Friday, November 22, 2024

2 Economia

 

O que é economia?

 

Segunda-feira, você acorda cedinho, pronto para uma nova semana, e, antes de ir para a labuta, vai até a padaria comprar pães. Lá os pães estão frescos e quentinhos; por um preço bastante razoável, você compra quatro deles para um delicioso café-da-manhã… É algo tão banal, tão corriqueiro, que nem percebemos o que está por trás disso: uma longa e anárquica cadeia produtiva, que, apesar das interferências estatais, nos dá várias opções para nosso desjejum. Em outras palavras, não nos preocupamos com uma das nossas principais necessidades, o pão nosso de cada dia, basicamente porque não existe uma “Pãobrás”.

Uma das várias conseqüências negativas da intromissão estatal em nossas vidas é que, uma vez que algo tenha sido socializado, depois de algum tempo quase todos passam a acreditar que é assim que isso deveria ser feito e que qualquer questionamento a essa socialização é “utópico”, “egoísta” ou “cruel”. “Se não fossem as escolas públicas, como os pobres teriam acesso à educação?” — pergunta aquele genuinamente preocupado. Bem, aí sim eles teriam de fato acesso à educação barata e de qualidade – e não, como acontece hoje, à doutrinação cara e ruim. Mas isso é história para outro livro…

No caso do pão e dos alimentos de modo geral, uma das nossas demandas mais básicas, felizmente não temos uma completa socialização. Do contrário, teríamos de conviver com o vocabulário da intervenção econômica estatal: desabastecimento, racionamento, filas e altos preços. Olhe à sua volta. Tudo que o governo lhe promete é caro e de baixa qualidade. Por que seria diferente, digamos, com o tópico deste livro, a preservação do meio ambiente? Para entender como a intervenção do estado é sempre prejudicial, vamos discutir um pouco os conceitos básicos de uma corrente de pensamento econômico conhecida como a “Escola Austríaca de Economia”.

Tal corrente, desenvolvida a partir do final do século XIX, recebeu esse nome, porque os seus pioneiros tinham ascendên-cia austríaca, como Carl Menger, Friedrich von Wieser, Eugen von Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises e Friedrich August von Hayek. Embora infinitamente superior a qualquer outra visão econômica, a Escola Austríaca não é – e nunca foi – popular, essencialmente porque ela questiona tudo aquilo que políticos, burocratas, corporativistas e acadêmicos mais gostam de fazer: gastar o dinheiro dos outros. Essa visão “austríaca” nos ajuda a entender as ações das pessoas em um mundo onde os recursos são escassos.

Voltemos para o exemplo dos pães. Por que você os comprou em troca de uma determinada quantidade de dinheiro? Você não fez isso porque achava que o pão valia exatamente aquela quantidade; você o fez porque acreditava que aqueles pães lhe satisfariam mais do que outras coisas que você poderia ter feito com aquele mesmo montante. Igualmente, por que o padeiro lhe vendeu os pães? Porque, para ele, aqueles pães valiam menos do que os bens ou serviços que ele poderá adquirir com o montante que recebeu, satisfazendo-se melhor. Note que, quando essa troca aconteceu, ambos saíram ganhando.

Dessa simples transação, podemos depreender uma série de coisas sobre o funcionamento da economia. Primeiro, essa troca foi voluntária – ninguém foi coagido a nada: nem você foi obrigado a comprar os pães, nem o padeiro foi obrigado a vendê-los. Isso implica que essa transação foi ética, ninguém teve a sua autopropriedade ameaçada. Portanto, nessa troca, implicitamente vocês admitiram que a lei de propriedade privada é a única maneira possível de se evitar conflitos. A propriedade dos recursos em questão – pães e dinheiro – foi trocada de forma consensual e pacífica, representando demandas legítimas das duas partes.

Segundo, se essa troca foi voluntária, houve a criação de valor. Valor nada mais é do que a satisfação que aquele recurso vai lhe dar. Esse valor é subjetivo, isto é, ele varia de pessoa para pessoa – varia, inclusive, para uma mesma pessoa ao longo do tempo. Buscamos sempre aumentar esse valor, essa satisfação. Obviamente haverá casos em que você tomará uma decisão errada na hora de fazer uma troca e se arrependerá. Mas isso faz parte do processo de aprendizado. De todo modo, no momento em que fez a troca, você acreditava que ela lhe seria vantajosa.

