Thursday, November 21, 2024
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1964, o amargo remédio contra a revolução comunista

Se você já viu alguma discussão sobre o regime militar, na certa você já se deparou com aquele argumento de que nunca houve qualquer ameaça comunista no Brasil.

De um modo geral, a opinião majoritária na mídia e na historiografia é no sentido de que não havia uma real ameaça de tomada do poder pelos comunistas, por alguns motivos que podem ser resumidos da seguinte forma: 1- os comunistas estavam em pequeno número no Brasil, 2- que o presidente João Goulart e os demais líderes da esquerda não eram comunistas, e sim social democratas, 3- e que as acusações de infiltração de agentes comunistas e preparação de guerrilhas para tomar o poder eram totalmente falsas.

Porém, mesmo que essa seja a narrativa oficial, muitos até hoje se perguntam se o Brasil poderia ter se tornado uma nova Cuba caso não houvesse a intervenção militar de 64.

Por isso, o conteúdo de hoje foca em analisar uma série de evidências deixadas de lado pela versão oficial adotada pela maior parte dos estudiosos, afim de apresentar uma série de fatos que lançam uma nova luz sobre a questão da ameaça comunista no Brasil.

Então senta que lá vem a história.

Começaremos nossa retrospectiva pelo ano de 1917, em que ocorreu a primeira greve geral no Brasil.

Esse acontecimento foi inspirado pela chegada de imigrantes europeus que trouxeram o pensamento anarquista para dentro dos sindicatos.

Esse pensamento anarquista era bem diferente do nosso anarcocapitalismo. Em verdade, ele era muito mais influenciado por pensadores como Proudhon e Bakunin, que em relação à economia, acreditavam que essa deveria ser desenvolvida de forma coletivista, abolindo-se à propriedade e o sistema de preços.

Isso naturalmente é um panorama geral, já que entre os primeiros anarquistas ainda havia muito debate sobre a questão econômica. O próprio Proudhon chegou a fazer uma defesa da pequena propriedade, sendo por isso criticado por alguns dos socialistas contemporâneos.

De toda forma, o que esses primeiros anarquistas buscavam era um modelo certamente muito diferente do que viria a ser apresentado por pensadores como Murray Rothbard.

Além disso, 1917 também foi palco de outro grande evento da esquerda mundial, a tomada do poder pelos bolcheviques liderados por Lênin.

Nos anos 20, o Brasil enfrentou no campo militar duas importantes revoltas tenentistas, sendo que a segunda delas foi responsável por trazer ao palco Luís Carlos Prestes, que exerceria papel de destaque em acontecimentos futuros.

Em 1924 ele inicia a chamada coluna Prestes, movimento que levou milhares de seguidores a marchar pelo país exigindo mudanças estruturais no governo.

Esse movimento, que deu a Prestes o apelido de cavaleiro da esperança, também é envolto em relatos de saques, estupros e assassinatos, ao melhor estilo Lampião.

Para escapar da Justiça Prestes foge para a Bolívia, onde ele mergulha no estudo do marxismo, e parte dali para a URSS de Stálin, de onde voltaria em 1935 para tentar um golpe de estado.

Ao lado de Olga Benário e do movimento Aliança Nacional Libertadora, Prestes executa a primeira tentativa de golpe comunista no Brasil em novembro de 1935, liderando um levante de militares no Rio de Janeiro, Recife e Natal. Porém, o movimento fracassa e os responsáveis acabam presos.

O evento foi apelidado de intentona comunista, e acabou servindo de justificativa para a ditadura varguista do estado novo.

Prestes permanece na prisão até 1945, quando ocorre a anistia que permite a Prestes novamente exercitar sua militância do PCB e disputar as eleições legislativas, na qual consegue a cadeira de senador.

Nessa época também teve início a famosa guerra fria, em que Estados Unidos e União Soviética se lançam em inúmeras guerras de procuração, além de investir pesado em contraespionagem.

E é nesse ponto que o Brasil se torna cenário de importantes embates entre a CIA americana e um dos braços da KGB, embora tais fatos sejam completamente ignorados pela historiografia oficial e nos discursos políticos.

