Friday, November 22, 2024
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2. Homem e sociedade

Em toda a história registrada, os homens nunca conseguiram estabelecer uma ordem social que não institucionalizasse violações da liberdade, paz e justiça; ou seja, uma ordem social na qual o homem pudesse realizar todo o seu potencial. Esse fracasso se deve ao fato de que os pensadores nunca compreenderam de forma clara e explícita três coisas – a saber, 1) a natureza do homem, 2) que tipo de sociedade esta natureza requer para que os homens realizem seu pleno potencial, e 3) como alcançar e manter tal sociedade.

A maioria dos autointitulados planejadores e construtores de sociedades nem mesmo considerou que o homem pode ter uma natureza específica. Eles o consideraram como algo infinitamente plástico, como o produto de seu meio cultural ou econômico, como uma espécie de massa amorfa sem identidade que eles poderiam moldar para se adequar a seus planos. Essa falha em perceber que o homem tem uma natureza específica, a qual exige que ele funcione de uma maneira específica, deu origem a torrentes de lágrimas e sangue. . . enquanto os planejadores sociais tentavam desmontar o homem e montá-lo de volta em uma forma que fosse mais do seu agrado.

Mas já que o homem é, ele é alguma coisa – um ser com uma natureza específica, que requer um tipo específico de sociedade para seu bom funcionamento como ser humano. Desde Darwin, a pesquisa científica tem descoberto continuamente evidências de evolução que mostram o desenvolvimento da natureza do animal humano. Para sobreviver, os homens tiveram que adquirir certos conhecimentos e capacidades comportamentais – por exemplo, o conhecimento de que a cooperação voluntária é boa, e a capacidade de parar de bater uns nos outros. A maioria dos homens conduz sua vida de acordo com esse conhecimento e, quando deixados em paz, convivem muito bem. Os planejadores sociais sempre estiveram entre os mais ignorantes sobre a natureza do homem. A evidência de que o homem tem uma natureza biológica específica que não pode ser remodelada para se adequar aos desígnios dos engenheiros sociais continua a crescer,[1] mas os governantes políticos continuam a ignorá-la. Se os homens desejam ser felizes e bem-sucedidos, devem viver em harmonia com as exigências de sua natureza. Quais são, então, os fundamentos da natureza do homem?

A vida é dada ao homem, mas os meios para sustentá-la não. Se um homem deseja continuar vivendo, ele deve, de alguma forma, adquirir as coisas de que necessita para sustentar sua vida, o que significa que ele ou outra pessoa deve produzir essas coisas. Não há ambiente na terra onde o homem possa existir sem algum tipo de esforço produtivo, e não há como ele ser produtivo sem usar sua mente para decidir o que e como produzir. Para sobreviver, o homem deve pensar – isto é, ele deve fazer uso das informações fornecidas por seus sentidos. Quanto mais plena e claramente ele usar sua mente, melhor poderá viver (tanto no plano físico, incluindo o material, quanto no psicológico).

Mas pensar não é um processo automático. O homem pode despender pouco ou muito esforço mental para resolver seus problemas, ou pode simplesmente ignorá-los e esperar que desapareçam. Ele pode adotar a política de manter sua mente totalmente consciente e sempre usá-la da maneira mais eficaz possível (seja ele um gênio ou um idiota), ou pode vagar pela vida em uma névoa mental desfocada, enterrando a cabeça no chão sempre que vê algo que exigiria esforço mental e comprometimento. A escolha de pensar ou não pensar é sua, e é uma escolha que todo homem deve fazer.

Como o homem deve iniciar e manter o processo de pensar por um ato de escolha, ninguém pode forçá-lo a pensar, ou pensar por ele. Isso significa que nenhum homem pode controlar com sucesso a vida de outro homem. A melhor coisa que um homem pode fazer por outro é não impedi-lo de aproveitar os benefícios de seu pensamento e trabalho produtivo, e não protegê-lo das consequências negativas de se recusar a pensar e produzir.