Terceiro, se a troca foi vantajosa a ambos, se os dois estão mais satisfeitos agora do que estavam antes, podemos concluir, ao contrário do que muitos dizem por aí, que a economia não é um jogo de soma zero, aquele em que para alguém ganhar um outro necessariamente tem de perder. Ao contrário, em um ambiente de livre-mercado, onde as trocas econômicas são voluntárias, todos saem ganhando. Não é necessário que para alguém enriquecer um outro empobreça. De modo geral, todos enriquecem, ainda que alguns possam enriquecer mais do que outros, se criarem mais valor, se satisfizerem mais pessoas.

Quarto, quando decidimos por uma determinada ação – digamos, comprar uns pãezinhos – dentre as infinitas ações que poderíamos ter tomado, fazemos uma escolha e agimos de acordo. Assim, a economia pode ser entendida como o estudo da ação humana – aquilo que Mises chamou de “praxeologia”. Como os recursos de que dispomos são escassos e como nossos desejos são infinitos, nunca teremos recursos suficientes para saciar todos nossos desejos. A economia, portanto, estuda como as pessoas fazem escolhas, procurando alocar seus recursos da melhor forma a se lidar com a escassez.

 

A ação humana

 

Um primeiro fato que podemos observar no que diz respeito às ações humanas é que apenas indivíduos podem tomá-las, já que apenas indivíduos têm propósitos e podem agir de modo a tentar atingi-los. Não há ações tomadas por entidades coletivas, como “grupos”, “sociedades”, “governos” ou “estados”. Quando falamos, por exemplo, que “o governo fez isto ou aquilo”, estamos simplesmente usando uma figura de linguagem, uma metonímia, para dizer que algumas pessoas dentro daquele aparato governamental agiram desta ou daquela maneira.

Ao contrário do que os encenadores de virtudes querem lhe fazer acreditar, toda ação humana é egoísta, isto é, todos nós agimos para melhorar nosso bem-estar, para aumentar nosso grau de satisfação, para criar valor para nós mesmos. Como nosso conhecimento é incompleto, nem toda ação de fato resulta em uma melhora desse bem-estar, mas, sempre que escolhemos agir de certa maneira, esperamos que haja tal melhora. Se essa liberdade para agir implica escolhas equivocadas ocasionalmente, ao convivermos com as consequências dessas escolhas ruins, aprendemos a escolher com mais discernimento nas próximas vezes.

Uma vez que uma ação propositada está associada com um dado indivíduo, só conseguimos explicá-la levando em conta as motivações desse alguém. Logo, quando discutimos as ações de outra pessoa do ponto de vista econômico, estamos assumindo implicitamente que ela possui opiniões ou aspirações sobre como o mundo deveria se desenvolver, isto é, ela têm “preferências”. Como essas preferências estão relacionadas a uma pessoa específica, a um “sujeito”, dizemos que elas são “subjetivas”. Grosso modo, a diferença entre um enunciado subjetivo e um objetivo é a mesma entre uma opinião e um fato.

Portanto, quando indivíduos agem, eles são motivados por desejos que não são necessariamente idênticos de pessoa para pessoa. Além disso, eles não agem para maximizar o ganho monetário, mas sim sua satisfação ou seu “ganho psíquico”. Tal ganho psíquico pode incluir todos os tipos de valores – inclusive a preocupação com questões ambientais – nenhum dos quais é mais ou menos arbitrário do que outro. Note que isso não implica um relativismo moral, aquele em que ninguém pode julgar as ações dos demais; implica apenas o reconhecimento de que diferentes pessoas têm seus gostos particulares.

Se as preferências são subjetivas, os recursos não possuem um valor intrínseco. Ao contrário, esse valor muda de pessoa para pessoa e muda ao longo do tempo, conforme as preferências vão se alterando. Muda também conforme a utilidade e a escassez do recurso. Os quatro pães que você comprou lhe são úteis, já que alimentarão a sua família no café-da-manhã, mas o quinto pão já não tem o mesmo valor para você, porque ninguém mais estará com fome. Perceba, pois, que um mesmo recurso pode ter valores diferentes de acordo com sua utilidade.

