitores da Islândia aprovaram a independência do país em uma união pessoal com a Dinamarca sob o rei dinamarquês. (O rei continuaria a ser o chefe de estado. A Islândia tornou-se uma república após outro plebiscito em 1944.)
[11] Especificamente, o “Golpe de Agosto” de 1991, durante o qual a linha dura soviética tentou tomar o controle do regime de Mikhail Gorbachev.
[12] Hannah Arendt, As origens do totalitarismo (Nova York: Harcourt, 1976), p. 310.
[13] As economias centralmente planejadas são vítimas do que Ludwig von Mises chamou de problema do cálculo econômico, e rapidamente se tornam perdulárias e ineficientes na proporção em que a economia do setor privado é socializada. Ver Ludwig von Mises, O cálculo econômico sob o socialismo (Auburn, Ala.: Mises Institute, 2012).
[14] Arendt, As origens do totalitarismo, p. 311.
[15] Ibidem.