A vida é dada ao homem, mas o conhecimento de como sustentá-la não. O homem não tem conhecimento automático do que é bom ou ruim para ele, e ele precisa desse conhecimento para saber como viver. Para ter uma vida plena e feliz, ele precisa de um plano que lhe mostre o que é pró-vida e o que é anti-vida e que oriente suas escolhas e ações. Esse plano é um código de moralidade – um guia para a ação a ser escolhido. Se um homem deseja que sua moralidade promova sua vida em vez de aleijá-la, ele deve escolher uma moralidade que esteja em harmonia com sua natureza evoluída como um ser que sente e pensa.

A escolha de guias eficazes para a ação não é algo que se confie à fé cega ou a caprichos sem razão; requer pensamento claro e racional. Portanto, a moralidade de uma pessoa não deve ser um conjunto de obrigações e proibições herdadas dos pais ou aprendidas na igreja ou na escola. Deve ser um código claramente pensado, orientando a pessoa em direção a ações pró-vida e para longe de ações anti-vida. “O propósito da moralidade é … ensinar você a aproveitar a vida e viver.”[2] Uma moralidade racional não diz: “Não faça isso porque Deus (ou a sociedade, ou autoridades legais, ou tradição) diz que é mau.” O que ela diz é: “Somente se agir de acordo com sua razão você poderá ter uma vida feliz e satisfatória”.

Em qualquer código de moralidade, deve haver um padrão – um padrão pelo qual todas as metas e ações podem ser julgadas. Só a vida torna os valores significativos … ou mesmo possíveis – se você está morto, não pode experimentar nenhum valor (e sem valores, a felicidade é impossível). Assim, para cada homem que valoriza a vida, sua própria vida é seu padrão moral (a morte, a negação de todos os valores, é o único “padrão” alternativo). Uma vez que a própria vida de cada homem é seu padrão objetivo, segue-se que tudo o que serve ou melhora sua vida e bem-estar é bom, e tudo que os danifica ou destrói é errado. Em uma moralidade racional – projetada para promover a vida e a felicidade de cada homem individual – o que for pró-vida é moral, e o que for anti-vida é imoral. Por “vida” não se entende apenas a existência física do homem, mas todos os aspectos de sua vida como um ser sensível e pensante. Somente pelo pensamento e ação racionais a vida de um homem pode ser vivida em seu potencial máximo, produzindo a maior felicidade e satisfação possíveis para ele.

O homem tem apenas uma ferramenta para obter conhecimento – sua mente, e apenas um meio de saber o que é benéfico e prejudicial – sua faculdade de raciocínio. Somente pensando ele pode saber o que irá melhorar sua vida e o que irá prejudicá-la. Por esse motivo, escolher pensar é a ferramenta mais poderosa e a maior virtude do homem, e recusar-se a pensar é o seu maior perigo, a maneira mais certa de levá-lo à destruição.

Visto que a vida do homem é o que torna possíveis todos os seus valores, moralidade significa agir em seu próprio interesse, que é agir de maneira pró-vida. Não há nada místico ou difícil de entender sobre o certo e o errado – uma moralidade racional faz sentido. A moralidade tradicional, ensinando que cada homem deve dedicar uma parte de sua vida, não principalmente para seu próprio bem, mas para Deus ou o Estado ou “o bem comum”, considera o homem um animal de sacrifício. Hoje, muitos estão reconhecendo essa doutrina pelo que ela é – a causa de incalculável carnificina humana, e uma moralidade da vida está gradualmente substituindo-a. Uma moralidade racional é uma moralidade de interesse próprio – uma moralidade pró-vida.

A única maneira de um homem saber o que promoverá sua vida é por um processo da razão; moralidade, portanto, significa agir em seu próprio interesse racional (na verdade, nenhum outro tipo de interesse próprio existe, uma vez que apenas o que é racional é do interesse próprio). O sacrifício (o ato de abrir mão de um valor maior por um valor menor, inexistente, ou negativo) é sempre errado, porque é destrutivo para a vida e o bem-estar do indivíduo que se sacrifica.[3] Apesar de “moralidades” tradicionais que glorificam “uma vida de serviço sacrificial aos outros”, o sacrifício nunca pode beneficiar ninguém. Ele desmoraliza tanto o doador, que diminuiu sua reserva total de valor, quanto o recebedor, que se sente culpado por aceitar o sacrifício e ressentido porque sente-se moralmente obrigado a retribuir o “favor” sacrificando algum valor próprio. O sacrifício, levado ao seu fim último, resulta em morte; é exatamente o oposto do comportamento moral pró-vida, não obstante os protestos dos “moralistas” tradicionais.