Essas nossas preferências não podem ser quantificadas, podem apenas ser ordenadas. O que quer dizer isso? Digamos que, no exemplo dos pães, houvesse dois tipos de pães recém-saídos do forno da padaria: pão francês e pão de leite. O fato de você ter escolhido o pão francês indica apenas que, entre aqueles dois produtos, naquele momento, você colocou o pão francês na frente do pão de leite. Não seria possível calcular o quão maior era a sua preferência pelo primeiro em relação ao segundo. Não seria possível dizer que sua preferência pelo pão francês era, digamos, duas vezes maior do que pelo pão de leite.

Logo, tudo que podemos concluir é que, naquele momento, a sua preferência era pelo pão francês – outra pessoa ou até mesmo você no dia seguinte poderia preferir o pão de leite. A escala de valores de alguém está sempre sujeita a mudanças, não podendo ser conhecida a priori. Apenas com o seu ato de comprar os quatro pãezinhos é que descobrimos ali a sua preferência. Ora, se as preferências são subjetivas e não podem sequer ser quantificadas, não há como combinar preferências de diferentes pessoas em uma preferência “social”. O que podemos fazer, porém, é olhar para a estrutura de preços do mercado.

 

A importância dos preços e da competição

 

O conjunto das relações de trocas entre compradores e vendedores determina a estrutura de preços em um determinado momento. Essa estrutura só refletirá as demandas legítimas das pessoas quando não houver interferência estatal, isto é, em uma situação de livre-mercado. Nessa situação, os preços refletirão fielmente as escolhas de milhares, milhões ou até bilhões de pessoas interagindo umas com as outras em condições de incerteza. Os preços, assim, não são um fim em si mesmo, mas simplesmente um meio de transmitirmos a informação sobre os valores subjetivos que damos a bens e serviços.

Em um ambiente de livre-mercado, por meio de tentativas e erros, os preços vão se ajustando às reais demandas das pessoas. Além disso, eles vão mudando conforme essas demandas também mudam. Já que nosso conhecimento é imperfeito, várias ações fracassarão, mas os sinais enviados pela flutuação dos preços farão com que as pessoas aprendam com seus erros e procurem coordenar suas ações de forma cada vez mais eficiente. Logo, os preços servem como sinalizadores, indicando aos indivíduos se suas ações estão corretas e, se não estiverem, como podem melhorá-las ao longo do tempo.

Nesse processo, algo que é fundamental é o lucro. Ao contrário do que costuma ser apregoado, o lucro é belo e moral. Ele nada mais é do que a remuneração de um empreendedor. O que é um empreendedor? É alguém que, investindo seu capital e procurando satisfazer seus clientes, não só cria novas informações, como também as transmite, coordenando as ações dos agentes econômicos. Como, em um livre-mercado, não há barreiras de entrada a uma atividade, esse empreendedor precisa estar em permanente estado de alerta para não ser eliminado por seus concorrentes.

Quando um empreendedor lucra, isto é, quando ele compra um certo recurso por um preço menor e consegue revendê-lo por um preço maior, as ações da pessoa que lhe vendeu o recurso e da pessoa que dele comprou – antes desconexas – tornam-se coordenadas. Ao fazer isso, ele empreendeu, ele criou valor, ele alocou os recursos de forma mais racional do que estavam alocados anteriormente. Note que é o lucro que lhe transmite a informação de que sua ação foi bem sucedida, de que valor foi criado. Quanto mais intensa for a atividade dos empreendedores, maior a coordenação entre os agentes e mais eficiente a economia.

Voltemos para nosso exemplo dos pães. Para preparar seus pães, o padeiro precisa comprar farinha de trigo, fermento, sal e açúcar, além de pagar pela eletricidade, água e mão-de-obra. Para manter-se economicamente viável, o custo de tudo isso precisa ser menor do que vai ser recebido de seus clientes. Se tiver lucro, ele estará oferecendo um produto cujo valor será maior do que a soma das partes. Ao fazer isso, ele terá coordenado as ações de seus fornecedores com as de seus clientes. Se não tiver lucro, isso indicará que ele vai precisar mudar algo no seu processo de produção ou simplesmente abandonar essa atividade.

Ao longo da nossa história, ainda não descobrimos uma maneira melhor de transmitir informações sobre a oferta e a demanda de recursos do que por meio do lucro. Apenas o lucro consegue medir a quantidade e a qualidade das atividades econômicas, possibilitando que comparemos os custos de produção com os resultados e que decidamos se tais atividades devem ser mantidas ou modificadas. Esse preconceito que muitos têm em relação ao lucro é mais uma das conseqüências nefastas da doutrinação estatal a que somos submetidos. Assim, o lucro – pasme! – é fundamental para a melhora de nosso bem-estar.