Antes de mais nada, é indispensável ter em mente que americanos e soviéticos disputavam palmo a palmo a hegemonia no xadrez geopolítico, e embora cada país tivesse suas prioridades, a alegação de que os socialistas não tinham interesse no Brasil, maior país da América Latina, é completamente absurda, vide o retorno de prestes como homem da URSS para liderar a intentona comunista.

Verdade seja dita, a certeza dos projetos soviéticos vem do melhor tipo de fonte que um pesquisador poderia querer: os documentos do próprio bloco soviético.

No tocante a questão da ação de agentes soviéticos em solo brasileiro, boa parte da nossa pesquisa está amparada no trabalho de Mauro “Abranches” Kraenski e Vladimir Petrilak, autores do aclamado: 1964 – O Elo Perdido – O Brasil nos Arquivos do Serviço Secreto Comunista. Neste livro os autores apresentam relatórios de agentes secretos, planos de operações, recibos de pagamento de colaboradores brasileiros e sistemas de propaganda e desinformação projetadas de dentro da cortina de ferro.

Os documentos apresentados vêm do Instituto para o Estudo de Regimes Totalitários da República Checa, país sede da STB, uma instituição de inteligência e espionagem que trabalhava como braço da KGB.

Entre os feitos da conspiração vermelha nos anos 50 e 60 no Brasil, merecem destaque a aquisição de influência em dois jornais, uma editora, dezenas de agentes e um plano para abertura de um canal de TV. Seus agentes também conseguiram acesso aos políticos do alto escalão, o que incluiu o gabinete dos três últimos presidentes civis antes de março de 64.

Em 1952 a inteligência checa iniciou seu programa de espionagem no Brasil, e embora no início as coisas fossem trabalhosas, a começar pela dificuldade com nosso idioma, a STB delineou um ousado plano de ação, em que um dos focos era de se aproveitar do sentimento nacionalista brasileiro.

Você pode não imaginar, mas havia por aqui um sentimento patriótico e antiamericano bastante forte, impulsionado pelo fervor nacionalista gestado pelo governo Vargas.

Basicamente, os políticos e o empresariado nacional estavam engajados em não se tornar um mero quintal dos Estados Unidos, seja lá o que tal meta significasse.

Para não se tornar subalternos dos americanos, valia qualquer coisa, até restabelecer relações políticas e comerciais com o bloco comunista.

Os comunistas eram cuidadosos, mas mesmo assim, em 1958 a STB soube que as atividades de espionagem comunista tinham sido denunciadas ao ministro da Justiça. No entanto, curiosamente, o Brasil não tomou qualquer medida para dificultar a vida dos agentes da cortina de ferro.

Essa aliás não seria a última vez que os políticos brasileiros fingiriam cegueira diante do avanço soviético.

Nesse mesmo contexto tinha início a revolução cubana, que durou de 26 de julho de 1953 até 1 de janeiro de 1959. Também no fim dos anos 50 a inteligência Checoslováquia já havia ultrapassado as primeiras dificuldades de adaptação brasileira, e para melhorar, Cuba oferecia aos comunistas não só um importante aliado, mas uma evidência de que um país latino poderia trilhar o caminho do socialismo.

Na esteira do sentimento nacionalista, Jânio Quadros sai vitorioso na eleição de 1960 e começa a trabalhar pela aproximação do Brasil com a URSS. Esse fato viria a ser de fundamental importância adiante.

Com Jânio e Goulart na presidência, as relações comerciais e diplomáticas são totalmente restabelecidas entre o Brasil e a URSS. Não obstante, nesse período o país já atravessava uma grave crise financeira.

Em 62, com a crise se aprofundando, os checos tiveram uma reunião com um colaborador de dentro da política brasileira, identificado nos registros secretos apenas como Lauro.

Com relação à preocupação de que a direita poderia tentar um golpe, o colaborador de pseudônimo Lauro afirmou que as forças democráticas certamente estavam preparadas para tal situação. Disse que já havia um grupo preparado para iniciar a guerrilha. que por enquanto o grupo era pequeno, mas possuía contatos com as Ligas Camponesas, chefiadas por Julião. A organização e o equipamento estavam ainda em formação. No ano seguinte o trabalho de organização seria finalizado.