Um homem que age em seu próprio interesse (isto é, que está agindo moralmente) não faz sacrifícios nem exige que outros se sacrifiquem por ele. Não há conflito de interesses entre os homens que estão cada um agindo em seu próprio interesse, porque não é do interesse de nenhum deles se sacrificar pelo outro ou exigir um sacrifício do outro. Os conflitos são criados quando os homens ignoram seus interesses próprios e aceitam a noção de que o sacrifício é benéfico; o sacrifício é sempre anti-vida.

Resumindo: o homem, por sua natureza, deve escolher pensar e produzir para viver, e quanto melhor pensar, melhor viverá. Uma vez que a própria vida de cada homem torna seus valores possíveis, o comportamento escolhido que promove sua vida como um ser pensante é o moral, e o comportamento escolhido que o prejudica é o imoral. (Sem livre escolha, a moralidade é impossível.) Portanto, o pensamento e a ação racionais e suas recompensas, emocionais, físicas e materiais, são a totalidade do interesse próprio de um homem. O oposto do interesse próprio é o sacrifício, que é sempre errado porque é prejudicial à vida humana.[4]

Qualquer sociedade na qual os homens possam realizar todo o seu potencial e viver como seres humanos racionais e produtivos deve ser estabelecida de acordo com esses fatos básicos da natureza do homem. Deve ser uma sociedade em que cada homem não seja molestado, em que seja livre para pensar e agir de acordo com suas ideias … sem que nenhum outro tente forçá-lo a viver de acordo com seus padrões. Cada homem deve não apenas ser livre para agir, mas também para desfrutar plenamente das recompensas de todas as suas ações pró-vida. Tudo que ele ganhar em alegria emocional, bens materiais e valores intelectuais (como admiração e respeito) deve ser completamente seu – ele não deve ser forçado contra sua vontade a abrir mão de nada para o suposto benefício de outros. Ele não deve ser forçado a se sacrificar, nem mesmo para “o bem da sociedade”.

Na medida em que um homem não é livre para viver sua vida pacificamente, de acordo com seus próprios padrões, e ser proprietário de tudo que ganhar, ele é um escravo. Escravizar os homens “pelo bem da sociedade” é uma das formas mais sutis e difundidas de escravidão. É continuamente defendido por padres, políticos e filósofos charlatães que esperam, pelo trabalho dos escravos, ganhar o que não fizeram por merecer.

Uma sociedade na qual os homens podem realizar todo o seu potencial deve ser aquela em que cada homem é livre para agir em seu próprio interesse, de acordo com o julgamento de sua própria mente. A única maneira pela qual um homem pode ser compelido contra sua vontade a agir de forma contrária ao seu julgamento é pelo uso ou ameaça de força física por outros homens. Muitas pressões podem ser exercidas sobre um homem, mas a menos que ele seja compelido pela força física (ou pela ameaça da força, ou um substituto da força) a agir contra sua vontade, ele ainda tem a liberdade de fazer suas próprias escolhas. Portanto, a única regra básica de uma sociedade civilizada é que nenhum homem ou grupo de homens tem o direito moral de iniciar (começar) o uso de força física, a ameaça de força ou qualquer substituto para a força (como furtar algo de outra pessoa) contra qualquer outro homem ou grupo de homens.