São pessoas como o nosso padeiro, os empreendedores, que são a força motriz da economia de mercado. Eles é que avaliam se há algo faltando e decidem começar um novo negócio ou lançar um novo produto. São os empreendedores que arriscam suas próprias economias para conseguir espaço, adquirir equipa-mentos, comprar insumos e contratar mão-de-obra com o propósito de preencher uma demanda que acreditam existir. Eles é que, motivados pelo lucro, buscam recursos subutilizados para coordená-los e oferecê-los, com um valor maior, aos consumidores. Eles é que tornam nossas vidas melhores.

Muitos olham apenas para os lucros dos empreendedores, mas se esquecem dos enormes riscos que eles correm. Caso, por alguma razão, não satisfaçam seus clientes, incorrendo em grandes e prolongadas perdas financeiras, eles são impiedosamente eliminados pela concorrência. Como Hayek demostrou, nosso conhecimento não só é incompleto como está distribuído de forma desigual entre as pessoas. Se isso é verdade, então alguns empreendedores terão maior chance de tomar uma decisão correta do que outros e são esses que permanecerão.

Note que “empreendedor” e “empresário” não são sinônimos. O empreendedor se arrisca e procura atender de forma voluntária demandas legítimas da sociedade. Logo, nosso padeiro, que procura satisfazer nosso desejo pelos pães quentinhos, é um empreendedor, assim como o é uma moça que vende seu artesanato na porta do restaurante universitário. Ao contrário, o diretor de uma empresa estatal não é um empreendedor, assim como não o é o presidente de uma grande corporação que apenas faz pressão política no congresso para ter aprovado um projeto que lhe garante privilégios.

Somente em um ambiente de livre-mercado é que teremos apenas empreendedores, já que, sem a coerção imposta pelo estado, não haverá aquelas benesses garantidas aos amigos do rei. No livre-mercado, os empreendedores precisam estar em permanente estado de alerta, tentando descobrir e atender as necessidades dos consumidores. Esse processo empreendedorial não pode ser substituído por computadores, por reuniões da sociedade civil, por sindicatos, por câmaras setoriais, por movimentos sociais, por organizações não-governamentais ou por pseudossoluções políticas.

Uma vez que, no livre-mercado, o consumidor é soberano, o empreendedor – este sim – é, de fato, um servidor público. Se as trocas são voluntárias, não importa o quão rico seja um empreendedor, ele nunca poderá forçar as pessoas a consumir seus produtos. O mecanismo de correção de erros do mercado, baseado por um lado no sistema de preços e por outro na competição, faz que com que haja um incentivo para que, no longo prazo, os consumidores sejam satisfeitos e os empreendedores incompetentes, eliminados. Assim, em última instância, todo esse processo beneficia os consumidores.

Cabe ressaltar ainda que a competição beneficia não só os consumidores, mas também os trabalhadores. Mesmo que um determinado trabalhador não seja muito qualificado, possua uma grande família para alimentar e, portanto, não tenha um grande poder de barganha, ele será disputado pelos vários empreendedores que existem no mercado. Não há nada que impeça um competidor de oferecer um salário melhor a um trabalhador e retirá-lo de um empreendedor ávaro. Portanto, no longo prazo, a competição garante também que os trabalhadores não sejam subvalorizados pela mão-de-obra que oferecem.

O livre-mercado é um sistema baseado no nosso direito natural à propriedade privada, em que todos nós, ao agirmos egoística e imprevisivelmente, com base em nossas preferências subjetivas, não só nos satisfazemos, como também servimos aos demais. Em outras palavras, uma vez que não há a agressão imposta pelo estado, somos direcionados de forma anárquica e espontânea a caminhos que nos permitem simultaneamente servir a nós mesmos e aos próximos. Esse sistema ético e eficiente é, porém, distorcido à medida que o estado passa a intervir na economia.