O homem mencionado nos arquivos soviéticos era Francisco Julião, que muito antes da intervenção de 64 já trabalhava intensamente pela causa socialista.

Provavelmente essa declaração é das que encontrará maior resistência entre os simpáticos ao socialismo, dado que a cartilha oficial reza que os socialistas brasileiros eram todos pacifistas antes do regime militar.

Mas os fatos falam por si. Em 1962 ocorreu o acidente aéreo do Voo Varig 810, no qual quase 100 pessoas morreram. Nos destroços foram encontrados documentos ligando Cuba ao treinamento de guerrilheiros no Brasil. A revista ‘O Cruzeiro’, na edição de 22 de dezembro de 1962, estampou em sua capa: ‘Guerrilha descoberta no Brasil Central’”.

As denúncias porém foram abafadas pelo ministro das relações exteriores Hermes Lima. A própria imprensa também não deu a atenção que devia, provavelmente como resultado do processo de penetração comunista nas redações dos jornais.

No tocante a penetração soviética em veículos de mídia no ocidente, essa penetração funcionava como um verdadeiro fronte de guerra, vide a campanha sobre a guerra do Vietnã, onde os EUA foram massacrados pela opinião pública.

No Brasil, um dos destaques fica por conta do jornal O Semanário, cujo dono tinha sido filiado ao PCB, dirigido por Prestes e Marighela.

O jornal não tinha uma linha editorial comunista, mas sim, nacionalista.

Como já adiantamos, a pretensa luta contra os EUA era o que impulsionava os jornais nacionalistas na publicação de textos pró Cuba e outros similares.

Na verdade, era muito melhor para a STB criar conexões com pessoas que não eram comunistas, mas que tivessem interesses em comum. Isso ajudava a despistar as reais intenções dos envolvidos na conspiração.

Segundo Lawrence Brit, codinome do espião tchecoslovaco Ladislav Bittman,

“Até 1964, o serviço de inteligência tchecoslovaco possuiu um jornal no Brasil. Após o golpe, a edição deste jornal foi interrompida pelo novo governo e o serviço tchecoslovaco perdeu, desta maneira, um canal para a sua propaganda”.

Esse depoimento foi dado pelo mencionado agente comunista após desertar e entregar segredos soviéticos em uma audiência na subcomissão do senado americano.

Mas nem tudo eram flores para os comunistas. Os soviéticos não só espionavam, como também eram espionados.

Como exemplo dessa perigosa relação, um agente duplo conseguiu enganar a inteligência checa prometendo entregar um pacote com documentos secretos. No dia 14 de maio de 1964, às 14h00, em frente ao cinema Azteca na rua Catete, o DOPS do estado da Guanabara prendeu um funcionário do serviço de inteligência da Tchecoslováquia após este receber um pacote do agente duplo e entregar-lhe dinheiro.

Essa foi a maior derrota para a inteligência checa no Brasil.

Mas ainda que tal evento demonstrasse de forma cabal que havia a penetração de espiões comunistas no Brasil, o fato é que antes disso muitos membros da elite nacional já tinham completa consciência das ações de espionagem soviética.

Em 63, por exemplo, pouco depois do reatamento das relações com o bloco soviético, a embaixada brasileira em Moscou foi secretamente invadida e teve um cofre violado.

E mesmo constatando que a KGB estava quebrando a confiança da diplomacia brasileira, João Goulart (que todos diziam não ser socialista), afirmou que o incidente não poderia vir a público para não fornecer argumentos às forças de direita no Brasil.

Simultaneamente, o mesmo Prestes da intentona comunista estava envolvido na realização de grandes eventos internacionais em prol de Cuba, onde discursavam desde generais simpáticos ao regime, políticos socialistas da América Latina e diversas personalidades influentes da época.

Na verdade, as ações de Cuba demonstram que os caribenhos estavam mais afoitos para exportar sua revolução do que a própria URSS.