Isso não significa que um homem não possa se defender se outra pessoa iniciar força contra ele. Isso significa que ele não pode começar o uso da força. Iniciar força contra alguém é sempre errado, porque obriga a vítima a agir contra o seu próprio julgamento. Mas defender-se contra a força retaliando com força contrária não é apenas permissível, é um imperativo moral sempre que for viável, ou razoavelmente seguro, fazê-lo.[5] Se um homem realmente valoriza seus valores, ele tem uma obrigação moral a si próprio de defendê-los – não fazer isso seria sacrificial e, portanto, autodestrutivo. A diferença entre força iniciada e força retaliatória é a diferença entre assassinato e legítima defesa. (Pacifistas que consistentemente se recusam a se defender quando são atacados são frequentemente mortos – a crença no pacifismo é contra a vida.)

Enquanto um homem não iniciar a força, os objetivos e interesses reais que ele escolhe perseguir não controlam a livre escolha ou ameaçam os objetivos de qualquer outra pessoa. Não importa se um homem vai à igreja todos os dias ou defende o ateísmo, se usa o cabelo comprido ou curto, se fica bêbado todas as noites, usa drogas ou permanece sóbrio, se acredita no capitalismo ou no comunalismo voluntário – contanto que ele não use uma arma … ou um político … para obrigar os outros a viver como ele pensa que deveriam. Enquanto os homens cuidarem de suas próprias vidas e não iniciarem força contra seus semelhantes, o estilo de vida de ninguém é uma ameaça para ninguém.

Quando um homem inicia força contra outro homem, ele viola os direitos de sua vítima. Um direito é um princípio que proíbe moralmente os homens de usar a força ou qualquer substituto da força contra qualquer pessoa cujo comportamento não seja coercitivo. Um direito é uma proibição moral; nada especifica com relação a quais ações o possuidor do direito pode realizar (contanto que suas ações não sejam coercivas) – ele proíbe moralmente outros de interferir forçosamente em qualquer uma de suas ações não coercitivas. Por exemplo, um catador de praia tem direito à vida; este direito não diz nada sobre o que o catador pode fazer com sua vida – diz apenas que outros não podem interferir à força em sua vida, desde que ele não inicie força ou fraude contra eles. Suponha, entretanto, que o catador inicie força contra um motorista de táxi e cause $100 de dano ao táxi. Para retificar a injustiça, o catador deve pagar ao taxista $100. O catador não tem, portanto, direito a qualquer parte de sua vida e/ou propriedade que seja necessária para fazer uma indenização ao taxista (o taxista tem uma reivindicação justa sobre essa parte dos bens do catador). Suponha, ainda, que o catador não pague voluntariamente os $100; o taxista não está mais moralmente proibido de usar a força contra o catador para coletar o que agora é seu por direito. O catador, por sua iniciação de força contra e em detrimento de outro homem, alienou-se do direito à parte de sua vida que é necessária para pagar sua dívida.[6] Os direitos não são inalienáveis, mas apenas o possuidor de um direito pode alienar-se desse direito – ninguém mais pode tirar os direitos de um homem.

Cada pessoa tem direito à sua própria vida, o que significa que cada pessoa é dona de si (desde que o seu comportamento não seja ou tenha sido coercivo). Como um homem tem o direito de possuir sua vida, ele tem o mesmo direito a qualquer parte dessa vida. A propriedade é uma parte da vida de um homem. Os bens materiais são necessários para sustentar a vida, assim como as ideias que um homem gera. Assim, o homem investe seu tempo na geração de ideias e na produção e manutenção de bens materiais. A vida de um homem é feita de tempo, então quando ele investe seu tempo em propriedade material ou intelectual (ideias), ele está investindo partes de sua vida, tornando essa propriedade uma extensão de sua vida. O direito de propriedade faz parte do direito à vida. Não há conflito entre direitos de propriedade e direitos humanos – direitos de propriedade são direitos humanos.

Outro aspecto da vida do homem é sua liberdade de ação. Se um homem não é livre para usar sua mente, seu corpo e seu tempo em qualquer ação que desejar (contanto que ele não inicie força ou fraude), ele é em certo grau um escravo. O direito à liberdade, assim como o direito à propriedade, é um aspecto do direito à vida.