 

As consequências do intervencionismo estatal

 

O estado consegue interferir na economia graças ao seu monopólio da agressão, obrigando seus cidadãos a fazerem coisas que não fariam normalmente. A principal maneira pela qual o estado interfere é via taxação, isto é, roubando seu rebanho por meio de impostos e desviando dinheiro do sistema produtivo para o sistema parasitário. Por meio de regulações esdrúxulas, ele também prejudica e encarece quase todas as atividades. Algumas, como o comércio de armas e drogas, são até proibidas, encarecendo-as e aumentando o incentivo para que grupos violentos as explorem.

Mesmo medidas que, em um primeiro momento, parecem boas, na verdade são altamente danosas à economia e ao bem-estar da população. Por exemplo, a criação de agências reguladoras, que teoricamente servem para beneficiar os consumidores e punir empresas que não se comportam adequadamente, leva ao estabelecimento de barreiras de entrada para novas empresas e a uma cartelização do mercado. Ou ainda, a criação de encargos trabalhistas que, longe de garantirem “direitos” aos trabalhadores, os coloca em uma posição fragilizada e provoca desemprego.

Além disso, a imposição de uma moeda fiduciária de curso forçado – aquela que não tem lastro e que somos obrigados a usar, como o real – faz com que a população seja usada como refém de políticas econômicas irresponsáveis. Da mesma forma, a criação de um banco central, ao qual todos os demais bancos estão subordinados, permite ao governo controlar todo o sistema financeiro. Esse sistema, que é o oposto do capitalismo, é provavelmente a maior fraude a que estamos submetidos e, em última instância, é um grande mecanismo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.

Graças a esse sistema, o governo pode agir como um falsário, criando dinheiro do nada para financiar suas dívidas. A esse processo de falsificação da moeda dá-se o nome de “inflação”. Note que inflação não é o aumento generalizado de preços; inflação é a expansão artificial da base monetária – o aumento de preços é tão somente uma consequência inevitável desse processo. O governo também falsifica a moeda permitindo a chamada “reserva fracionária”, segundo a qual os bancos só precisam manter em seus cofres parte do que eles dizem ter. Isso permite também aos bancos criar dinheiro do nada.

Mas e qual o problema disso? Quando dinheiro é criado do nada, cada real que temos passa a valer menos. Só que aqui há algo ainda mais perverso. Como a informação de que o dinheiro foi falsificado demora a ser propagada, quem o recebe primeiro consegue gastá-lo como se ele ainda valesse mais. E quem o recebe primeiro? Exato: o próprio governo, os bancos e as grandes corporações. Quando o nosso padeiro finalmente recebe de você esse dinheiro inflacionado, a moeda já perdeu valor, e vocês dois é que vão pagar a conta dessa farra. Esse fenômeno é chamado de “efeito Cantillon” e explica por que o governo inflaciona a própria moeda.

Não importa o nome que se dê ao sistema político vigente – liberalismo, social-democracia, fascismo, nazismo, comunismo… – todos são antiéticos, porque são coercitivos e violam a propriedade privada, e prejudiciais à economia, porque interferem nas trocas econômicas dos cidadãos. São todos diferentes formas de socialismo. Alguns, porém, são piores do que outros, já que, quanto maior o grau de intervenção estatal na economia, maiores os prejuízos. Quer dizer, quanto mais alto for o grau de intervenção, maior é o montante tomado pelos políticos e por todo o aparato governamental e mais empobrecida se torna a sociedade.

A intervenção estatal na economia implica um planejamento centralizado, isto é, concentrado nas mãos de poucas pessoas. Nesse caso, o que temos é um plano único, feito pelo governo, que impede os demais planos que seriam feitos voluntariamente pela população em geral. Como Mises ressaltou, planejamento central é sinônimo de socialismo: quanto mais centralizado for o planejamento econômico, mais socialista é o sistema político. Escreveu ele em “As seis lições”: “Submetido ao planejamento central, o homem é como um soldado em um exército. Não lhe cabe questionar, cabe-lhe cumprir ordens.”

Em um sistema socialista, tudo depende da honestidade e da sabedoria dos governantes, o que, convenhamos, está longe, bem longe, da realidade, já que, na política, os piores tendem a chegar ao poder. Ademais, mesmo que fôssemos governados pelas almas mais probas e sábias que já pisaram na Terra, imbuídas das melhores das intenções, ainda assim esse sistema não funcionaria. Como o conhecimento acumulado pela humanidade durante séculos está disperso, de forma desigual, por toda a sociedade, e como a ação humana é imprevisível, nem esse suposto conselho de sábios conseguiria planejar a economia.