Como se sabe, Cuba chegou ao ponto de ter armas nucleares engatilhadas contra os Estados Unidos, e teve participação intensa nas revoluções na África, para onde chegou enviar tropas lideradas pelo próprio Guevara.

As revoluções na África, a propósito, também demonstram que não havia distância que os comunistas não estivessem dispostos a transpor para levar sua revolução, ao ponto de Cuba chegar a invadir o longínquo Israel na guerra do Yom Kippur.

Segundo Jonathan Brown, professor de História Latino-Americana na Universidade do Texas e autor do livro O Mundo Revolucionário de Cuba, só na América Latina, a lista de países que tiveram alguma tentativa de insurreição cubana inclui Panamá, Nicarágua, República Dominicana, Haiti, Argentina, Venezuela, Peru, Guatemala, Colômbia, El Salvador e Bolívia.

Um guerrilheiro comunista cuja história merece ser contada é o padre Alípio de Freitas. Desde 1961 ele já era colaborador das ligas camponesas, e recebia treinamento na ilha caribenha. Em 1962, ao retornar de uma viagem para Moscou, ele abandonou de vez o vínculo com o catolicismo para se engajar na atividade revolucionária.

Ele também foi um dos integrantes do movimento ação popular, fundado no Brasil em 1962, e que teria um papel central na luta armada contra os militares pós 64.

No fim do regime, com a chamada redemocratização, o padre herege foi alçado ao status de herói, assim como muitos outros que foram homenageados e que recebem uma pensão oriunda do dinheiro que eu e você pagamos de impostos.

Ora, antes de prosseguirmos com as outras tantas evidências que ainda apresentaremos ao longo deste trabalho, cumpre salientar, ainda que de forma preliminar, que tais fatos já servem de evidência contra a maior parte dos discursos que tentam inocentar a esquerda de haver conspirado para tomar o poder antes de 64.

Os acadêmicos e o consenso dos formadores de opinião sempre insistem que o partido comunista no Brasil era fraco, e que a esquerda no Brasil era mais trabalhista do que revolucionária, tal qual seus famosos líderes Goulart e Brizola.

Outros ainda afirmam que foram os militares que provocaram a luta armada, e que a militância socialista só se tornou violenta em resposta à repressão do regime.

Muitas dessas afirmações já são desmentidas pelos fatos que aqui trouxemos, mas vale ainda relatar alguns pontos que desfazem o engano da narrativa vigente.

Comecemos por Leonel Brizola, que apesar de não confessar ser comunista, em tudo agia tal qual um agente soviético.

Em 1961 ele encontrou-se com Ernesto Che Guevara em um evento no Uruguai, e a partir desse momento passou a nutrir grande admiração pelo revolucionário.

Também por volta desse período Brizola desapropriou duas empresas americanas que atuavam em solo nacional: a Bond and Share e a I.T.T, alegando que ambas já haviam lucrado demais por aqui.

Essas medidas autoritárias só encontravam paralelo na ilha dos Castro, e tanto lá como aqui, os atos eram alicerçados sob um ferrenho anticapitalismo.

Jânio Quadros, que na época era o presidente brasileiro, também não economizou nas homenagens a Che Guevara.

Em agosto de 61, quando em visita ao Brasil, Guevara recebeu de Quadros a condecoração da Grã Cruz da ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, e agradeceu o presidente com o seguinte discurso:

“Sr. presidente: como revolucionário, estou profundamente honrado com esta distinção do governo e do povo brasileiros. Porém, não posso considerá-la nunca como uma condecoração pessoal, mas como uma condecoração ao povo e nossa revolução, e assim a comunicarei com as saudações desse povo que v. exa. pessoalmente representa. E a transmitirei com todo desejo de estreitar as nossas relações.”

O malfadado episódio foi por si só tão infame que por pouco os militares do planalto não realizaram um motim.

Subsequentemente, quando Jânio renunciou, havia uma considerável resistência entre os militares quanto a permitir que Goulart, que era seu vice, assumisse como presidente. Nesse episódio, inclusive, Goulart estava em viagem oficial para a China comunista.

Mas Brizola assumiu uma postura guevarista, e exibindo uma sub-metralhadora, e ao lado do terceiro exército, deu início ao que ficaria conhecido como campanha da legalidade.