Todos os direitos são aspectos do direito à vida, o que significa que cada homem tem direito a cada parte de sua própria vida. Da mesma forma, ele não tem direito moral a qualquer parte da vida de outro homem (assumindo que o outro homem não iniciou força ou fraude contra ele). Qualquer “direito” que viole os direitos de outra pessoa não é direito algum. Não pode haver direito de violar um direito, ou os direitos não teriam sentido. Um homem tem o direito de ganhar uma vida decente, mas não tem direito a uma vida decente se esta tiver de ser fornecida à força através dos ganhos de outra pessoa. Ou seja, ele não tem o direito de escravizar os outros e forçá-los a prover seu sustento – nem mesmo se fizer o governo aprovar uma lei tributando terceiros para que ele possa receber pagamentos. Cada indivíduo é dono de sua própria vida … e da de ninguém mais.

Os direitos não são um presente de Deus ou da sociedade; eles são o produto da natureza do homem e da realidade. Para o homem viver uma vida produtiva e feliz e realizar seu potencial completo como ser humano, ele deve estar livre da coerção de outros homens. A natureza do homem exige que ele tenha valores e objetivos para viver – sem eles, a vida humana é impossível. Quando um homem não é livre para escolher seus próprios objetivos, ele não pode reagir ao feedback de seu comportamento e, portanto, não pode corrigir seus erros e viver com sucesso. Na medida em que um homem é forçosamente impedido por outros de escolher seus próprios valores e objetivos, ele é um escravo. A escravidão é o oposto exato da liberdade; elas não podem coexistir.

Os direitos pertencem apenas aos homens como indivíduos. Não existem direitos das minorias, direitos dos Estados, direitos “civis” ou qualquer outra forma de direitos coletivos. A iniciação de força contra o coletivo é, na verdade, a iniciação de força contra os indivíduos de que o coletivo é composto, porque o coletivo não tem existência separada dos indivíduos que o compõem. Portanto, não existem direitos coletivos – existe apenas o direito de todo indivíduo de estar livre das ações coercitivas de outros.

Moralmente, cada homem é dono de si mesmo e tem o direito de fazer qualquer coisa que não viole o direito de autopropriedade de outro homem. A única forma de violar um direito é por meio da coerção. É por isso que a sociedade em harmonia com os requisitos da natureza do homem deve ser baseada na regra de não iniciação da força – deve ser uma sociedade laissez-faire.

Laissez faire significa “deixe as pessoas fazerem o que quiserem”, ou seja, deixe todos deixarem os outros em paz para fazerem o que escolherem. Uma sociedade laissez-faire é uma sociedade de não interferência – uma sociedade cuide-de-sua-própria-vida, viva-e-deixe-viver. Significa liberdade para cada indivíduo administrar sua própria vida da maneira que quiser … não apenas no domínio da economia, mas em todas as áreas de sua vida. (Se ele restringir seu comportamento aos seus próprios assuntos, é óbvio que ele não iniciará o uso da força contra qualquer outra pessoa.) Em uma sociedade laissez-faire, nenhum homem ou grupo de homens ditaria o estilo de vida de alguém, ou o forçaria a pagar impostos para uma burocracia do Estado, ou o proibiria de fazer qualquer negócio voluntário que desejasse.

Provavelmente nunca haverá uma sociedade completamente livre da iniciação da força física por alguns homens contra outros, porque os homens podem agir irracionalmente se assim escolherem. Uma sociedade laissez-faire não é uma utopia em que a iniciação da violência é impossível, mas sim uma sociedade que não institucionaliza a iniciação da força, e na qual existem meios para lidar com a agressão de forma justa, quando ela ocorre.

Poderão os homens algum dia criar uma sociedade laissez-faire? Muitas pessoas têm a convicção inabalável de que algo tão “ideal” nunca poderia se tornar uma realidade prática. Elas não podem explicar por que estão tão certas disso; elas apenas sentem uma “certeza” irracional de que deve ser assim. O que está por trás dessa “certeza” irracional de que o bem (a liberdade) é inatingível? A resposta está na “moralidade” invertida da tradição – o altruísmo.