A intervenção estatal não só é antiética, como também distorce os preços e leva a uma alocação irracional dos recursos. Mises já havia demonstrado, há quase 100 anos, que os cálculos baseados no livre-mercado são indispensáveis para se determinar o que é melhor economicamente. Se o governo se propõe a fazer algo que considera benéfico – construir uma estrada, por exemplo – ele usa o dinheiro roubado de seus cidadãos, que obrigatoriamente têm de gastar menos. Uma vez que o governo não gasta exatamente como as pessoas gastariam, há uma distorção no sistema de preços e uma alocação irracional de recursos.

E quando o estado intervém na economia e distorce os preços, não temos mais como saber o valor verdadeiro dos bens e serviços. O lucro, fundamental no livre-mercado para indicar as reais demandas dos consumidores, deixa de depender da criação de valor e passa a ser resultado de conchavos políticos. Lembre-se, a economia nos indica como usar recursos para alcançar fins alternativos. Assim, se em uma economia livre os fins são voluntariamente determinados pelos consumidores, em uma economia regulada passam a ser coercitivamente determinados pelos políticos.

Para que haja crescimento econômico, é necessário investimento e, para investir, é necessário poupar. Logo, o capitalismo incentiva a poupança – e não o consumismo, como acontece no regime socialista em que vivemos. O capitalista é aquele que poupa, consumindo menos do que cria ou produz. É o caso do nosso padeiro, que deixa de viajar para guardar dinheiro para comprar um forno melhor. Essa atitude de poupar indica uma “baixa preferência temporal”, isto é, uma capacidade de pensar a longo prazo. Pessoas com baixa preferência temporal abrem mão de bens presentes em troca de bens futuros.

Pois bem, a intervenção estatal também afeta essa preferência temporal por meio da manipulação da taxa de juros. Quando o governo abaixa artificialmente essa taxa, os gastos sobem em relação à poupança, empréstimos desnecessários são tomados e investimentos errôneos são feitos. Alguns setores são artificialmente favorecidos, enquanto outros são artificialmente desfavorecidos. Tudo isso leva à criação de bolhas, que, cedo ou tarde, estouram. Esses ciclos econômicos de expansão e retração provocados pela manipulação da taxa de juros levam àquelas crises econômicas periódicas que conhecemos tão bem.

Portanto, quanto mais uma sociedade se afastar do livre-mercado, mais sufocada será sua economia. Hoje em dia, em nenhum país do mundo há de fato um livre-mercado, porque as intervenções e as coerções dos governos são contínuas. Porém, o grau de intervenção estatal varia: algumas países, como Hong Kong e Singapura, têm um grau baixo de intervenção, enquanto outros, como Cuba, Coréia do Norte e Venezuela, têm um grau altíssimo. O Brasil, infelizmente, também é um desses países com alto grau de intervenção estatal. Não por acaso, enquanto os países mais livres prosperam, os mais reprimidos se depauperam.

Se nas atividades mais próximas do livre-mercado há a “soberania do consumidor”, nas atividades mais reguladas pelo estado há a “soberania do fuzil”. Ao comprar seus quatro pãezinhos na padaria, você vai ler no saquinho “grato pela preferência” ou “volte sempre”. Mas, ao entrar em uma repartição pública para cumprir alguma exigência arbitrária imposta por um grupo de políticos, você vai se deparar com a ameaça descrita no artigo 331 do Código Penal brasileiro: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

Como certa vez escreveu o economista estadunidense Thomas Sowell: “A primeira lição da economia é a escassez. Nunca há o suficiente de qualquer recurso para satisfazer todos aqueles que o desejam. A primeira lição da política é ignorar a primeira lição da economia.” Ou seja, se quisermos usar os recursos de que dispomos de maneira ética e eficiente, não há outra opção que não esquecer a “via política” e abraçar a “via econômica”, isto é, o livre-mercado. Isso vale para qualquer recurso, inclusive para aqueles que são o assunto deste livro: os bens naturais e os serviços ambientais.

 

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Fontes

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Marco Batalha
Marco Batalha
é biólogo, com mestrado e doutorado em Ecologia. Professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Tem mais de 90 artigos científicos, publicados em revistas como Diversity and Distributions, Ecology, Oecologia, Oikos e Plant Ecology. É autor do livro 'O Ambientalista Libertário'.
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