Os soldados pró Brizola e as forças de oposição prepararam operações militares uns contra os outros. O evento quase mergulhou o Brasil numa guerra civil, mas o desfecho veio através de um grande acordo político que instalou temporariamente o parlamentarismo no país.

Já que sua posse foi conturbada, o próprio mandato de Goulart não seria menos turbulento.

“Se não dermos o golpe, eles o darão contra nós”, dizia Leonel Brizola, cunhado de Jango e governador do Rio Grande do Sul. O governador esquerdista de Pernambuco, Miguel Arraes, afirmava o mesmo. “Volto certo de que um golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei.”

Mas não eram apenas os caciques políticos que planejavam um golpe. Entre 1961 e 1962, o Movimento Revolucionário Tiradentes montou campos de treinamento de guerrilha em Goiás com financiamento do próprio Fidel Castro. A existência dessa guerrilha em Goiás foi descoberta graças aos documentos encontrados no acidente aéreo no Peru que já mencionamos.

No campo político, o presidente aprovou uma Lei de Remessas de Lucros de 1962, que impedia multinacionais de enviar para fora do Brasil mais do que 10% do lucro por elas obtido.

Goulart até chegou a enviar para o congresso um decreto de estado de sítio, que permitiria a ele prender opositores e passar as reformas com que tanto sonhava.

Mas mesmo com o apoio de certos líderes militares, os congressistas temeram que ao alçar Goulart ao poder absoluto, eles mesmos ficariam a sua mercê.

No fim, o próprio Goulart cancelou aquela patética manobra.

Noutro dos muitos eventos protagonizados pelos apoiadores de Goulart, o ano de 63 também ficou marcado pelo discurso do subtenente paraquedista Gelcy Rodrigues Correa, que em apoio ao projeto de reforma de Goulart fez a seguinte declaração:

“pegaremos em nossos instrumentos de trabalho e faremos as reformas juntamente com o povo, e lembrem-se os senhores reacionários que o instrumento de trabalho do militar é o fuzil.”

O subtenente, a propósito, ficou conhecido como integrante da Guerrilha do Caparaó.

Seu discurso precedeu a revolta dos sargentos de setembro de 1963, em que os militares se amotinaram nos prédios do Departamento Federal de Segurança Pública, da Estação Central da Rádio Patrulha, do Ministério da Marinha, da Rádio Nacional e do Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos. As comunicações de Brasília com o resto do país foram cortadas.

Como se vê, não é exagero dizer que o Brasil era na época um verdadeiro barril de pólvora.

Já em março de 64 estoura a revolta dos marinheiros, organizada no prédio do sindicato dos metalúrgicos. Após negociações, os militares revoltosos foram liberados sem qualquer reprimenda, e sequer tiveram de ser processados pela insubordinação, graças a anistia proporcionada por João Goulart.

Em 30 de março, dois protagonistas da revolta, o “cabo Anselmo” e o almirante Cândido Aragão, compareceram a uma reunião organizada pela Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar no Automóvel Clube, na presença de Goulart, o que “indicava o apoio de Goulart aos revoltosos. Goulart na ocasião também protagonizou mais um discurso inflamado, que alguns dizem, foi impulsionado pelo uso de substâncias não muito sacrossantas.

Toda essa balbúrdia no exército, por configurar um grave caso de indisciplina em prol do presidente, fez com que muitos militares abandonassem qualquer lealdade que ainda tivessem ao mandatário.

Nesse ponto, convém retroceder algumas semanas afim de comentar o discurso de João Goulart na central do Brasil dia 13 de março, em que o presidente, mesmo numa posição política delicada, fez um pronunciamento anunciando a desapropriação de numerosas propriedades para reforma agrária e a encampação das refinarias particulares de petróleo.

Não só isso, como Goulart também afirmou que a própria constituição federal era ultrapassada e precisava ser revogada. Tudo, segundo ele, para abrir caminho para atender os anseios da classe trabalhadora, que enfrentava uma grave inflação.