O altruísmo é a doutrina filosófica que afirma que tudo o que é feito por preocupação com o bem-estar de outros é bom, mas torna-se mau se motivado pela preocupação com seu bem-estar próprio. Esta doutrina tem sido, de uma forma ou de outra, parte básica de quase todas as religiões e filosofias do mundo por toda a história do homem. Um dos princípios religiosos mais comuns é que o egoísmo é mau e que apenas uma preocupação altruísta com as necessidades dos outros ganhará o favor de Deus e dos homens. O sacrifício é considerado uma das maiores virtudes, simplesmente porque os beneficiários do sacrifício são os outros e o perdedor é o próprio agente. Não é difícil entender uma das razões para a proeminência de longa data de doutrinas altruístas – líderes religiosos e políticos podem obter oferendas e impostos muito mais substanciais das pessoas que possam ser convencidas de que é seu dever moral dar tanto quanto possível em serviço sacrificial aos outros, do que eles podem obter de pessoas que vivem para seu próprio interesse racional. Essa doutrina do “algo por nada” – o altruísmo – é o ideal moral dos parasitas humanos.

O altruísmo é uma moralidade invertida, uma “moralidade” da morte. Ensina ao homem que seus interesses se opõem aos interesses dos outros, e que a única coisa “moral” que ele pode fazer é sacrificar seus interesses. Isso significa que tudo o que é prático e benéfico para um homem é “imoral” e, inversamente, tudo o que é “moral” é inconveniente e prejudicial aos seus valores. Na medida em que um homem está comprometido com alguma versão de altruísmo, ele pode ser imoral e trabalhar para seu próprio bem, ou ser moral e ignorar seu próprio bem-estar – ele não pode ser ao mesmo tempo moral e seguir seu interesse próprio … e seu autorrespeito e honestidade dependem deste balanço.

Essa dicotomia artificial entre o moral e o prático divide o homem em dois e o coloca contra si mesmo. Na medida em que ele se torna digno de viver (sacrificando seus valores), ele se torna incapaz de viver; na medida em que ele se torna capaz de viver (mantendo e usando seus valores), ele se torna indigno de viver. Nenhum homem pode praticar totalmente esse código – se o fizesse, isso o mataria. Para aqueles que aceitam uma “moralidade” baseada no altruísmo, sua única proteção contra essa crença é a hipocrisia; eles a praticam da boca para fora, mas só na medida em que for religiosa e socialmente necessário para manter uma boa fachada. Essa é a causa da maior parte da hipocrisia em nossa cultura. O altruísmo torna a hipocrisia necessária para viver.

Uma sociedade cheia de hipocrisia está a caminho do crematório. A dicotomia da moralidade versus interesse próprio não só torna a hipocrisia necessária, como também dá todas as vantagens ao mal, visto que o bem é, por virtude de sua bondade, inviável para a vida na terra. Se o mal e o prático são um e o mesmo, então o mal está fadado a vencer. De acordo com a filosofia altruísta, o mal tem todas as cartas, e o homem tem poucas esperanças de melhorias em sua vida ou em sua sociedade.

É claro que as pessoas que creem na dicotomia moralidade/praticidade raramente percebem conscientemente no que acreditam. Elas sabem apenas que tudo o que é certo e bom parece de alguma forma impraticável, pelo menos em qualquer escala significativa. A ideia de uma sociedade laissez-faire – ou seja, uma sociedade de não interferência – não os entusiasma pois parece muito pouco prática.

Mas a “moralidade” do altruísmo é exatamente oposta aos fatos da natureza do homem. Na realidade, os únicos pensamentos e ações que são do interesse próprio do homem são os racionais, e nunca há qualquer conflito de interesses entre homens que se comportam racionalmente. O sacrifício prejudica não apenas o homem que faz o sacrifício, mas também o homem que o aceita; é, portanto, inevitavelmente prejudicial. Agir de acordo com o interesse próprio racional é sempre certo, portanto o moral e o prático são simplesmente duas faces da mesma moeda. Visto que as ações morais são inerentemente práticas e pró-vida, as ações imorais são sempre prejudiciais ​​e anti-vida. O mal – isto é, o comportamento anti-vida – é, por sua natureza, fraco e só pode sobreviver pelo apoio que os homens bons sejam engambelados a lhe dar. Segue-se, portanto, que uma sociedade laissez-faire é tanto prática como possível.