Além da reforma agrária e da mudança da constituição, as ditas reformas estruturais de Goulart ainda visavam a legislação tributária e as leis urbanísticas, sob o pretexto de combater a especulação, além de uma reforma bancária, cuja função seria de ampliar a disponibilidade de crédito, provavelmente alçando a impressora de dinheiro ao status de divindade.

Por conta disso, cabe perguntar: se com falta de apoio político, e estando limitado pela constituição de 1946 que até então vigorada, ainda assim Goulart fazia desapropriações de propriedades rurais e refinarias de petróleo, qual alcance não teriam seus decretos caso ele estivesse politicamente mais forte e pudesse revogar a constituição ao seu bel prazer?

No fim das contas, seus discursos em março de 64 mostram que Goulart tinha perdido totalmente a paciência com todos os entraves que o atrapalhavam em seu projeto de revolucionar a sociedade.

Como resposta, no dia 19 de março acontecia a marcha da família com Deus pela liberdade, que foi sem sombra de dúvidas um dos grandes eventos que influenciaram a intervenção militar.

E então os militares tomaram o poder, publicaram seus atos institucionais e permaneceram no poder até 1985.

De tudo o que foi dito até aqui, cabe reconhecer que nos anos que precederam o ato de 31 de março de 64, o Brasil esteve envolto em uma teia de conspirações, que em maior ou menor grau, envolvia o governador de um estado, o presidente da república, alguns deputados, jornalistas e militares dissidentes.

E não só isso, mas essa teia contava ainda com militantes treinados e financiados em Cuba e URSS, sem falar na ação das embaixadas dos satélites soviéticos que buscaram com afinco semear de todas as formas a influência socialista no Brasil e na América Latina.

Somados tais fatores, fica desde logo desmentida aquela narrativa de que nunca houve possibilidade de golpe comunista no Brasil.

Não obstante, ao contemplar todo esse cenário de conspiração, espionagem, treinamentos em Cuba, formação de diversos grupos de esquerda no Brasil, seria justo indagar a seguinte questão: porque mesmo com tanto apoio e estrutura, ainda assim os comunistas não conseguiram tomar o poder?

Bem, verdade seja dita, o próprio serviço secreto da STB teve de responder essa embaraçosa pergunta em um dos documentos que relatam os eventos de março de 64.

Dentre as razões apontadas pelo serviço secreto comunista, a explicação que se sobressai é a falta de organização e o excesso de triunfalismo na atitude dos socialistas brasileiros.

Uma particularidade teórica dos marxistas é que eles acreditam numa marcha inexorável da história rumo ao socialismo. Assim, por paradoxal que pareça, essa filosofia ateia parece se ancorar na esperança de que o próprio cosmos irá trabalhar em favor da vitória final do comunismo.

Em suma, havia a crença na profecia de Karl Marx que a velha ordem sucumbiria diante da marcha inexorável da história.

Embora pareça paradoxal imaginar milhares de comunistas com absoluta certeza da vitória contra o capitalismo, devemos lembrar que essa foi a época de ouro soviética, e que ao menos eles podiam se gabar de ter enviado para o espaço o primeiro cachorro e o primeiro cosmonauta, além de terem dominado tão bem a tecnologia nuclear a ponto de criar a Tsar Bomba, que até hoje mantém o recorde de maior detonação nuclear da história.

Por outro lado, se na URSS o domínio da elite do partido era absoluto, no Brasil haviam divisões que muito atrapalhavam a organização dos comunistas.

Assim, embora houvessem diversos grupos engajados na causa, a grande questão sempre foi como colocar todas essas peças para funcionar de uma forma uniforme.

Desde os primeiros relatórios produzidos pelos checos na década de 50, existem nos documentos diversas críticas aos costumes locais, como as mentiras, o jeitinho brasileiro, o desleixo, a falta de pontualidade nas reuniões… no geral, o brasileiro não era visto como alguém de palavra e que arcasse com as responsabilidades.

A STB em boa parte culpa a indecisão de João Goulart pela ausência de uma resposta enérgica frente ao movimento de 64. E tal fato, por incrível que pareça, chega a ser louvado pela esquerda pacifista moderna, que enxerga em Goulart um bom líder que não queria ver sangue derramado.