Se uma sociedade laissez-faire é atingível, por que os homens não estabeleceram uma até aqui? A resposta é que pessoas bem-intencionadas impediram sua realização através de seu apoio não intencional à escravidão. A maioria das pessoas ao longo da história aceitou a ideia de que seria correto e necessário que alguns homens governassem outros coercivamente. A maioria dessas pessoas não era basicamente má, e provavelmente apenas algumas delas desejavam o poder. Mas elas acreditavam em uma ideia terrivelmente errada, que as fazia apoiar um sistema social que institucionaliza a escravidão e a violência. É essa ideia – de que é apropriado e/ou necessário que alguns homens governem coercivamente os outros, a ideia de governo – que impediu o estabelecimento de uma sociedade laissez-faire e que foi responsável por incalculável ​​sofrimento e desperdício de esforços humanos na forma de perseguições políticas e religiosas, impostos, regulações, conscrição, escravidão, guerras, despotismos, etc., etc. Tudo que é necessário para derrotar o mal é que os homens bons parem de apoiá-lo sem perceberem o que fazem.

Há um grande e crescente conflito em nosso mundo entre aqueles que querem ser livres e aqueles que querem governar (estes junto com aqueles que querem ser governados). Este grande conflito vem tomando forma há séculos, mas a grande maioria das pessoas nunca entendeu do que se trata, porque não perceberam que a questão era liberdade versus escravidão. Por acreditarem que os homens devem ser governados, a maioria das pessoas tem estado, inconsciente e apaticamente, do lado da escravidão. Até recentemente, não mais do que um punhado de individualistas perceberam o significado da liberdade e como ela é necessária para a felicidade e o bem-estar do homem.

O grande conflito entre liberdade e escravidão, embora tenha assumido muitas formas, encontra sua expressão principal em um conflito entre duas instituições humanas poderosas e opostas – o livre mercado e o governo. O estabelecimento de uma sociedade laissez-faire depende do resultado da guerra entre essas duas instituições – uma guerra cujas batalhas mais cruciais são travadas no campo das ideias.

 

 

___________________

Notas

[1] Consulte Territorial Imperative e African Genesis, de Robert Ardrey, e The Naked Ape, de Desmond Morris.

[2] Do discurso de John Galt em A Revolta de Atlas, de Ayn Rand.

[3] Se uma mãe fica sem um vestido novo para comprar um casaco para seu filho que ela ama, isso não é um sacrifício, mas um ganho – o conforto de seu filho era mais valioso para ela do que o vestido. Mas se ela priva a si mesma e à criança dando o dinheiro para uma campanha de caridade local para que as pessoas não pensem que ela é “egoísta”, isso é um sacrifício.

[4] Para um desenvolvimento muito mais completo da ética objetiva, consulte o Capítulo 1, “A Ética Objetivista de A virtude do egoísmo, de Ayn Rand. Embora a Srta. Rand esteja atualmente confusa na área da política, sua explicação da ética é, em geral, muito boa.

[5] A força retaliatória é de natureza defensiva, não coercitiva; a coerção é a força iniciada, a ameaça de iniciar a força – que é intimidação, ou qualquer substituto para a força iniciada.

[6] Este assunto será discutido em maiores detalhes no Capítulo 10, “Retificação da Injustiça”.

Morris & Linda Tannehill
Morris & Linda Tannehill
são dois ativistas e pensadores libertários que, no início dos anos 1970, fizeram avanços surpreendentemente profundos na teoria da sociedade sem estado. Seu manifesto de livre mercado, O Mercado da Liberdade, foi escrito logo após um período de intenso estudo dos escritos de Ayn Rand e Murray Rothbard; tem o ritmo, a energia e o rigor que você esperaria de uma discussão de uma noite com qualquer um desses dois gigantes.
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