Essa avaliação não vem apenas dos soviéticos, mas é ecoada até por José Wilson da Silva, um dos militares próximos de Goulart e que ficou conhecido como o tenente vermelho.

Sua opinião sobre Goulart era de que se ele tivesse 10% do vigor de Fernando Collor, o país teria avançado de forma extraordinária. Nas suas palavras, Jango não tinha pulso, não decidia. Consultava, consultava e, no final, deixava para os outros decidirem.

O tenente, ao que tudo indica, fazia parte do chamado dispositivo militar, que era uma ala das forças armadas que Goulart vinha aos poucos cooptando para sua causa.

De toda forma, muito do que os comunistas levaram décadas para conseguir acabou caindo ao chão graças ao general Olympio Mourão Filho e sua decisão de marchar no dia 31 de março de 1964.

De fato, a esquerda só começaria a se recuperar desse golpe em 65, ano em que foi realizado o primeiro ato de guerrilha da luta armada. Mas nesse ponto, muitos líderes socialistas já estavam fora do Brasil discutindo inutilmente quem morreria quando eles chegassem ao poder.

Ainda assim, caso não houvesse essa intervenção militar, e se os socialistas tivessem mais cinco ou dez anos para trabalhar sem serem importunados… quem sabe o que poderia ter sido do Brasil?

Se Goulart pudesse produzir uma constituição ao seu gosto, tal como fez Getúlio Vargas, ou se em seu lugar o Brasil fosse comandado por um militante mais enérgico, como Brizola… qual teria sido o desfecho?

Em última análise, é um alívio constatar que o Brasil não foi por este caminho.

Enfim… somados tais episódios com uns tantos outros que infelizmente não poderei expor nesse trabalho, confesso que foi grande a minha surpresa ao analisar mais a fundo a história do Brasil.

Antes, eu dava como certo de que os comunistas não poderiam oferecer qualquer ameaça significativa em 1964, e até suspeitava que a própria ação dos militares tivesse sido precipitada.

Mas ao deixar os fatos falarem, tive de me render ante a única conclusão possível.

Sim, o Brasil tinha chances de se tornar uma Cuba, e não há como garantir que isso não ocorreria caso os militares não houvessem agido preventivamente.

Nem mesmo as fraquezas e debilidades do movimento comunista servem de argumento para indicar que eles não fossem uma ameaça. Pois se naquele momento eles não tinham preparo o suficiente para tomar o poder, tão pouco seria desejável que os militares esperassem até seus inimigos estarem 100% preparados para só então tomar alguma providência.

E pelo histórico, olhando todos os avanços que os comunistas tiveram a partir da década de 50, não seria surpreendente que eles pudessem representar uma séria ameaça em um curto espaço de tempo.

Não obstante, isso não é uma chancela incondicional ao regime militar. Há eventos bastante questionáveis por parte do regime, como a ação do DOPS contra Raul Seixas e Paulo Coelho, uma dupla que tinha tanto poder para derrubar o regime quanto tinha chance de atrair discos voadores.

De qualquer forma, muitos se surpreenderiam com a frieza dos tribunais revolucionários e das torturas e assassinatos que a esquerda praticava por meio deles. Tais tribunais, diga-se de passagem, constituem outro ponto que a elite política busca impedir que se discuta.

De toda forma, nas últimas décadas quase 100% dos relatos sobre esse período foram produzidos segundo a ótica dos socialistas, e portanto, valia a pena compilar as informações deste trabalho afim de fazer um contraponto, mesmo que isso significasse advogar indiretamente em favor de homens controversos como Castelo Branco ou Geisel.

Fica portanto registrada minha contribuição para o esclarecimento desse importante episódio da nossa história.

Rodolfo Andrello
Rodolfo Andrello
é formado em direito e pós graduado em filosofia do direito pela Pontifícia Universidade Católica. É criador de conteúdo em canais de divulgação da escola austríaca como O economista austríaco, visão libertária e alguns outros projetos menores. Já foi filiado a agremiações socialistas e hoje se considera inimigo jurado de Karl Marx.
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